‘Se desigualdade cresce, há erro nas instituições’, diz escritor polonês

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Para autor de ‘Crises da Democracia’, eleição de Biden é esperança de que sistemas podem sobreviver
Entrevista com Adam Przeworski

Fernanda Simas, O Estado de S.Paulo – 10 de janeiro de 2021

A invasão do Congresso americano por extremistas pró-Donald Trump no dia em que o Senado confirmaria o democrata Joe Biden como novo presidente dos Estados Unidos jogou luz à discussão sobre a solidez da considerada a maior democracia do mundo. Para Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia, agora os EUA não podem mais “se vender como bastião da democracia”.

A invasão do Congresso mostra fragilidade das instituições americanas?
Acredito que a insurreição mostra mais sobre polarização na sociedade, a existência de uma fatia fanática considerável dentro da direita política. As regras das eleições americanas são incoerentes e incompletas, mas foram suficientes no passado. O que é novo é o candidato derrotado se recusar a ceder o poder, e isso abriu um conflito em torno dessas regras.

O sr. acredita que a democracia nos EUA está em perigo?
A democracia sempre foi fraca nos EUA, em grande parte por conta da exclusão de grandes segmentos da população das instituições políticas. Os efeitos dessa crise são difíceis de prever. Por um lado, o governo Biden não será visto como legítimo por boa parte da sociedade. Por outro, deve haver uma forte coalizão bipartidária de centro para unificar o país.

Qual o impacto do que ocorreu em outros países?
Os Estados Unidos já haviam perdido muito de seu “soft power” por causa de Trump e, particularmente, de sua maneira em lidar com a pandemia. Agora, os EUA não têm mais condição de se vender como bastião da democracia, certamente não como um sistema que deva ser seguido por outros países.

É possível a coexistência entre democracia e capitalismo?
Muitas pessoas desde o século 17 pensavam que não, pelo fato de o capitalismo ser um sistema de economia desigual e a democracia, de igualdade política. Pensavam que a democracia era uma ameaça letal ao capitalismo. Mas, no fim, isso se provou não ser verdade. Temos 13 países no mundo nos quais o capitalismo e a democracia coexistiram por mais de 100 anos de forma relativamente pacífica. A relação sempre será tensa, haverá conflitos entre os sistemas de produção e distribuição de renda, mas a coexistência é possível.

E com o socialismo?
Em princípio, acho que é possível, acreditei toda minha vida que sim. Mas tivemos vários exemplos, principalmente em meados dos anos 60, que não funcionaram. Se por socialismo você se refere à centralização de recursos, não vimos um experimento que tenha sido bem-sucedido.

Existe um ponto em comum entre crises democráticas de diferentes países?
Democracia para mim é um sistema de resolução temporária de conflitos por meio de eleições. Para que esse sistema funcione, algo deve estar em jogo na eleição, mas não muita coisa. Se perder é muito doloroso para os perdedores e os vencedores não dão aos perdedores temporários uma chance de vitória no futuro, então as eleições não funcionam como um mecanismo, os conflitos saem das instituições e vão para as ruas.

E isso tem ocorrido?
Alguns pensam que o aborto nunca deve ser legalizado, outros que ele deve ser permitido até os três meses. São visões diferentes, mas a questão é o que fazer quando há uma discordância. O que ocorre em diversos países, como nos Estados Unidos e no Brasil nos últimos 20 anos, é que a hostilidade também aumentou. As pessoas se olham como inimigas. A hostilidade está dentro dos empregos, das famílias. As pessoas não conseguem conversar sobre política.

Essa polarização leva ao surgimento de “outsiders”?
Nos EUA, no Brasil, na Itália, isso é verdade. Nos anos 80, pessoas votavam, os governos mudavam e a vida das pessoas não, principalmente das classes mais baixas. Então surgem aqueles que oferecem soluções mágicas, os famosos “curandeiros”. Esse é o cenário de Trump, do 5 Estrelas na Itália. E isso justifica o colapso dos tradicionais partidos de centro-esquerda e centro-direita. Veja o PSDB, está colapsado.

É possível acabar com a crise da democracia?
Acho que na maioria dos países a democracia não está em perigo. Nos últimos 20 anos, mais ou menos, houve um aumento claro de partidos radicais de direita, mas parece que o apoio para esse tipo de radicalismo de direita fica sempre na faixa de 20% a 25%. O fato é que as instituições representativas tradicionais não funcionam muito bem. Se você é uma pessoa pobre no Brasil, no México, na Espanha, na Grécia, e se pergunta o que essas instituições fizeram por você ao longo da vida, a resposta será “muito pouco”. Desigualdade em alta é sintoma de algo errado com as instituições. Acho que essa crise veio para ficar, mas não ameaça a existência da democracia na maior parte dos países. De alguma forma, a eleição nos EUA é uma esperança, a democracia estará mais fraca, mas vai sobreviver.

O que o sr. pensa de política e religião estarem lado a lado?
O que me impressiona é que a religião permeie a política nos EUA e no Brasil atualmente. Os valores tradicionais da família foram ameaçados e alguns partidários de Bolsonaro, por exemplo, defendem a família tradicional. Se você olhar nas pesquisas dos EUA, uma das grandes diferenças na forma de votar está no fato de as pessoas serem casadas ou não. Isso é o que está em jogo. As pessoas se sentem ameaçadas em seu “jeito tradicional de levar a vida” e a religião é uma espécie de linguagem com a qual esses valores são transmitidos. Essa é uma nova divisão. As diferenças religiosas sempre existiram, mas nunca foram colocadas à venda.

Tirar líderes autoritários do poder demanda o que?
É uma questão de educação, mas também de organização, mobilização. O problema na maioria dos países é que as oposições estão extremamente divididas. Parte do motivo de ser tão difícil remover alguns líderes é a oposição rachada, como na Venezuela, no Brasil.

Falando de alguns países, como o sr. classifica a situação de Cuba?
Cuba é um caso muito, muito particular. É uma relíquia do passado, que de alguma forma sobreviveu. Antigos países comunistas ou colapsaram ou passaram por reformas gerais, como a China e Vietnã de forma bem sucedida. Cuba não teve uma reforma, ou teve muito pequena, e de alguma forma sobreviveu. Acredito que parte da situação atual é responsabilidade dos EUA. Acho que Cuba não tem muita opção. Se eles se abrem, vão ter uma injeção massiva de capitalismo, desigualdade, racismo vindo dos EUA e dos cubanos emigrantes. Então, não acho que eles tenham muita opção. Existiram momentos de abertura e quando ocorreram houve uma tentativa de reforma, mas acho que é uma situação impossível.

E a China?
Eu não sou tão anti-China como muitos são. É um governo brutal, um governo autoritário. O que fazem com os muçulmanos é brutal. A repressão aos ativistas é brutal, mas é um país de 1,4 bilhão de pessoas no qual as pessoas comem cada vez mais e as pessoas não se matam.Quando começo a pensar em China X Índia, os chineses brutalmente mantêm a prosperidade e a segurança e acho que são bem sucedidos nisso. Eu acredito na democracia, no direito de as pessoas se expressarem, escolherem seus governos, mas os chineses foram bem sucedidos em diversos de objetivos que não compartilhamos.

Você sabe com quem está falando? por Marcos Lisboa.

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Grupos organizados se recusam a serem tratados como a maioria da sociedade

Folha de São Paulo, 10/01/2021

A reação contra a proposta do governo de São Paulo de reduzir benefícios tributários ilustra a dificuldade com a agenda de reformas no Brasil.

O problema não se resume à falta de vontade política. Nos últimos anos, foram muitas as tentativas de diminuir privilégios e distorções, mas encontraram violenta resistência dos grupos beneficiados.

Em ao menos um caso, a reação ultrapassou os limites da legalidade. O governador Paulo Hartung fora eleito em 2014 alertando sobre o descontrole das contas públicas do Espírito Santo e promoveu diversas reformas para controlar o crescimento das despesas obrigatórias com servidores.

A Polícia Militar reagiu e iniciou um movimento que retirou das ruas a segurança pública. Foram semanas de horror, e a taxa de homicídio dobrou em fevereiro de 2016. O governador, contudo, enfrentou a greve ilegal, que terminou com policiais condenados.

Existem outras histórias de gestores que procuraram reformar muitas regras que garantem privilégios a empresas privadas e a categorias de servidores públicos. Alagoas e Rio Grande Sul, por exemplo, têm conseguido reduzir algumas dessas distorções.

Em São Paulo, como escrevi aqui em 24/10, há uma lista impressionante de produtos beneficiados com isenção de ICMS ou alíquotas bem menores das que pagam os demais.
Bulbo de cebola, pós-larva de camarão e cavalos puros-sangues, desde que não do tipo inglês, são apenas alguns exemplos dos bens favorecidos. A renúncia com essas desonerações passa de R$ 40 bilhões por ano, bem mais do que o governo federal gasta com o Bolsa Família.

As lideranças do setor privado, porém, defendem reformas desde que não afetem seus próprios privilégios. A proposta do estado incluía tributar em 4,14% bens que nada pagam atualmente, mas ainda muito abaixo da alíquota padrão de 18%. Em outros casos, a alíquota passaria de 7% para 9,4%, ou de 12% para 13,3%.

A pequena redução dos benefícios provocou reações indignadas e “tratoraços”. Esses produtores não aceitam ser tratados como a maioria da sociedade.

Em 2011, Branca Vianna contou, na revista Piauí, a notável história do geólogo iraquiano Farouk Al-Kasim.

A vida no seu país não era fácil em meados do século passado. “No cinema, por exemplo, as crianças gostavam de se sentar na primeira fila. Mas, se a família do chefe de polícia tinha o mesmo gosto e encontrava as poltronas ocupadas, todos tinham que se levantar para dar-lhes lugar.”
Farouk acabou por fugir para a Noruega, onde revolucionou o setor de petróleo.
No Brasil da meia-entrada, tem muito empresário que ainda se acha com direito à primeira fila no cinema.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Mortes, arrependimentos e pandemias

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A pandemia em curso na sociedade internacional está trazendo à tona uma discussão sobre a importância de conversar sobre o tema da morte, as incertezas existentes na vida física e os desafios gerados pelo momento da morte material. Para alguns um momento de descansar, se reencontrarmos com seres mais próximos, rever pessoas amadas e familiares, se encontrar com aqueles que morreram; para outros um momento de incertezas, medos, desesperanças e instabilidades, onde ninguém volta para contar como foi seu falecimento, seu desprendimento físico ou melhor, poucos acreditam dos relatos daqueles que escreveram na morte do desencarne.

A literatura espírita sempre trouxe um grande refrigério para todos os indivíduos que pensam sobre o assunto, pessoas que buscam compreender o momento do desencarne e indaga sobre o acontece depois da vida material. Dentre os livros que destacam esta temática, podemos elencar a coleção André Luiz, a vida no mundo espiritual, sendo que o livro mais conhecido para a sociedade foi Nosso Lar, ditado pelo médico André Luiz e psicografado por Francisco Cândido Xavier, que traz inúmeras reflexões sobre como se dá a vida no mundo espiritual, os dilemas, as dificuldades e os desafios para o espírito.

Um dos livros mais relevantes da doutrina espírita para tentar responder o momento do desencarne é a obra Voltei, obra ditado por Frederico Figner e psicografado também por Francisco Cândido Xavier, nesta obra o autor se utiliza do pseudônimo de irmão Jacob. Neste livro percebemos inúmeras reflexões fundamentais para compreender o momento do desencarne, as dores, os medos, as esperanças e as reflexões mais íntimas e pessoais, uma obra que deveria ser lida e estudada por todas as pessoas, mesmo aqueles que não se professam de espíritas.

O momento da morte Jacob mostra as dificuldades do desprendimento dos laços materiais, um momento que pode ser muito delicado e agressivo, vai dependendo dos merecimentos individuais. Neste momento, aqueles irmãos dotados de grandes merecimentos, acumulados em atividade no bem, centrados em amor e em solidariedade, são acometidos de auxílios dos espíritos mais elevados, transformando este desprendimento em um momento menos doloroso, enquanto aqueles que não acumularam seus merecimentos, no caminhar na vida espiritual, terão maiores dificuldades neste instante de grande apreensão e incertezas.

A morte é um momento único, nenhum desencarne é igual entre os indivíduos, em alguns casos encontramos semelhanças, mas cada pessoa tem seus merecimentos, suas vivências e aprendizados. Neste momento, muitos ressentimentos, mágoas e tristezas vem à tona, levando os encarnados e desencarnados a construírem vínculos perenes, de sentimentos de amor e solidariedade, os vínculos crescem e perduram com o tempo. Quando estes vínculos são negativos, marcados por mágoas e ressentimentos, estes sentimentos criam negatividades e constroem proximidades que podem durar anos, séculos ou milênios.

Outro assunto que o autor destaca de forma intensa no decorrer da obra, é: “Não se acreditem quitados com a Lei, atendendo a pequeninos deveres de solidariedade humana”. Nesta passagem, é importante analisar que as pessoas, muitas vezes, adotam procedimentos de auxílios reduzidos e acreditam que, estas atitudes, os garantem uma consciência maior e pontos positivos no mundo espiritual. Todos estes donativos espirituais e materiais são imprescindíveis no auxílio dos mais necessitados, mas ao mesmo tempo, temos que compreender que a conversão ao bem e a solidariedade humana é o único caminho do crescimento espiritual.

A doutrina espírita nos auxilia na compreensão de valores mais consistentes, mostrando-nos que todos somos espíritos, uns no mundo material e outros no mundo espiritual, mas estão próximos e estamos sempre em busca do crescimento e do desenvolvimento. As afinidades são fundamentais nesta convivência humana, neste momento percebemos como somos seres pequenos e limitados, passamos por grandes desafios, mas ao mesmo tempo, sempre recebemos muitas oportunidades de progresso pelos bons espíritos, para construirmos nossas estratégias de soerguimentos, diante disso, faz-se necessário nos sintonizar com espíritos que nos auxiliam no nosso melhoramento.

Num momento de pandemia, onde milhões de pessoas estão morrendo em decorrência do Covid-19, os indivíduos devem refletir sobre os comportamentos mais íntimos, observar nossos interiores, seus sentimentos e as suas atividades cotidianas, percebendo se estamos contribuindo para o desenvolvimento da sociedade ou se estamos contribuindo apenas para acumular seus ganhos imediatos? Neste desafio gerado pela pandemia, todas as atividades são importantes para auxiliar na reconstrução da sociedade, os interesses imediatos podem nos garantir grandes somas financeiras e monetárias, mas lembremos que, posteriormente, seremos chamados para prestar contas a suas atividades mais íntimas, neste momento não temos como terceirizar nossas responsabilidades e nossa passagem pela vida material.

A pandemia deve ser vista como um momento de desenvolvimento e de ensinamentos, os indivíduos devem deixar de lado a competição degradação e da concorrência crescente e de juntar esforços entre todos os povos e civilizações, unindo conhecimentos científicos, materiais e tecnológicos em prol de todos os seres humanos, inaugurando um novo momento da humanidade, criando uma verdadeira civilização, centrado no amor, no respeito e na solidariedade.

Desastres inevitáveis

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O mundo vem passando por grandes catástrofes humanas e naturais, exigindo reflexões constantes. Vivemos um período de desastres e agressividades para a toda sociedade, vitimando milhões de pessoas em todos os continentes, deixando um rastro de tristezas, melancolias, desesperos e destruições familiares. Desagregando laços afetivos e emocionais, incrementando as depressões, as ansiedades e os suicídios, impactando sobre todos os grupos sociais.

Neste momento de variados desastres, podemos definir três grandes catástrofes sobre a sociedade humana: uma delas são criadas pela ação dos seres humanos, uma outra podemos chamar de desastres naturais e uma terceira podemos chamar de catástrofes mistas, que tem suas origens nas ações dos seres humanos, mas ao mesmo tempo, são ações involuntárias e não intencionais.

No primeiro caso podemos destacar os desastres gerados por grandes guerras, conflitos militares ou crises financeiras, que levam a sociedade a destruições variadas, levando as coletividades a milhões de mortes e falências generalizadas, com impactos humanos, monetários e materiais muito agressivos. São desastres criados pelos seres humanos e trazem variadas consequências para a sociedade e exigem das nações altos investimentos de reconstrução das estruturas sociais e econômicas. Na primeira metade do século XX, o mundo passou por inúmeras destruições geradas por conflitos militares, as duas grandes guerras mundiais vitimaram mais de 100 milhões de pessoas, gerando catástrofes humanas e destruições materiais.

Uma das outras causas dos grandes desastres da sociedade são os fenômenos naturais, aquilo que Nietzsche chamou de “estupidez cósmica”, como um terremoto, um tsunami, uma tempestade agressiva e duradoura, dentre outras, gerando milhares de mortes e destruições generalizadas. Impactando as nações, regiões e coletividades, levando a adoção de políticas de reconstrução, gerando planejamento estratégico e coordenação política e atuação de todos os grupos sociais e econômicos, objetivando a reconstrução da sociedade, investindo altas somas monetárias.

A terceira grande destruição pode ser classificados pelos desastres criados pelo ser humano de forma intencional, ou seja, as raízes deste desastre é a ação dos seres humanos, mesmo sabendo que as pessoas não tiveram intenção desta destruição. Neste caso, podemos destacar os desastres gerados pelo rompimento de barragens e acidentes nucleares. Atualmente podemos citar o desastre gerado pela Covid 19, o chamado coronavírus, cuja destruição está se espalhando na comunidade internacional, afetando todas as regiões, povos e comunidades.

O desastre gerado pelo coronavírus está diretamente ligado a ação dos seres humanos, a adoção de um modelo econômico que degrada a natureza e gera impactos agressivos ao Meio Ambiente, extraindo recursos de forma insustentável, degradando rios e criando um rastro de destruição, poluindo o ar, aumentando a temperatura, degradando florestas e o derretimento das geleiras. Os impactos da devastação do meio ambiente estão empurrando os animais de seus habitats naturais, reduzindo seus espaços de sobrevivência, alterando seus alimentos naturais e espalhando doenças e vírus para os seres humanos e, numa economia globalizada, os produtos são espalhados para todas as regiões.

Os desastres crescem todos os anos e impactam sobre a coletividade, algumas dessas catástrofes são inevitáveis e são geradas pela própria natureza, mas outras podem ser evitadas, desde que os seres humanos consigam compreender sua importância e centralidade na civilização, construindo laços de respeito e de solidariedade.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp Araraquara, Professor Universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 06/01/2021.

Desastres, Pandemias e Espiritismo

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A Doutrina Espírita tem grande capacidade de auxiliar a sociedade internacional no momento que estamos vivenciando, neste instante marcado pela pandemia, que nos gera assombros, medos e preocupações, levando as pessoas a desesperanças, incertezas e instabilidades. Neste ambiente, os números de depressão crescem de forma acelerada, a ansiedade está presente em grande parte dos indivíduos, levando a um incremento do suicídio, pois muitos acreditam que a forma de resolver as dificuldades e reduzir as depressões está do suicídio, criando novos desequilíbrios, gerando escuridões e incertezas crescentes.

O Espiritismo nos mostra outras formas de reflexão sobre as dificuldades que vivemos, alguns acreditam que a pandemia está diretamente ligada a um grande castigo imposto pela humanidade por Deus, nesta tese, amplamente aceita por grandes partes dos pensamentos religiosos, um ser superior envia a pandemia para que as pessoas paguem por seus inúmeros débitos, ressarcindo suas dívidas e, para aqueles que sobreviverem, viverá melhor e mais equilibrado. A doutrina dos espíritos tem uma forma diferente de refletir sobre o momento de pandemias que estamos vivenciando, para o espiritismo todo o momento, as dores, as dificuldades estão, todas, diretamente atreladas as escolhas humanas, os caminhos que foram trilhados pela civilização. Diante disso, o mundo colhe as consequências de escolhas anteriores, muitas delas são intencionais e, em muitos casos, estas escolhas são conscientes e nos mostram nossa imaturidade.

No começo da segunda década do século XXI, o ser humano está sentindo na pele as muitas mudanças geradas pela pandemia, o surgimento deste flagelo, causado pelo coronavírus ou covid-19, está alterando as formas de sobrevivência, alterando os comportamentos, hábitos de consumo, o mundo do trabalho e da ocupação e modificando os relacionamentos humanos, com impactos sentimentais, espirituais e emocionais.
Olhando historicamente os registros de outras pandemias parecidas foram vivenciados a mais de 100 anos atrás, entre janeiro de 1918 a dezembro de 1920, quando o mundo sentiu na pele as agruras da pandemia gerada pela gripe espanhola. A espanhola infectou na casa dos 500 milhões de pessoas, sendo que as mortes ficaram entre os 17 milhões a 50 milhões, outros relatos contabilizaram quase 100 milhões de mortes. A gripe espanhola tornou-se a epidemia mais mortal da história da humanidade, se espalhou para todas as regiões, gerando desagregações familiares, conflitos emocionais e desestruturações sociais.

O mundo vem passando por grandes catástrofes humanas e naturais, exigindo reflexões constantes. Vivemos um período de desastres e agressividades para toda sociedade, vitimando milhões de pessoas em todos os continentes, deixando um rastro de tristezas, melancolias, desesperos e destruições familiares. Desagregando laços afetivos e emocionais, incrementando as depressões, as ansiedades e os suicídios, impactando sobre todos os grupos sociais.

Neste momento de variados desastres, podemos definir três grandes catástrofes sobre a sociedade humana: uma delas são criadas pela ação dos seres humanos, uma outra podemos chamar de desastre natural e uma terceira podemos chamar de desastres mistos, que tem suas origens nas ações dos seres humanos, mas ao mesmo tempo, são ações involuntárias e não intencionais.

No primeiro caso podemos destacar os desastres gerados por grandes guerras, conflitos militares ou crises financeiras, que levam a sociedade a destruições variadas, levando as coletividades a milhões de mortes e falências generalizadas, com impactos humanos, monetários e materiais muito agressivos. São desastres criados pelos seres humanos e trazem variadas consequências para a sociedade e exigem das nações altos investimentos de reconstrução das estruturas sociais e econômicas. Na primeira metade do século XX, o mundo passou por inúmeras destruições geradas por conflitos militares, as duas grandes guerras mundiais vitimaram mais de 100 milhões de pessoas, gerando catástrofes humanas e destruições materiais.

No livro Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito André Luiz, o espírito nos mostra como a cidade espiritual se organizou para receber os desencarnados em decorrência da segunda guerra mundial. Neste momento, percebemos a organização da comunidade neste momento de desafio, marcado pela chegada de milhares de pessoas em condições adversas, necessitando de auxílio e solidariedade. As guerras podem ser descritas como um dos mais severos e violentos flagelos do ser humano, os indivíduos não foram criados para a destruição e para a desagregação, os seres humanos foram criados pelo amor, pela solidariedade e pela caridade.

Uma das outras causas dos grandes desastres da sociedade são os fenômenos naturais, como um terremoto, um tsunami, uma tempestade agressiva e duradoura, dentre outras, gerando milhares de mortes e destruições generalizadas. Impactando as nações, regiões e coletividades, levando a adoção de políticas de reconstrução, gerando planejamento estratégico e coordenação política e atuação de todos os grupos sociais e econômicos, objetivando a reconstrução da sociedade, investindo altas somas monetárias.

As devastações em curso na sociedade são motivadas por movimentações da natureza, muitas delas são geradas por placas tectônicas existentes no interior da Terra, diante disso, muitas pessoas podem indagar se estas movimentações que vitimam milhares de mortes foram geradas pela ira de uma entidade superior, como um Deus, por exemplo? A doutrina dos espíritos acredita que muitas movimentações podem gerar destruições causadas pelas imperícias dos seres humanos, muitos morrem destas movimentações, enquanto outras pessoas sobrevivem e continuam vivendo por muitos períodos, neste caso, os estudos sistemáticos da reencarnação nos auxiliam a compreender o paradeiro das pessoas.

A terceira grande destruição pode ser classificados pelos desastres criados pelo ser humano de forma intencional, ou seja, as raízes deste desastre é a ação dos seres humanos, mesmo sabendo que as pessoas não tiveram intenção desta destruição. Neste caso, podemos destacar os desastres gerados pelo rompimento de barragens, os acidentes nucleares. Atualmente podemos citar o desastre gerado pela Covid 19, o chamado coronavírus, cuja destruição está se espalhando na comunidade internacional, afetando todas as regiões, povos e comunidades.

O desastre atual gerado pelo coronavírus está diretamente ligado a ação dos seres humanos, a adoção de um modelo econômico que degrada a natureza e gera impactos agressivos ao Meio Ambiente, extraindo recursos de forma insustentável, degradando rios e criando um rastro de destruição, poluindo o ar, aumentando a temperatura, degradando florestas e o derretimento das geleiras. Os impactos da devastação do meio ambiente estão empurrando os animais de seus habitats naturais, reduzindo seus espaços de sobrevivência, alterando seus alimentos naturais e espalhando doenças e vírus para os seres humanos e, numa economia globalizada, os produtos são espalhados para todas as regiões.

A terceiro forma de compreendermos os desastres da sociedade contemporânea, podemos debitar na conta dos seres humanos indiretamente, suas medidas foram imprudentes e os impactos são disseminados para toda a coletividade internacional e não se restringe a poucas pessoas, vitimando toda grande parte da civilização.

A exploração crescente da natureza tem impactos negativos para toda a sociedade, a sanha por acumulação monetária cresce nos anos atuais, o poder financeiro e os ganhos imediatos estão levando a sociedade a destruir o patrimônio comum, degradando o meio ambiente, aumentando a temperatura e aumentando os desequilíbrios do habitat natural, levando a novas epidemias, novos vírus e novas devastações.

Ao observarmos esta degradação do patrimônio do meio ambiente, o ser humano se esquece que somos espíritos estagiando nos corpos físicos, estamos encarnados, utilizamos corpos materiais para sobreviver no mundo físico e, posteriormente, retornamos ao mundo espiritual. Esta reflexão é fundamental, se destruirmos a natureza somos afetados por esta degradação, afinal estamos na matéria, mas brevemente estaremos no mundo espiritual nos preparando para voltarmos a matéria, desta forma devemos indagar: com esta destruição que patrocinamos como seres humanos, o que vamos encontrar no planeta Terra?

Muitos espíritos reencarnam em regiões inóspitas, atrasadas e degradadas, passando por inúmeras limitações financeiras, emocionais e existenciais em decorrência de vivências anteriores. São espíritos altamente inteligentes, brilhantes intelectualmente que reencarnam em situações marcadas por limitações sensoriais, mentais e fragilidades em todas as áreas, são espíritos brilhantes que utilizaram seus dotes intelectuais para a degradação da natureza, avarentos, egoístas e ambiciosos. São inúmeros indivíduos que se levaram para os ganhos monetários e financeiros, sua ambição cega os interesses coletivos e se concentram apenas na acumulação, sua riqueza e em seu entesouramento, acreditando que existem ainda uma única vida, justificando, assim seus interesses imediatos e seus prazeres do hedonismo.

A pandemia exige uma mentalidade nova como ser humano, neste momento devemos compreender que o responsável por esta dificuldade está dentro de cada pessoa, somos os grandes responsáveis pela degradação do meio ambiente, do ambiente tóxico centrado na competição e pela concorrência e na busca insana pelos prazeres materiais, diante disso, a pandemia deve ser compreendida como um momento de reflexão e de ensinamentos.

Os desastres crescem todos os anos e impactam sobre a coletividade, algumas dessas catástrofes são inevitáveis e são geradas pela própria natureza, mas outras podem ser evitadas, desde que os seres humanos consigam compreender sua importância e centralidade na civilização, construindo laços de respeito e solidariedade.

Política antiglobalista de Bolsonaro tem um preço, por Oliver Stuenkel.

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Com derrota da Donald Trump, Brasil fica ainda mais isolado em sua política radical e negacionista

O Estado de S.Paulo – 03/01/2021

Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro executa uma política externa precisa e disciplinada, cujo objetivo é manter sua base mobilizada. Trata-se de uma postura internacional feita sob medida para a cozinha de casa, e não para o mundo lá fora. Atitudes como não parabenizar o novo líder argentino, alegar que Joe Biden venceu as eleições de maneira fraudulenta, atacar a ONU, Xi Jimping, Emmanuel Macron e quem mais aparecer pela frente integram uma retórica cuidadosamente articulada para atiçar os ânimos de sua torcida. Ter se aproximado do Centrão e se afastado do discurso anticorrupção e antissistema fez com que o presidente dependesse ainda mais desses comentários bombásticos para garantir a fidelidade de seus seguidores mais radicais.

Mas a política antiglobalista tem um preço. Em dois anos de mandato, Bolsonaro deteriorou praticamente todas as relações do País. A reputação nos quatro mercados mais relevantes para a economia brasileira – o chinês, o norte-americano, o europeu e o latino-americano – é a pior em décadas. Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a retórica antiambientalista fortalece aqueles que se opõem a uma aproximação com o Brasil. Em círculos diplomáticos europeus, fala-se abertamente que o presidente brasileiro é o pior inimigo da ratificação do acordo comercial com o Mercosul. Fora os nacionalistas da Hungria, Polônia e Eslovênia, não há um único chefe de Estado da União Europeia que receberia uma visita oficial de Bolsonaro hoje em dia.

Com a onda ambientalista que vem dominando a política europeia, cresce o risco de boicotes mais amplos contra os produtos daqui. Isso ocorre não só pelas escolhas problemáticas do presidente no campo interno, mas também porque Jair Bolsonaro abriu mão de uma arma poderosa da qual os governos anteriores dispunham. Ao rifar as relações externas para manter sua popularidade interna, o presidente atou as mãos de um dos Ministérios de Relações Exteriores mais sofisticados do mundo. Até poucos anos atrás, o Itamaraty servia de escudo para a reputação do País no exterior mesmo em momentos em que o governo brasileiro estava obviamente errado. Essa proteção foi crucial em crises como os massacres do Carandiru e da Candelária, em 1992 e 1993, ou quando as taxas de desmatamento tiveram uma aceleração, nos anos 1990 e 2000. Enquanto um chanceler normal mobilizaria as missões brasileiras no exterior para reagir à crise de reputação, o atual chefe do Itamaraty amplia o isolamento ao defender teorias conspiratórias, e faz tempo virou chacota mundial.

Se antes a atuação independente do Itamaraty ajudava a reparar os danos de catástrofes nacionais, hoje o órgão encontra-se escanteado por um governo que ofusca até o que deveria capitalizar. Avanços com a reforma da Previdência de 2019 foi o grande exemplo disso. Em vez de ficar calado e deixar que uma medida celebrada pelos mercados ganhasse visibilidade na imprensa especializada, Bolsonaro lançou uma bomba que deixou o assunto em segundo plano: a tentativa de emplacar seu filho como embaixador nos EUA.

Com a vitória de Biden, o risco econômico da política bolsonarista tende a aumentar ainda mais. As nomeações do democrata sugerem que o tema ambiental será um pilar de seu mandato tanto no âmbito interno quanto no externo. A futura secretária do Interior, Deb Haaland, tem sido uma das críticas mais ferrenhas da política ambiental do presidente brasileiro. O desmatamento da Amazônia foi citado por Biden ainda em campanha. Na ocasião, Bolsonaro foi ao Twitter dizer que a soberania nacional não seria negociada. O atrito dá uma amostra do que vem pela frente na relação com os EUA. Para piorar a situação, é provável que o governo Biden coordene sua política ambiental com a União Europeia.

A derrota de Trump deixa o Brasil ainda mais isolado em sua política radical e negacionista. Antes ofuscadas pela atuação do colega americano, as patacoadas de Bolsonaro devem ganhar ainda mais atenção negativa dos observadores internacionais. Tivemos uma prévia disso logo em dezembro, quando ele virou notícia internacional por ser o último líder de um país democrático a parabenizar Joe Biden pela vitória.
Em 2021, cada aparição de Bolsonaro no noticiário internacional será um risco para a já combalida economia brasileira. O mesmo se estende ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles e ao Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. No caso desses dois, sua mera permanência no cargo já contamina qualquer tentativa de apaziguar investidores europeus e americanos preocupados com o desmatamento.

Se em 2019 Hamilton Mourão e Tereza Cristina foram a Pequim tentando desfazer o mal-estar causado pela retórica anti-China, em 2021 já não existe campanha publicitária ou iniciativa de quadros mais moderados que possa consertar a imagem tóxica da ala radical do governo.

A substituição de Salles e Araújo reduziria o risco de boicotes, fugas de investidores estrangeiros e complicações na ratificação de acordos comerciais. O problema é que eles representam dois grupos-chave de sustentação do governo: ruralistas e antiglobalistas. Sobretudo no caso de Salles, a facilitação do desmatamento e o desmonte das estruturas de fiscalização estão no cerne do programa bolsonarista. Desistir disso complicaria as relações do governo com uma parte obtusa, porém importante, do setor ruralista.

Em meio a essa confusão, avanços diplomáticos como a entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já são improváveis, e os riscos de reputação do País inevitavelmente entrarão na conta de qualquer investidor. O País está aprendendo de um jeito doloroso que a imagem externa é uma abstração com consequências bastante reais, e que doem no bolso.

* COORDENADOR DA PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV-SP

A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do século XXI

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O livro, escrito pelos jornalistas Cesar Calejon e Adriano Vizoni, faz uma reflexão sobre a ascensão do bolsonarismo, analisando os períodos anteriores a eleição, mostrando a chegado de Jair Messias Bolsonaro na presidência, destacando as grandes transformações em curso na sociedade, o crescimento da direita e as incertezas do Brasil contemporâneo. Uma obra que deve ser vista para compreender a sociedade atual.

A república das milícias: Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro

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A república das milícias: Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro
por Bruno Paes Manso e Pedro Inoue, faz uma reflexão sobre o avanço das milícias na cidade de Rio de Janeiro trazendo informações preciosas para a compreender a organização e seu poder no imaginário da sociedade fluminense.

2020: Balanço de um ano desastroso e assustador

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Estamos caminhando para os últimos dias do ano de 2020, um período marcado por destruição, desesperanças e dificuldades crescentes, um ano que a sociedade mundial flertou com o caos e com a desagregação social, destruição econômica e dificuldades generalizadas, nesta toada estamos caminhando a passos largos a destruição da civilização, um vírus tão medíocre que deixou clara a arrogância do ser humano.

A pandemia está desnudando as grandes dificuldades das sociedades, países pobres marcados por grandes desigualdades sociais, econômicas e políticas. O cenário altamente desigual está vindo a tona em todas as regiões, incrementando os conflitos internacionais e confrontos internos que aumentam as incertezas econômicas, reduzindo os investimentos e postergando a recuperação das sociedades, num ambiente de alta no desemprego, no subemprego e na informalidade, piorando as questões sociais.

A economia brasileira vem perdendo espaço na economia mundial desde os anos 80, mas nesta década os indicadores econômicos estão piorando a olhos vistos, degradando as condições sociais, criando um pequeno grupo de privilegiados em oposição da da sociedade, cujos recursos se reduzem rapidamente, os direitos sociais se reduzem e as perspectivas para os próximos anos são assustadores.

O governo brasileiro se perde em discussões menores, de um lado percebemos setores querendo impor uma agenda liberal ultrapassada, ortodoxa e reacionária, defendendo a privatização selvagem e repassando todo patrimônio público para os defensores do mercado, transformando o monopólio público em monopólio privados, aumentando os ganhos de um pequeno grupo de detentores de recursos financeiros e de influência política. De outro lado, percebemos um grupo de linhagem mais intervencionistas defendem os recursos públicos para engordam suas aposentadorias e jetons monetários, sem compromisso de visão sistêmica, apenas interesses imediatos de grupos organizados. Num ambiente como este, a sociedade brasileira vem gerando uma leva gigante de pobreza, exclusão social, miséria e indigência moral.

Numa sociedade marcada por pandemia, o ano nos legou quase 200 mil mortos e mais de 7 milhões infectados, sem vacinas, sem organização, sem planejamento, sem políticas integradas e gerenciadas pelo Ministério da Saúde, além disso, vivemos num país em que, no período de 10 meses, o titular desta cadeira foi substituído três vezes, um caos generalizado, sem comando, sem perspectivas e sem esperança. Estamos condenando neste momento de pandemia, a sociedade brasileira a um genocídio da população mais pobre e dos vulneráveis, como os indígenas e dos negros.

A educação nacional está um verdadeiro frangalho, o Ministério não cumpre com seu papel mais fundamental, sem organizar as políticas públicas para a área da educação, a população estará cada vez mais condenada a degradação social numa sociedade onde o conhecimento se tornou o grande instrumento da riqueza das nações. Neste ambiente de omissão e ausência de planejamento, o Ministério da Educação se omite do papel central, deixando que as secretarias estaduais e municipais assumem uma posição mais efetiva, a população percebe que o ano foi perdido para os alunos das escolas públicas, colocando-os em condições desiguais na competição do setor da educação, perpetuando os péssimos indicadores educacionais e o atraso dos alunos das redes públicas.

Nas universidades percebemos situações paradoxais, nas escolas particulares as aulas aumentaram no ensino remoto e cresceram de forma acelerada nas modalidades a distância, empurrando os estudantes a aulas remotas, sem saber se estes alunos possuem condições financeiros para garantir recursos tecnológicos para assistir as aulas, com isso, sem uma supervisão do Estado, as condições de ensino tendem a se degradar de forma acelerada, com graves desastres sobre a metodologia educacional, seus rendimentos e aprendizados.

Nos próximos perceberemos um crescimento do fechamento das escolas de todos os níveis, desde os ensinos fundamentais, médios e superiores, onde os grupos dotados de mais recursos tendem a adquirir grupos menores, criando um ambiente oligopolizado onde poucos atores passam a mandar e comandar o sistema educacional, reduzindo a diversidade, reduzindo os custos, incrementando os lucros e deixando de lado a qualidade de ensino, criando novos instrumentos de negócios, sem compromissos com a nação, com a sociedade e, principalmente com o Brasil. Neste ambiente, os governos abençoam essa degradação, degradam as universidades públicas e reduzem os investimentos nos ensinos técnicos e estimulam a desintegração da pesquisas científicas, dos centros de pesquisa e os fundos de ciência e tecnologia, sem estes, o país se curva de forma subalterna as condições dos grandes grupos econômicos internacionais, perpetuando nossa pobreza e, principalmente da degradação moral.

Percebemos neste ano o crescimento das discussões sobre os limites da democracia, muitos analistas descrevem a fragilização da democracia nas sociedades ocidentais, muitas delas relacionadas ao crescimento das corporações transnacionais, que passam a angariar grande poder político e passam a pressionar a adoção de medidas que tragam benefícios, desde alteração jurídicas e institucionais, passando por aumentos das isenções financeiras e facilitando as chamadas evasões fiscais, garantindo vantagens para um pequeno grupo de corporações. A democracia, como destacou os cientistas políticos norte-americanos Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, no livro Como as democracias morrem, muitos governos adotam políticas autoritárias para controlar as instituições, enfraquecendo e erodindo gradualmente as normas políticas de longa data garantindo os instrumentos de controle social. No caso brasileiro, percebemos uma política deliberada de esvaziamento das instituições de fiscalização, como o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis, o INEP – Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais, a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, reduzindo os recursos financeiros, diminuindo os efetivos técnicos, substituindo o corpo de funcionários por pessoas oriundas das Forças Armadas, que desconhecem a instituição e sem bagagem técnica, fundamentais para cumprir seus papéis de fiscalizar e organizar as atividades.

No Brasil, percebemos a adoção de políticas de matriz autoritária, agredindo as mídias tradicionais,
denegrindo a ciência, cultuando os benefícios do período militar e estimulando os meios alternativos de difusão de informações como as redes sociais, além de recorrer constantemente a mentiras, destruindo as reputações, adotando meias verdades, inverdades e as chamadas Fake News.

Neste ambiente, a pandemia nos traz novas oportunidades de repensar a sociedade, sem a atuação dos setores governamentais não teremos condições de angariar novos instrumentos de recuperação econômica. Cabe ao Estado concatenar novos projetos de desenvolvimento, centrados em setores fundamentais no século XXI, investimento em setores da indústria da saúde, da defesa, do agronegócio e no complexo petróleo e gás, deixando de lado os inúmeros incentivos para setores que ficaram para trás, tais como a indústria automobilística, recursos investidos foram gigantes e os retornos sempre foram controversos. Os inúmeros incentivos tributários devem ser repensados, desde as isenções de setores de aluguel de carros e utilitários, da Zona Franca de Manaus que desde a criação nos anos 60 consumiram grandes somas de recursos e os retornos sociais e econômicos foram insuficientes. No Brasil contemporâneo, os incentivos e as isenções tributárias geram um rastro de 300 bilhões de reais, recursos que aumentam os rendimentos de setores caracterizados por baixas produtividades e pequenos retornos sociais e econômicos, que sobrevivem graças aos benesses do Estado Nacional.

No setor externo, percebemos que o governo está dilapidando o capital político dos governos anteriores, com a adoção de uma política de alinhamento e subserviência ao governo de Donald Trump, algo que não existe na história da política externa brasileira. Com isso, o governo vem perdendo espaços internacionais importantes, levando o país a ser visto como uma pária global, perdendo espaços e investimentos estrangeiros. Na questão do meio ambiente, percebemos que a comunidade internacional está ameaçando a adoção de represálias que tendem a nos trazer constrangimentos econômico e político, restringindo investimentos e avaliações comerciais.

No ano de 2020, o governo adotou inúmeras políticas desagradáveis com antigos parceiros comerciais, criando conflitos com a Comunidade Europeia, com os muçulmanos e com o parceiro brasileiro, a China. Todos os confrontos geraram constrangimentos nas relações internacionais, prejudicando os negócios externos de empresas nacionais e apagando a imagem positiva do Brasil no cenário mundial, gerando incertezas e instabilidades na comunidade internacional.

As relações comerciais de alinhamento automático com os Estados Unidos geram grandes problemas com a China, uma economia que caminha para se tornar a maior economia internacional, cujos atritos comerciais podem criar graves perdas comerciais, afinal a economia chinesa é o grande parceiro comercial, movimentando bilhões de dólares e superávits comerciais. Um exemplo deste conflito está no mercado de tecnologia 5G, num momento os grandes atores globais estão garantindo novos mercados de expansão de suas tecnologias, neste embate os norte-americanos buscam fragilizar o maior ator deste mercado, a empresa chinesa Huawei, revivendo um dos momentos mais sombrios do período da guerra fria, levando a sociedade a um dos períodos mais nebulosos da história do século XX.

O ano de 2020 repetiu a estagnação da economia brasileira desde 2016, período marcado por baixíssimo crescimento econômico, recessão crescentes e incremento do desemprego. Muitos analistas podem destacar que o grande responsável pelo baixo crescimento econômico é a pandemia, acredito que esta verdade é parcial, desde a pandemia a economia apresenta grandes dificuldades de crescer de forma sustentável, nos três meses deste ano, a economia regrediu mais de 2% do PIB, mostrando que o país ainda não conseguiu encontrar o caminho da recuperação. Neste período percebemos inúmeras medidas alardeadas nos meios de comunicação que, brevemente, era desmentida, que denota um governo perdido, sem rumo e sem perspectivas, levando a economia nacional a condição de estagnação e incertezas crescentes.

Uma das mais flagrantes dificuldades do governo está na construção da imunização da sociedade, a busca da vacina se tornou um dos maiores desafios das políticas públicas das nações, neste momento que escrevo, os jornais nos trazem informações de que mais de quarenta países do mundo estão iniciando a imunização de suas populações e, infelizmente, dentre estes países não encontramos o Brasil, aumentando a ansiedade da população e a desesperança crescentes que tendem a aumentar na sociedade, principalmente dos grupos mais vulneráveis, tais como os mais pobres, os negros, os indígenas, dentre outros.

O ano de 2020 está terminando felizmente. O ano de 2021 está surgindo com raios de esperanças e expectativas mais claras de superação e de crescimento econômico, geração de empregos e melhora nas condições de vida. Neste momento devemos construir novos espaços de solidariedade e oportunidades para todos os grupos sociais, somente desta forma conseguiremos construir uma nação digna deste nome, onde todos os indivíduos tenham oportunidades de mostrar suas habilidades e potencialidades, construindo uma verdadeira meritocracia.

Perspectivas

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Estamos chegando o final de mais um ano, o ano de 2020 está acabando, trazendo inúmeras dificuldades, desafios e desequilíbrios. Dentre as grandes deficiências geradas pelo ano, é importante destacar as dores geradas pela pandemia, com destruições generalizadas, mortes, degradações e deixando claro nossas deficiências mais íntimas, desnudando nossas desigualdades, limitações e dificuldades em todos os campos, desde o econômico, o político, o social, o emocional, o psicológico e cultural.

No campo econômico percebemos nossa desigualdade mais íntima, nossa sociedade se caracteriza por inúmeras estruturas sociais, uma pequena parte se caracteriza por uma rápida adaptação, flexível e dinâmica, dotada de máquinas e equipamentos sofisticados características do mundo do conhecimento, aptos pelo trabalho remoto, com home office, protegido e isolados. De outra lado, percebemos uma parcela significativa da sociedade que carece de saneamento básico, sem água encanada, sem empregos, sem internet, sem iluminação decente e sem perspectivas de sobrevivência digna, desta forma, grande parte da sociedade tem dificuldade para fazer isolamento social. Vivemos em um ambiente marcado pelo desenvolvimento da tecnologia, onde o conhecimento se tornou o grande ativo social, neste ambiente percebemos que estamos longe do mundo da informação, gerando graves atrasos do capital humano na nação, salários baixos e produtividade reduzida no trabalho.

Neste momento de pandemia, de incertezas e de instabilidades crescentes, a sociedade precisa construir um novo projeto de desenvolvimento econômico, priorizando os setores reais da economia, a geração de emprego e o incremento da renda agregada, aproveitando o grande contingente de trabalhadores que foram alijados dos setores produtivos, dinamizando a economia nacional, reduzindo as desigualdades regionais, investindo em ciência, pesquisa e tecnologia e garantindo novos investimentos produtivos, aumentando a arrecadação de impostos, dos tributos e ampliando os recursos do Estado, garantindo ampliar os direitos e os deveres da sociedade.

A pandemia pode estimular novas reflexões, o desenvolvimento pode ser incrementado através de um projeto nacional, concatenado entre todos os setores econômicos, financeiros e produtivos, deixando de lado interesses imediatos e individuais, construindo um modelo de desenvolvimento que una os setores industriais, o agronegócio, as universidades públicas e privadas, os centros de pesquisas, os sindicatos, os trabalhadores, os setores do comércio e dos serviços, além de bancos e financeiras. Neste momento, para o desenvolvimento econômico é necessário um projeto que una a sociedade em prol do crescimento econômico que vise a construção da nação, evitando e superando um modelo predatório como utilizado atualmente, atrasado, concentrador de renda, baseado em taxas de juros escorchantes, centrado na tributação do consumo, que garanta benesses a um pequeno grupo de endinheirados em prol da miséria de uma grande parcela da sociedade, reconhecendo que temos potencial para sermos uma economia empreendedora, soberana e autônoma.

Estamos num momento crucial para a sociedade, garantindo novos investimentos do meio ambiente e na diversidade cultural, precisamos tomar as rédeas do crescimento econômico e, com isso, construir o desenvolvimento da nação. Precisamos construir um futuro consciente, sabendo das potencialidades e das dificuldades e dos desafios, melhorando as vantagens comparativas e garantindo novos espaços para a atuação da população, construindo empregos dignos e investimentos produtivos, reduzindo as desigualdades sociais, diminuindo os hiatos existentes na educação, melhorando as oportunidades e garantindo para todos os trabalhadores um verdadeiro discurso da meritocracia.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp Araraquara, Professor Universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 30/12/2020.