Neoliberais versus Desenvolvimentistas: uma falsa dicotomia.

0

O Brasil sempre se caracterizou como o país do futuro, desde anos 1970 o Brasil notabilizou sua fama na sociedade mundial, muitos analistas políticos acreditavam que o século XXI levaria a sociedade brasileira para o panteão das maiores economias do mundo, crescimento econômico e social levaria o país ao desejado desenvolvimento, com melhorias na qualidade de vida, incremento na renda agregada per capita e uma maior equidade social, com maior autonomia e avanços científicos e tecnológicos.

O debate entre os liberais ou neoliberais de um lado e desenvolvimentistas de outro, está sempre nas discussões entre os economistas, cientistas sociais ou formuladores de análises econômicas. Os neoliberais defendem uma redução do Estado na sociedade, visto como o grande responsável pelas intempéries da economia brasileira, desde a inflação, as taxas elevadas, ineficiência do Estado e baixa eficácia dos serviços públicos, marcados pelos quadros de funcionários remunerados acima dos trabalhadores da inciativa privada, nos cálculos em média os servidores recebem mais de 67% dos rendimentos dos trabalhadores das empresas privadas. De outro lado, percebemos os desenvolvimentistas, que defendem um papel estratégico para a sociedade com políticas anticíclicas, atuando constantemente para reduzir os desequilíbrios dos mercados, direcionando os investidores e abrindo novas perspectivas para os setores produtivos, este debate não é moderno, mas recorrente e contínuo, colocando em grupos diferentes e interesses específicos, gerando instabilidades e incertezas crescentes, impediam novos investidores na sociedade brasileira e levando os investidores a sempre pensarem no curto prazo, deixando de lado o planejamento no longo prazo.

Ao analisar esta discussão na sociedade brasileira, percebemos que o debate intelectual é imensamente desonesto em seus contentores, uns defendendo interesses com poucas comprovações científicas e metodologias poucos transparentes buscando seus interesses ideológicos imediatos, com isso, percebemos como a ciência econômica vem perdendo espaço na sociedade, deixando as análises históricas e sociológicas e direcionadas para os cálculos matemáticos, concentrando na econometria e nas estatísticas, criando novos modelos que transformam os seres humanos em variáveis secundárias, deixando de lado as reflexões filosóficas e as estruturas políticas e antropológicas.

Neste embate, as conversas servem apenas para defender suas ideologias, se defendem o Estado devem ser vistos como comunistas ou esquerdistas, nestas reflexões os que defendem o desenvolvimentismo são pichados de corruptos e ineficientes, destacando a degradação moral, não importa a discussão científica, todos os dotados de pensamentos contrários ao seu grupo político devem ser agredidos, maltratados e detratados verbalmente. Neste momento os liberais degradam os desenvolvimentistas e estes últimos recorrem aos mesmos expedientes, falando alto, gritam e partem para palavras agressivas e deseducadas.

Os liberais apresentam ideias interessantes, a privatização e a diminuição devem ser defendidos por todos os grupos, o Estado gigante podem trazer ganhos monetários para alguns grupos mais estruturados, são os mais capacitados para influenciar seus interesses imediatos, com isso, garantem para este grupo retornos polpudos e riquezas elevadas. O pensamento me parece bastante limitado e ingênuo ao acreditar que, os extrair o Estado, garantirá ganhos constantes para toda a coletividade, muitos grupos sociais menos aquinhoados precisam constantemente das políticas públicas, serviços governamentais e atuação dos órgãos do Estado para garantir a construção de uma sociedade menos desigual e capacitadas para sobreviver neste ambiente marcado pela competição, pela concorrência e o crescimento exagerado do egoísmo e dos interesses imediatos.

A defesa inconsequente do pensamento liberal garante os grupos mais capacitados nos embates da economia globalizada, elevando as oportunidades para os setores mais aquinhoados, capacitando os setores mais bem nascidos em detrimento dos grupos mais fragilizados, com isso, o pensamento liberal aprofunda uma sociedade mais desigual, reduzindo as oportunidades de grande parte da sociedade, aumentando as desigualdades sociais, aumentando da degradação do trabalho e incrementando as desesperanças.

Os desenvolvimentistas argumentam que exista um papel fundamental para o Estado, acreditando que sua atuação numa sociedade em constante transformação é relevante para estimular os setores produtivos, capacitando os trabalhadores, motivando e estimulando as empresas, os fortes investimentos em ciência e tecnologia, sendo assim, a atuação do Estado deve ser profissionalizada para angariar novos mercados na economia internacional e garantindo novos produtos para conquistar países, regiões e continentes.

Defender o papel do Estado na sociedade não deve se fechar pelas suas ineficiências e seus desperdícios, cabendo aos instrumentos governamentais fiscalizar os gastos públicos, garantiam a todos os órgãos de regulação utilizar análises constantes, transparências e controles rígidos para que todos os recursos públicos, sempre escasso, continuem servindo os cidadãos, as empresas e todos os entes governamentais. A transparência é fundamental para o Estado contemporânea, os instrumentos jurídicos devem estar aptos para fiscalizar todas obras e investimentos sociais, instituições do Estado devem analisar os gastos, tais como a Receita Federal, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a Mídia, as universidades e a opinião pública, o envolvimento de todos os entes públicos e privados são fundamentais para a construção de um novo modelo de desenvolvimento social.

Neste momento, percebemos o tímido investimento de instituições de fomento, tais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma instituição de grande relevância para a economia brasileira, cujo papel está destoando neste momento de grandes instabilidades e incertezas, marcadas pela pandemia, crises econômicas e sanitárias. De posse dos dados, percebemos que o BNDES sempre desempenhou um papel crucial para a sociedade, neste momento está a quem do seu papel histórico, deixando um vácuo de investimentos de médio e longo prazo, como estão sendo com suas coirmãs de outras nações, como a KFW Alemã ou a KBD da Coréia do Sul, duas importantes instituições que investem grandes recursos e priorizam investimentos nacionais, produção local, exportações com impactos sociais para toda a coletividade. Outro ponto central neste momento de pandemia e grandes instabilidades, faz-se necessário, destacar que o BNDES deve assumir um papel crucial, infelizmente os seus críticos estão sendo criminalizando o banco, disparando equivocados e buscando internamente medidas para diminuir seu papel na sociedade nacional, bancando auditorias e criminalizando contratos, prendendo funcionário, degradando a moral da diretoria, mesmo assim, as auditorias independentes não conseguiram degradar a atuação do banco como agente de investimentos no longo prazo e impulsionando os investimentos nacionais.

Neste momento, percebemos que os defensores do pensamento liberal estão perdendo o embate no interior do governo federal, embora acredite que muitas teses defendidas pelos seus defensores, percebemos que, num momento de pandemia, marcada por grandes investimentos em todas as nações, os defensores do liberalismo insistem em abertura econômica, austeridade, reformas liberalizantes, redução dos encargos e dos benefícios sociais, neste momento de grandes instabilidades, suas ideias são insuficientes para alavancar a economia brasileira, como nos mostra claramente desde 2015, quando desde então, as políticas de austeridades e tentativas constantes de privatizações, além de reformas trabalhistas e previdenciária, a economia ainda está totalmente desorganizada, com demanda reduzida, queda considerável do consumo interno, incremento no desemprego, aumento da falência, estamos flertando com o caos generalizado.

O grande problema não é o embate entre os dois grupos de economistas sobre a estratégia de condução da política econômica, ambas apresentam características importantes para a construção do planejamento da economia nos próximos anos, ninguém deve se opor a um Estado sólido nas suas questões fiscais, orçamento equilibrado, serviços públicos eficientes, empresas estratégicas consolidadas e organizações de Estado bem geridas e conscientes de seu papel social para a coletividade, onde todos os agentes econômicos e políticos precisam ter consciência de que o desenvolvimento não se faz individualmente e num período de quatro anos, mas devem ter consciência de que o desenvolvimento econômico perdurará por muitas décadas, melhorando o bem-estar social de todos os grupos.

Os liberais estão corretos quando fazem uma crítica sobre o Estado brasileiro, suas intervenções crescentes e suas ineficiências reforçam este nível de subdesenvolvimento, gerando cargas tributárias elevadas, em torno de 34% do produto interno bruto, número elevado a um país de nível de desenvolvimento, mas incapaz de gerar serviços públicos de alta qualidade, degradando as questões sociais e aumentando a desigualdade. Como destacou Bráulio Borges, um dos coautores do livro Contas Públicas no Brasil: “O Estado brasileiro, com o nível de arrecadação de hoje, em torno de 33% do PIB, deveria prover um bem-estar médio muito mais alto do que efetivamente entrega. Ou agente deveria ter uma carga dez pontos percentuais menos para entregar o nível de bem-estar que a gente constata nos nossos dados”.

Estamos num momento de grandes transformações na sociedade brasileira, uma reestruturação seria urgente e necessária para economia, trazendo novas oportunidades no pós-pandemia. A reforma tributária deve ser priorizada neste período de crise sanitária, entendendo que o sistema é muito mal estruturado, marcado por ineficiências crescentes, que oneram a produção, penalizam o consumo e perpetuam as desigualdades sociais. Como percebemos nos dados disponibilizados no livro Contas Públicas no Brasil, no artigo escrito pelos economistas Guilherme Ceccato e Pedro Jucá Maciel, ambos do Tesouro Nacional, o Brasil apresenta carga tributária semelhante à do Reino Unido, mas tem uma capacidade de reduzir a desigualdade inicial de renda que é a metade da verificada no país europeu. Como destacam: “Entre os motivos estão uma carga tributária regressiva, baixa focalização das políticas sociais para a população mais pobre e, principalmente, elevadas transferências para a parcela mais rica da população”. Como os pesquisadores, no Brasil, os 10% mais ricos são beneficiados com 20% das transferências públicas, como aposentarias e pensões. No Reino Unido, os 10% recebem 2,3% das transferências.

Os dados acima nos mostram que o debate intelectual dos economistas neste embate entre liberais/neoliberais e desenvolvimentistas é desonesto e enviesado, uns defendem mais gastos em investimentos governamentais que aprofundem estas desigualdades e, muitas vezes, em critérios eficientes, gerando mais iniquidade e concentração da renda em um pequeno grupo de rentistas. De outro lado, defendem menos Estados e mais Mercados, como se a retirada dos investimentos governamentais fosse substituída por investimentos da iniciativa privada. Na história econômica brasileira isto nunca ocorreu, na verdade, os dispêndios oriundos do mercado acontecem depois dos investimentos públicos, estes últimos são fundamentais para orientar os recursos da iniciativa privada.

Neste pandemia e crise generalizada na sociedade brasileira, um debate honesto cientificamente orientado é fundamental para que consigamos superar este momento de pandemia, o fortalecimento das instituições, a participação dos sindicatos e representantes dos trabalhadores, dos empresários e federações ou confederações, devem auxiliar para a população, pactuando em prol do emprego, estimulando a renda e fomentando a demanda, sem elas, nossa recuperação será limitada e ineficiente, levando o caos generalizado para toda a coletividade, incrementando a exclusão, a desigualdade e aumentando a violência social.

 

 

Libaneses não se veem como parte de uma mesma nação, diz escritor

0

Para Amin Maalouf, divisão do poder entre religiões acirrou sectarismo e está no cerne da crise

Patrícia Campos Mello – Folha de São Paulo -13/08/2020

“Nasci com boa saúde nos braços de uma civilização que morria…” Assim o franco-libanês Amin Maalouf começa seu último livro, “O Naufrágio das Civilizações”, recém-publicado no Brasil pela editora Vestígio.

Maalouf, que nasceu no Líbano e vive na França há mais de 40 anos, afirma acreditar que as sucessivas crises políticas que tomaram conta de seu país natal têm como cerne a divisão sectária.

“As pessoas no Líbano, hoje, têm muito mais vínculo com suas comunidades [xiitas, sunitas, cristãos, drusos], não se veem como pertencendo à mesma nação”, diz à Folha o escritor, que ganhou o prêmio Goncourt e ocupa na Academia Francesa a cadeira que foi de Claude Lévi-Strauss.

O primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, renunciou na segunda-feira (10), seis dias após a explosão em Beirute que deixou mais de 220 mortos e desencadeou uma nova onda de protestos no país, que vive recessão econômica profunda e crise política.

Maalouf critica o sistema de cotas instituído após a guerra civil (1975-1990), que reserva posições no governo e no Parlamento para representantes de acordo com as diversas religiões do país.

Tradicionalmente, o primeiro-ministro é sunita, o presidente é cristão e o líder do parlamento é xiita —mas há reservas em todo o serviço público.

“O sistema fez com que as pessoas ficassem ainda mais comprometidas apenas com suas comunidades, mais reféns dos líderes de suas comunidades que, por sua vez, aliam-se a outros países que então exercem influência sobre o país”, diz o escritor.

O senhor acredita que “O Naufrágio das Civilizações” pode ser uma previsão de conflitos internacionais que estão por vir, da mesma forma que seu livro de 1998, “Identités Meurtrières” (identidades assassinas, em tradução livre), acabou prenunciando o choque entre árabes e ocidentais que culminou nos atentados do 11 de Setembro? Da mesma forma, sua obra de 2008, “O Mundo em Desajuste”, anteviu o colapso da confiança global que se deu em meio à crise financeira?

O livro não é uma predição, é uma descrição do mundo que temos hoje, do naufrágio moral e político por causa de governos e movimentos que não estão equipados para liderar nações neste momento complicado. Não tenho dons premonitórios, sou apenas uma pessoa que está sempre observando o mundo cuidadosamente.

Meu pai era jornalista, eu trabalhei em jornal. Minha paixão é examinar o mundo. Em muitas ocasiões, as pessoas simplesmente deixam de enxergar o óbvio. Por exemplo, não enxergaram que o problema identitário não ia ficar restrito ao Oriente Médio e se transformaria em uma questão global, precisaram testemunhar os atentados do 11 de Setembro para acreditar.

Da mesma maneira, tiveram de ver o colapso financeiro de 2008 para entender a desordem do mundo. Os três livros mostram a importância do Oriente Médio nesses contextos. Não é que tudo tenha começado em minha terra natal. Mas o Levante tem um papel especial no mundo —é onde as três maiores religiões tiveram origem. Se tivéssemos, naquela parte do mundo, sociedades em que as pessoas vivessem juntas de forma pacífica, isso mandaria uma mensagem para o mundo de que isso é possível. O fato de o Levante passar por tantos conflitos, continuamente ao longo da história, espalha ideias e sentimentos negativos. Essa região, onde eu nasci, acabou espalhando a pior mensagem possível, de que não podemos viver juntos e brigamos o tempo todo.

A que se devem as sucessivas crises políticas que tomaram conta do Líbano nos últimos tempos?

O Líbano tinha uma grande possibilidade de ser um local onde pessoas de diferentes religiões viviam juntas, em uma sociedade moderna, e, por alguns anos, parecia que isso estava acontecendo. Mas esse arranjo entrou em colapso, e agora temos uma crise muito grave. Por quê? Bom, para começar, a situação regional não é favorável. Sempre me lembro da frase de um líder polonês, reagindo a questionamentos sobre a influência soviética sobre o seu país, que teria dito “precisamos lembrar que a Polônia não é na Austrália”.

Da mesma maneira, o Líbano não é uma ilha no Pacífico, vive em uma região problemática, onde há vários países competindo para ganhar influência. Um enorme problema é a lealdade às diferentes comunidades. É preciso transformar essa lealdade a diferentes comunidades [xiitas, cristãos e sunitas, que dividem o poder no Líbano] em uma lealdade a uma nação de todos. Os governos dividiram o poder entre as diferentes comunidades, mas o sistema de cotas revelou ser perverso, porque não deixava as pessoas superarem as lealdades a suas comunidades, as mantinha reféns dos líderes de suas comunidades.

O senhor acha que, para resolver as crises do Líbano, seria necessário acabar com o sistema de partilha de poder instituído após a guerra civil?

Eu acho o sistema ruim, mas não acredito que possa ser mudado agora. Os governos deveriam ter agido de forma diferente muitos anos atrás, formando uma sociedade em que os jovens se sentem membros da mesma nação, que querem proteger e trabalhar por sua nação. Se mudarem isso hoje, ou não fará nenhuma diferença, ou pode descambar em conflito sectário aberto, porque as pessoas estão totalmente vinculadas a suas comunidades.

A divisão de poder foi uma ideia razoável na época, fazia sentido reservar certos cargos para determinadas religiões. Assim, não haveria disputas entre cristãos e sunitas, por exemplo, pelo cargo de premiê. As disputas eleitorais seriam sempre entre integrantes da mesma comunidade, o que reduzia potencial de conflitos. Mas isso foi desenhado para ser uma medida provisória, até que a mentalidade das pessoas mudasse e elas estivessem preparadas para ter um sistema democrático mais eficiente.

Mas, em vez de preparar a população para isso, o sistema fez com que as pessoas ficassem ainda mais comprometidas apenas com suas comunidades, mais reféns dos líderes de suas comunidades que, por sua vez, aliam-se a outros países que então exercem influência sobre o país. O Líbano já foi um país diferente, onde havia um convívio entre as diferentes religiões, que preservavam suas histórias, sem perder a ideia de nação. Quando eu era jovem [o escritor deixou o Líbano no início da guerra civil, aos 27 anos], eu olhava para outros países e via o sectarismo como uma coisa arcaica, pensando que outros países deveriam mudar e ter um arranjo como o nosso. Mas o Líbano não avançou, e os outros países regrediram e se tornaram cada vez mais sectários. Está cada vez mais entranhada a ideia de que pertencimento só é definido por raça, origem. Isso é cada vez mais forte nos EUA, na Índia.

A ascensão do populismo no mundo se encaixa nesse contexto?

Sim, certamente, o populismo é uma questão de identidade. Uma das principais mensagens dos atuais líderes populistas é dizer que seus apoiadores são os únicos que são realmente cidadãos, e que aqueles que não compartilham os valores deles não são cidadãos, não são patriotas. Populismo sempre foi baseado em fomentar a divisão e hostilizar o outro, a pessoa com outra identidade. A narrativa da invasão dos imigrantes na Europa transformou totalmente a atmosfera política, deixou países como Holanda e Dinamarca irreconhecíveis.

Há esperança?

Se nos mantivermos na rota em que estamos hoje, caminhamos para um conflito inevitável entre o Ocidente e a China. Precisamos de uma abordagem diferente em relação a outras identidades. Não queremos voltar para a visão ideológica, de Guerra Fria, do século 20. Fingimos acreditar que nossa hostilidade à China tem como motivo o fato de o regime chinês prender opositores, reprimir Hong Kong. Mas vai muito além disso. A China é vista como uma ameaça à ordem global e tem muito a ver com a identidade. Precisamos evitar os erros que cometemos após a queda do muro de Berlim, quando perdemos a oportunidade de incluir a Rússia na ordem mundial.

Estamos vendo algo semelhante, o mesmo tipo de abordagem agressiva, de confronto. Isso só alimenta sentimentos nacionalistas e anti-Ocidente —como aconteceu na Rússia. O Ocidente perdeu a oportunidade de incluir a Rússia, e agora está perdendo a oportunidade de incluir a China.

Amin Maalouf, 71

Nascido no Líbano, viveu também no Egito e emigrou para a França em meados dos anos 1970, após a guerra civil eclodir em seu país natal. Membro da Academia Francesa de Letras desde 2011, o escritor franco-libanês teve sua obra traduzida para mais de 50 idiomas.

 

Dia dos Economistas

0

No dia 13 de agosto se comemora o dia dos Economistas, uma data importante para todos os aqueles que se dedicam a compreender os movimentos e as flutuações do sistema econômico, entendendo os fenômenos políticos, históricos e sociais para entendermos a sociedade contemporânea. Esta profissão tem grande relevância social, embora seus profissionais perderam o status na sociedade nos últimos trinta anos, deixando de lado os instrumentos históricos, sociais e políticos, se concentrando nos estudos dos modelos econométricos, privilegiando os cálculos matemáticos, afastando-a desta ciência social. Cabe uma reflexão.

A “Indústria Americana” e o novo modelo de trabalho

0

Neste período de pandemia, instabilidades, incertezas e crescentes conflitos econômicos entre as maiores economias internacionais, o filme A Indústria Americana, ganhador do melhor documentário no Oscar deste ano, analisa grandes mudanças nas estruturas organizacionais das empresas, de um lado encontramos os modelos adotados nos países asiáticos e de outro os modelos que dominaram quase todo o século XX, mas perdeu centralidade no cenário internacional, mostrando impactos culturais das organizacionais dos grandes atores da economia global, para muitos, este será o grande conflito ou geopolítico contemporâneo.

Estamos num momento de novos conflitos geopolíticos, neste momento percebemos o crescimento da China na economia internacional, uma economia que, desde os anos 1980, vem ganhando centralidade na economia global. Inicialmente, percebemos uma economia produtora de produtos de baixo valor agregado, como produtor de grandes escalas produtivas, marcados com preços reduzidos e uma gigante capacidade produtiva, levando o país a ganhar espaço na indústria global. De um crescimento econômico com mais de 10% ano nos últimos quarenta anos, o país angariou grandes somas de recursos monetários internacionais, com isso, é atualmente o grande detentor das maiores reservas mundiais, em torno dos US$ 4 trilhões, recursos que a China está dianteira das grandes aquisições em todas as regiões, desde os negócios no continente africano, na América Latina, no Oriente Médio e no continente Europeu, temendo seus concorrentes e possibilitando novas possibilidades de negócios rentáveis.

O documentário mostra um impacto dos modelos organizacionais dos dois grandes atores internacionais, um conflito cultural, econômico, político e geopolítico. O filme destaca a compra de uma planta industrial da General Motors em Dayton, Ohio, depois pela crise de 2008, que levou a empresa norte-americana a fechar a fábrica e mandar embora mais de 2,8 mil funcionários, gerando grandes impactos pelos trabalhadores e em toda a cidade, com incremento no desemprego, queda na renda das famílias e o crescimento da desesperança, gerando indicadores sociais negativos para toda a coletividade.

O documentário tem uma peculiaridade interessante, dentre os investidores deste filme está o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e a ex-primeira dama Michele Obama, que patrocinaram a ideia e levou a película para o prêmio mais importante de Hollywood, levando a estatueta e garantiu o Oscar de melhor documentário de 2020.

O filme destaca os primeiros períodos da compra da planta industrial da General Motors, adquirida pela empresa multinacional chinesa Fuyal, responsável pela produção de vidros automotivos, cujos métodos de produção e sua estrutura organizacional entram em conflitos, mostrando a precarização crescentes, a exploração dos trabalhadores, a aversão pelos sindicatos e os novos modelos de exploração industrial centrados nas chamadas empresas da indústria 4.0.

Neste filme, A Indústria Americana, percebemos que grande parte dos trabalhadores são norte-americanos, permeados por trabalhadores oriundos da própria China, com seus modelos de organização, centrado na disciplina, na rigidez, na hierarquia, no trabalho duro e os turnos elevados, salários reduzidos e sem cobertura sindical, cuja diretoria deixa claro para todos os empregados americanos que são contrários a sindicalização, que incorreria em custos elevados de produção e o corte de funcionários, aumentando o desemprego.

Percebemos que a diretoria da Fuyal, uma grande produtora de vidros automotivos, enxerga o projeto da planta industrial nos Estados Unidos como um grande desafio para a multinacional, uma forma de mostrar para as autoridades americanos como os chineses conseguem produtos com alta qualidade e com baixos preços reduzidos, colocando-a como no nível de produtividade das plantas industriais de outras regiões do mundo e, principalmente, da produtividade da empresa chinesa.

No decorrer do documentário, percebemos os conflitos organizacionais e os modelos produtivos, destacando as diferenças dos trabalhadores destes dois países, os asiáticos são magros e ágeis, flexíveis, trabalhando em cargas crescentes e disponíveis a aceitar salários reduzidos, muitos destes trabalhadores são oriundos da China, ficam distantes de suas famílias, seus pais, seus filhos e não conseguem acompanhar o crescimento de seus descendentes. De outro lado, percebemos trabalhadores norte-americanos, vistos como obesos, lerdos e poucos ágeis, sem iniciativas limitadas e descontentes com seus salários, vistos como uma remuneração baixa e cargas excessivas de trabalhos.

No decorrer do documentário, um dos funcionários americanos critica a remuneração reduzida paga pelo empregador chinês, cujos salários giram em torno de US$ 12,2 ao dia, um valor muito a quem dos salários pagos pela General Motors, ex-dona da planta industrial de Dayton, cujos valores giravam em torno de US$ 29,2 ao dia. Estes recursos monetários garantia uma qualidade de vida maior para os trabalhadores e perspectivas melhores para seus familiares, possibilidades de estudos, alimentação mais dignas e esperanças de um futuro mais promissor, todos buscando o sonho americano.

O documentário mostra como as empresas estão cada vez mais centradas em novas tecnologias, nas fábricas percebemos uma redução significativa dos empregos e, ao mesmo tempo, um incremento da produtividade e o crescimento dos lucros. Dentro da dependência, os gestores da empresa Fuyal, criticam o excesso de horas de trabalho dos trabalhadores norte-americanos, que na cultura organizacional foram contratados para cargas de trabalho de oitos horas de segunda a sexta, visto como excessivo e dispendioso, quando comparamos com as cargas na China, cujos trabalhadores possuem apenas um dia de descanso no decorrer do mês, um modelo altamente degradante e humilhante nos colaboradores.

A globalização impulsionou a economia internacional no século XX, principalmente o final da segunda guerra mundial, período marcado pelo incremento da hegemonia dos Estados Unidos, neste período os norte-americanos se transformaram no país hegemônico da economia global, criando as bases da estrutura econômica, concentrando a força industrial, além do poder financeiro baseado na moeda, na força bélica e pelo soft power, centrados na força da cultura e das instituições americanas, a democracia, da livre concorrência e da busca constante do sonho liberdade.

            Este modelo criado pelos Estados Unidos foi responsável pelo empoderamento da economia norte-americana, ganhou espaço nos países socialistas, fragilizou os interesses hegemônicos do Japão e sente a força de outro país asiático, percebendo que a China é o maior rival para a predominância da hegemonia dos Estados Unidos, levando-o a adotar políticas que sempre contestaram em outros países ou regiões, recorrendo a políticas protecionistas contra empresas concorrentes, com isso, percebendo que os ideários liberais são adotados quando lhe convém e são rechaçados quando os ameaçam frontalmente.

O documentário, mostra claramente que os Estados Unidos encontraram seu maior adversário, além de desbancar empresas norte-americanos no cenário internacional, as empresas chinesas estão ganhando espaço internamente, instalando em solos americanos, implantando as estruturas organizacionais asiáticas, adotando modelos de organizacionais do trabalho, a ojeriza pela organização sindical, o alto crescimento das horas trabalhadas, a queda dos direitos trabalhistas e salários reduzidos. Neste novo modelo organizacional, adotado pela Fuyal em solo norte-americano, percebendo um novo modelo de trabalho e estrutura laboral, com cargas rigorosas de trabalho, diminuição dos modelos hierárquicos, alta rotatividade de funcionários, redução das conversas entre os funcionários e rigorosa fiscalização dos gestores.

No documentário A Indústria Americana, destaca um momento em que uma trabalhadora negra norte-americana chora diante dos gritos e das ordens de chefes chineses, neste momento percebemos que os asiáticos descrevem os trabalhadores americanos como “preguiçosos”, trabalhando menos que os chineses e são substituídos pelos empregadores quando percebem a inaptidão do cargo, sendo trocados por trabalhadores importadores diretamente da China, mais aptos pela cultura organizacional asiática.

O documentário mostra as perseguições pelos empregadores chineses, as demissões constantes, os assédios são crescentes, principalmente para que os trabalhadores não vinculassem os sindicatos, para evitar estas organizações sindicais os chineses adotaram inúmeras medidas para pressionar os funcionários americanos, principalmente os mais novos, para que não os trabalhadores aceitem a intermediação com os sindicatos.

O modelo de trabalho destacado no documentário é assustador, ao analisar os modelos laborais nos Estados Unidos, percebemos que não é nenhum modelo de organização virtuoso para os trabalhadores, muito ao contrário. Nos Estados Unidos, o modelo é marcado por pouca regulação do trabalho, onde boa parte das pessoas realiza o trabalho intermitente (pagamento por horas trabalhadas permitindo mais de um emprego), muitas horas de trabalho, sem acesso à saúde e educação pública, e com muita restrição ao direito de livre organização sindical.  A sociedade brasileira precisa se atentar com as mudanças no mercado de trabalho, o modelo norte-americano está no horizonte das mudanças implementadas na Reforma Trabalhista de novembro de 2017, baseadas nos ideários norte-americanos, com mais redução dos custos de trabalho, facilidade da contratação e da dispensa dos trabalhadores e, principalmente, numa redução abrupta do Estado como intermediário dos conflitos entre capital e trabalho.

O documentário A Indústria Americana mostra claramente que os modelos preconizados pelos conglomerados produtivos chineses são piores e excludentes para os trabalhadores, as cargas de trabalhos são elevadas, o controle interno é crescente, os benefícios e os salários são reduzidos, as folgas são pequenas e a facilidade de demissão são mais altas, um ambiente preconizado são instáveis e incertos, gerando ambiente de desesperança e medo elevados, vivemos um ambiente de inseguranças crescentes.

O documentário não destaca uma crítica mais consistente nos modelos de trabalho que crescem em todas as regiões, o capitalismo está criando um rastro de destruição em todos os continentes, os trabalhadores estão sem proteção e percebemos um discurso de que os sindicatos são incapazes de garantir ganhos para os trabalhadores, mas percebemos que a ausência destes instrumentos de defesa aos trabalhadores apenas facilitam o controle das classes dominantes do capitalismo contemporâneo e o incremento da degradação das classes trabalhadores, com salários reduzidas, benefícios menores e cargas de trabalhos cada vez maiores. O ambiente da Indústria 4.0 poderia ser um novo momento de melhoria de todos os grupos sociais, levando-os todos a participarem dos ganhos desta nova sociedade, mas o que percebemos, é que estamos gestando uma sociedade mais segregada, desigual e centrada na exclusão social.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

‘Pandemia é resposta biológica do planeta’, diz físico Fritjof Capra

0

 Autor de “O Tao da Física” relaciona desigualdade social, economia predatória e devastação ambiental ao surgimento do novo coronavírus

Fernanda Mena – folha de São Paulo, 10/08/2020

Ícone do pensamento sistêmico, o físico e ambientalista austríaco Fritjof Capra, 81, interpreta a pandemia da Covid-19 como uma resposta biológica da Terra diante de emergências sociais e ecológicas amplamenta negligenciadas. J

Segundo Capra, as mudanças de paradigma necessárias a essas emergências já são possíveis, tanto do ponto de vista do conhecimento quanto do desenvolvimento tecnológico. “Teremos a vontade política que falta?”, provoca ele, em entrevista à Folha por e-mail.

Autor de best-sellers internacionais como “O Tao da Física” e “Ponto de Mutação” (Cultrix), entre outros, o Capra articulou a física moderna a uma visão holística da vida no planeta e dos fenômenos naturais, inserindo a humanidade e suas ações nos ciclos de transformação da vida no planeta.

Capra é uma das estrelas deste ano do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, cujo tema – Reinvenção do Humano – implica um debate de múltiplas variáveis que, na visão do físico austríco, são sempre indissociáveis e interdependentes.

Diretor do Centro de Alfabetização Ecológica, com sede em Berkeley, na Califórnia (EUA), Capra desenvolveu uma pedagogia da ecologia a ser aplicada no ensino formal, primário e secundário.

Convertido em ambientalista por sua própria pesquisa, o austríaco há décadas denuncia o caráter predatório da economia global capitalista extrativista e a captura corporativa da política, que sucumbe a interesses econômicos em detrimento dos recursos naturais do que chama de Gaia —a Mãe-terra da mitologia grega que batizou uma visão do planeta como um imenso organismo vivo.

Para ele, estão equivocadas as atuais métricas do desenvolvimento baseadas no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) a partir de uma cultura de excessos, que implica em perdas sociais e econômicas.

Em quais aspectos o momento presente pode redefinir a condição humana?

Na minha visão, o coronavírus deve ser visto como uma resposta biológica de Gaia, nosso planeta vivo, à emergência social e ecológica que a humanidade criou para si própria. A pandemia emergiu de um desequilíbrio ecológico e tem consequências dramáticas por conta de desigualdades sociais e econômicas.

Cientistas e ativistas ambientais há décadas vêm alertado para as terríveis consequências de sistemas sociais, econômicos e políticos insustentáveis. Mas até agora as lideranças corporativas e políticas teimaram em resistir a esses alarmes. Agora eles foram forçados a prestar atenção, já que a Covid-19 trouxe os avisos de antes para a realidade de hoje.

Quais paradigmas a humanidade precisa mudar e por quê?

Com a pandemia, Gaia nos trouxe lições valiosas capazes de salvar vidas. A questão é: teremos a sabedoria e a vontade política necessárias para ouvir essas lições? Mudaremos do modelo de crescimento econômico indiferenciado baseado no extrativismo para outro de crescimento qualitativo e regenerativo? Vamos substituir combustíveis fósseis por formas renováveis de energia que dêem conta de todas as nossas necessidades? Vamos substituir nosso sistema centralizado de agricultura industrial com uso intensivo de energia por um sistema orgânico de agricultura regenerativa, familiar e comunitária? Vamos plantar bilhões de árvores capazes de retirar o CO2 da atmosfera e de restaurar diferentes ecossistemas do mundo?

Nós já temos o conhecimento e a tecnologia para embarcar em todas essas iniciativas. Teremos a vontade política que falta?

Num momento em que o valor do conhecimento científico biológico e tecnológico se mostram tão importantes, qual é o papel das humanidades?

Isso está diretamente relacionado a sua pergunta anterior. Se temos todo o conhecimento científico e tecnológico para construirmos um futuro sustentável, porque não o fazemos simplesmente?

Quando refletimos sobre essa questão crucial, rapidamente percebemos que o nível conceitual não conta toda essa história. Nós também precisamos lidar com valores e éticas, e é por isso que as ciências humanas são mais importantes do que nunca. Literatura, filosofia, história, antropologia podem todas nos imbuir do compasso moral que tanto falta à política e à economia atuais.

Índices de desmatamento têm aumentado na Amazônia brasileira. Quais são os incentivos para isso?

Esses crimes são uma consequência direta da obsessão com o crescimento econômico e corporativo. A devastação de grandes áreas de florestas tropicais é impulsionada pela ganância de corporações multinacionais do setor de alimentação, que buscam incansavelmente lucro e crescimento.

Se o que chamamos de progresso foi atingido às custas de danos ao meio ambiente, nossa ideia de progresso está errada?

A crença em um progresso contínuo e, em particular, a obsessão de nossos economistas e políticos com a ilusão de um crescimento ilimitado em um planeta finito constituem o dilema fundamental que permeia nossos problemas globais.

Isso equivale ao choque entre o pensamento linear e os padrões não lineares da nossa biosfera —a interdependência dos sistemas ecológicos e os ciclos que constituem a teia da vida. Essa rede global altamente não linear contém inúmeras alças de retroalimentação por meio das quais o planeta se regula e se equilibra.

Nosso sistema econômico atual, ao contrário, parece não reconhecer a existência de limites. Nele, um crescimento perpétuo é perseguido incessamente através da promoção do consumo excessivo e de uma economia do descarte que usa de maneira extravagante tanto recursos como energia, aumentando a desigualdade econômica.

Esses problemas são exacerbados pela emergência climática global, causada pelas tecnologias de uso intensivo de energia e baseada em combustíveis fósseis.

Com a pandemia, projeções apontam para o aprofundamento das já marcantes desigualdades sociais de nosso tempo. O que as produziu e como reverter esse processo?

O aprofundamento das desigualdades é uma característica inerente ao sistema econômico capitalista de hoje. O chamado “mercado global” é, em verdade, uma rede de máquinas programadas de acordo com o princípio fundamental segundo o qual ganhar dinheiro tem primazia sobre direitos humanos, democracia, proteção ambiental.

Valores humanos, no entanto, podem mudar porque eles não são leis naturais. A mesma rede eletrônica de fluxos financeiros pode ter nela embutidos outros valores. O ponto crítico não é a tecnologia, mas a política.

Há sinais de mudanças neste sentido na política de hoje?

Uma nova liderança começou a emergir recentemente em uma série de movimentos jovens muito potentes, como Sunrise Movement, Extinction Rebellion, Fridays for Future, entre outros.

Há também a ascensão de uma nova geração de políticos, curiosamente formada por mulheres, como a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinta Arden, a primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, ou a congressista [democrata] norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez.

A crise atual prescreve nossa percepção de soberania e de globalização? Como?

Com certeza absoluta! Para prevenir o alastramento da pandemia, agora e no futuro, teremos de reduzir densidades populacionais excessivas, como ocorre no turismo de massa e em condições de vida marcadas pela superlotação. Ao mesmo tempo, necessitamos de cooperação global.

A justiça social se torna uma questão de vida ou morte durante uma pandemia como a da Covid-19. E ela só pode ser superada por meio de ações coletivas e cooperativas.

Seu trabalho explorou a interconectividade entre as ciências e os conceitos e filosofias considerados não-científicos. Como esse diálogo complexifica nosso entendimento do planeta e da humanidade?

Eu me formei como físico e fiquei fascinado pelas implicações da física quântica, que nos mostra que o mundo material não é uma máquina gigante mas uma rede inseparável de padrões de relações. Durante os anos 1980, minha pesquisa virou para a área das ciências da vida, da qual tem emergido um novo conceito sistêmico que confirma a fundamental interconectividade e interdependência de todos os fenômenos naturais.

Quando nós entendemos que compartilhamos não apenas as moléculas básicas da vida, mas também princípios elementares de organização com o restante do mundo vivo, percebemos o quão firme estamos costurados em todo o tecido da vida.

O que você aprendeu com a pandemia?

Tem sido incrível para mim ver como o coronavírus expôs tantas injustiças ecológicas, sociais e raciais omitidas por décadas pelas mídias de massa.

Também fiquei espantado de ver como, em um curto espaço de tempo, a poluição quase desapareceu da baía de São Francisco, na Califórnia (EUA), onde eu vivo, assim como ocorreu em várias das grandes cidades do mundo. Isso me encheu de esperança quanto à capacidade da Terra de se regenerar.

 

A desigualdade e o mito de que qualquer um pode virar trilhardário

0

Livro ‘Capital e Ideologia’, de Thomas Piketty, tem pesquisa de alcance histórico e geográfico maior que seu título anterior

Folha de São Paulo, 08/08/2020

Ninguém tira de Thomas Piketty o condão de ter posto a desigualdade no centro do debate econômico. Publicado em 2013, “O Capital no Século 21” foi traduzido para 40 línguas e vendeu 2,5 milhões de exemplares. Veio para ficar.

Com mais de mil páginas, centenas de gráficos e tabelas, cifras de tirar o fôlego, e escrito com objetividade, o livro deu sentido ao progresso. A saber: depois de um século de genocídios e revoluções, de um incremento tecnológico nunca visto antes, a concentração do capital é hoje a mesma da belle époque. Regredimos.

O século das guerras mundiais, às quais se seguiram a Guerra Fria e a implosão soviética, resultou num mundo semelhante ao da década que precedeu os tumultos. A concentração da riqueza é igual à dos anos 1910 —riqueza essa produzida por bilhões de miseráveis e remediados em benefício de um pugilo de nababos.

Piketty volta à carga com “Capital e Ideologia” (ed. Intrínseca, 1.053 págs.). É uma sequência do livro anterior, mas com uma pesquisa de alcance histórico e geográfico maior. Vai-se da Revolução Haitiana à Guerra Civil Americana e ao New Deal; da independência indiana ao pós-comunismo e aos governos do PT.

O primeiro “O Capital”, o de Marx, começa com a produção —o primeiro capítulo é sobre a mercadoria— para depois investigar a sua circulação e chegar ao sistema capitalista. Já “Capital e Ideologia” se centra na distribuição do capital, na desigualdade, e põe em xeque o ideário que a legitima.

A desigualdade é analisada na Revolução Francesa; em sociedades escravistas e coloniais; no pós-Guerra do século 20; e na atualidade. Social-democrata, Piketty concluiu sua pesquisa com uma receita: taxação
pesada dos ricos, de suas propriedades, lucros e heranças.

Não é preciso concordar com o receituário para usufruir do livro. Ele funciona como uma série de monografias sobre situações diversas no tempo e no espaço —algumas convincentes e outras não. Em todas, se procura investigar como um grupelho de proprietários disseminou a crença que a desigualdade é não só natural como positiva.

O pilar ideológico da crença é a meritocracia —para Piketty um “conto de fadas”. Trata-se do mito que, no capitalismo, qualquer um pode virar trilhardário. No altar-mor da devoção fica a santíssima trindade de Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon) e Bill Gates (Microsoft).

A meritocracia despreza o colossal esforço humano, o empenho social secular e a legislação em causa própria que permite aos novos paxás o acúmulo astronômico de capital.

Enfatiza os indivíduos, as garagens na Califórnia onde seres iluminados descobriram a pedra filosofal do dinheiro que gera dinheiro. E sublinha a sua filantropia, a generosidade com que jogam migalhas aos desvalidos. Como são bonzinhos. Desde que não lhe toquem no tesouro.

A mitificação dos megarricos —que no Brasil se manifesta no culto brega a Jorge Paulo Lemman, o maioral escutado como um sábio até quando manda um zé mané lhe engraxar os sapatos— só existe devido a mecanismos financeiros que espoliam o planeta.

O primeiro deles é a desregulamentação do lucro e a sua livre circulação. Ele foi obra do arraso neoliberal de Reagan e Thatcher —louvados em prosa e verso por economistas e devotos do livre mercado, ambos muito bem pagos.

O mecanismo é complementado pelos paraísos fiscais. Offshores, bancões e banquinhos fraudam fiscos nacionais numa boa. Papéis do Panamá, contas secretas na Suíça, ações e derivativos que pulam de Bolsa em Bolsa garantem sombra e água fresca —e jatinhos, helicópteros e apartamentos na Flórida— aos donos da cocada preta.

Piketty nota que a ideologia meritocrática não está isenta de preconceitos. Os bilionários ocidentais são tidos por empreendedores afortunados. Já os russos são chamados de oligarcas; os africanos, de cleptocratas; os árabes, de sheiks. E assim se fermentam disputas nacionais por mercados.

Em outros termos, que “Capital e Ideologia” não usa: a burguesia é internacional, mas com raízes nacionais. Elas estão cravadas em territórios onde multidões extraem riqueza material, de cujo trabalho a classe dominante se apropria.

Distributivista, Piketty também não tem no seu léxico o verbete “exploração”. Acredita que uma reforma tributária radical e internacional poderá construir uma nova ordem, a do “socialismo participativo”. Ele não está à vista. A alternativa mais evidente é a pauperização, o salve-se quem puder. Quem viver verá.

Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de “Notícias do Planalto”.

 

Uberismo é a total desumanização das relações trabalhistas, por Esther Solano.

0

Carta Capital, 02/08/2020.

Há palavras cuja sonoridade é aparentemente inócua, cuja grafia parece inocente, insuspeita, mas basta ir um pouco além da fisionomia ortográfica para entender os infernos que escondem. Uberismo seria uma das mais recentes formas de exploração da forma de trabalho, consistente numa hiperexploração dos trabalhadores por meio de plataformas. Um emaranhado algorítmico pensado para arrancar direitos trabalhistas na forma de startup jovem, de sucesso, vibrante, lucrativa. Recomendo a leitura atenta do que escreve o professor Ruy Braga, da USP, excelente pesquisador na área sobre as ameaças brutais da “plataformização” do trabalho ou a tirania à qual as novas tecnologias digitais submetem a vida dos trabalhadores mais precarizados.

É a total desumanização das relações trabalhistas. Não há um patrão de carne e osso, não existe um departamento de recursos humanos, muitos sindicatos rejeitam representar essas categorias. O contato com o “cliente” resume-se, muitas vezes, a uma entrega rápida e insensível, com um portão com grades no meio de dois indivíduos, que no momento estão a centímetros de distância, mas cujas mãos apenas se tocam e cujas vidas se tocam menos ainda. Não há direitos, não há humanidade.

Um país como Brasil é o ambiente perfeito para esse processo de uberização da vida. Milhões de trabalhadores informais, uma pauperização crescente, um exército de jovens sem formação, a volta da miséria, o desmonte incessante dos direitos trabalhistas desde o governo Temer e agora a tragédia bolsonarista. No Brasil, a carne do trabalhador precarizado se vende barata. Muito barata.

Uber, Ifood, Rappi, o mundo do trabalhador escravizado pelo algoritmo que, em tempos de crise, absorve, engole milhões de profissionais sem expectativas. São os descartáveis. Mas, paradoxos de uma vida fortuita, os descartáveis viraram essenciais na pandemia. O número de entregadores antes do coronavírus era de 280 mil. Depois da pandemia, passaram a 500 mil. São números impressionantes: 500 mil indivisíveis que entregam comida, mas cujas famílias passam fome ou convivem com ela. São 500 mil. Mais gente, menos lucro.

O estudo “Condições de Trabalho de Entregadores Via Plataforma Digital Durante a Covid-19” identificou as jornadas de trabalho maiores e a queda nos rendimentos de 58,9% dos entregadores. Segundo a pesquisa, cerca de metade recebia até 520 reais por semana antes da pandemia. Depois, 71,9% declararam receber até 520 reais, e 83,7% até 650 reais. “É possível aventar que as empresas estão promovendo uma redução do valor da hora de trabalho dos entregadores em plena pandemia”, descreve o relatório. E ainda tem gente que diz que o coronavírus é democrático, afeta igual a ricos e pobres. Contem-me outra piada.

Não se preocupe. O entregador é microempresário, empreendedor. Não é pobreza, é um processo de sucesso individual. Os entregadores não são trabalhadores, são “parceiros” das plataformas. Os jovens que se endividam para comprar uma moto investem no seu futuro. Num país como Brasil, o discurso da meritocracia mata, assim como matam as motos dos entregadores cansados de trabalhar durante mais de dez horas por dia. Entre março e maio deste ano, 87 morreram na capital paulista.

“Agora dão duas opções para quem é pobre, morrer na rua de corona ou em casa de fome. Entre morrer em casa e morrer na rua, eu prefiro nenhuma das duas.” Esta sentença demolidora do Rap dos Informais é a que melhor define a situação da população mais pobre no Brasil. Drama por todos os lados. Em casa, fora dela, na moto, sem ela.

Mas a exploração tem seus limites. Os explorados também explodem. Os invisíveis se cansam da invisibilidade. As greves de entregadores e a formação dos Entregadores Antifascistas são focos de luz nas trevas. Entre as exigências dos trabalhadores estão reajuste de preços, entrega de EPIs para trabalhar com mais segurança durante a pandemia, fim dos bloqueios indevidos, demanda de auxílios ou licenças de saúde e acidente, questionamentos com relação a programas de pontos realizados por algumas plataformas. Dignidade para os que são tratados com indignidade. É a revolta dos de baixo, dos que passavam despercebidos e hoje se tornaram essenciais.

Todo o meu respeito, todo o meu apoio.

#BrequeDosApps.

Basta que o capital pense: a vida não vale o preço de uma entrega.

 

O MEC não sai do lugar, por Arnaldo Niskier.

0

Folha de São Paulo, 04/08/2020.

Tragédia anunciada: sem planejamento e gestão, os resultados serão pífios

Estamos com um número incrível de analfabetos. O Ministério da Educação, teoricamente, tem uma Política Nacional de Alfabetização (PNA), mas, na prática, o assunto não evoluir. Ainda discutimos questões de método, debatendo virtudes ou defeitos do que chamamos de fônico, que é um modelo que privilegia a associação entre letras e fonemas.

Há mais de 40 anos não havia essa dúvida. O programa do livro didático aprovou uma cartilha, com o nome de “Davi, meu amiguinho”, de autoria da professora Eunice Alves, produzida pela Bloch Editores, que adotava, com muito sucesso, o método fônico. Depois disso, o processo sofreu uma tremenda regressão. Em consequência, nossas crianças chegam ao 3º ano do ensino fundamental com sinais claros de que não haviam sido devidamente alfabetizadas. Nada evoluirá corretamente sem a participação devida de estados e municípios, hoje ausentes do processo. A capacidade de coordenação do MEC é praticamente nula.

Temos no papel o chamado “Plano Nacional de Educação”. É inacreditável como os seus 20 temas estão sendo desconsiderados nos meios oficiais, como se pudessem navegar neste mar revolto sem bússola. A alfabetização é apenas um dos itens, de maior ou menor relevância, mas temos outros para pautar. Com o pormenor agravante, depois da pandemia de Covid-19, de que os recursos, que já eram escassos, vão rarear ainda mais.

Vamos precisar de um robusto Plano Marshall para a nossa recuperação econômica. Mas o curioso é que, do grupo constituído pelo governo Jair Bolsonaro, não são conhecidos os grandes especialistas que cuidarão da educação, como se ela não tivesse importância.

Como se dará a transição para a fase em que se deverá adotar um sistema híbrido de ensino, harmonizando o presencial com o virtual? Haverá professores para isso tudo? Bem preparados?

Não existe uma política de formação docente sistêmica. Na verdade, falta minimamente articulação entre secretarias estaduais e municipais de Educação e os órgãos do MEC envolvidos no assunto, como é o caso do Inep. Tudo é levado de forma periférica, sem o aprofundamento devido.

O atendimento a deficientes se faz de modo precaríssimo, e a formação de professores para atender ao ensino médio é uma das nossas grandes vulnerabilidades. Sem o planejamento e a gestão devida, mesmo que se consiga o milagre de levantar recursos financeiros, do jeito que as coisas caminham os resultados serão pífios. Uma tragédia anunciada.

Arnaldo Niskier. Professor, jornalista, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e presidente do Conselho de Integração Empresa-Escola Rio (CIEE-RJ)

Desemprego, desestruturação econômica e concentração de renda

0

Recentemente a Organização Não Governamental Oxfam divulgou um relatório destacando que os bilionários brasileiros tiveram um incremento de suas fortunas em US$ 34 bilhões, com isso, a pandemia nos mostra como a sociedade brasileira se chegou a uma situação de extrema desigualdade e exclusão social, onde metade da população está recebendo o auxílio emergencial do governo federal, que garantiu R$600 reais para aqueles que sofreram os impactos negativos da pandemia, sem este auxílio muitos indivíduos teriam grandes dificuldades de sobrevivência e seus constrangimentos sociais seriam mais acentuados, gerando mais degradação social, mais incremento na violência urbana e desesperanças generalizadas, vivemos num momento temerário de medos e instabilidades crescentes.

A pandemia está gerando grandes dificuldades na sociedade mundial, as quedas econômicas se espalharam em todas as regiões, nos Estados Unidos a queda de 32% do PIB foi histórica, as quedas na Europa foram na casa ultrapassou os 10%, com isso, o  covid-19 acentuou as dificuldades econômica global, levando os países a uma recessão, um incremento no desemprego, aumento nas dívidas públicas, endividamento das empresas privadas, falências generalizadas e dificuldades políticas, levando a impactos preocupantes.

O CEO e criador da Amazon, Jeff Bezos, bilionário norte-americano registrou no mês passado o maior aumento de riqueza que um indivíduo já viu na Terra em apenas um dia, sua fortuna cresceu US$ 13 bilhões, se continuar assim, ele se tornará o primeiro trilionário do mundo em 2026, um recorde histórico e ainda mais, quando percebemos que o capitalismo contemporâneo está gerando um exército global de pobres, miseráveis e desigualdades crescentes em todas as regiões, desde os países ricos até nos países pobres.

No caso brasileiro, percebemos os impactos econômicos são violentos e assustadores, exigindo uma união de todos os entes federados, desde o governo federal, os governos estaduais e os entes municipais, sem esta união, a reconstrução trará mais instabilidades e incertezas, com repercussões sobre o emprego, gerando mais desemprego e subemprego, com isso, percebemos desajustes na arrecadação de impostos e pressões sobre os gastos públicos, como forma de reduzir os problemas sociais para toda a coletividade.

O crescimento do desemprego pode ser visto como um dos maiores desafios da sociedade contemporânea, no caso brasileiro, percebemos que o desemprego cresce de forma acelerada desde 2016, com poucas ações ativas e estruturadas para reverter este ambiente, muitos acreditam que o espírito empreendedor deve ser o instrumento mais efetivo para retirar a economia nesta situação, mas num ambiente marcado por grandes limitações estruturais e conjunturais, a reversão deste desemprego se mostra muito lento e pouco efetivo.

A crise do covid-19 deve levar a maior queda do padrão do poder de renda do país desde a década de 1940, quando começou a série histórica acompanhada pelo IBGE. Segundo os dados do instituto, neste ano a queda esperada será de 6,7% do produto interno bruto, com isso, percebemos que mais da metade dos brasileiros perceberam que está em uma situação pior do que antes da pandemia, até então, o maior recuo havia em 1981, nesta pandemia estamos percebendo que o governo está conseguindo fazer história.

Segundo os levantamentos da Conferência Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), de 2011 a 2020, o PIB per capita deve recuar 8,2% ante uma alta de 28% na década anterior, marcado pelo boom dos preços dos commodities, como a soja e o petróleo, que impulsionaram o crescimento econômico do país, aumentando a inclusão social e um incremento de políticas públicas que transformaram a sociedade brasileira.

Outro dado relevante divulgado pelo Instituto Locomotiva, a pedido do jornal O Estado de São Paulo, mais de 54% dos brasileiros afirmaram que o padrão de vida piorou, seis em cada dez deles estimam que vão levar mais de um ano para reconquistar o que tinham. Outros dados divulgados nestes dias nos levam a grandes instabilidades e incertezas, os planos de saúde perderam mais de 285 mil clientes, ficando com 46,8 milhões de usuários, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), dados preocupantes, estas pessoas migram diretamente para o Sistema Único de Saúde (SUS), impactando diretamente sobre os gastos de saúde e piorando os serviços, num momento de pandemia, crescimento de infectados e desesperanças.

O setor da educação, percebemos um incremento na inadimplência em todas as instituições privadas, aumentando o desligamento de professores e profissionais ligado ao ensino, desde as escolas infantis, do ensino médio e superior. Nas escolas da cidade de São Paulo, segundo os dados do Sindicatos dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Seeesp), percebemos um aumento na inadimplência era de 32,1%, impacto direto no aumento do desemprego e da redução de salários dos pais, levando seus filhos a matricular-se em escolas públicas, sabidamente mais atrasados das escolas privadas, fragilizando a formação de seus filhos e reduzindo as chances do mercado de trabalho, marcados por um ambiente mais competitivo e centrado na tecnologia, no conhecimento e no desenvolvimento científico.

O desemprego é um verdadeiro flagelo para a sociedade, são recursos produtivos que estão sendo inutilizados, pessoas que perdem suas dignidades, sem empregos formais, sem direitos decentes os indivíduos são obrigados a se sujeitarem a péssimas condições de vida, sobrevivendo a custas de migalhas e perpetuando uma condição de indignidade, sem oportunidades e desesperanças. Em pleno século XXI, um país como o Brasil, extremamente rico e dotado de riquezas variadas, esta condição de desemprego e de subemprego impede o indivíduo a viver uma cidadania ativa, sem direitos mínimos. Neste ambiente, a pandemia nos mostra claramente como estamos cultivando um genocídio com nossa população, uma ferida que cresce de forma acelerada e cujos impactos seriam sentidos nos próximos anos e todos somos responsáveis por este morticínio.

Uma discussão sobre a questão do desemprego no Brasil nos leva a perceber claramente o fosso social que existe entre os diferentes tipos de empregos e da rentabilidade do setor público. Como destaca Marcos Mendes analisando dados de 2013, percebemos que o Judiciário brasileiro é o que mais gastam no mundo: US$ 130 por habitante, contra US$ 35 no Chile, US$ 19 na Argentina e US$ 16 na Colômbia. O poder é tão flagrante no caso judiciário brasileiro, que os advogados do setor público, detentores de estabilidade e de salários elevados e garantidos, conseguiram, através da Lei 13.327/2016, estendeu as práticas dos “honorários de sucumbências”, mais um privilégio que garantiu mais de R$ 550 milhões em 2019, com isso, percebemos castas dotadas de grandes salários, uma pequena parte do funcionário público federal ganha remunerações absurdas em detrimento de uma grande parte dos trabalhadores, que ganham salários reduzidos e arrochados, desta forma fica claro a distância entre as remunerações no funcionários do judiciário e do Legislativo e dos outros setores da União.

As políticas desenvolvidas pelo governo federal em prol do emprego são tímidas e limitadas, concentrando seus argumentos nas dificuldades do setor público nacional, com isso, reduz os investimentos públicos e limita os gastos em obras, infraestrutura e novas políticas públicas, principalmente neste momento de pandemia, adotando uma austeridade que dura muitos anos, matando os grupos mais fragilizados da sociedade, aumentando o contingente de trabalhadores desempregados, crescendo o subemprego e a informalidade, com números elevados de excluídos, sem planejamento econômico e sem perspectivas de combate a desigualdade crescente na sociedade brasileira.

Neste ambiente de pandemia, crises sanitárias, recessão econômica e crescimento da desigualdade social, faz-se necessário uma política de investimentos públicos nas mais variadas áreas e setores da sociedade, sem estes investimentos liderados e capitaneados pelo governo federal e em concomitância com os governos estaduais e municipais, e das empresas estatais, marcados por planejamento público, com ampla atuação dos bancos públicos, não apenas na Caixa Econômica Federal, mas também direcionado e fomentado pelo Banco Nacional Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituição fundamental e imprescindível para fomentar os investimentos governamentais e na construção de um ambiente de cenários positivos nos anos vindouros. O Banco do Brasil também tem um papel central e fundamental, sua capacidade de investimentos na sociedade nacional, auxiliando setores dinâmicos como o agronegócio são imprescindíveis, além de impulsos nos setores da classe média, atolada em dívidas e carentes de recursos novos para gastos importantes para movimentar os setores produtivos, atuando nas empresas micros, pequenas e médias, responsáveis por mais de 90% dos empregos na sociedade nacional.

Uma política ambiciosa deve constar os investimentos nas áreas educacionais, novos créditos para as faculdades e universidades, além de escolas do ensino médio e fundamental, setores que passam por grande insolvência, sem créditos e sem perspectivas, cujos recursos não estão chegando, levando muitos empresas educacionais a bancarrota, matando um setor importante para o desenvolvimento da sociedade nacional, responsáveis por empregos qualificados, altamente qualificados e de mão-de-obra marcados pela criatividade e pela flexibilidade, palavras centrais para um momento caracterizado pela Quarta Revolução Industrial.

Desde os escritos de John Maynard Keynes, o mundo passou a conhecer novos instrumentos de recuperação econômica, naquela época os manuais tinham dificuldades na geração de novos empregos para o soerguimento da economia. Com o economista inglês e seus escritos, o mundo percebeu a importância dos investimentos públicos para alavancar a economia nacional, neste instante, percebemos que não vamos conseguir retirar a economia deste imbróglio sem os gastos públicos, as obras infraestruturas, nos empréstimos para os setores produtivos e estímulos para os grupos nacionais necessitados e carentes de recursos monetários. O ambiente é propício para um planejamento nacional, onde os setores devem somar esforços para a recuperação da sociedade nacional, sem esta atuação contínua dos grupos nacionais e uma política geral de integração dos grupos produtivos, as faturas aparecerão de forma acelerada com crescimento das desigualdades, da exclusão social, no desemprego crescente e o enterrando do sonho de sermos o país do futuro.

 

 

 

 

 

 

 

Ganhos materiais e alterações fundamentais..

0

O Brasil vive um momento de grandes incertezas e instabilidades nos próximos meses, o crescimento no desemprego e no subemprego geram desafios enormes na sociedade, constrangendo a nação e colocando o governo no centro das discussões. De um lado encontramos o governo federal ganhando os louros com o auxílio emergencial, aumentando os apoios nos grupos mais carentes, disponibilizando R$ 600,00 para uma parcela imensa da sociedade, mostrando-nos que os indicadores de pobreza e desigualdade são assustadores. De outro lado, percebemos que o governo está restringindo a gestão da saúde, da educação, dos serviços assistenciais, das políticas urbanas de moradia, das ações no campo cultural, entre as principais, encontram-se em estado deplorável. Melhoras nos programas sociais são positivas e urgentes, mas faz-se necessário, que venham acompanhadas de melhorias das políticas públicas e dos investimentos sociais, algo que nos parece distante dos pensamentos dos grupos que comandam os formuladores das políticas econômicas.