A desastrosa marcha à ré do combate à pobreza e à desigualdade, por M. H. Tavares.

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Os mais ricos ficaram com quase todo o crescimento da renda de 2017 para cá.

Folha de São Paulo, 19/11/2020.

Nos últimos dez anos, perdemos a luta contra a pobreza e a desigualdade, objetivo incontornável de qualquer país que se quer decente. Essa é a conclusão do primoroso trabalho “Distribuição de renda nos anos 2010: uma década perdida para desigualdade e pobreza”, escrito por três ases –os pesquisadores Rogério Barbosa, Pedro Ferreira de Souza e Sergei Soares– e recém-publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Economia, na série Textos de Discussão.

Ali se lê que os ganhos conseguidos entre 2012 e 2014 –e que davam prosseguimento a uma longa trajetória virtuosa de redução do número de pobres e das disparidades de renda– cessaram com a crise econômica de 2015-2016 e foram literalmente revertidos nos dois anos seguintes.
O desarranjo da economia não atingiu a todos da mesma forma nem ao mesmo tempo. A derrocada começou no governo Dilma, provocada por uma leitura míope dos obstáculos da hora, conduzindo a soluções ineficazes para superá-los.

Mas foi ao longo da difícil recuperação que teve início em 2017, já sob o comando da centro direita de Temer & Meirelles, que a sorte dos mais pobres foi selada. Segundo os estudiosos citados, os brasileiros mais ricos se apropriaram de cerca de 80% do crescimento da renda no período, enquanto os ingressos da metade mais pobre caíram 4%. Na mesma proporção cresceu a desigualdade. Sem sombra de dúvida, esse aumento foi o responsável pela ampliação da pobreza.

Os pesquisadores demonstram que o inchaço do desemprego e a queda dos salários foram os vilões da tragédia que desfez sonhos e esperanças de milhões de famílias e multiplicou o número dos sem-teto nas grandes cidades.

A Previdência Social também teve seu papel: os maiores benefícios destinaram-se aos grupos de melhor remuneração. Finalmente, o estudo revela terem sido quase nulos os efeitos compensatórios dos programas de proteção da renda, como o Benefício de Prestação Continuada, o Seguro Desemprego e o Bolsa Família, cujos recursos não acompanharam o aumento dos que a ele teriam direito.
Uma administração que produziu muito progresso, mas não as condições fiscais para sustentá-lo, seguida de outra que em dois anos promoveu impressionante retrocesso social são responsáveis pela marcha à ré do país e pela perda de uma década de mitigação das injustiças.

Não é provável que o quadro melhore neste governo: reduzir pobreza e desigualdade não faz parte de sua agenda retrógrada. Que, ao menos, os democratas com preocupações sociais aprendam com o estrago e se preparem para fazer melhor.

Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.

 

Dinheiro há, falta vontade, por Daniela Stefano

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Estudo mostra que 32 multinacionais estão fazendo lucros extraordinários com a coronacrise

Folha de São Paulo, 18/11/2020

Serão necessários cerca de US$ 9,4 trilhões anualmente, por dez anos, para superar os custos da pandemia, combater a crise climática, reparar a escravidão nos EUA e atingir as metas de desenvolvimento sustentável, estima recente estudo do Transnational Institute. Influenciado por pesquisas da Tax Justice Network (TJN), o trabalho aponta que esses recursos existem, basta aplicar dez políticas progressivas.

O dinheiro viria de um imposto global proporcional sobre a riqueza. Ainda que exija ultrapassar uma série de obstáculos, entre eles a falta de vontade de bilionários em redistribuir riquezas, muitos países já estão implementando a ideia unilateralmente. O Chile aprovou uma lei em fins de maio que deve arrecadar US$ 6 bilhões do 1% mais rico do país.

E qual o motivo para os super ricos e as multinacionais terem de contribuir mais para a superação dessa crise? Se comparados à maioria da população, pagam menos imposto e nem sequer foram afetados pela coronacrise, pelo contrário: a concentração de riquezas aumentou. A TJN estima que haja pelo menos US$ 32 trilhões escondidos em paraísos fiscais.

Estudo recente da Oxfam mostra que 32 multinacionais estão fazendo lucros extraordinários durante a coronacrise e esperam distribuir 88% deles aos acionistas, a maioria já bilionários. Ao mesmo tempo, muitas dessas empresas pedem empréstimos emergenciais aos governos. Na França, sete empresas pagaram dividendos aos acionistas enquanto recebiam dinheiro público para pagar seus funcionários.

E ainda existem os abusos fiscais. Estima-se que cerca de US$ 500 bilhões de impostos corporativos não são pagos e vão para paraísos fiscais devido a brechas nas leis e ao lobby das multinacionais para que sigam beneficiadas. Desde os anos 1980, super ricos e grandes corporações vêm pagando cada vez menos impostos.

O movimento de justiça fiscal pressiona por mudanças com propostas de transparência. Se as multinacionais fizessem relatórios de suas atividades país por país, seria possível evitar o envio dos lucros para países onde pagam pouco ou nenhum imposto. Se elas fossem entendidas como uma única empresa, em vez de cada subsidiária ser tratada como empresa distinta, tornaria possível taxá-las de forma única e global, de acordo com as atividades que exercem em cada país. Registro público de beneficiários finais das corporações fecha três medidas essenciais.

Essas e muitas outras propostas são abordadas mensalmente no podcast É da Sua conta, da TJN, e só precisam de vontade política para serem aplicadas. Cabe a nós exigir reformas fiscais justas.

Daniela Stefano É jornalista e apresentadora do podcast É da Sua Conta

Desafios e oportunidades da Nova Economia

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A sociedade internacional está passando por grandes transformações em todas as áreas e setores, estas alterações estão gerando impactos generalizados, neste momento as bases da economia estão passando por construções ou por reconstruções. Neste momento, percebemos o nascimento de uma Nova Economia, gerando novos atores sociais, políticos e culturais, com isso, percebemos novos desafios e novas oportunidades, trazendo medos e esperanças e, ao mesmo tempo, novos comportamentos, concorrênciase riscos crescentes, estamos numa outra sociedade, numa nova coletividade e construindo novos modelos de civilizações.

Como destacou o criador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, a Nova Economia traz novos conceitos para a economia contemporânea, como Indústria 4.0, Inteligência Artificial, Internet das coisas, robótica, civilização digital, Startups, 5G, computação quântica, biotecnologias, dentre outras. Estes novos conceitos estão transformando todas as economias, desafiando as nações, criando um mundo cheio de oportunidade, mas ao mesmo tempo percebemos grandes instabilidades, inseguranças e desesperanças.

Nesta sociedade, muitos teóricos importantes para a academia, intelectuais como os economistas Joseph Stiglitz, Paul Krugman e Amartya Sem, laureados com o Prêmio Nobel, além de grandes personalidades da sociedade contemporânea, intelectuais de peso como Noam Chomsky, Edgar Morin, além do Papa Francisco, dentre outros, estão destacando que a sustentabilidade da sociedade deve ser reconstruída, as bases da sociedade deve ser reconstruída, a estrutura econômica deve servir para a sociedade e não como o que está acontecendo neste momento da história, onde os grandes conglomerados econômicos estão cada vez mais fortalecidos, garantindo seus privilégios, pagando tributos reduzidos e angariando novos espaços em todas as nações, controlando as estruturas de poder, perpetuando seu domínio político e garantindo uma reduzida parte da sociedade global, os benesses da acumulação e dos prazeres do capital.

A Nova economia está exigindo uma constante transformação cotidiana, os trabalhadores devem incorporar novas inovações, as invenções devem impulsionar a coletividade, os desafios devem ser crescentes, as atividades repetitivas do mundo do trabalho devem ser repassadas para as máquinas. Os trabalhadores devem ser estimulados para o pensamento crítico, exigindo novas mentalidades e a construção de novos equilíbrios emocional e espiritual, sem estes equilíbrios não conseguirão se adaptar a esta nova sociedade, marcadas por incertezas crescentes, instabilidades gerais, volatilidades, complexidades e transformações constantes. Destes desafios, destacando os modelos educacionais, das escolas e das universidades, que prescindem de novas metodologias para a construção dos novos conhecimentos, se a sociedade demanda cidadãos conscientes e críticos, os novos modelos de ensino devem capacitar para a construção dos trabalhadores do século XXII, deixando de lado os modelos repetitivos, superficiais e baseados nas decorebas constantes, criando novos modelos dinâmicos e reflexivos para na auxílio da construção da nova economia contemporânea.

Os novos modelos de negócios atuam na construção de ecossistemas de empreendimentos, tais como startups, empresas de tecnologias e marcadas pelo crescimento das inovações, com suas mentalidades dinâmicas, com seus comportamentos marcados pela ambiguidade, por modelos revolucionários de negócios, mais marcados pela flexibilidade, pelo dinamismo e menos burocracias, dominados por aplicativos e produtos intangíveis. Neste novo modelo de organização, encontramos o cenário da nova economia, centrados nas incertezas e constantes mudanças, esta nova sociedade pode ser definida pela disrupção, que tem como base um rompimento com o velho marcado e abertura para o novo, mais tecnológico, flexível e prático.

A disrupção em curso na sociedade contemporânea está gerando muitas oportunidades e desafios, de um lado, percebemos que aqueles que apresentam boas oportunidades de formações intelectual e técnica, além de valores mais consistentes, conseguem ganhos crescentes profissionais, novas oportunidades de empregos ou a construção de novos negócios, muitos delas iniciando novos empreendimentos, centrados de fortes tons de liderança, garantindo o crescimento de negócios e atuações neste mercado volátil e altamente instável.

Vivemos num mundo marcada pelos excessos de tecnologias, máquinas e equipamentos dominando todos os setores, a sociedade está construindo um mundo digital, os prazeres está se concentrando no mundo imaterial, os jogos, os aplicativos crescem todos os instantes, sua importância não deve ser questionada, mas não podemos aceitar que os valores da tecnologia gerem constrangimentos para as relações sociais e as integrações entre os seres humanos, a tecnologia deve ser vista como um grande ativo da coletividade, os avanços das máquinas não deve ser desprezadas mas, os seres humanos precisam construir novos arranjos de sociedade. As amizades devem ser consolidadas, os toques e os contatos humanos devem ser estimulados, as conversas devem ser estimuladas, os relacionamentos devem ser consolidados, sem estes vocabulários, esquecidos neste mundo marcado por tecnologias e exageros digitais, a sociedade contemporânea não conseguirá dar um salto civilizacional, ainda neste momento marcado por pandemias, desajustes morais e fragilidades espirituais.

Neste ambiente, percebemos a importância crescente da educação, na contemporaneidade a formação educacional é fundamental, todos os governos devem canalizar fortes investimentos científicos, incremento do conhecimento da sociedade, melhorando a infraestrutura das escolas, das faculdades e das universidades, aproximando estas instituições do mercado, aumentando os recursos na pesquisa, aumentando os dados e as informações disponíveis para a sociedade, subsidiando os tomadores de decisões e construir planos econômicos, centrados em políticas pragmáticas e consistentes, deixando de lado posições caracterizadas pelo viés ideológico, sem comprovação científico e sem experiências comprovadas por pesquisas científicas.

A sociedade mundial se caracteriza por grandes transformações, a rapidez destas alterações cresce de forma acelerada. Neste ambiente, os indivíduos estão atordoados, assustados, os trabalhos estão se tornando escassos, com isso, o mundo de trabalho está gerando instabilidades, desesperanças, depressões e ansiedades. Neste mundo contemporâneo, a tecnologia acelera rapidamente, neste ambiente, enquanto os indivíduos não conseguem acompanhar estas transformações impulsionadas pelas novas tecnologias, vivemos um grande paradoxo, os consumidores percebem inúmeras mercadorias disponíveis no mercado, mas de outro lado percebem seus rendimentos se reduzindo, seus salários diminuem e as perspectivas de sobrevivência dignas diminuem de forma acelerada, impulsionando conflitos, violências e a convivência social, neste momento, percebemos a importância de uma discussão maior sobre os rumos da sociedade mundial.

Os grandes pensadores da sociedade mundial, desde os intelectuais que foram fundamentais para a compreensão do mundo, seus desafios, seus medos e as limitações, todos eles teóricos destacaram que o crescimento da civilização só seria possível se os seres humanos conseguissem encontrar uma fórmula de equilíbrio que concatenar os avanços da sociedade em vários setores: o crescimento intelectual, o crescimento econômico, o crescimento moral e o crescimento espiritual. Neste momento, percebemos que a sociedade está se concentrando apenasnum dos eixos da equação, a sociedade está se concentrando no eixo do crescimento econômico, estamos nos preocupando apenas na economia, aumentando as riquezas, aumentando as cargas de trabalho e levando os indivíduos a degradação, acreditando que o mundo conseguirá o tão sonhado seu desenvolvimento. Neste momento, percebemos que se não conseguirmos nos fortalecer nas bases da moral, do espírito e da intelectualidade, o mundo tende a aprofundar rapidamente a degradação, os confrontos, a incivilidade e o retrocesso, reflitamos sobre estes ensinamentos da história, sem esta reflexão o mundo caminhará, a passos largos, a momentos sombrios, assustadores e longe dos conflitos existenciais e morais.

‘Educação remota afeta ainda mais os vulneráveis’, diz Paes de Barros

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No combate à pandemia, governo deveria, eventualmente, ‘fechar a economia e abrir as escolas’, diz especialista

Entrevista com

Ricardo Paes de Barros, professor do Insper

dnana Tomazellli, O Estado de S. Paulo, 14 de novembro de 2020

BRASÍLIA | O governo deveria centrar esforços no controle da pandemia do novo coronavírus para criar as condições necessárias à reabertura das escolas, afirma ao Estadão/Broadcast o economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e um dos formuladores do programa Bolsa Família: “Não adianta fazer a economia voltar e manter escolas fechadas. Eventualmente, tem de fazer o contrário, fecha a economia e abre as escolas.”

Segundo ele, é preciso criar incentivos, inclusive financeiros, para que jovens de famílias mais carentes voltem às aulas em vez de engordar estatísticas de evasão escolar. Ao mesmo tempo, será necessário reforçar a oferta de professores para ampliar a assistência aos alunos e recuperar o tempo perdido. Se nada for feito, o prejuízo no aprendizado pode impactar a renda do estudante em até R$ 70 mil ao longo de sua vida. Em caso de abandono dos estudos, o prejuízo chega a R$ 400 mil para ele e a sociedade.

Leia os principais trechos da entrevista:

As escolas estão fechadas há oito meses, há uma disparidade nos Estados sobre o acesso dos alunos a atividades remotas. Qual é o impacto disso na economia e na desigualdade?

Não tem como ter essa educação remota, em certo sentido improvisada, durante oito meses. É impossível achar que não vai ter consequências graves. Os alunos vão aprender menos, a chance de evadir é maior, e tudo isso acontecendo de uma maneira extremamente desigual, porque esse esforço meritório de educação remota requer um apoio da família em termos de recursos digitais, espaço, lugar para estudar, tempo para estudar. Vai ser uma perda grande e desigual.

E qual é o tamanho da perda?

A gente só vai saber na hora em que começar a medir o que aconteceu com o aprendizado à medida que os alunos voltarem. Agora, a principal preocupação é o cara voltar para a escola. Se não voltar para a escola, a perda é gigantesca. Num trabalho que fizemos no Insper junto com a Fundação Roberto Marinho, a gente calcula que cada jovem que não voltar para a escola é um prejuízo de R$ 400 mil para ele e para a sociedade brasileira. Não é o que ele perdeu este ano, mas o que ele vai perder também nos próximos anos por ter saído da escola. É uma perda gigantesca de PIB, de renda, de empregabilidade e de tudo que a educação traz, desde menos violência a melhores condições de saúde.

Quem está mais exposto?

Quem tem mais risco de não voltar para a escola são os mais pobres, os mais vulneráveis, e quem se beneficiou menos da educação remota foram os mais pobres e mais vulneráveis. Então tudo é muito desigual, uma perda muito grande, mas tem uma prioridade. Primeiro, garantir que todo mundo volte. Segundo, recuperar a perda de aprendizado. A pior coisa que a escola pode fazer é naturalizar essa perda de aprendizado. A gente deveria estender, por exemplo, o terceiro ano (do ensino médio) e segurar os jovens que não aprenderam tudo que deveriam, porque ensinar para eles é mais importante do que eles entrarem no mercado de trabalho.

O público do terceiro ano é justamente o que está no maior risco de evasão, muitos precisam ajudar a família. Como garantir que ele não só volte, mas fique mais um ano na escola? É preciso algum incentivo?

Custa R$ 400 mil (o abandono escolar). Qualquer incentivo que a gente der para eles é mais do que bem-vindo. O governo está gastando R$ 600 bilhões, deixando de arrecadar R$ 200 bilhões (em 2020). Faz todo o sentido uma bolsa de estudos para todos os jovens pobres se manterem na escola. É um dos melhores incentivos que o Brasil pode fazer para o próximo ano. Mas não adianta manter ele na escola se a gente não tiver um programa de ensinar para ele, acelerar o aprendizado. A solução mais evidente são tutorias, turmas com poucos alunos. É preciso entender no detalhe o que ele sabe, o que não sabe e ajudar. Isso requer uma relação de número de alunos por professor muito baixa, é quase uma tutoria individualizada.

Isso implica contratação, horas adicionais dos professores? Como seria feito?

Vai envolver os professores trabalharem mais horas, afinal estamos nos recuperado de uma pandemia. Gastou-se mais com o auxílio emergencial, nós vamos ter que gastar agora com educação.

Tem uma pressão grande sobre governadores e prefeitos para reabrir escolas, alguns tentaram e voltaram atrás, mas há ainda grande temor. Como conciliar isso?

A única maneira de fazer isso é reduzir o número de mortes, reduzir a transmissibilidade. Enquanto o Brasil tiver o número que mortes que tem hoje, vai ser impossível voltar seriamente com as escolas. Só vai voltar para fechar de novo. Não adianta fazer a economia voltar e manter escolas fechadas. Eventualmente tem que fazer o contrário, fecha a economia e abre as escolas, que parece ser o que alguns países europeus estão fazendo. É mais importante abrir as escolas do que abrir a economia. O direito à vida está em primeiro lugar. O Brasil tinha que ter no máximo 200 mortes por semana. Aí poderia sair de uma propagação comunitária, avaliar cada morte para saber de onde veio e tomar as medidas para evitar transmissão, que é o que a Alemanha fez. Depois disso pode começar a falar em abrir as coisas.

 

Radiografia do desmonte da Ciência brasileira, por Ergon Cugler.

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Universidades públicas lideraram 2 mil iniciativas contra a covid-19, mas governo quer cortes de 32%. Fundo de desenvolvimento científico perderá 4,8 bilhões; CNPq cortará mais bolsas. Não basta exaltar ciência, é preciso lutar por investimentos

Por Ergon Cugler – Outras Palavras – 15/11/2020.

Em maio deste ano escrevi ao Nexo Jornal como o subfinanciamento e o desmonte da Ciência, Tecnologia & Inovação limitavam o enfrentamento da pandemia da COVID-19. Ainda assim, esperançamos e nos mobilizamos enquanto sociedade pela valorização da Ciência para superarmos o cenário pandêmico — chegando a afirmar que a pandemia nos ensina que sem Ciência não há futuro. Evidente que a comunidade científica ocupou a linha de frente junto aos profissionais da saúde em todo país, porém, ainda assim, os cortes de bolsas seguem ocorrendo e diversas pesquisas estão sendo interrompidas. Será que realmente estamos aprendendo algo enquanto sociedade?

Desvalorização em números

Em todo país, as Universidades Públicas brasileiras foram responsáveis por mais de 2000 iniciativas contra os efeitos da pandemia da COVID-19, resultando em milhões de vidas beneficiadas direta ou indiretamente pela vasta produção de equipamentos de proteção individual, respiradores, além de inovações tecnológicas, estudos e pesquisas que não se intimidaram em dar suporte à sociedade (mapeamento das iniciativas contra COVID-19).

Apesar de todo empenho, os cortes para 2021 no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) chegam a 32%, se comparado a 2020. A perda maior é de R$ 4,8 bilhões para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), além de cortes em bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – como aponta a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC).

Destacando as bolsas do CNPq como exemplo, a redução de recursos chega a 64% no próximo ano. Na prática, o orçamento de 2021 prevê garantir apenas 4 meses de bolsas de pesquisa, pois 60,55% dos recursos dependeriam de eventual e incerta aprovação de créditos suplementares pelo Congresso. Atualmente, a Capes concede bolsas a 100 mil pesquisadores e o CNPq financia 80 mil bolsas de pesquisa (Agência Senado).

Em alguns estados a realidade não é diferente. Segundo levantamento (Folha de São Paulo), mais de um terço dos estudos e pesquisas publicados em todo o país sobre a COVID-19 (38,7%) tiveram a participação das universidades públicas estaduais paulistas. Ainda assim, o Governo do Estado tentou aprovar o trecho do PL 529/2020 que previa confiscar mais de um bilhão de reais do caixa das universidades públicas estaduais paulistas, com o argumento de promover “ajuste fiscal e equilíbrio das contas públicas”.

Mesmo após mobilização da sociedade contra a tentativa de confisco, uma manobra no Orçamento de 2021 também proposta pelo Governo do Estado – via PL 627/2020 — busca reduzir em 30% o financiamento da Fapesp e da pesquisa científica estadual, cortando R$ 454,7 milhões de projetos científicos, inclusive em andamento. Tal valor, no entanto, poderia pagar um ano inteiro de 54.465 pesquisas de iniciação científica (R$ 695,70 por mês) ou 18.547 bolsas anuais de mestres e doutores pesquisadores (R$ 2.043 por mês).

Sobre as bolsas, aliás, há quem insista em uma falsa ideia de que são um “privilégio” pago com dinheiro público. Pelo contrário, um pesquisador universitário, por exemplo, recebe uma bolsa de R$ 400,00 mensais; valor que há anos não tem reajuste, que não conta com décimo terceiro, licença, seguro de vida, férias ou quaisquer direitos trabalhistas (Nexo Jornal). Além, tal pesquisador não pode ter qualquer vínculo empregatício, sendo obrigado a se dedicar exclusivamente para a pesquisa em que é bolsista. Isto é, cortes e contingenciamentos significam, muitas vezes, a suspensão de toda e qualquer fonte de renda de um pesquisador — além da interrupção da pesquisa.

Porém, se as universidades estão sempre a postos e tais pesquisadores se dedicam exclusivamente para a produção científica brasileira, por que tal empenho não se reflete na construção de um orçamento que fortaleça e valorize a Pesquisa, Ciência, Tecnologia & Inovação?

Quem tem medo da Ciência?

Ciência não se faz do dia para a noite, apenas para atender à um imediatismo de ocasião. Não é possível, também, interromper uma pesquisa por falta de financiamento e depois retomá-la no mesmo ponto. Com Ciência, Tecnologia & Inovação é necessário investimento programático, estratégico, ininterrupto, de qualidade e progressivo para que conhecimentos diversos estejam mobilizados e a postos para com a sociedade nos mais diversos cenários.

Não é possível também existir um suposto apoio de ocasião. Além, não basta apenas dizer apoiar a Ciência, é preciso defender seu financiamento. Pois, ou se valoriza na prática a Ciência como elemento central para a superação de crises e plataforma para construção de uma sociedade mais saudável, ou será apenas discurso.

No entanto, não faltaram figuras públicas que aproveitaram da onda em ascensão para fazer da Ciência um slogan ao buscar legitimar decisões em meio à crise. Tão grave quanto polarizar com a cloroquina e desmobilizar uma eventual vacinação contra COVID-19, por exemplo, é fazer uso oportunista da Ciência para surfar na narrativa em alta e, ao mesmo tempo, usar o “ajuste fiscal e equilíbrio das contas públicas” como desculpa para desmontar o financiamento público da Ciência.

Até porque, ainda que se ignore todo potencial e transformação que o acesso a conhecimentos científicos traz para a sociedade, é impossível chamar Ciência apenas de gasto e negar que investimentos em Ciência, Tecnologia & Inovação trazem ganhos futuros, impulsionando toda uma cadeia produtiva e agregando valor econômico ao país.

Porém, enquanto tentam uberizar a Ciência brasileira, é preciso estar atento e forte enquanto sociedade, pois ainda que a comunidade científica entre em campo para estar na linha de frente, tal protagonismo não garante automaticamente um orçamento justo. Além, não se trata de uma batalha única, pois a disputa por uma sociedade que use a Ciência como plataforma de promoção de justiça social deve ser travada diariamente por todos nós.

Assim, a provocação está em construir uma mobilização contínua de valorização da Ciência, da divulgação e da popularização científica em nosso cotidiano, envolvendo organizações, associações e principalmente a sociedade como um todo na discussão dos rumos e desafios do que é público e comum da pólis. Até porque, se mesmo em meio a pandemia nos deparamos com ainda mais cortes e com tamanha desinformação negacionista circulando para legitimar tal desmonte, o que restará se não nos colocarmos diariamente no papel de defesa da Ciência brasileira?

 

Em tempos sombrios, é possível educar para a polidez?, por Claudia Costin.

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Estamos ensinando as crianças a construir uma sociedade melhor do que a que lhes legamos?

Folha de São Paulo, 13/11/2020.

Volto ao tema da polidez, já que, em tempos de populismos, vem ocorrendo uma tendência de associar linguajar vulgar a autenticidade. É como se, para ser “um de nós”, o eleito deva ser grosseiro, explosivo, sem autocontrole e “falar verdades”.

As famílias e as escolas, quando educam crianças, levam muito tempo ensinando exatamente o inverso. As palavras têm sentido e podem ferir, daí a importância de utilizá-las com respeito à condição humana do outro, para selar uma convivência pacífica e construtiva. Além disso, ensinar autorregulação é uma das chaves de um processo pedagógico bem-sucedido.

Os alunos reproduzem aquilo que observam no comportamento dos adultos que lhes são próximos. Se pais ou autoridades não respeitam leis de trânsito, jogam lixo na rua e ofendem os que lhes são, por algum critério, desagradáveis, é isso que adotarão como conduta. E cuidado, o agredido poderá ser justamente aquele de quem emulou o comportamento.

Da mesma maneira, quando governantes divulgam teorias conspiratórias ou as mencionam em discursos chamados à agressão, como bem analisou Levitsky em seu “Como morrem as democracias”, autorizam exércitos de seguidores a fecharem os olhos para crimes governamentais e a, no limite, espancarem os inimigos citados em discursos.

Quem estudou história sabe que a origem do triste episódio da Noite dos Cristais em que judeus tiveram lojas vandalizadas e foram espancados e mortos por civis, foi exatamente um discurso autorizativo.
A implementação de boas políticas públicas, numa federação, demanda competência, capacidade de articulação e negociação, conhecimento técnico e sentido de propósito. Isso se torna ainda mais importante em crises, quando coragem, e não virilidade, torna-se componente adicional para lidar com os desafios vividos.

O historiador John Lukacs, ao se referir ao período entre guerras, em seu “O Duelo”, relata que a juventude inglesa, à época, admirava Hitler, associando-o a uma maior “virilidade” que a demonstrada pela democracia do Reino Unido. Vários queriam que o país se alinhasse à Alemanha no conflito iminente.

A virilidade inconsequente, percebida como qualidade, pode nos levar rapidamente para a direção errada.

E a assertiva de que teríamos “que evitar de ser um país de maricas” (sic), além de subentender que não devemos levar a pandemia a sério, traz uma ofensa implícita para com uma parcela da população brasileira que merece nosso respeito.

As crianças, na sala, observam. Afinal, estamos lhes ensinando a viver em sociedade e a construir uma sociedade melhor do que a que lhes legamos?

Claudia Costin

Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

 

O fiasco da privatização, por Luiz Gonzaga Belluzzo.

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Carta Capital, 14/11/2020.

O colapso no fornecimento de energia no Amapá deixou expostas as inconsequências e inconveniências da privatização de empresas que produzem insumos universais. São universais aqueles ingredientes sem os quais uma economia moderna não pode funcionar. A energia elétrica é um desses insumos universais. Seria de bom alvitre explicar essa banalidade para a turma do Paulo Guedes e seus sequazes da Faria Lima.

Para não vender gato por lebre, cumpre explicar que a febre de privatizações avassalou o planeta desde o início dos anos 80 do século passado. Nesse momento, tornaram-se dominantes as palavras de ordem que afirmavam a superioridade e maior eficiência econômica dos empreendimentos privados vis-à-vis com as empresas públicas.

Na verdade, informa o economista Michel Aglietta em seu livro Capitalisme le Temps de Rupture, as operações de fusões e aquisições estão na origem de um intenso processo de concentração de capital que visa aumentar a rentabilidade da empresa, aderindo a uma posição monopolista ou oligopolista, dependendo das condições de concorrência nos diversos mercados. A estratégia de “crescimento externo” é provável que cumpra diferentes metas para a empresa, como acesso a novos mercados, particularmente no plano internacional. Na linguagem de Aglietta, o “crescimento externo” – fusões e aquisições – contrapõe-se ao “crescimento interno”, aquele sustentado pelo aumento da capacidade produtiva mediante a compra de máquinas, equipamentos e contratação de mão de obra.

Nas décadas posteriores à ruptura dos anos 1980, o Ocidente assistiu a uma redução progressivamente significativa do investimento em nova capacidade, enquanto o Dragão do Oriente subia sua taxa de investimento produtivo para 50% do PIB (esse exagero foi corrigido posteriormente e a taxa de investimento da China recuou para 41,5%).

As transformações nas estratégias das empresas explicam a sanha das privatizações de bens públicos, sobretudo os chamados monopólios naturais, como é o caso de energia, saneamento, logística. Isso para não falar dos serviços públicos, tais como saúde, educação, transporte urbano. A pandemia, diga-se, escancarou a insuficiência da oferta de bens e serviços públicos nas sociedades capitalistas.

No caso das privatizações, a financeirização rentista exercita seus propósitos ao se beneficiar de um ativo existente e gerador de renda monopolista, criado com dinheiro público. A onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno capital financeiro, em seu furor de aquisições de ativos já existentes. Nada tem a ver com a qualidade dos serviços prestados, mesmo porque os exemplos são péssimos. Em geral, no mundo, a qualidade dos serviços prestados pelas empresas privatizadas declinou, acompanhando o aumento de tarifas e a deterioração dos trabalhos de manutenção.

A decepção popular com as experiências de privatização contamina gregos e troianos, países ditos adiantados e outros nem tanto. A experiência privatista revela suas entranhas: os capitais desejam ardentemente adquirir empresas produtoras de serviços públicos, primeiro para realizar formidáveis ganhos de capital no momento das aquisições, depois para abocanhar a renda monopolista.

Já relatei nesta coluna que, na Era Thatcher, a Inglaterra privatizou o abastecimento de água e os transportes interurbanos. Num e noutro caso as tarifas subiram muito rapidamente. Em algumas cidades inglesas, as tarifas de água tornaram-se abusivas. O serviço? Uma droga. Os lucros naturalmente aumentaram de forma explosiva.

Os privatistas, com a maior cara de pau, usam a evolução da rentabilidade para mostrar a maior eficiência da empresa privada. Eficiência privada, ineficiência social. No caso dos ônibus interurbanos, além da brutal elevação de tarifas, os concessionários privados simplesmente fecharam as linhas menos rentáveis, deixando muitos ingleses sem transporte.

O economista e jornalista Will Hutton, em seu livro A Situação em Que nos Encontramos, descreve com requintes de crueldade a condição do consumidor inglês de serviços públicos submetido aos caprichos e arbitrariedades dos controladores e administradores dos monopólios naturais, como transporte público e abastecimento de água. Só não reclamam, é claro, os possuidores de ações dessas empresas, que celebram os preços de seus ativos subindo sem descanso. E a farra do bode.

Imaginam os crédulos do mercado que a vida poderia estar melhor se os gordos benefícios fossem utilizados para sustentar um programa de investimentos destinados a garantir a melhora dos serviços. Nada disso. Os resultados vão forrar os bolsos dos acionistas, sob a forma de recompra de ações e distribuição de dividendos. Enquanto isso, os consumidores se lascam.

Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor da Universidade de Campinas (SP).

RH medieval, por Rodrigo Zeidan

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No Brasil e na China, salário é gasto, não investimento, portanto deve ser minimizado

Folha de São Paulo, 14/11/2020.

“Por favor, não conte para a minha chefe que estive aqui”, foi o que me disse uma funcionária da NYU Shanghai que veio me pedir conselhos sobre a carreira.

Assim como em muitas empresas no Brasil, há uma corrida pela mediocridade em organizações privadas na China. Essa corrida começa com a ideia de que o funcionário deve se dedicar à empresa, sem buscar receber ofertas dos concorrentes.

Pensar em mudar de empresas é visto como traição. Quando alguém recebe uma oferta, os gestores ficam indignados, mas deixam a pessoa ir porque acreditam que sempre podem contratar alguém por um salário mais baixo.

Está assim montada a estrutura da corrida pela mediocridade. E quem patrocina isso? A diretoria de recursos humanos. Afinal, no modelo brasileiro (e chinês), salário é gasto, não investimento, portanto deve ser minimizado.

Não há real medição de desempenho e não se dá feedback honesto aos funcionários. Os empregados não aceitam receber críticas. Quando alguém é criticado, em vez de ouvir, começa a se defender. Contrata-se um funcionário e espera-se que ele vá fazer o mesmo trabalho por anos a fio, sem plano de carreira.

Ao longo do tempo, os que têm valor no mercado acabam saindo por ofertas melhores, e só ficam os que não têm opção. Cria-se uma cultura de medo, na qual uma funcionária teme conversar sobre seu futuro com um colega.

Entre os novos contratados, os que se destacam são vistos com ressentimento, pois já se prevê que o mercado vai roubá-los.

Mas um modelo diferente é possível. O principal requisito é um processo transparente de medição de produtividade, mas com desenho que não transforme tudo em números sem contexto. Afinal, há várias razões para um desempenho ruim de um funcionário em um mês, ou semestre, e tais flutuações já são esperadas como algo normal; afinal, ninguém é uma máquina.

Na minha universidade, o mais difícil tem sido quebrar a cultura da aversão a crítica, construtiva ou não.

Para profissionais de várias outras nacionalidades, críticas construtivas são não somente aceitáveis como bem-vindas. Mas na China, assim como no Brasil, não.

Vários processos de recursos humanos no Brasil parecem saídos da Idade Média, mais se assemelhando com instrumentos de tortura que práticas de geração de valor.

Lembro-me de quando pedi uma licença sem vencimentos para poder passar um tempo como professor visitante no exterior. A primeira pergunta do diretor foi: quanto você vai ganhar lá fora? O medo era que outros professores fossem fazer algo parecido, “inflando” o mercado.

No fim das contas, a cultura de recursos humanos no Brasil é de contencioso, de empregados contra empregadores, e vice-versa. Um modelo de ganha-ganha é possível. Essa foi uma lição que aprendi com o bolso.

No meu primeiro emprego no exterior, descobri que um amigo ganhava £ 2.000 a mais por ano. A razão? Assim como eu, ele recebeu a oferta de emprego horas depois da entrevista. Mas usou essa celeridade como poder de barganha. Disse que aceitaria a oferta por £ 3.000 a mais de salário. Recebeu contraproposta de £ 2.000. Aceitou.

Eu? Brasileiro “pede” emprego e, assim, pensava que só tinha como opções dizer sim ou não à oferta. Aprendi. E não trabalho para quem tenta me torturar, ou só quer sugar meu valor, sem dar muito em troca.
Há empresas com boas práticas no Brasil. Mas não se chega ao século 21 sem esforço.​

Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

 

 

Desindustrialização e degradação das classes médias

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O filme “A grande virada” destaca o incremento do desemprego em setores que poderíamos ser descritos como os altos executivos, os diretores e os grandes funcionários das empresas multinacionais ou dos transnacionais. Neste filme, o ator vivido por Ben Affleck, um dos diretores da companhia é dispensado depois de muitos anos dedicado a conglomerado, iniciando um verdadeiro calvário de recolocação no mercado de trabalho, convivendo com a indústria da recolocação dos executivos, as degradaçõessociais, a perda de condição social e muitas humilhações e explorações,mostrando as grandes mudanças no mercado trabalho em uma sociedade marcado por grandes transformações, aumentando os conflitos pessoais, familiares  e desesperanças generalizadas.

Ao assistir este filme, percebi que vivemos numa sociedade cujas mudanças estão gerando grandes desafios individuais e coletivos, ao analisar a sociedade norte-americana, que sempre foi vista como um espaço de valorização de todos os cidadãos que se dedicassem solidamente, vivenciando inúmeras oportunidades, marcadas pela liberdade e as grandes perspectivas de ascensão social, melhorando as condições sociais e aumentando as possibilidades de enriquecimento pessoal e entesouramento coletivo, garantindo ao país alcançar o pódio do desenvolvimento econômico e incremento na democracia, um país invejado e com forte propensão ao sucesso.

As grandes transformações na sociedade contemporânea estão deixando rastros de degradação nas classes sociais, onde destacamos as alterações nas classes médias, uma classe muito invejada por todos os conjuntos da sociedade, marcados por espaços clássicos de empreendedorismo, marcados pela ascensão social e pelo crescimento de seu poder de compra, angariando novos espaços de consumo e comportamentos sociais, transformando-a para a sociedade um verdadeiro farol de crescimento político, econômico e ascensão cultural. Nesta classe, encontramos os filhos dos operários e dos médios empresários no período posterior na segunda guerra mundial, cidadãos que tiveram a oportunidade de estudar, de se capacitar e se formar em universidades de ponta, muitos deles são frutos das universidades públicas e privadas de destaque, sendo responsáveis por grandes avanços da ciência, do conhecimento e das bases das tecnologias em variadas áreas e setores, garantindo um avanço científico para a sociedade contemporânea e abrindo novas perspectivas para os rumos da sociedade mundial.

A classe média está no centro das grandes transformações contemporâneas, são os grupos mais afetados pelo incremento das mudanças no mundo do trabalho, são trabalhadores que sentem os impactos das novas tecnologias, dos novos modelos de produtivos e sentem os avanços tributários dos governos nacionais, que veem nestes grupos como os mais frágeis na defesade seus interesses, com isso, perdem seus recursos e sentem o crescimento dos tributos, empobrecendo esta classe central no desenvolvimento das economias. O enfraquecimento dos setores industriais nos países ocidentais como agentes geradores de empregos, impacta fortemente sobre a classe média, reduzindo a demanda por empregos e incrementando o desemprego, o subemprego e a desalento.

Nos últimos séculos, segundo os especialistas, o setor terciário seria o grande gerador de emprego, absorvendo uma grande leva de trabalhadores expulsos dos setores agrícolas e industriais, se refugiando nos setores comerciais e de serviços. Nesta época, as visões otimistas acreditavam que os trabalhadores seriam empregados no terciário, mas percebendo que este último está passando por novas tecnologias, novos modelos de gestão e, com isso, reduzindo a absorção de trabalhadores, criando um futuro marcado pela redução de empregos formais e incremento dos setores informais, com cidadãos desprotegidos e sem benefícios sociais, incrementando os desequilíbrios sociais e aumentando as sensações de mal-estar e desesperanças de todos os grupos sociais.

No filme “A grande Virada”mostra, num dos momentos do filme, os personagens relembrando os momentos de crescimento da instituição, o incremento dos empregos e a melhoria das condições sociais dos trabalhadores e de todos os cidadãos do seu entorno, gerando melhora das condições de vida das cidades, aumento da arrecadação de impostos das cidades, atraindo novos investidores, novos conglomerados, empreendimentos imobiliários e estimulando o desenvolvimento das regiões.

Este ambiente passou por grandes transformações, os grandes setores industriais contribuíram para estimular os setores de classe média, com a desindustrialização dos países ocidentais, estes grupos sociais sentem os impactos da desindustrialização, exigindo novos modelos produtivos e novos instrumentos de absorção de levas de trabalhadores capacitados, levando-os buscar novas formas de remuneração, sem empregos estes cidadãos se entregam aos mercados de aplicativos, buscando trabalho para sobreviver, sem proteções, sem seguranças, sem amparos, sem perspectivas e sem remunerações condignas, estamos retornando, quando pensamos no mundo dos trabalhos, a momentos mais sombrios da sociedade industrial nos séculos XVII e XVIII, onde as explorações eram a tônica da sociedade, onde os trabalhadores estavam condenados a jornadas maiores de 16 a 18 horas por dia, uma verdadeira escravidão branca e degradante.

Christopher Guilluy, geógrafo francês, em seu livro “O fim da classe média”,publicado em 2019, faz uma reflexão sobre a desagregação das classes sociais, destacando o papel que sempre desempenhada por esta crise social que, na atualmente, perdeu a capacidade de se organizar, de auxiliar os grupos mais capacitados e passou a pensar e agir de acordo com seus interesses imediatos, acabando com a solidariedade de classe, se afastando das bases da sociedade e se fechando em seu mundinho interior, mais egoísta, angustiado e imediatista.

O modelo de produção que reina na sociedade internacional, centrados em estruturas flexíveis e dinâmicas, marcadas pelo crescimento de máquinas e de equipamentos, marcados pelas novas tecnologias da Indústria 4.0, centradas na biotecnologia, na internet nas coisas, na robótica, das estruturas de telecomunicação 5G, nas estruturas em nuvens, na empresa de streaming, das mídias sociais, exigem novas organizações produtivas e novos modelos de recrutamento e seleção de trabalhadores, mais dinâmicos, comunicativos, proativos e equilibrados emocionais e espirituais, exigências distantes da grande parte das forças de trabalhos, contribuindo para o incremento do desemprego e do subemprego, o desalento, da ansiedade, da depressão e, em muitos casos, ao suicídio.

Os grupos das classes médias sentem todas estas alterações dos modelos de trabalho, nos servidores percebendo a redução da empregabilidade, estes setores percebem a diminuição das contratações, sobrecarregando os trabalhadores que continuam empregados, com isso, percebemos que as cargas de trabalho crescem e as exigências aumentam, gerando síndromes variadas, desesperanças e preocupações crescentes, reformas crescem de forma aceleradamente, a Previdenciária, a Administrativa… dentre outras, levando estes funcionários a cargas de estresse, de desagregação social e emocional.

Muitos grupos sociais da classe média se apressam para conseguir aposentadoria, sonham com o descanso e tempos maiores para o lazer e para o descanso, infelizmente percebem que seus sonhos, em muitas vezes, são obrigados a buscar novos empregos como forma de manter seu padrão de vida, novas rotinas, novas ocupações e novas levas de estresses, incrementando os já crescentes desequilíbrios emocionais e espirituais.

Nestes momentos de pandemia, muitos setores das classes médias percebem uma redução considerável em seus rendimentos, muitos salários estão sendo diminuídos, muitas empresas estão falindo, muitos empresários que sempre sonharam em serem donos de seus negócios, acordam endividados, sem crédito e sem perspectivas, os sonhos para muitos empreendedoresacabaram se tornando um verdadeiro pesadelo. Neste ambiente de instabilidades e incertezas, inúmeras são obrigadas a retirar seus filhos das escolas privadas, muitos estudantes universitários são obrigados a abandonar os sonhos de um diploma superior, muitas famílias são obrigados a abandonar os planos de saúde, neste caso, mais de 2 milhões de trabalhadores tiveram que deixar seus planos, recorrendo aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), que neste momento de pandemia, mostrou para a sociedade a importância deste modelo universal criado pela Constituição de 1988, que é responsável pela cobertura de mais de 200 milhões de cidadãos, o único país do mundo, com mais de cem milhões de habitantes, que ousou garantir um sistema de saúde universal para todos os concidadãos, um serviço público que deveria ser visto por todos os brasileiros como um exemplo para a sociedade.

A classe média tem grande importância para a sociedade brasileira, desde os anos 90, percebemos que este grupo social perde espaço na sociedade, deste então estão sendo muito tributados, seus rendimentos são retirados diretamente dos respectivos holerites, seus recursos monetários estão degradando e levando-a a crises generalizadas, endividamentos crescentes, medos angustiantes e desesperanças sem fim. Percebemos que este grupo social precisa de um socorro imediato, sem este auxílio o futuro da classe média é a transformação em grupos mais fragilizados e empobrecidos, degradados e sem perspectivas futuros, corroendo as bases da sociedade e abrindo espaço para a degradação da sociedade, com aumento da pobreza, da indigência e a desesperança, abrindo espaço para grupos políticos populistas, inescrupulosos e aproveitadores.

Nos últimos anos, o sonho de um país de classes médias está ficando cada vez mais distante, estamos num momento inédito da história do país, precisamos repensar as bases do nosso desenvolvimento e as perspectivas para os anos vindouros, estamos próximo do caos generalizado e as expectativas para os próximos anos deve ser definidos na atualidade, reconstruir os sonhos do crescimento da classe média é o mesmo repensar os sonhos da cultura brasileira, da civilização nacional, retornando de teóricos que ousaram a pensar o nosso país, como Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, dentre outros, intelectuais que pensaram no Brasil como uma potência tropical, soberano e autônomo, mesmo num mundo marcado por degradação ambiental e subserviências política e cultural.

 

 

 

 

 

 

 

 

Sem renda, classe média corta plano de saúde e escola.

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QUATRO PERGUNTAS PARA…. Renato Mairelles, presidente do Instituto Locomotiva:

O presidente do Instituto Locomotiva faz uma reflexão sobre os impactos da pandemia sobre o consumo das classes sociais, enfatizando a classe média, classe que sentiu fortemente as consequências das mudanças geradas na contemporaneidade.

1. O que aconteceu com a classe média na pandemia?

A classe média não recebeu o auxílio emergencial, como a baixa renda, e não tinha poupança, como a alta renda. Assim, ela viu uma pressão grande sobre seu orçamento. E, como muitos integrantes da classe média trabalham em profissões em que é possível fazer home office, muitos dos gastos da casa também subiram, o que explica haver aumento das contas em atraso.

2. Parte da classe média recebeu o auxílio dado pelo governo quando houve redução de jornada e salário. Mas o valor não compensou toda a perda salarial ocorrida?

Se a pessoa está em um emprego formal, sim, ela recebeu. Mas e o advogado? A dentista? O salão de classe B que ficou fechado? O dono de bar? O pequeno empresário sofreu muito. Nós fizemos uma pesquisa sobre financiamento e descobrimos que somente 6% dos empresários conseguiram algum tipo de ajuda, de refinanciamento.

3. Qual a consequência da perda de renda da classe média para as demais?

A classe média teve menos proteção que a baixa renda, mas qual é a consequência dessa vulnerabilidade? A pessoa manda embora a empregada doméstica. O resultado disso na baixa renda é a perda do emprego. Em um caso, estamos falando de uma situação em que a pessoa terá de comprar menos roupas. Em outro caso, falamos de alguém que vai passar fome. A classe média sofreu um impacto direto no seu consumo e, como é o maior mercado consumidor do Brasil, acabou gerando efeitos nas outras classes, em especial na baixa.

4. A classe média foi uma grande base de apoio para a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018. Ao avaliar o que está ocorrendo com ela neste momento, o senhor acredita que o apoio vai mudar?

Temos visto um movimento de mudança gravitacional da base de apoio de Bolsonaro. Do mesmo jeito que o programa Bolsa Família trouxe um conjunto de votos para o presidente Lula no passado, o auxílio emergencial abaixou a renda média do bolsonarista. A classe média tradicional foi a que, no início da pandemia, mais atacou as ações do governo, porque a covid-19 chegou primeiro até ela. O que vimos foi um aumento do descontentamento da classe média em relação às medidas do governo. Esta classe média é mais crítica, por exemplo, quando surge a polêmica em relação às vacinas. Essa mesma classe média tem uma dificuldade enorme de entender o auxílio emergencial para os mais pobres, porque ainda tem uma visão estereotipada das classes baixas.