Depressão, Pandemia e desequilíbrio emocional

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Os intelectuais e estudiosos da sociedade contemporânea tem grandes dificuldades de compreender como se caracterizar um mundo depois da pandemia que assola a comunidade internacional, uns acreditam que a nova sociedade se mostrará mais solidária e responsável socialmente, de outro lado, encontramos mais céticos para o pós-pandemia, mesmo passando por um momento de grandes instabilidades e medos crescentes, os seres humanos não estão preparados para mudanças sociais, ainda reina nos corações a concorrência e a competição, onde os interesses materiais e financeiros ainda estão centrados nos indivíduos, mesmo sabendo que não podemos precisar como será o novo mundo, haverá grandes renovações e instabilidades crescentes.

Sabemos que vivemos num mundo dominado pelos interesses da matéria, estamos centrados nos valores subjetivos do capital, a ética se concentra no imediatismo, nas riquezas e do consumo, neste ambiente, percebemos os impactos do meio ambiente, o degelo está em expansão, os mares, os rios e os lagos estão sentindo o peso agressivo dos homens, as florestas e as vegetações percebem as degradações, no Brasil percebemos as terras indígenas estão sendo atacadas por grileiros, garimpeiros e madeireiros, cujos impactos estão se mostrando cada vez mais acelerados, gerando movimentos nacionais e internacionais em defesa este matrimônio global, cuja destruição estenderá para todas as regiões do mundo, levando países a submergir dos oceanos, destruindo países, localidades e a migração de populações destas nações.

Ao mesmo tempo, percebemos movimentos de defesa do Planeta Terra, campanhas que levam a junção de empresas das mais variadas regiões e comunidades, governos nas mais diferentes matizes ideológicas, etnias e coletividades se unem em prol das necessidades de todos os povos, a pressão pode trazer beneficiar e podem criam novos movimentos de defesa da natureza e do Meio Ambiente e outras campanhas e bandeiras que devem ser abraçadas pela comunidade internacional, como o trabalho escravo, os tráficos de drogas e de pessoas, das guerras religiosas, dentre outros temas que impactam em todos os povos e nacionalidades.

Destacamos ainda o incremento da depressão, do suicídio, da ansiedade e dos transtornos crescentes em todos os países e coletividades, diante disso, percebemos que os desequilíbrios que assolam a sociedade global devem ser vistos como um tema de saúde pública. As raízes para estes desajustes são inúmeras, de um lado percebemos questões econômicas, como o rápido do crescimento da concorrência, das exigências do mercado de trabalho e as grandes mudanças no mundo do trabalho, levando as pessoas a sentir na pele as novas exigências do mercado. Neste ambiente de crescimento da competição, percebemos uma nova sociedade, com alterações estruturais, de um mercado centrado em produtos tangíveis para a uma nova sociedade centrada em bens intangíveis, onde o conhecimento e a tecnologia são os maiores criadores de riquezas e de acumulação, deixando de lado os grupos menos capacitados, menos escolaridades, com isso, aumentando o exército de marginalizados, de esfomeados e de excluídos em todos os países, antes eram apenas encontrados em países pobres e miseráveis, atualmente, os encontramos em todos as regiões do globo, até mesmos as nações desenvolvidas e industrializadas.

A depressão é vista como o mal do século XXI, vitimando uma leva gigantesca de mais de 400 milhões de pessoas ao redor do mundo, se somarmos os vitimados pelas ansiedades e  pessoas que sofrem de transtornos variados, que a ciência psicológica não sabem identificar, chegamos facilmente em mais de 2 bilhões de pessoas da sociedade mundial, cujas pessoas acometidos destes moléstias crescem de forma acelerada, gerando impactos econômicos em todos os países, vitimizando famílias e criando embaraços em todas as coletividades.

Nestas crescentes instabilidades emocionais e psicológicas que crescem em todos os países, estamos percebendo as grandes mudanças na coletividade internacional, o incremento das tecnologias traz novas melhoras econômicas, aumentando a produtividade e reduzindo os custos produtivos e elevando os lucros monetários, força no mercado e dominação política, mas ao mesmo tempo, percebemos uma absorção menor da mão de obra, gerando um aumento no desemprego, não apenas conjuntural mas o desemprego estrutural, onde inúmeros trabalhadores estão sendo substituídos por máquinas e equipamentos, além de novos modelos de gestão, marcada por tecnologias da informação e técnicas modernas de gerenciamento de cadeias produtivas, os impactos são cada vez maiores, gerando levas de ganhadores e, uma quantidade gigante de desafortunados, excluídos, desassistidos e descartáveis.

As novas tecnologias exigem estudos constantes, as atualizações são cotidianas, levando os indivíduos a entender as novas tecnologias, as redes sociais e as novas plataformas, novos aplicativos, tudo exige dos trabalhadores estudos crescentes e ininterruptos, neste ambiente, percebemos o surgimento de novos cursos de graduação, novos cursos técnicos, novas realidades produtivas e de interconectividades, com isso, estamos cada vez mais dependentes das novas tecnologias, novos produtos, novos empresas, tais como as startup cujos valores de mercados passam conglomerados antigos e arraigados na sociedade internacional. Um exemplo de empresas novas e revolucionária é a Tesla, montadora norte-americana que se transformou na maior montadora do mundo, deixando para trás empresas transnacionais que possuem mais de 50 anos de experiência do mercado global. Empresas como Volkswagen, Toyota e General Motors produziram mais de 10 milhões de automóveis no ano passado e seus valores de mercado ultrapassaram mais de 200 bilhões de dólares, valores menores do valor de mercado da Tesla, que gira em torno de US$ 280 bilhões, mesmo sabendo que, no ano passado, a empresa líder produziu “apenas” trezentos mil automóveis no mercado mundial, apenas 3% da capacidade produtiva das suas concorrentes.

Neste ambiente, caracterizado por uma sociedade internacional devemos destacada a alta desigualdade e da exclusão social, onde 1% da população mundial, um contingente em torno de 70 milhões de afortunados internacionais, absorveram mais de 82% da riqueza de 2018, enquanto os outros 99% da população global, algo em torno de 6,9 bilhões de pessoas amealharam mais de 18% da riqueza global, aumentando a concentração da renda e o incrementando os estoques destas famílias. Estas pessoas são os grandes donos da sociedade internacional, concentram em suas mãos as maiores empresas, os grandes bancos, as emissoras e os fluxos de informações, os provedores de internet, os grandes laboratórios mundiais, agentes responsáveis pelos recursos das campanhas, os financiadores dos deputados, dos senadores e dos presidentes da repúblicas, com isso, os donos do poder concentra todos os valores da sociedade, impondo seus valores, seu imediatismo e suas ambições, suas taras e seus desejos mais íntimos e pessoais.

Nesta pandemia, percebemos grandes transformações, dentre elas, destacamos os impactos sobre as finanças públicas, os recursos orçamentários e os gastos públicos, sua análise nos leva a compreender, de forma detalhada, como se dá o poder dos grandes grupos privados, sua força econômica e a adoção de seus interesses imediatos. De um lado, percebemos como os agentes governamentais se esforçam para levar recursos públicos para os setores privados, fazendo que os fundos públicos cheguem rapidamente para os grandes bancos e setores financeiros, recursos monetários com taxas de juros reduzidos e prazos cada vez mais dilatados, com isso, seus balanços financeiros e patrimoniais crescem de forma acelerada. De outro lado, percebemos como as micros, médias e pequenas empresas, responsáveis por mais de 98% do mercado nacional, grande agente gerador de emprego e renda para a coletividade, são incapazes de acesso aos fundos públicos, os recursos existem e foram canalizados para os bancos mas, estes recursos não chegam aos setores mais carentes, o resultado imediato é mais de 700 mil empresas em falências e um números assustador do desemprego, que devem chegar a mais de 20 milhões de pessoas, além de subempregos e informais, uma verdadeira selva marcada por degradação econômica, falências e desequilíbrios variados, cujos resultados imediatos devem levar o país a um colapso generalizado.

O horror gerado pela pandemia do coronavírus na sociedade internacional está deixando a sociedade num ambiente de depressão crescente, os valores imediatistas do capital estão absorvendo os corações e as mentes dos indivíduos, as éticas foram deixadas de lado, os recursos materiais estão se sobrepondo nas famílias contemporâneas, os prazeres e os gozos do consumo estão alterando as convivências das pessoas, as conversas familiares, as amizades e os relacionamentos, todos estão se transformando num ambiente de relações imediatas, marcadas por prazeres sexuais, sem conquistas, conversas estruturadas e sentimentos apaixonados. Vivemos uma sociedade que beira ao caos, os novos fluxos de informações e as novas plataformas aproximam as pessoas e ao mesmo tempo os distanciam as pessoas, vivemos um mundo estranho, estamos pertos e ao mesmo tempo, os prazeres são limitados e os prazeres são imediatos e os encontramos numa loja, num shopping e num café, mesmo sabendo que estes locais, tão prazerosos, estão fechados ou abertos parcialmente em decorrência da crise gerada pela crise sanitária que nos assola e nos amedronta, gerando ranger de dentes e medos crescentes.

Vivemos um mundo marcado por grandes depressões, depois de crescentes depressões econômicas, com estamos nos aproximando, as crises geradas pelas depressões emocionais, neste ambiente nos comportamos como verdadeiros zumbis, robôs ou autômatos, num ambiente marcado pela inteligência emocional, onde conhecemos nossas inteligências como a Aura, a Alexia, a Bia, entre outras, são os verdadeiros “indivíduos” que pululam os cotidianos dos indivíduos, trocando as pessoas físicas por e substituindo as inteligências do ambiente virtual, muitos se casam com estas inteligências, amam as tecnologias modernas e deixam de refletir sobre os valores da sociedade contemporaneidade. São robôs que levam os cidadãos se entregam em vidas medíocres, fútil e sem sentido, sem importância aparente, deixando de viver e se aventurar sobre o significado da imensidade da vida, das relações sociais, dos amores e da solidariedade. Torcemos para que a pandemia e este momento de isolamento e reflexão, sirvam para acordar valores fundamentais e sentimentos que se encontram escondidos nos seres humanos.

 

 

 

 

 

 

 

Classe média contribui para relações bárbaras de trabalho, diz sociólogo

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Pesquisador sobre classe média brasileira, Jessé Souza diz que trabalhador no Brasil passa por desconstrução institucional

Paula Soprana – Folha de São Paulo, 24/07/2020 

Pesquisador sobre a classe média brasileira, o sociólogo Jessé Souza, doutor pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, considera a emergente mobilização de entregadores consequência de uma política ampla de desconstrução institucional do trabalhador.

Para ele, o pano de fundo da popularização do modelo de negócio dos aplicativos, que não pressupõe vínculo empregatício, é uma classe média que autoriza que relações trabalhistas sejam fragilizadas.

“A precarização do trabalho foi montada a partir de programas políticos”, diz ele, referindo-se aos governos de Michel Temer (MDB), que aprovou a reforma trabalhista, que ele se opõe, e do presidente Jair Bolsonaro.

“Setenta por cento da classe média votou em uma pessoa com esse perfil, você celebra a desconstrução institucional do trabalhador e aí, obviamente, ele perde vínculos, emprego e aparece na vida dessas pessoas como se elas não tivessem nenhuma relação com isso”, diz.

Para Souza, a classe média contribui para uma relação “bárbara” de consumo.

Como o sr. avalia a relação entre a classe média consumidora e os entregadores de apps, que estão no centro de uma discussão sobre trabalho na pandemia?

Da forma 
que se dá no Brasil, perpetua 
uma relação de exploração próxima à escravidão. A questão é a desigualdade montada pela herança da escravidão. Não é só dizer formalmente que escravidão acabou quando você pode produzir escravos, entre aspas, num contrato de fome, com preço vil. O trabalho é reduzido a um esforço corporal —o trabalho da faxineira, da doméstica, do entregador que roda 13 horas de bicicleta para entregar a pizza quentinha. É uma relação de exploração econômica da classe média, e o fato de as pessoas serem destituídas de direito faz com que a classe média possa abusar disso.

Muitos alegam que esses aplicativos são uma forma de sustento para desempregados. 

Não acho. O que se cria é uma sociedade, primeiro, que desorganiza as relações de trabalho. Setenta por cento da classe média votou em uma pessoa com esse perfil, você celebra a desconstrução institucional do trabalhador e aí, obviamente, ele perde vínculos, emprego e aparece na vida dessas pessoas como se elas não tivessem nenhuma relação com isso. Basta fazer uma cadeia causal para saber que a classe média compra isso, apoia esse tipo de modelo. Você tem uma relação de classe média bárbara e selvagem.

A popularização desses apps é global. Alguns países regulam de forma diferente, mas ela também é anterior ao governo Bolsonaro…

Cada país 
lida de forma distinta. Na Alemanha, não vejo pessoas correndo de bicicleta para entregar rápido, não é assim que funciona. Tem maquininha que carrega produtos no supermercado, o trabalho muscular é diferente. Entre nós existe uma naturalização que é exploradora e espoliativa.

Qual seria a alternativa para a classe média que evita sair de casa? Que modelo seria justo ao trabalhador?

Garantindo direitos a esse trabalhador, 
que foram retirados 2016. A precarização de relação de trabalho tem relação com isso e 
isso foi montada a partir de programas políticos, tanto com 
Temer como com Bolsonaro. O que está por trás é uma 
concepção de sociedade. Setores da classe média querem que essas relações sejam fragilizadas. Esse é o ponto fundamental. De resto, vamos acabar discutindo aspectos pitorescos e fragmentados.

Alguns entregadores defendem CLT, mas a maioria quer maiores taxas e tem reivindicações pontuais. Essa mobilização pode influenciar novas manifestações?

Espero que isso aconteça porque as pessoas foram jogadas nesse mercado. Não podemos colocar isso como uma escolha, há uma precarização geral que é maior que uma decisão individual. Você ainda dificulta que elas possam se organizar politicamente. Não existe debate midiático plural que pode informar essas pessoas —acho incrível que tenham conseguido se organizar coletivamente. Proteção legal é desejável, mas a classe média não se preocupa muito com o pobre.

RAIO-X

Jessé Souza, 60, foi presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2015 e 2016, durante o governo de Dilma Rousseff. É autor de uma série de livros, como “A Ralé Brasileira” (2009), “Batalhadores Brasileiros (2010) e “A Guerra contra o Brasil” (2020). ​

 

Bolsonaro com Covid pode até causar ganho político a ele, mas efeito seria limitado, diz cientista político.

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Professor da UFMG Leonardo Avritzer lança livro Política e Antipolítica: a Crise do Governo Bolsonaro

Naief Haddad – Folha de São Paulo, 18/07/2020.

Há uma chance de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha benefícios políticos depois de ser infectado com Covid-19. Mas esse eventual ganho de popularidade teria efeito bastante limitado.

Essa é a avaliação do professor titular de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Leonardo Avritzer, que está lançando o livro “Política e Antipolítica: a Crise do Governo Bolsonaro” (editora Todavia).

“A população, em geral, está muito mais arisca, confia muito menos nele do que antes”, afirma Avritzer.

Com base em pesquisas realizadas nos últimos anos pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, do qual faz parte, o cientista político acredita que em 2020, “pela primeira vez desde 2014, temos elementos de recuperação de práticas democráticas”.

O pesquisador dá como exemplo dessa mudança de patamar o aumento da confiança da população no Congresso Nacional e no STF (Supremo Tribunal Federal). “Nossos levantamentos têm fortes convergências com pesquisas que o Datafolha realizou durante a pandemia.”

À Folha Avritzer explica por que a “fase cordata” do presidente tende a durar pouco e comenta os fatores que impulsionaram Bolsonaro ao centro do poder, um dos temas do seu novo livro.

Do ponto de vista político, como avalia o fato de o presidente ter sido diagnosticado com o novo coronavírus?

É mais um momento lamentável nessa sequência de episódios do presidente ligados à Covid-19. Mesmo que o diagnóstico signifique uma alteração radical da postura dele em relação ao enfrentamento da pandemia, o que parece duvidoso, seria uma mudança que vem demasiadamente tarde e vem de uma pessoa que mostrou pouquíssima sensibilidade e capacidade de gerar empatia com a população.

Pode haver algum benefício político?

É difícil pensar em algum ganho nesse sentido, mas não impossível. Basta lembrar que Bolsonaro se beneficiou demais do atentado [a facada em setembro de 2018], embora ele tenha sido um dos políticos que mais incentivaram a violência durante a campanha eleitoral.

Pode haver, sim, um efeito [de maior adesão] entre os grupos bolsonaristas e entre aqueles que abandonaram recentemente o apoio ao presidente. Mas a população, em geral, está muito mais arisca, confia muito menos nele do que antes.

No início do seu novo livro, o senhor fala que “Bolsonaro passou de um político marginal ao centro da política”. Quais os fatores principais para levá-lo a esse novo patamar? 

São três. O primeiro é o colapso do governo de esquerda, com o qual ele adquire protagonismo. Todos devem se lembrar do voto de Bolsonaro durante a sessão da Câmara dos Deputados que autorizou o processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Em segundo lugar, o fracasso do governo Michel Temer. Houve uma operação desastrada das forças de centro ao retirar uma presidente de esquerda para botar o governo nas mãos de Temer, que articulava todo o sistema de desvios de recursos públicos.

Um terceiro ponto é a Lava Jato, que talvez opere numa raia própria na crise brasileira. De um lado, defendeu o que os brasileiros querem, a punição da corrupção no sistema político. Por outro, destruiu quase a totalidade do centro político.

O senhor também escreve que “o colapso do bolsonarismo não ocorre subitamente, mas pela primeira vez desde 2014 temos elementos de recuperação de práticas democráticas”. O que o leva a acreditar nessa recuperação? 

Em março de 2018, nós, na UFMG, participamos da realização de uma pesquisa nacional, e os resultados foram catastróficos. O apoio às instituições políticas era baixíssimo, apenas cerca de 10% confiavam no Congresso Nacional. O apoio à democracia tem que ser, evidentemente, um apoio às instituições democráticas.

Naquela pesquisa, os brasileiros confiavam principalmente nos militares e nas igrejas.

Tivemos recentemente [pesquisa em junho deste ano] certa recuperação da confiança nessas instituições. A confiança no Congresso não é enorme, mas melhorou. Houve aumento ainda no caso do STF.

Também é importante que os brasileiros tenham se manifestado a favor do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. A democracia precisa de políticas públicas, de objetivos claros, e era isso que Mandetta apresentava nas entrevistas que concedia no ministério. E o bolsonarismo faz o quê? Desorganiza a política e surge com uma solução mágica.

De acordo com a pesquisa mais recente do Datafolha, 75% expressam apoio à democracia, o maior índice da série histórica. Como avalia esse resultado?

É uma boa notícia, claro, mas isso, por si só, não resolve o problema do apoio à democracia.

Seria preciso também perguntar às pessoas se elas concordariam em romper com a democracia em certas situações. Uma coisa é dizer “eu acho a democracia um bom sistema de governo”, outra é “em todas as situações, eu vou ser democrata e me comportar democraticamente”.

Na verdade, esse resultado de 75% é mais significativo pelo que revela de contraste com a posição do presidente, que participou de uma série de manifestações em que ideias de golpe ou intervenção militar foram levantadas.

O governo tem se aproximado nos últimos meses dos partidos do centrão. Isso será suficiente para sustentá-lo no poder?

Há dois problemas. Um é que a base bolsonarista é altamente anticentrão. O movimento que o presidente faz nessa direção o torna vulnerável diante do bolsonarismo como movimento.

E existe um segundo problema: os políticos que apoiam Bolsonaro agora, como Ciro Nogueira (PP), Valdemar Costa Neto (PL) e Gilberto Kassab (PSD), são aqueles que estiveram ao lado da ex-presidente Dilma no segundo mandato dela. Eles não foram capazes de segurar a Dilma, não é?

O centrão pode oferecer uma estabilidade mínima no Congresso, mas não te ancora completamente. O que segura mesmo um governo é a opinião pública, são as ruas, os níveis de aprovação e o Poder Judiciário, na medida em que tem a capacidade de colocar o Executivo em xeque.

O senhor diz que a gente vive um equilíbrio precário.

Vivemos numa conjuntura de equilíbrio catastrófico, eu diria, com um presidente que não é democrata e que tem um apoio significativo da população. Quando se pergunta aos brasileiros se querem a renúncia ou o impeachment, a sociedade aparece bastante dividida.

Aparecem menções ao cesarismo ao longo do livro. Do que se trata?

É um termo que a ciência política usou muito no século 19 e no começo do século 20. Está associado a líderes que acumularam apoio militar (o termo vem de César, em Roma) e foram progressivamente assumindo controle completo da política. Conseguem transferir esse carisma militar para o sistema político.

Entre os líderes cesaristas importantes, estão Napoleão 3º, na França, e Bismarck, na Alemanha.

Bolsonaro pode se tornar um deles?

Acho que não. Não acredito que tenha carisma no Exército como um todo, ele tem entre aqueles de baixa patente. Não é um líder inconteste do Exército brasileiro. Pelo contrário, aliás.

Quando pôde, o Exército o reformou. Há uma série de características prezadas pelas Forças Armadas, como hierarquia e disciplina, que Bolsonaro não segue.

O senhor escreve que “Bolsonaro em versão cordial é uma ficção que não atrai os apoiadores que ele quer mobilizar contra as principais forças políticas do país”. Isso quer dizer que essa fase aparentemente mais moderada, que acompanhamos nas últimas semanas, terá vida curta?

Tendo a achar que sim. Qual é o problema desse Bolsonaro cordato, que fala da importância do STF e que passa dias sem agredir jornalistas? Ele não faz sucesso na sua base, não faz sucesso nem mesmo entre os próprios filhos.

Existe uma contradição do bolsonarismo como movimento e o bolsonarismo como governo. O bolsonarismo como movimento precisa desse Bolsonaro que chuta tudo, que compartilha fake News. Mas ele tem problemas para governar. Ao se comportar dessa maneira, sofre derrotas no Congresso e no STF.

Já o Bolsonaro cordato pode completar o seu mandato, mas dificilmente vai se reeleger ou vai continuar sendo líder de um movimento.

Tenho a impressão de que ele é muito mais feliz à frente de um movimento antidemocrático, falando as coisas que costuma falar na cerquinha do Alvorada do que indo ao Congresso conversar sobre políticas públicas.

Pode haver uma conciliação entre o Bolsonaro líder de um movimento e o Bolsonaro da governabilidade?

São coisas muito diferentes. Grande parte das pessoas que o apoiam nas redes sociais não estão interessadas na governabilidade. Acreditam numa luta ideológica, que é preciso tirar a educação brasileira das mãos dos comunistas, que é preciso combater o globalismo no plano internacional.

O bolsonarismo é um movimento muito forte porque é radical, não busca um meio termo, especialmente nas redes sociais.

LEONARDO AVRITZER, 61

 

Economia Brasileira: desafio, reestruturação e reconstrução nacional

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A sociedade brasileira está passando por grandes desafios em período de pandemia, crescimento no desemprego, redução dos salários e queda na renda, levando os trabalhadores a momento de forte desesperança, medos generalizados e grandes incertezas e instabilidades, enfrentando o maior desafio para a sociedade brasileira, com mortes crescentes, falências de empresas e uma bancarrota de fábricas, lojas e bares e restaurantes, o futuro comum é sombrio.

A economia está passando por um momento de grande desagregação, os indicadores econômicos são assustadores, o fechamento das empresas é elevado, os pequenos, médios e grandes empreendimentos estão caminhando rapidamente para a bancarrota, os recursos estão abarrotados no sistema financeiro, as demandas dos empresários são elevados, mas o dinheiro não está sendo irrigado para o sistema econômico, com isso, as perspectivas na economia nacional são sombrias são crescentes. Os investidores fogem da economia brasileira, com receio das políticas ambientais, os investimentos se assustam como os comportamentos e as atitudes hipócritas e a desonestidade crescem de forma acelerada, colocando-nos como um país pária, onde muitos países e regiões da sociedade global não mais adquirem produtos brasileiros,  somos vistos como um país vitimado, com isso, os reflexos sobre o comércio exterior tende a perder espaços consideráveis.

A educação brasileira, descrita como um dos mais caóticos setores da sociedade, percebemos a inexistência de um verdadeiro projeto nacional, neste ambiente, percebemos a inabilidade política dos titulares ministros, mais interessados em discussões menores, como a chamada escola sem partidos, dentre outras pautas ideológicas e conservadoras, deixando questões muito mais prementes, tais como o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEP), que tende a terminar no final deste ano e, sem ele, aumentará os problemas educacionais com impactos degradantes para a sociedade, principalmente nas cidades menores e menos providas de recursos para os investimentos na área da educação, deixando rastros de perdas salariais e degradantes das instituições nacionais.

Ainda falando sobre a questão educacional, percebemos que os desafios na arena educacional são imensos, desde os ensinos públicos até as escolas privadas. Sem linha de crédito e lentidão dos socorros financeiros, muitas empresas tendem a bancarrota, desde escolas pequenas de até 300 alunos até escolar maiores, que carecem de recursos para os dispêndios cotidianos e para os investimentos em infraestrutura. Com estas escolas desassistidas, muitos contingentes de escolares serão retirados das entidades privadas e deslocadas para as instituições públicas, pressionando o aumento das salas de aulas, materiais e uniformes escolares, exigindo novos gastos em manutenção, além de novos investimentos de infraestrutura, contratações emergenciais, tudo isso tende a impactar sobre os gastos públicos e as pressões sobre os tetos dos gastos, medida adotada pelo governo Temer que congela os gastos durante algumas décadas, estas medidas estão degradando de forma acelerada a educação nacional, com isso, degradam fortemente as esperanças sociais, levando a um cenário mais sombrio, elevando os péssimos indicadores sociais, econômicos e políticos.

Neste ambiente de grandes incertezas e instabilidades crescentes, percebemos uma enxurrada de lives em canais de internet e redes sociais, todos estão encontrando uma solução mais consistente para a superação, visando auxiliar este ambiente de forte degradação da educação nacional. Dados mostram o crescimento do abandono das crianças, jovens e adolescentes das escolas estaduais, nestes indicadores percebemos que grande parte daqueles cidadãos que abandonam a escola, algo em torno de 79% dos estudantes, são negros e brancos pobres, com isso, a pandemia nos mostra mais claramente os indicadores de degradação social de uma parte da sociedade brasileira, levando o país a um futuro degradante e suprimindo as oportunidades de uma parte crescente da sociedade brasileira.

Nesta semana que estamos terminando, a sociedade global se viu assustada com as políticas degradantes no meio ambiente pelo governo brasileiro, redução crescente nos investimentos na preservação da Amazônia, diminuição das multas e de queda dos funcionários de instituições como IBAMA, FUNAI e INPE, que atuam diretamente na preservação, no controle e na vigilância, além de dados negativos disponíveis destacando uma maior devastação das florestas, levando fundos financeiros internacionais, detentores de mais de 17 trilhões de dólares em administração. A redução dos investimentos estrangeiros no Brasil são muito negativos para a imagem internacional, ainda mais num momento de grandes instabilidades e crescentes incertezas nacionais, cujos recursos seriam bastante bem alocados para a economia nacional, num momento de grande devastação gerada pelo coronavírus, cujos rastros foram muitos negativos nas cidades, no interior e nas comunidades indígenas e das comunidades urbanas mais pobres, degradados e miseráveis.

Os dados referentes a economia brasileira são assustadores, o crescimento no desemprego é gritante, no começo de junho percebemos, segundos os dados do IBGE, mais de 1,3 milhão de empresas estavam fechadas ou temporariamente encerradas, deste número, quase 40% estão fechando definitivamente, mais de 522,7 mil empresas foram a bancarrota em decorrência da pandemia. Nestes números, 99,2%, eram de empresas de pequeno porte, até 49 funcionários.  Outros números mostram que 4,1 mil empresas de porte intermediário, de 50 a 499 empregados e 110 empresas de grande porte, acima de 500 funcionários. Destes números assustadores, mais de 258 mil empresas eram de setores de serviços, 192 mil empresas de setor comercial e 38 mil empresas do setor de construção e 33 mil para o setor industrial, mostrando que a pandemia está gerando uma verdadeira destruição no sistema econômico e produtivo, gerando um incremento do desemprego, da informalidade e do subemprego, com isso, os efeitos generalizados se disseminam para todos os trabalhadores, aumentando as, já péssimas, situações sociais e econômicas.

Neste ambiente de crise econômico, a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) nos traz números negativos e preocupantes. Segundo o estudo, a população ocupada somava 83,4 milhões em maio, ante 93,5 milhões no mesmo mês de 2019 – queda de 10,7%, recorde na série histórica iniciada em 2012. Entre os trabalhadores informais, a redução da ocupação foi de 15,1%, contra recuo de 6,7% dos formais. Nesta pesquisa percebemos uma situação de forte degradação no emprego da sociedade brasileira, muitas pessoas tendem a piorar rapidamente com a volta do isolamento social e também à garantia de uma renda mínima pelo auxílio emergencial concedido pelo governo federal, a volta desses trabalhadores à procura por uma ocupação deve pressionar a taxa de desemprego nos próximos meses, transformando o emprego na sociedade brasileira se tornar mais precário no curto prazo, pressionando o governo a adoção de políticas públicas mais efetivas para o combate desta situação, nestas medidas, a piora da condição social e econômico tendem a se degradar mais rapidamente.

Os resultados econômicos do combate a pandemia, por parte do governo federal, foram desanimadores e preocupantes, as autoridades econômicas estão conseguindo colocar na economia recursos para os agentes produtivos, principalmente para as micro e médias empresas, os recursos existem e foram distribuídos para os setores bancários mas, ao mesmo tempo, foram incapazes de garantir que estes recursos chegassem aos setores mais necessitados, com isso, o desemprego cresceu de forma acelerada, inúmeras empresas foram à bancarrota e os contingentes de desassistidos cresceu de forma assustadora, da recessão estamos caminhando para uma depressão de impactos econômicos pouco sentido internamente e a recuperação deverá ser por muitos anos.

Neste momento de pandemia, as atuações do Estado Nacional são fundamentais para a reconstrução nacional, investimentos governamentais são imprescindíveis para evitar o colapso da sociedade, os recursos emergenciais são cruciais, mas é preciso pensar em novas estratégias de emprego e de renda, com contratações de trabalhadores para dinamizar a economia e abrir oportunidades de sobrevivência das famílias. Os gastos devem ser liderados e planejados pelos agentes públicos, novos fontes de dispêndios devem ser utilizados para gerar empregos mais consistentes, ao mesmo tempo, cabe aos agentes públicos a repensarem as políticas públicas no setor industrial, somando aos esforços das universidades e centros de pesquisas, espaços centrais para o desenvolvimento de ciências e tecnologias, sem estas, o Brasil continuará mais de cócoras aos grandes centros internacionais de conhecimento. A pandemia deixa claro como a pesquisa é fundamental para a construção da soberania de um país, temos mais de sessenta universidades federais de excelência, mais uma grande quantidades de universidades e centros de pesquisas estaduais, além dos institutos federais e faculdades tecnológicas e escolas técnicas, estes ativos devem ser valorizados e estimulados para que seu objetivos sejam efetivados para a reconstrução de uma economia que, nos últimos anos, perderam o espaço global e de respeitabilidade dos centros de conhecimento universal.

A redução de Estado deve ser pensada como uma política maior, como a construção de um projeto nacional mais amplo e consistente, vender patrimônio nacional deve ser uma política marcada por ampla discussão que envolve todos os agentes públicos, onde todos os canais da sociedade podem participar destas discussões, deixando de lado as políticas autoritárias, limitadas e parciais, de grupos que degradam as empresas nacionais e degradem estas instituições e seus profissionais e, posteriormente, são os primeiros agentes que fazem lances reduzidos para o controle acionários, transformando em empresas monopolistas com lucros elevados e forte poder política e capacidade de articulação.

A discussão referente a privatização deve ser feita de forma transparente por todos os setores interessados, mas devemos tomar cuidado com o momento apropriado desta discussão, como sabemos, estamos em meio de uma pandemia assustadora, os valores arrecadados nesta desestatização será muito reduzido e seus retornos são pouco significativos, o grande problema desta alienação do patrimônio estatal podemos perceber que a privatização pode levar a construção de mercados cada vez maiores monopolistas ou oligopolistas, cujos prejuízos serão mais negativos para a população nacional, cabe ao governo perceber o momento exato destas vendas e estamos percebendo que o governo está antecipando uma discussão muito parcial e desequilibrada, os resultados desta política de desestatização são ruins e seus efeitos não devem demorar, gerando maior mal-estar para toda a coletividade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estado de mal-estar social, por Oscar Vilhena Vieira.

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Folha de São Paulo – 18/07/2020.

Não é preciso ser Piketty para saber quem ganha com a concentração de renda

O estado de bem-estar social, que teve sua origem na Europa, foi uma resposta direta à eclosão da “questão social”, no final do século 19. O medo da revolução, a preocupação em assegurar a coesão nacional, associada à crescente indignação com as condições de vida dos trabalhadores, levou liberais, progressistas e mesmo conservadores, como Bismarck, na Alemanha, a uma inesperada convergência. Era necessário transferir ao Estado maiores responsabilidades para regular a economia e propiciar a melhoria das condições de vida de uma massa de trabalhadores dilacerada pela Revolução Industrial.

Com a cisão entre sociais-democratas e marxistas, no início do século 20, e o afastamento dos democratas cristãos do fascismo, após a Segunda Guerra, a coordenação democrática dos conflitos distributivos, com o objetivo de gerar o pleno emprego e o bem-estar da população, tornou-se o modelo predominante nas economias desenvolvidas.

Esse consenso começa a esmorecer em meados dos anos 1980, em face de suas diversas contradições internas, mas também do fim da ameaça comunista e do surgimento de uma nova ideologia que se tornaria dominante entre as elites globais, pautada nas virtudes míticas do individualismo e do livre mercado.

Nosso ensaio social-democrático, expresso no pacto de 1988, surge, assim, no contrapé da história. A Constituição buscou substituir diversos arranjos sociais corporativistas e excludentes do período Vargas por políticas públicas baseadas em direitos universais à saúde, educação, assistência e previdência social, além de incorporar novas demandas como a proteção do meio ambiente e o reconhecimento de direitos de grupos vulneráveis e tradicionalmente discriminados.

A realidade demonstrou que não tem sido simples colocar em prática o compromisso de criar uma “sociedade mais livre, justa e solidária”, como previsto no artigo 3º da Constituição Federal. Apesar de avanços sensíveis em esferas como educação, saúde e assistência social, os beneficiários da desigualdade resistem na defesa de seus privilégios, subsídios, isenções, regressividades tributárias e outros achegos que, ao longo de décadas, foram sendo entrincheirados no ordenamento jurídico.

Nesse contexto o debate em torno do ajuste fiscal, desvinculação de receitas, reforma tributária e teto de gastos não pode ser tomado ingenuamente.

Se é imperativo controlar o déficit público para recuperar a capacidade de investimentos em educação, saúde, infraestrutura, segurança, pesquisa e tecnologia, essenciais ao bem-estar da população e à sustentabilidade da economia, não se deve esquecer da voracidade e competência comprovada do 1% e especialmente do 0,01% da população de se arvorar sobre recursos públicos ou reconfortar com um sistema tributário que lhe foi tecido sob medida.

Não é preciso ser nenhum Thomas Piketty para saber quem ganha e quem perde e quais mecanismos têm fortalecido uma obscena e persistente concentração de renda no Brasil. Basta abrir a janela ou olhar no espelho para saber.

Certamente não é a vinculação de receitas para investimentos em educação e saúde a principal responsável pelo desequilíbrio fiscal brasileiro, muito menos as despesas com mecanismos de assistência social.

Desvincular e lançar recursos hoje destinados aos mais pobres para que sejam livremente disputados na atroz arena do conflito distributivo brasileiro, chamada Orçamento, não será um passo rumo a liberação do Estado brasileiro, mas sim um salto em direção à consolidação de um perigoso estado de mal-estar social.

Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Pandemia, Planejamento, Reindustrialização e sociedade em degradação

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Nestes momentos de pandemia, a sociedade global se encontra em momentos de grandes instabilidades, medos e desesperanças, todos esperando pelo surgimento de uma vacina com potencial de imunização em escala planetária, levando os indivíduos a um momento de normalidade cotidiana, mesmo sabendo que a normalidade total nunca vai retornar, a noção de fragilidades humanas e das fraquezas sociais e emocionais tendem a rever comportamentos e pensamentos que, sem uma situação de pandemia e finitude, os cidadãos dificilmente serão levados a estas reflexões, se surgirem estas reflexões coletivas esta epidemia global terá impacto positivo para a coletividade mundial.

Nesta pandemia, percebemos a ausência generalizada da cidadania, uma palavra de grande importância, muitas vezes são utilizados constantemente, seu significado é sublime e expressivo, mas sua efetividade prática está sendo colocada ao lado, percebemos os consumidores e deixamos de lado os cidadãos. Neste momento de isolamento social, marcado pelo afastamento social, visto como os cientistas e estudiosos como a única forma de diminuir as infecções e evitar que os casos cresçam de forma incontroladas, levando um aumento dos óbitos e uma grande destruição social e econômica.

A cidadania está centrada em uma sociedade marcada por baixos graus de desigualdade social, onde os indivíduos apresentam condições de sobrevivência dignas, marcados por empregos e remunerações decentes, estes elementos estão distantes de nossa sociedade. Percebemos um país marcado pela ausência da cidadania, pessoas excluídas da sociedade de consumo, indivíduos em situação de degradação, indígenas em condições insalubres, negros e homossexuais em condição de abandono, marcados pelos mínimos princípios de civilizacionais, neste ambiente estamos vivendo um caos generalizado, neste ambiente somos mais de 60 mil brasileiros chorando pelos seus familiares e sem condições de viver seus lutos, seus sofrimentos, vazios emocionais e espirituais.

Neste ambiente percebemos que os laços de solidariedade entre os indivíduos se limitam de forma crescente, empresas fecham as suas portas sem recursos financeiros para honrar seus compromissos financeiros, famílias se encontram em situação de falência generalizada, indivíduos que sentem na pele as dores do desemprego, a falta de expectativas futuras positivas, levando desesperanças crescentes a aumento das depressões e das patologias sociais, aumentando os suicídios, as ansiedades e violências generalizadas.

Na sociedade, durante séculos, as instituições sociais e políticas construíram estruturas para garantir estabilidades e equilíbrios para seus cidadãos, criando Estados de Bem-Estar social para proteger os mais desprovidos e fragilizados, neste momento percebemos a importância da solidariedade, do amparo dos que possuem mais em detrimento daqueles que nada possuem, estes valores humanos mostram a importância daquilo que chamamos de civilização. Estes valores são fundamentais para a construção de uma sociedade de sucesso que sobrevivem ao lado do caos e da destruição, neste momento, percebemos os verdadeiros valores morais da sociedade, sem estes valores de equidade e solidariedade, a sociedade se degradará por muitos anos, gerando destruições e degradações, esta nos mostra muito claro na sociedade brasileira contemporânea.

Na pandemia, percebemos na sociedade mundial a adoção de políticas centradas nos Estados Nacionais, seu papel ficou mais imprescindível para o bem-estar social, cabendo aos governos o incremento de políticas sociais e públicas nas áreas de saúde, educação e infraestrutura, além de investimentos sociais em segurança pública e logísticas, investimentos no combate a pandemia, organização e gestão dos setores sociais e coordenação de políticas nacionais com as organizações estatais e privadas, além de órgãos e setores do terceiro setor, visando um combate eficiente e reestruturação produtiva, pensando na coordenação no período pós-pandemia, uma união entre todos os agentes dos entes federativos.

Internamente, percebemos na sociedade brasileira, grandes dificuldades dos agentes públicos e fragilidades de gestão, neste momento não temos um Ministro da Saúde a quase dois meses e, a poucos dias estamos substituindo no ministério da Educação, os dois maiores orçamentos do governo federal encontramos sem ministros titulares, com isso, percebemos como estamos num momento de caos generalizados e desorganização, com quedas consideráveis nos recursos nestas áreas centrais, levando o Tribunal de Contas da União (TCU), em relatório recente, a destacar a incompetência do governo federal na gestão da pandemia, colocando-nos nos piores posições, dentre as sociedade mundial, no combate a pandemia.

No ambiente econômico percebemos problemas terríveis, um primarismo gigante, um Ministro da Economia obcecado com privatização e aberturas econômicas, adotando políticas de redução das políticas sociais e proteção dos trabalhadores. Um conjunto de políticas liberalizantes que estão em curso desde a Reforma Trabalhista e, posteriormente, a Reforma Previdência, cujos motes eram na questão fiscal, reduzindo mais os déficits públicos e desequilíbrios do governo federal. Os discursos estão sempre centrados na redução do Estado, que advogam na redução do governo como forma de estimular o empreendedorismo nacional, sem Estado os investidores nacionais e estrangeiros serão retomados e a economia se expandisse de forma crescente, gerando novos empregos, incremento da renda, dos salários e uma melhora nas condições de vida da classe trabalhadora.

Os discursos da equipe econômica são belos e encantadores, marcados pela racionalidade e eficiência e efetividade, levando as elites econômicas nacionais e internacionais a se compraz de seus retornos, infelizmente, os resultados não se efetivam, desde a aprovação das reformas trabalhistas os empregos não se foram efetivados, os desempregados aumentaram de forma acelerada e os benefícios foram aos pequenos grupos detentores de mais recursos financeiros e especulativos, mostrando-nos que em nosso país, os ganhadores mais são aqueles que vivem de riquezas crescentes sem precisarem de passar pela produção e dos empregos das classes trabalhadores.

Neste modelo pensado pela equipe econômica não se sustenta para a economia brasileira, pela lógica do governo com menos atuação e intervenção no mercado de trabalho só gera mais empregos, investimentos e crescimento econômico, neste raciocínio sem atuação do governo as relações serão rapidamente para as relações entre capital e trabalho. Neste cenário, os investimentos na economia brasileira serão feitos pelas empresas privadas, este sim os grandes estimuladores da produção, da geração de empregos, das rendas e, com conseguinte, o agente fomentador do crescimento econômico.

A lógica do pensamento liberal é atraente, o Estado é o agente burocrático e ineficiente, sua retirada da economia será o grande agente estimulador do desenvolvimento econômico. Na história econômica brasileira este pensamento não se efetivou, sem os investidores governamentais a sociedade nunca se transformou no século passado, principalmente entre 1930/1990, quando os investimentos estatais foram fundamentais, devidos aos riscos acelerados e crescentes  dos investidores privados, além das dificuldades de maturação dos investimentos, no Brasil, os investidores privados estão sempre esperando os investidores governamentais, aguardando a diminuição dos dispêndios dos Estados, posteriormente, somados por investimentos privados nacionais e internacionais.

Sem investidores do Estados na coordenação da economia brasileira, somados a uma abertura do país, os impactos seriam generalizados, incrementando nossa desindustrialização e uma reprimarização da estrutura econômica e estrutura, consolidando o país como um país mais dependente e marcados por uma menor soberania, cujos impactos sobre o emprego seriam altamente negativos para a sociedade, aprofundando o modelo chamada de uberização, com altas cargas de trabalhos, sem proteção trabalhista e degradação social. Estamos num momento de grandes desafios enquanto civilização, instituindo nosso modelo de subcidadania, violências, pobrezas, explorações e exclusão social.

Os recursos destinados pelo governo federal foram significativos, mas cujos impactos sobre a economia foram reduzidos, com isso, percebemos que as quebradeiras sobre as empresas, principalmente pequenas e empresas, cresceram rapidamente. Embora os recursos foram canalizados pelos canais governamentais, a demora da liberação de recursos foi elevada, as garantias para os empréstimos foram reduzidas e dificultaram a chegada nas empresas, com isso, muitos empregos foram perdidos, empresas foram para a falência, reduzindo as arrecadações públicas e ampliando os déficits dos governos municipais e estaduais, incrementando os desequilíbrios dos setores públicos.

Na economia brasileira contemporânea, encontramos alguns desafios crescentes, um governo caracterizado pelo pensamento fiscalista e liberal, caracterizado pelo discurso da austeridade fiscal e pela redução dos repasses dos governos. Estamos próximos de termos o maior déficit público da nossa história econômica, estamos aproximando de um déficit de 1 trilhão de reais, um recorde histórico. Quando o assunto é o déficit público deste ano, muitos argumentos dos defensores dos pensamentos liberais estão perdendo força, ou seja, os economistas ortodoxos que muitos anos alardearam que o Estado Nacional estava quebrado e que o dinheiro tinha acabado, percebemos que a conjuntura econômica está se mostrando que existem mais espaços fiscais. O Estado não está falido como muitos querem demonstrar, cabendo aos gestores públicos utilizarem os recursos para investimentos mais planejados e bem estruturados, com melhores retornos sociais, políticos e econômicos fundamentais, numa conjuntura marcado por pandemia generalizada e desagregação social.

Nesta pandemia, percebemos uma discussão entre os economistas, uns advogam que a economia brasileira terá uma recuperação em V, ou seja, depois do fundo do poço a economia vai retomar o crescimento, com novos surtos de crescimento e investimentos produtivos estimulados pelos agentes econômicos privados. De outro lado, não estamos dando mostras de recuperação econômico, estamos próximos de um modelo L, ou seja, depois do fundo do poço vamos demorar muito para retomar o crescimento, com grande sofrimento para toda a sociedade, com levas de desempregados e subempregados, com incremento na informalidade, na queda da renda e dos salários.

Neste momento de pandemia, marcados por mais de 60 mil óbitos, os governos deveriam estar construindo uma nova estrutura nacional, repensando o planejamento e buscando a construção de um projeto de país, reestruturando os setores industriais, canalizando recursos do BNDES para uma reindustrialização, fortalecendo as estruturas econômicas, com fortes investimentos em ciência e tecnologia, estímulos crescentes para a inovação e para educação nacional, melhorando os indicadores educacionais, sem estas melhoras nas áreas do conhecimento, o futuro da sociedade brasileira vai ser mais medíocre, percebendo nossas desigualdades crescentes e uma piora dos indicadores sociais.

Vivemos um momento único para a sociedade global, neste momento de grandes instabilidades e incertezas, faz-se necessário uma atuação dos Estados Nacionais, deixando de lado críticas em erros e equívocos anteriores, sabendo que estes erros aconteceram e ainda acontecem, mas os sucessos anteriores também devem ser  destacados, mesmo assim, sua atuação devem ser necessárias e fundamentais para deixar em instante de dúvidas e medos dirimidos, auxiliando nossos futuros de um período de mais solidariedade, equilíbrio e bem-social.

A democracia vai fracassar se não pensarmos como cidadãos, por Martin Wolf

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Pandemia da Covid-19 pode ser choque transformador para sociedades ocidentais 

Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

07/07/2020 – Folha de São Paulo

LONDRES | FINANCIAL TIMES

“Está claro, então, que a melhor parceria em um Estado é aquela que opera através da classe média, e esses Estados em que a classe média é maior e mais forte, se possível, que as outras duas classes somadas, ou pelo menos, em que ela é mais forte que qualquer das outras duas isoladamente, terão todas as chances de ter uma Constituição bem gerida.”
​“Política”, de Aristóteles.

A covid-19 está sendo um choque global. Mas será um choque transformador? A resposta é que ela pode ser um evento transformador para várias sociedades ocidentais, especialmente os Estados Unidos e o Reino Unido.

Para as democracias liberais ocidentais, a era do pós-Segunda Guerra Mundial pode ser dividida em dois sub-períodos. O primeiro, mais ou menos entre 1945 e 1970, foi a era de um consenso “social democrata”, ou, como os americanos talvez dissessem, um consenso “New Deal”. A segunda, que começou por volta de 1980, foi a do “mercado livre global”, ou “o consenso Thatcher-Reagan”.

Entre esses dois períodos houve um interregno –a década de 1970, marcada pela inflação alta. Parece que agora estamos vivendo outro interregno, que começou com a crise financeira global.

Essa crise prejudicou a ideologia do livre mercado. Mas esforços valorosos foram feitos em todo o mundo ocidental para restaurar o “ancien régime”, com o resgate do sistema financeiro, a adoção de regulamentação financeira mais rigorosa e a austeridade fiscal.

O coronavírus expôs fragilidades de nosso modelo econômico e social.

Na verdade, a ascensão do nacionalismo populista veio depois desta tentativa de restauração. Com seu protecionismo e bilateralismo, sua promessa de preservar a previdência social e a sua ênfase inicial (desde então esquecida) sobre a reconstrução da infraestrutura, Donald Trump tornou-se líder de seu partido justamente por não ser um republicano tradicional, defensor do livre mercado.

Com sua promessa de ajudar as regiões mais pobres e suas referências favoráveis ao “New Deal” de Franklin Delano Roosevelt, também Boris Johnson vem indicando um novo rumo a seguir.. Esses líderes enterraram Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

O coronavírus, agora, causou um retorno ainda mais dramático ao papel central do governo do que o que se viu com a crise financeira. Isso pode assinalar o fim do segundo período de transição do pós-guerra.

Em torno de qual ideia a política, a sociedade e a economia podem girar agora? A resposta deveria ser a cidadania, um conceito que remete às cidades-Estado dos gregos e de Roma. Isso é mais do que uma mera ideia política.

Como Aristóteles também disse, “o homem é um animal político”. Para ele, só somos plenamente humanos quando somos participantes ativos em uma comunidade política.

Em uma democracia, as pessoas não são apenas consumidores, trabalhadores, empresários, poupadores ou investidores. Somos cidadãos. Esse é o elo que vincula as pessoas em uma empreitada comum.

No mundo de hoje, a cidadania precisa ter três aspectos: lealdade às instituições políticas e legais democráticas e aos valores de diálogo aberto e tolerância mútua que as sustentam; preocupação com a capacidade de todos os concidadãos levarem uma vida realizada; e o desejo de criar uma economia que permita o florescimento dos cidadãos e de suas instituições.

A razão mais importante para se enfatizar a cidadania hoje é a que foi delineada por Aristóteles quase dois milênios e meio atrás.

Uma condição necessária à estabilidade de qualquer democracia constitucional é uma classe média robusta (é isso o que se quer dizer quando se fala das pessoas na parte do meio da distribuição de renda).

Na ausência dela, o Estado corre o risco de se converter em plutocracia, demagogia ou tirania.

Com o esvaziamento da classe média, até mesmo as democracias liberais arraigadas agora correm perigo. Como argumentam Eric Lonergan e Mark Blyth em “Angrynomics”, a combinação de novas realidades econômicas adversas e injustiças manifestas deixou muitas pessoas enfurecidas.

Em “Deaths of Despair and the Future of Capitalism” (mortes de desespero e o futuro do capitalismo), Anne Case e Angus Deaton argumentam que essas novas realidades também estão levando muitas pessoas a sofrer problemas graves de saúde.

Eles destacam que os índices de letalidade dos brancos americanos de classe média vêm subindo desde 2000. Algo semelhante parece estar ocorrendo mais recentemente no Reino Unido.

“As mortes provocadas pelo desespero”, eles sugerem, “são prevalentes entre aqueles que foram deixados para trás, cuja vida não se desenrolou como eles previam”.

Como foi que chegamos aqui? Como a Covid-19 se encaixa nisso? E de que modo nossas ideias e políticas públicas precisam mudar?

O acordo do pós-guerra funcionou bem por algum tempo. Era igualitário e economicamente dinâmico, especialmente em países que haviam sido devastados pela guerra.

Os governos ocidentais assumiram um papel ativo na gestão de suas economias domésticas e, ao mesmo tempo, ampliaram e liberalizaram o comércio externo.

Intelectualmente falando, essa deveria ser chamada a Era de Keynes. Mas ela morreu com a alta da inflação, que precipitou a insatisfação trabalhista e o desaquecimento econômico dos anos 1970.

A era keynesiana foi seguida pela de Milton Friedman, caracterizada pela globalização, os mercados liberalizados, impostos marginais baixos e foco sobre o controle da inflação.

Essa nova era levou a grandes conquistas, notadamente reduções na desigualdade global e na pobreza de massa. Foi também uma era de inovações importantes, especialmente na tecnologia da informação.

Não menos importante, também, ela foi a era em que o comunismo soviético desabou e o ideal de democracia se propagou pelo mundo.

No entanto, vários grandes pontos fracos vieram à tona. O crescimento econômico nos países de alta renda tendia a ser baixo em relação ao que foi conquistado na era do pós-guerra.

A distribuição de renda e riqueza foi ficando mais desigual. O valor econômico da mão de obra relativamente pouco instruída caiu em relação à de pessoas com formação universitária.

Os mercados trabalhistas ficaram mais “flexíveis”, mas os ganhos se precarizaram. Quanto mais desigual a sociedade, menor é a mobilidade social.

Nas culturas que enfatizam a obrigação de cada um cuidar de si, a desigualdade, enquanto tal, pode não ser tão social e politicamente desestabilizadora.

Mas a percepção de que as perspectivas que as pessoas têm para si mesmas e para seus filhos estão deteriorando tem muita importância. E um senso forte de injustiça, também.

É aqui que ganha relevância a ideia de “capitalismo manipulado” ou “fraudulento”. Um aspecto disso é o crescimento excessivo do setor financeiro.

Outro é a transição para a maximização do lucro dos acionistas como meta única das empresas e a tendência associada de recompensar os diretores de empresas em proporção com os preços das ações.

Outro aspecto é o declínio da concorrência, documentado, no que diz respeito aos EUA, por Thomas Philippon em seu livro. Também é relevante a sonegação de impostos, notadamente por corporações.

Permitiu-se que multinacionais americanas declarassem uma parte enorme de seus lucros no exterior em pequenas jurisdições onde os impostos são baixos.

Essas oportunidades e muitas outras em diferentes áreas não estão apenas sendo aproveitadas. Estão sendo criadas ativamente, por meio do trabalho de lobby.

Por mais conveniente que seja colocar a culpa em outros países, não são eles os culpados. O comércio internacional, especialmente o crescimento repentino das importações de bens manufaturados da China na primeira década deste século, provocou choques locais.

Mas o economista de Harvard Elhanan Helpman conclui uma revisão da literatura especializada dizendo que “a globalização, sob a forma de comércio externo e da transferência de operações de empresas para outros países, não contribuiu muito para a desigualdade crescente”.

Muito mais importante que isso vêm sendo as transformações tecnológicas. Tem sido especialmente significativo o aumento rápido da produtividade no setor manufatureiro, como argumenta Martin Sandbu em “The Economics of Belonging” (a economia do pertencimento). Outro fator importante tem sido a demanda crescente por mão de obra qualificada em relação à não qualificada.

O declínio do setor manufatureiro como fonte de emprego vem tendo efeitos adversos em cidades e regiões em que esse setor se concentrava.

Quando fábricas são fechadas ou demitem uma parte grande de sua força de trabalho, a economia local mais ampla também é adversamente afetada.

Essas regiões “deixadas para trás” viraram um elemento crucial nas coalizões dos insatisfeitos. Enquanto isso, as cidades, especialmente as grandes metrópoles, são centros dinâmicos que atraem pessoas altamente instruídas e novas atividades, como notou o economista Paul Collier, da Universidade Oxford.

A crise financeira global foi fruto da liberalização financeira no contexto dos desequilíbrios macroeconômicos crescentes, como argumentam Matthew Klein e Michael Pettis em “Trade Wars are Class Wars” (guerras comerciais são guerras de classe).

As consequências mais importantes foram o colapso econômico repentino, os resgates ao setor financeiro, a ênfase subsequente em frear os gastos governamentais e o desaquecimento do crescimento econômico pós-crise. Na zona do euro, isso tudo foi exacerbado pelo modo como os países credores pregaram sermões aos países em dificuldades, criticando-os por sua alegada irresponsabilidade.

Donald Trump tornou-se presidente dos Estados Unidos e Boris Johnson virou primeiro-ministro do Reino Unido porque conseguiram incorporar em suas coalizões conservadoras o ressentimento daqueles que se sentem “deixados para trás”. Isso, por sua vez, foi em parte uma reação de grandes setores das antigas classes trabalhadoras à transformação das legendas tradicionais da esquerda (Trabalhista, no Reino Unido, e Democrata, nos EUA) em partidos mais representativos dos eleitores cosmopolitas com instrução universitária e das minorias étnicas e culturais.

Alguns argumentam que enxergar essas mudanças políticas em termos econômicos é um erro.

Eles propõem que essas mudanças são reações a transformações culturais, como a imigração, o novo papel exercido pelas mulheres e os novos usos e costumes sexuais.

Isso não é muito convincente, por duas razões: primeiro, porque transformações culturais e econômicas não podem ser vistas em separado, e, segundo, porque a cultura não muda em tão pouco tempo.

O que precisa ser explicado são as mudanças no comportamento de eleitores. A resposta está nas lealdades mutantes de pessoas que passaram a sofrer de ansiedade em relação à sua própria situação –o medo de estarem vivendo à beira de um abismo econômico ou já estarem caindo nesse abismo.

No meio desta situação já tensa e difícil chegou a tempestade da Covid-19. Esta, por sua vez, vem tendo pelo menos cinco efeitos importantes.

Em primeiro lugar, ela causou um fechamento econômico para frear a propagação da doença. Isso se deu às expensas dos jovens, relativamente imunes aos efeitos do vírus, e em favor dos idosos, mais vulneráveis.

Em segundo lugar, a crise do coronavírus tende a atingir as mulheres mais fortemente que os homens, e os trabalhadores não qualificados mais que os qualificados.

Isso se explica pela relativamente alta participação de mulheres em alguns setores de serviços fortemente atingidos pela crise (e de alto risco) e pela capacidade de uma parcela maior de profissionais qualificados poderem trabalhar de suas casas, em segurança.

Em terceiro lugar, o coronavírus parece exacerbar muitas desigualdades anteriores. Parte do maior apoio foi dado ao setor financeiro, como aconteceu na crise financeira.

Em quarto lugar, a pandemia impôs gastos fiscais muitíssimo maiores, mesmo em comparação com a crise financeira. Isso agora levanta a pergunta de como essa dívida será administrada e quem vai pagá-la.

Em quinto lugar, o vírus mostrou o poder e os recursos disponíveis do Estado. Reagan costumava dizer que “as 9 palavras mais assustadoras da língua inglesa são: ‘eu sou do governo e estou aqui para ajudar’”.

Era a frase que resumia melhor a filosofia da era que ele ajudou a criar. Hoje está de volta a demanda não apenas de ajuda do governo, mas de ajuda de um governo competente.

Então o que pode significar um retorno à ideia da cidadania, neste novo contexto?

Não significa que o Estado não deve se preocupar com o bem-estar dos não cidadãos. Tampouco significa que o Estado enxerga o sucesso de seus próprios cidadãos como contrapartida do fracasso de outros.

Pelo contrário – ela busca relações mutuamente benéficas com outros países.

A ideia de cidadania não quer dizer que os países devem se isolar de intercâmbios livres e frutíferos com outras sociedades. Corretamente regulamentados, o comércio internacional, a circulação de ideias, a circulação de pessoas e a circulação de capital podem todos ser altamente benéficos.

Essa ideia não significa que os países devem evitar cooperar estreitamente com outros países para alcançar metas compartilhadas. Isso se aplica sobretudo às ações que visam proteger o meio ambiente global. O que ela significa é que a primeira preocupação dos Estados democráticos é o bem-estar de todos seus cidadãos. Para que isso vire realidade, determinadas condições devem estar presentes.

Cada cidadão deve ter a possibilidade razoável de alcançar uma educação que lhe permita participar o mais plenamente possível na vida de uma economia moderna altamente qualificada.

Cada cidadão também precisa desfrutar a segurança necessária para prosperar, mesmo que sofra o infortúnio da doença, deficiência física ou outros.

Cada cidadão precisa desfrutar a proteção no trabalho necessário para não ser sujeito a abusos, tanto físicos quanto mentais. Cada cidadão também deve poder cooperar com outros trabalhadores para a proteção de seus direitos coletivos.

Os cidadãos bem-sucedidos devem prever pagar impostos que sejam suficientes para sustentar essa sociedade. As corporações precisam entender que têm obrigações para com as sociedades que possibilitam sua existência.

As instituições políticas precisam estar abertas à influência de todos os cidadãos, não apenas dos mais ricos. As políticas públicas devem ter o objetivo de criar e conservar uma classe média vigorosa e ao mesmo tempo assegurar uma rede de segurança para todos.

Todos os cidadãos têm direito a tratamento igual, independentemente de raça, etnia, religião ou gênero.

Os cidadãos têm o direito de decidir quem é autorizado a vir para seus países e trabalhar neles e quem tem o direito de dividir com eles as obrigações e os direitos dos cidadãos.

A política deve tratar exatamente de como essas metas podem ser alcançadas. Mas isso não significa um retorno aos anos 1960. O mundo já se transformou profundamente demais desde então, na maioria dos aspectos para melhor.

Não vamos voltar para um mundo de industrialização em massa, onde a maioria das mulheres com instrução superior não trabalhava, onde havia hierarquias étnicas e raciais claras e onde os países ocidentais dominavam.

Ademais, além da mudança climática, enfrentamos a ascensão da China e a transformação do trabalho pela tecnologia de informação, desafios muito diferentes.

Mas algumas coisas continuam iguais. Os humanos precisamos agir coletivamente, além de individualmente. Em uma democracia, agir juntos significa agir e pensar como cidadãos. Se não o fizermos, a democracia vai fracassar. É dever de nossa geração assegurar que isso não aconteça.

Tradução de Clara Allain

 

“Enxergar e Ver”, por Lília Schwarcz.

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Reflexão sobre monumentos e estátuas leva historiadora e antropóloga Lilia M. Schwarcz a uma análise mais profunda sobre o racismo estrutural no Brasil: ‘Não teremos democracia enquanto continuarmos racistas’

‘Por que será que todos os nossos heróis são homens e brancos?’

Entrevista com Lilia Moritz Schwarcz

Estado de São Paulo – 14/06/2020 – Daniel Fernandes

Enxergar é biológico. Ver é opção cultural. O Brasil descrito por Lilia Moritz Schwarcz, historiadora, antropóloga e autora de livros como ´Sobre o Autoritarismo Brasileiro´ e ´Lima Barreto: Triste visionário´, é o de heróis brancos e masculinos, nunca negros, nunca femininos. É o Brasil inserido na civilização ocidental que, mais uma vez, enxerga e não vê quais deveriam ser seus monumentos e esculturas. É o Brasil que não vê que perpetuou a escravidão por todo o seu território – mais de 4,8 milhões de pessoas foram privadas de liberdade. É o mesmo país que, segundo a escritora, não vê que a morte de Marielle matou também um outro Brasil, com mais oportunidade. Um país que enxerga mas não vê que enquanto for racista não terá democracia. A seguir, a entrevista concedida por telefone ao Estadão.

A minha pergunta inicial seria: você é contra ou a favor da retirada desses monumentos, dessas estátuas de escravocratas? Mas não sei se é tão simples assim se posicionar de um lado ou de outro. Mas queria começar com essa pergunta.

Eu acho que a questão é equivocada, que não se trata de ser contra ou a favor porque não se trata de abrir ou fechar um partido político que seja a favor ou contra esse tipo de manifestação. Eu sou a favor da reflexão em cima desse tipo de manifestação. Eu sou absolutamente a favor porque nós crescemos com uma historiografia que se chama de universal, mas que não é universal. É uma historiografia que se detém sobretudo nas conquistas e nos feitos das sociedades européias e depois norte-americanas. Um bom exemplo aqui é por que será que no Brasil, que foi colonizado por portugueses, mas também indígenas e várias Áfricas, vários africanos, não temos na nossa história uma referência a todas essas origens? Ou seja, não se fala das inúmeras Áfricas que chegaram ao Brasil, as tecnologias, as filosofias, as culturas materiais, as religiões que vieram nos navios negreiros. Também não comentamos os inúmeros povos indígenas que estavam no Brasil quando os portugueses chegaram.

Falamos de descobrimento de uma terra que já estava densamente povoada. Os historiadores mostram que nas Américas, na América do Sul sobretudo, a população respondia, em termos de quantidade, à população da Península Ibérica no mesmo contexto. Mas, mesmo assim, falamos de descobrimento. O que isso revela? Revela uma narrativa histórica muito marcada por uma só experiência. Por que será que toda a nossa imaginação é uma imaginação branca? Por que será que todos os nossos heróis são homens e brancos? Quase não temos mulheres, quase não temos heróis negros. Se as imagens dos heróis podem ser inventadas, isso é o que acontece com boa parte dos monumentos, não sabemos como eram as imagens dessas pessoas, assim como não sabíamos qual era a imagem de Tiradentes. Ela foi criada entre o final do Império e o começo da República para que ele figurasse um herói branco, republicano, mas também religioso, por isso Tiradentes hoje na imaginação se parece tanto com Jesus Cristo. Por que será que nós não criamos uma imaginação negra?

Então, voltando a sua pergunta, porque ela está equivocada. Porque o que a gente não percebe é que esses monumentos, essas esculturas, reforçam uma imaginação somente ocidental. Mais ainda: uma imaginação, por vezes, muito violenta. Nós apaziguamos a violência. Eu sou absolutamente a favor da retomada crítica desses espaços simbólicos porque eu sou historiadora e antropóloga e eu acredito piamente na eficácia simbólica para o poder político. Ou seja, não se trata de ingenuamente contar com uma escultura de um traficante de escravos. Se trata de glorificar e enaltecer essa figura. De lembrar para esquecer. O que você lembra? Que ele foi do parlamento – estou me referindo ao caso mais gritante no momento, inglês. E o que se esquece? Que ele traficou vidas humanas durante muito tempo. E também, o que se esquece? Que a Inglaterra, a Grã-Bretanha, não era só essa grande civilização. Ela compactou com a barbárie. Então, esse é o meu a favor.

Penso sim que recuperar esses espaços simbólicos é um ato muito significativo. Como nós vamos recuperar é uma outra questão. Eu, particularmente, acho que não é o caso de destruir apenas. Eu faria, por exemplo, um memorial crítico da escravidão. um memorial crítico da colonização. Ou então, colocaria ao lado dessas, esculturas que tensionem esses regimes de verdade. Esculturas que digam o oposto sobre essa pessoa. Existem muitos mecanismos de fazê-lo, mas, por vezes, é preciso começar radicalizando para que a sociedade preste atenção. Porque o que acontece no nosso cotidiano, nós não vemos. Existe uma diferença muito grande entre enxergar e ver. Enxergar é uma faculdade biológica, ver é uma opção cultural. Eu penso que os brasileiros e de uma maneira geral a civilização ocidental enxerga, não vê. É isso que fazemos diante dessas esculturas, desses monumentos.

Eu li no New York Times uma entrevista do professor (do John Jay College of Criminal Justice) Erin Thompson. Ele diz que a queda das estátuas é um sinal de que o que está em questão não é apenas o nosso futuro, mas também o passado como nação, sociedade e mundo. Nesse sentido, eu pergunto se isso é sinal de que precisa haver uma ruptura. Você entende que é um olhar para o passado tudo isso que está acontecendo a partir do movimento de Black Lives Matter?

Eu digo lá no meu livro Sobre o Autoritarismo (Sobre o Autoritarismo Brasileiro, Companhia das Letras, 2019) que o nosso presente está cheio de passado. Ou seja, que nós vivemos entre fantasmas. Disse o poeta Carlos Drummond de Andrade que toda história é remorso. O que nós fazemos com isso? Nós silenciamos os nossos fantasmas, não queremos viver com eles. O que nós estamos vivendo, não só nesse momento, também provocado pelo Black Lives Matter, mas não só, é um movimento de revisão da história. Isso não quer dizer apagamento da história. Isso quer dizer que deveríamos falar de ‘histórias’ no plural. Nós temos que ter muitas histórias para contar e não uma história para contar.

Então, o que sou totalmente contra é com essa ideia de que vamos apagar totalmente a história. Ninguém apaga. A história é assim: o historiador Jacques Le Goff falou, e também o historiador (Achille) Mbembe, que a história é feita a partir das nossas perguntas. Ou seja, por que será que a história do final do século 19 foi uma história eminentemente política e a história do começo do século 20, uma história eminentemente social? A história que nós vivemos foi uma história muito cultural e por que agora vamos viver este momento em que a história se detém sobre direitos civis? Porque essa é uma linguagem que vai nos socializando. Então, um documento nunca diz nada para um historiador. Um documento só diz a partir das perguntas que nós fizemos a ele.

Essas perguntas têm a ver com os tempos que nós presenciamos. Vou dar um exemplo prático: quando eu escrevi a biografia do Lima Barreto (Lima Barreto: Triste Visionário, Companhia das Letras, 2017), já existiam biografias fundamentais sobretudo a de Francisco de Assis Barbosa, que praticamente recriou o Lima Barreto. Eu considero que o Lima Barreto não existiria sem Francisco de Assis Barbosa. O que eu fiz lá? Fiz uma pergunta nova para o mesmo objeto, ou seja, de que maneira a tensão racial impacta a biografia de um escritor como Lima Barreto? Até dizer que Lima Barreto morreu com 41 anos e que no atestado de morte devia estar escrito assim: morreu de racismo.

Os documentos estão lá, claro, cada um acha novos documentos, mas a pergunta é que é diferente. Aquilo que nós queremos saber é que é diferente. Os arquivos da escravidão são violentos, são arquivos silenciosos e o que está acontecendo agora grandemente no Brasil e em outros países? Nós voltamos a esses arquivos coloniais e fazemos outras perguntas a eles e com isso nós achamos outros personagens, outras realidades. Escravizadas que compravam sua liberdade, e compravam a dos seus filhos também. Descobrimos tantas insurreições, tantas rebeliões, tantos atos. Não que eles não estivessem lá, eles estavam lá, mas nós precisamos fazer outras perguntas para encontrar um projeto de história que seja mais amplo, mais generoso e mais plural.

Você escreveu com Flávio Gomes na introdução do ´Dicionário de Escravidão e Liberdade´ (Companhia das Letras, 2018) que projetando um futuro moderno se inventava um passado distante. Lá atrás, lá distante, tinha ocorrido a escravidão. Eu queria te perguntar o seguinte: o quanto da Lei Áurea, que vocês mesmo escrevem que foi breve e sem inclusão social, você acha que contribui para um racismo estrutural hoje no Brasil?

O Brasil não foi apenas o último país a abolir a escravidão mercantil, porque eu sei que existem outras formas de escravidão vigentes hoje em dia, mas foi também aquele que recebeu o maior número de escravizados e escravizadas. Dos 12 milhões de africanos e africanas que deixaram compulsoriamente o continente africano, hoje se diz que 10 milhões desembarcaram nas Américas e no Caribe. Desses, 4,8 milhões tinham como destino final o Brasil. Pelos portos do Recife, do Rio de Janeiro, Salvador, pouco importa aqui. Mas o Brasil recebeu praticamente metade dos escravizados.

Nós tivemos, diferente de outros países escravocratas, escravidão em todo o nosso território. Isso fez da escravidão mercantil mais do que uma força de trabalho, fez da escravidão mercantil uma espécie de linguagem social. E essa linguagem traz muitas consequências para nós. Eu entendo sua pergunta, que é excelente, mas eu não acho que a gente tem que dizer que tudo é culpa da Princesa Isabel. Nós tivemos trabalho escravizado em todas as partes do Brasil. Nós também não tivemos, como diz uma certa mitologia, uma escravidão pacífica. Isso seria uma contradição em seus termos porque o sistema que pressupõe a posse de uma pessoa por outra pessoa não pode ser pacífico, não é?

Nós tivemos também uma Lei Áurea, a lei de 1888, quando o Brasil aboliu a escravidão depois dos Estados Unidos, depois de Cuba, depois de Porto Rico, portanto, estávamos na lanterninha do movimento abolicionista. E fizemos uma lei muito curta e muito conservadora, uma lei que tinha uma intenção política de dar à Isabel um terceiro reinado, que acabou não acontecendo. O plano falhou. Mas o fato é que na época existiam outros projetos correndo muito mais inclusivos, que previam ressarcimentos, que previam trabalho, que previam educação, mas a nossa lei saiu curta, saiu muito breve e saiu muito conservadora. ‘Não existem mais escravos no Brasil’.

Quais são os problemas disso? Primeiro, nós divulgamos a ideia de que a Princesa Isabel nos deu a liberdade. A pergunta é a seguinte: alguém pode dar a liberdade uma vez que esse é um direito de toda a humanidade? Ninguém pode lhe dar isso. Esse foi um processo de luta, um processo que teve muito ativismo negro e a Lei Áurea foi apenas o ponto final. Mas o que acontece a partir de então? Nós temos um longo período do pós-abolicionismo que tem data para começar e não tem data para terminar. E mesmo assim, já nesse momento, você vê várias práticas discriminatórias. Ao mesmo tempo, você vê o surgimento dos artistas negros, dos jornais negros, enfim, de personagens negros que se elegem para a política, de cantores que falam das mazelas, de teatrólogos que denunciam a escravidão e assim vamos. Então, o que acontece, é que a Lei Áurea tem um papel nesse nosso racismo estrutural e institucional, este é um legado pesado que nós temos.

Mas sua questão é muito boa porque não dá para dizer que é tudo culpa do passado porque, se não, nós fazemos a coisa que nós mais gostamos, ou seja, nós nos aliviamos da nossa culpa. E não é coisa do passado, ela é coisa do nosso presente porque no momento em que eu você conversamos aqui o Brasil pratica um racismo estrutural e institucional. Ele é estrutural porque ele está na estrutura, na base da nossa sociedade. A escravidão legou essa linguagem social muito perversa. Então, ela está na base da nossa sociedade de que forma? Nos dados sobre emprego, nos dados sobre subemprego, nos dados da saúde – na atual pandemia nós já temos dados mostrando que são as populações negras as que estão sendo mais afetadas. Nos dados da educação, porque nós sabemos que são as populações negras que menos conseguem cumprir com o ciclo básico obrigatório. É estrutural porque nós nos acostumamos a ir nos espaços sociais e não convivermos com as pessoas negras. Nós não temos uma lei do Apartheid, mas na nossa prática vivemos em cidades divididas. Não só a Lei Áurea, mas o que essa grande mitologia da democracia racial fez entre nós?

Ela naturalizou o racismo e naturalizou a diferença. O racismo também é institucional porque nós não vemos pretos e pardos, que segundo categorias do IBGE correspondem a quase 56% da nossa população, em instituições em posições de mando, de direção; ela é absolutamente desequilibrada em relação a esse porcentual. É institucional porque eu não vejo negros nas direções das escolas, quase não vemos negros no ambiente corporativo, quase não vemos negros e negras na indústria da moda, quase não vemos negros e negras nas nossas esculturas e monumentos públicos, então, isso é um racismo institucional e essa é a perversão do racismo institucional, porque ele naturaliza e faz com que as pessoas enxerguem, mas não possam ver.

Você fala que o racismo é uma questão presente. E tivemos, nos Estados Unidos, a partir de um caso, uma ruptura. As pessoas vão às ruas mesmo em meio a uma pandemia. Essa ruptura talvez seja o começo de uma mudança. Olhando para o Brasil, como você acha que pode se dar essa ruptura? Ela é uma ruptura traumática, nos sentido de que pode ser violenta, ou é uma coisa de crescimento da sociedade para olhar e mudar esse presente?

Essa situação já existe há muito tempo, não é de hoje que a polícia brasileira é considerada uma das mais violentas do mundo e não é de hoje que estamos praticando um genocídio da população negra, jovem e que vive nas nossas periferias. Eu sei que o termo genocídio aplica-se a situações de guerra, mas os números são tão fortes, eu mostro no Sobre Autoritarismo que nós temos em guerras civis, como a guerra civil no Afeganistão e a guerra civil na Síria. Só que mais uma vez nós enxergamos, mas não vemos.

Há quem pergunte assim: por que será que nos Estados Unidos, que têm uma população negra que corresponde de 11% a 12%, um evento como esse do George Floyd em Mineápolis causa muito mais comoção do que aqui no Brasil a morte de Miguel, a morte de João Pedro? Eu acho que, mais uma vez, a pergunta está errada. Me lembra muito aquela conversa que Lewis Carroll faz entre Humpty Dumpty e a Alice, quando ela precisa tomar um líquido para diminuir e entrar no País das Maravilhas. E ela só tem um rótulo, que está escrito ‘Beba-me’ e ela fala como é que eu vou saber qual é o certo se o rótulo diz a mesma coisa. E o Humpty Dumpty responde: um, aquele que acredita em rótulos, em geral, se engana. Dois, aquele que faz perguntas erradas recebe respostas erradas. Eu acho que a questão é outra. A questão é que não é que a população negra no Brasil não se manifesta, mas se a gente pensar a primeira revolução republicana, que foi a Revolta da Vacina de 1904, já era uma revolta negra contra as medidas autoritárias da república.

A pergunta certa seria: por que será que a sociedade brasileira, e a mídia brasileira, de uma forma geral, não cobrem esses eventos com a devida responsabilidade que deveriam ter? De novo é uma questão de cegueira cultural. Porque nos Estados Unidos, o que acontece, essa linguagem dos direitos civis, a linguagem do direito, a diferença na universalidade é um ganho do século 20. Democracia sim, é projeto inconcluso. Mas é certo que nós só chegamos nessa linguagem dos direitos civis como nação no final da década de 1970. Então, eu acho que o que está acontecendo aqui no Brasil, no mundo também, é essa ideia de prestar atenção às nossas invisibilidades, prestar atenção para os nossos tantos silêncios. E os silêncios em relação às questões raciais são silêncios muito profundos.

Outro dia uma amiga minha negra estava me falando sobre as colunas sociais, e é verdade. As colunas sociais até pouquíssimo tempo e ainda continuam a ser esse espaço da branquitude. O que é a branquitude, e eu falo como branca, é o privilégio de poder estar em qualquer lugar, é o privilégio de não ser parado pela polícia, é o privilégio de não ter de entrar pelo elevador de serviço, é o privilégio de frequentar o restaurante que quiser sem que as pessoas fiquem olhando, é uma política de privilégios e essa política de privilégios será mantida se as elites não quiserem ter atitudes antirracistas.

Não é possível prever se teremos uma convulsão social, se teremos um aprimoramento da nossa cidadania, mas com os ativismos negros que eu convivo não me parece que a posição é bélica, a posição é de construir aliados. Na minha opinião o que a sociedade branca pode fazer: primeiro, mais do que dizer ‘eu não sou racista’, prestar atenção e dizer eu quero ser antirracista. A questão não é moral. A questão não é culpa. Culpa não leva longe. A questão, na minha opinião, é de responsabilidade. Ou seja, ser antirracista é adotar atos e fazer ações antirracistas. Abrir espaço nas redações de jornais para mais editores negros e prepará-los; abrir espaço nas universidades para mais negros não só na graduação, mas na pós-graduação; abrir espaço nas empresas, nos nossos consultórios, tomar atitudes antirracismo.

Se a sociedade brasileira se mobilizar, nesse sentido, quem sabe nós teremos um aprimoramento da nossa sociabilidade e não exatamente uma guerra, mas muitas vezes é preciso enfrentar, tomar atos para que as pessoas saiam da sua posição de passividade. E reflitam. Cidadania é assim, é de cada um. Não vale dizer você tem que fazer. Cidadania é feito de grandes atos e de pequenos atos, é feito do nosso cotidiano. E é preciso que a sociedade brasileira – essa sociedade  que está vivendo uma crise que é social, que é política, que é econômica e que é moral, na minha opinião, como historiadora nunca vista antes – entenda também, e se pudesse eu grifava o também, que nós não teremos uma democracia enquanto continuarmos tão racistas. Ou seja, racismo não funciona com democracia e é essa luta por direitos que nós vamos ter que encampar.

Eu vou citar uma frase do Lima Barreto, que eu pesquei do seu livro, e gostaria que você fizesse uma reflexão do momento a partir dela. A frase é a seguinte: ‘Nós, os brasileiros, somos como Robinsons: estamos sempre à espera do navio que nos venha buscar da ilha a que um naufrágio nos atirou.’

Lima Barreto era uma pessoa muito contrária aos estrangeirismos da sociedade brasileira, acreditava que os brasileiros tinham mania de Madame Bovary – ele usava uma teoria do (filósofo Jules de) Gaultier chamada Bovarismo que ele dizia que nós brasileiros sempre queremos estar no lugar a que não pertencemos e sempre queremos nos imaginar em outro lugar. Lima Barreto estava coberto de verdade. Ele brincava que a nossa imaginação era grega, vamos espalhar colunas dóricas e jônicas pelo Rio de Janeiro. Mas do que ele reclamava nessa circunstância?

Dessa ideia de que os brasileiros não conseguem se apalpar, não conseguem ver o que eles são de fato. Era isso que ele criticava, que as lojas têm mania de Paris, que as ruas têm mania de Roma, de alguma forma dizendo como nós temos dificuldade de nos apalpar, de nos escutarmos e, sobretudo, de nos acolhermos nas nossas sublimes diferenças e nas nossas sublimes similitudes. Nesse momento que nós estamos vivendo uma pandemia, que pegou o Brasil de jeito, ou seja, um governo muito autoritário, um governo que sonega informações, o que é péssimo para nós planejarmos e projetarmos nosso futuro, mas essa questão do racismo, de tantos ´João Pedros´, de tantas Ágatas´, de tantos meninos Miguel, de tantas Marielles, precisa entrar na nossa agenda urgentemente. Quando Marielle morreu, eu penso que um sonho de Brasil, um sonho de Brasil mais cidadão, mais generoso, morreu com ela.

Por que que eu digo isso? Porque Marielle simbolizava um Brasil que conseguia incluir. Um Brasil difícil. Marielle usou de todas as franjas do sistema para fazer uma escola, entrar na universidade, fazer um mestrado, ser eleita como uma das vereadoras mais populares do Rio de Janeiro, ela sendo favelada, negra, gay, enfim, isso mostrava um outro Brasil, sinalizava uma outra possibilidade de Brasil.

Quando Marielle morre e nós ficamos, e continuamos, tanto tempo sem saber quem mandou matar Marielle isso fala da nossa amnésia coletiva. Isso fala muito da nossa forma de lidar com o racismo tentando escondê-lo, isso fala muito de uma perspectiva brasileira de que todos os brasileiros dizem que são contra o racismo, mas ninguém se diz racista. Então, enquanto nós não assumirmos esse lugar antirracista essa agenda vai continuar urgente e ela não pode mais ser postergada para um futuro indeterminado.

 

Prioridades para a economia Covid-19, por Joseph Stiglitz

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Os gastos públicos bem direcionados, particularmente os investimentos na transição verde, podem ser oportunos, intensivos em mão-de-obra (ajudando a resolver o problema do aumento do desemprego) e altamente estimulantes

Joseph Stiglitz – Project Syndicates – GGN – 09/07/2020

Com as esperanças de uma recuperação acentuada da recessão induzida pela pandemia, os legisladores devem fazer uma pausa e fazer um balanço do que será necessário para alcançar uma recuperação sustentada. As prioridades políticas mais urgentes são óbvias desde o início, mas exigirão escolhas difíceis e uma demonstração de vontade política.

NOVA YORK – Embora pareça história antiga, não faz muito tempo que as economias do mundo inteiro começaram a fechar em resposta à pandemia do COVID-19. No início da crise, a maioria das pessoas antecipou uma rápida recuperação em forma de V, supondo que a economia apenas precisasse de um curto intervalo de tempo. Depois de dois meses de carinho e montes de dinheiro, ele continuaria de onde parou.

Foi uma ideia atraente. Mas agora é julho, e uma recuperação em forma de V é provavelmente uma fantasia. É provável que a economia pós-pandemia seja anêmica, não apenas nos países que não conseguiram administrar a pandemia (a saber, nos Estados Unidos), mas mesmo naqueles que se deram bem. O Fundo Monetário Internacional projeta que, até o final de 2021, a economia global será um pouco maior do que era no final de 2019, e que as economias dos EUA e da Europa ainda serão cerca de 4% menores.

As perspectivas econômicas atuais podem ser vistas em dois níveis. A macroeconomia nos diz que os gastos cairão devido ao enfraquecimento dos balanços das famílias e das empresas, uma onda de falências que destruirão o capital organizacional e informacional e um forte comportamento de precaução induzido pela incerteza sobre o curso da pandemia e as respostas políticas a ela.  Ao mesmo tempo, a microeconomia nos diz que o vírus age como um imposto sobre atividades que envolvem contato humano próximo. Como tal, continuará a conduzir grandes mudanças nos padrões de consumo e produção, o que, por sua vez, trará uma transformação estrutural mais ampla.

Sabemos, tanto pela teoria econômica quanto pela história, que apenas os mercados não são adequados para administrar essa transição, especialmente considerando o quão repentina foi. Não há uma maneira fácil de converter funcionários de companhias aéreas em técnicos da Zoom. E mesmo que pudéssemos, os setores que agora estão se expandindo são muito menos intensivos em mão-de-obra e mais intensivos em habilidades do que os que estão suplantando.

Também sabemos que amplas transformações estruturais tendem a criar um problema keynesiano tradicional, devido ao que os economistas chamam de efeitos de renda e substituição. Mesmo que os setores sem contato humano estejam em expansão, refletindo melhorias em sua atratividade relativa, o aumento de gastos associado será superado pela diminuição nos gastos que resulta da queda de renda nos setores em retração.

Além disso, no caso da pandemia, haverá um terceiro efeito: aumento da desigualdade. Como as máquinas não podem ser infectadas pelo vírus, elas parecerão relativamente mais atraentes para os empregadores, principalmente nos setores de contratação que usam relativamente mais mão-de-obra não qualificada. E, como as pessoas de baixa renda devem gastar uma parcela maior de sua renda em bens básicos do que aquelas que estão no topo, qualquer aumento da desigualdade causado pela automação será contracionista.

Além desses problemas, há duas razões adicionais para o pessimismo. Primeiro, embora a política monetária possa ajudar algumas empresas a lidar com restrições temporárias de liquidez – como ocorreu durante a Grande Recessão de 2008-09 -, ela não pode resolver problemas de solvência, nem estimular a economia quando as taxas de juros já estão próximas de zero.

Além disso, nos EUA e em alguns outros países, objeções “conservadoras” ao aumento dos déficits e níveis de dívida impedirão o estímulo fiscal necessário. Para ter certeza, as mesmas pessoas ficaram mais do que felizes em cortar impostos para bilionários e corporações em 2017, socorrer Wall Street em 2008 e ajudar os gigantes corporativos este ano. Mas outra coisa é estender o seguro-desemprego, assistência médica e apoio adicional aos mais vulneráveis.

As prioridades de curto prazo estão claras desde o início da crise. Obviamente, a emergência de saúde deve ser tratada (por exemplo, garantindo suprimentos adequados de equipamentos de proteção individual e capacidade hospitalar), porque não pode haver recuperação econômica até que o vírus seja contido. Ao mesmo tempo, políticas para proteger os mais necessitados, fornecer liquidez para evitar falências desnecessárias e manter vínculos entre os trabalhadores e suas empresas são essenciais para garantir um reinício rápido quando chegar a hora.

Mas, mesmo com esses fundamentos óbvios na agenda, há escolhas difíceis a serem tomadas. Não devemos resgatar empresas – como varejistas tradicionais – que já estavam em declínio antes da crise; fazer isso criaria apenas “zumbis”, limitando, em última análise, dinamismo e crescimento. Também não devemos resgatar empresas que já estavam endividadas demais para poderem suportar qualquer choque. A decisão do Federal Reserve dos EUA de apoiar o mercado de títulos não desejados com seu programa de compra de ativos é quase certamente um erro. De fato, esse é um caso em que o risco moral é realmente uma preocupação relevante; os governos não devem proteger as empresas de sua própria loucura.

Como o COVID-19 provavelmente permanecerá conosco a longo prazo, temos tempo para garantir que nossos gastos reflitam nossas prioridades. Quando a pandemia chegou, a sociedade americana estava devastada por desigualdades raciais e econômicas, padrões de saúde em declínio e uma dependência destrutiva de combustíveis fósseis. Agora que os gastos do governo estão sendo desencadeados em grande escala, o público tem o direito de exigir que as empresas que recebem ajuda contribuam para a justiça social e racial, melhoria da saúde e a mudança para uma economia mais verde e baseada no conhecimento. Esses valores devem refletir-se não apenas na maneira como alocamos dinheiro público, mas também nas condições que impomos a seus destinatários.

Como meus co-autores e eu indicamos em um estudo recente, os gastos públicos bem direcionados, particularmente os investimentos na transição verde, podem ser oportunos, intensivos em mão-de-obra (ajudando a resolver o problema do aumento do desemprego) e altamente estimulantes – gerando muito mais barato do que, digamos, cortes de impostos. Não há razão econômica para que países, incluindo os EUA, não possam adotar programas de recuperação grandes e sustentados que afirmem – ou os aproximem – das sociedades que afirmam ser.

 

Tecnologia com humanidade, por Alice Ferraz.

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A mudança na comunicação a partir da existência dessas ferramentas é uma revolução no modo como conversamos e interagimos no nosso dia a dia

Alice Ferraz, O Estado de S.Paulo – 05 de julho de 2020

Há anos, trabalho no estudo da comunicação via mídias sociais e no desenvolvimento de narrativas que envolvem a transmissão de mensagens de maneira assertiva em plataformas nas quais a história deve ser construída em imagens fixas ou em takes de até 15 segundos. A mudança na comunicação a partir da existência dessas ferramentas é uma revolução no modo como conversamos e interagimos no nosso dia a dia – e também como somos impactados por informações veiculadas muitas vezes em uma única imagem ou frase que pode atingir milhões de pessoas. Entender e respeitar a força e o poder desses novos veículos que estamos todos aprendendo a usar faz parte do estar alinhado com um novo mundo. Em mais uma semana de trabalho, e assistindo ao avanço de fake news e de ataques de extrema violência nessas mídias, vou trazer para nossa conversa semanal as virtudes necessárias em 2020. A justiça é um importante ponto de reflexão para os dias de hoje.

Segundo pesquisa recente feita pelo Ibope, mais de 90% dos brasileiros afirmam que deveria haver leis que regulamentem as redes sociais para combater a disseminação de notícias falsas. Além disso, a pesquisa mostra a vontade da população para que as contas que não são de pessoas de verdade, sejam rotuladas como robôs. Um projeto de lei, que já está no Senado, pretende transformar em crime o uso de contas falsas nas redes sociais ou de robôs sem o conhecimento das plataformas. Ok, Alice, mas o que isso tem a ver com nossa busca pelas virtudes, assunto proposto para este mês de reflexões? Explico. Em cada notícia falsa disparada ou postada, existe um fator humano que colabora de maneira decisiva para que ela ganhe escala e cause estragos. Algo que explicam como “efeito manada”, termo usado para descrever o comportamento de indivíduos que reagem todos da mesma forma quando estão em grupo, mesmo sem análise ou informação suficientes para tomarem determinada decisão. Centenas e até milhares de pessoas, em efeito manada, contribuem para a dispersão das fake news. A informação falsa, distribuída via mídias sociais para grupos de amigos e seguidores, pode vir acompanhada de ataques violentos. Com esses comportamentos, as pessoas deixam de usar a Justiça, uma das mais importantes virtudes humanas. O termo virtude, segundo o dicionário, é a disposição do indivíduo de praticar o bem, são hábitos constantes que regulam nossos atos, ordenam nossas emoções e guiam nossa conduta.

Olhando por esse ângulo, cometer uma injustiça é abrir mão de uma virtude. A própria Justiça. E no mundo atual, em que informações falsas sobre quaisquer assuntos têm o poder de prejudicar a saúde, destruir relações, carreiras e negócios, como deixar só a cargo da lei e tirar nossa própria responsabilidade do que ocorre nas mídias sociais?

Como podemos, enquanto indivíduos, não nos dar conta de que cada notícia falsa e criminosa tem em nossas próprias atitudes sua plataforma de amplificação? Pessoas que compactuam com o efeito manada, munidas de suas próprias ferramentas, atacam e compartilham histórias falsas e inventadas sem pensar que podem estar cometendo injustiças. “A Justiça só existirá se a fizermos, se existem justos para defendê-la”, dizia Alain, pseudônimo do filósofo e pacifista francês Émile Chartier (1868-1951). A regra de ouro para se entender de maneira simples o lugar da Justiça é se colocar no lugar do outro. Usar a tecnologia disponível para a comunicação para disseminar informações sem comprovação seria um lugar onde nenhum de nós gostaria de estar se essas fake news fossem sobre nós e nossas famílias. Então por que agir diferente quando o assunto é com quem não conhecemos?

Mais de 150 empresas se uniram nos Estados Unidos e na Europa na campanha Stop Hate for Profit (pare de dar lucro ao ódio, em tradução livre), em que elas pretendem suspender a publicidade em algumas plataformas de mídia social como protesto pela falta de ação contra o discurso de ódio nessas redes. No Brasil, que possui a audiência mais engajada do mundo em redes sociais, liderando também os rankings de tempo de conexão diária, podemos, com mais consciência e uma busca de mais justiça, mudar o cenário de raiva para o de cuidado, usando outra virtude pouco falada, a prudência. “A ética da responsabilidade, que se preocupa com as consequências das nossas ações”, diria Max Weber. Agir e reagir de maneira impulsiva e sem prudência ou bom senso como é costume quando estamos no espaço das mídias sociais leva à injustiça. Individualmente, temos o poder para realizar essa mudança.