Concentração de renda e desigualdade social: anotações sobre a obra Capital no século XXI, de Thomas Piketty

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Existe na sociedade contemporânea uma nova discussão no campo da política e da economia, que está provocando muitos confrontos intelectuais, tudo suscitado pela obra do economista francês Thomas Piketty, O Capital no século XXI, uma obra de fôlego que destaca o incremento na desigualdade social em muitos países importantes da sociedade mundial.

Segundo o autor, vivemos em uma sociedade que está gerando cada vez mais desigualdades, onde uma pequena parte da sociedade possui uma parcela considerável da renda, criando um embaraço muito grande para os agentes políticos, isto porque vivemos numa sociedade muito rica, onde a tecnologia avança de forma acelerada, gerando contrastes cada vez mais significativos entre os indivíduos, tudo isso fragiliza os laços entre os indivíduos e coloca em xeque a democracia.

Pelas pesquisas de Thomas Piketty, no período 1915 à 1970, a desigualdade social foi reduzida sensivelmente na sociedade mundial, isto esta diretamente ligado aos dois grandes conflitos que o mundo viveu no período, primeira e segunda guerras mundiais, somados à crise de 1929 e a reconstrução do pós guerra, onde a tributação foi aumentada diretamente, reduzindo os recursos de grupos mais bem aquinhoados. Dos anos 70 em diante, as curvas de desigualdade começaram a subir nos Estados Unidos e na Europa, em 2010, os 1% dos norte-americanos mais ricos detinham 20% da renda total, percentual equivalente ao da Europa em 1910. Se nenhuma medida for adotada pela sociedade, estima-se que, em poucas décadas, os 0,1% da população mundial vai absorver entre 40 e 60% da renda global, uma desigualdade jamais vista na sociedade capitalista, com forte impacto sobre a arena política e econômica.

Para visualizar melhor sua pesquisa, o autor analisa a remuneração dos grandes executivos mundiais que, em 1950, recebiam retornos financeiros compatíveis a 20 vezes os salários médios de mercado, enquanto, em 2014, os vencimentos chegam a duzentas vezes os salários médios de mercado, um incremento espetacular. Esta classe dos super salários é composta por operadores de fundos de investimentos, diretores de grandes empresas e outros trabalhadores super qualificados, tais como os empreendedores do Vale do Silício, região marcada pelas grandes startups mundiais, o berço das grandes empresas ponto.com.

A diferença de remuneração levou o economista francês a analisar a rentabilidade das empresas que pagam os super salários e percebeu que a diferença de retorno das ações de empresas que pagam mais de US$ 10 milhões para seus executivos e aquelas que pagam US$ 1 milhão era pouco significativa, destruindo a tese da meritocracia, vista por muitos como a explicação desta discrepância. O grande problema disso, segundo o autor, é que a democracia, visto como a melhor forma de organização política, esta se mostrando bastante fragilizada diante do poder dos grandes grupos econômicos, cujos recursos conseguem “comprar” as benesses do Estado Nacional, criando uma discrepância muito grande no modelo político e na organização econômica.

Os dados fornecidos pelo autor geram grande inquietação na sociedade, os 10% mais bem pagos na pirâmide de renda, abocanham hoje em dia algo entre 45% e 50% da massa salarial nos Estados Unidos, enquanto que, em 1950, este valor era de 35%, um crescimento bastante significativo que acaba criando um grande fosso entre ricos e pobres e que podem gerar graves distúrbios sociais.

O incremento da desigualdade leva o Estado a adotar políticas públicas direcionadas para atender este público em situação de risco, obrigando-o a uma postura firme e direta para evitar que esta desigualdade acabe gerando graves desajustes sociais que poderiam culminar em violência e desagregação social.

O Brasil é um exemplo clássico destas políticas, nos últimos 20 anos, o país apresentou um resultado bastante satisfatório, em 1993, tinham 44% da população ou 62,5 milhões de pobres, enquanto que, em 2012, este número recuou para 29,4 milhões de pessoas ou 16% da população, colocando o Brasil no restrito clube dos poucos países que conseguiram reduzir a população pobre nos últimos 20 anos, mesmo assim, os dados ainda são bastante ruins, fruto de uma herança histórica bastante negativa, acumulada durante muitas décadas.

As novas descobertas de Thomas Piketty, colocaram em xeque as descobertas de Simon Kuznets, que nos anos 50 foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia, segundo o economista, a desigualdade acompanha o grau de desenvolvimento dos países, países desenvolvidos reduzem consideravelmente seus índices de pobreza, diante disso, muitos países empenharam grandes esforços para a industrialização, vista como uma forma de levar as economias ao desenvolvimento, o que se mostrou, posteriormente, insuficiente. Piketty descobriu que, dentro dos países desenvolvidos, encontramos ricos e pobres convivendo juntos e que o fosso entre eles está aumentando de forma acelerada e gerando graves desajustes no sistema democrático.

A meritocracia também é alvo do economista francês, segundo este, 60% dos bilionários da revista Forbes chegaram a esta soma devido a herança, ou seja, sua condição de bilionário se dá desde o nascimento, seu esforço e dedicação não foram condições indispensáveis para sua condição de vida atual, mas sim sua sorte no nascimento, nasceram ricos e estão “condenados” a riqueza até seus últimos dias.

A desigualdade deve ser vista com moderação, isto porque encontramos desigualdades boa e ruim, como o colesterol, a desigualdade boa é aquela que estimula os indivíduos a estudar com dedicação e buscar uma ascensão social e uma melhora em sua qualidade de vida. A desigualdade ruim é aquela que impede a mobilidade social e condena o indivíduo a viver na classe social de seus pais, impedindo-o de ascender na hierarquia social, gerando desesperança e insatisfação.

A pobreza e a exclusão social são duas condições da sociedade que chocam as pessoas e causam indignação entre os indivíduos mais sensíveis, como pode uma sociedade, marcado pelo grande avanço tecnológico, onde a ciência evolui rapidamente e a produção de alimentos cresce de forma acelerada, aceitar a morte de pessoas vítimas da fome? Que sociedade é essa, que aceita seus descendentes se digladiarem como animais em busca de um prato raso de comida? São questões fundamentais que os seres humanos precisam aprender para que possam ser considerados seres racionais, na atualidade, me parece que este aprendizado vai demorar muito tempo, ainda mais quando dados recentes nos mostram que os mais ricos ganharam, em 2012, dinheiro suficiente para acabar com a pobreza no mundo quatro vezes, e porque a pobreza insiste em continuar existindo? A resposta para isso é clara: existem muitos agentes que ganham com a pobreza do mundo, o negócio da pobreza enriquece muitas pessoas que, com isso, continuam usufruindo dos benesses do dinheiro e não se sensibilizam com as dores que envolvem outros seres humanos.

A meritocracia sempre foi um dos grandes legitimadores do sistema capitalista, uma forma clara de fazer com que as pessoas enxergassem a desigualdade por uma ótica menos negativa, uma forma de estimular os indivíduos a buscarem uma melhoria social e uma condição de vida mais digna e decente, deixando de lado uma trajetória de dificuldades crescentes e abrindo um novo horizonte para todos os indivíduos que se destacassem pelo esforço e dedicação, pena que, para Piketty, a meritocracia esta perdendo força com grande rapidez, as chances de indivíduos oriundos de classes sociais mais simples ascenderem socialmente esta em franca decadência, fruto da nova forma de acumulação do sistema capitalista, medidas urgentes devem ser tomadas para impedir que o capitalismo se destrua por si mesmo e os ganhos, inegáveis, do sistema sejam sobrepostos por tragédias e destruições iminentes.

O economista francês faz algumas sugestões interessantes, dentre elas destacamos uma forte tributação sobre o patrimônio, esta taxação deve ser feita em escala global para impedir que os atores econômicos saiam de seus países e busquem guarida em outras regiões, reduzindo a eficácia desta medida, o espaço certo para costurar estes acordos são os grandes tratados internacionais, como os que estão sendo discutido entre blocos econômicos, tais como o possível acordo entre Mercosul e União Européia.

As sugestões de Thomas Piketty foram recebidas de forma bastante diferentes, de um lado um grupo de economistas do mainstream viram-nas como uma crítica requentada das teorias de Karl Marx, coisa que o economista francês rechaçou com veemência, inclusive muitos criticaram os dados levantados e, principalmente, as conclusões que embasavam suas conclusões; de outro lado, um grupo de economistas heterodoxos aplaudiram suas ideias e o colocaram no bastião do novo pensamento progressista. Tirando os exageros dos críticos, as ideias de Thomas Piketty devem ser lidas com atenção e refletivas por todos os agentes sociais, visando responder como podemos, no século XXI, ainda encontrarmos uma sociedade tão desigual, e pior, como esta desigualdade está aumentando de forma acelerada e colocando milhões de pessoas na indigência e na marginalidade, abrindo novos mercados ilícitos que desvirtuam as condições de vida e de esperança de inúmeros grupos na sociedade.

Todas estas medidas devem ser adotadas visando a redução do fosso entre ricos e pobres e com o intuito de acabar com uma equação nefasta para a sociedade, nela encontramos uma situação, onde os mais ricos conseguem dar aos seus filhos melhores condições de educação e de conhecimento, abrindo-lhes novos horizontes intelectuais e culturais, capacitando-os para ocuparem os melhores empregos, perpetuando uma situação que lhe é dada logo em seu nascimento, de outro lado, os mais pobres se restringem a uma formação deficitária, marcada por pouco acesso ao conhecimento e, em contrapartida, ocupando, no mercado de trabalho os empregos mais vulneráveis as flutuações e instabilidades da economia.

 

 

 

Drogas: uma ameaça cada vez mais agressiva

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Uma das maiores angústias da sociedade contemporânea está relacionada às consequências do avanço desmesurado das drogas e do tráfico de entorpecentes sobre os indivíduos, gerando destruição em massa nas famílias e perturbações nos governos, além de gastos públicos cada vez maiores e preocupações mais frequentes com violência e a insegurança generalizada.

O mundo atual nos parece cada vez mais atônito com o crescimento dos mercados de entorpecentes, as drogas estão tomando uma proporção cada vez mais assustadora, neste ambiente encontramos profissionais liberais que se entregam ao vício acreditando que conseguem parar quando quiserem, pessoas, muitas vezes acima de qualquer suspeita, que usam drogas para continuar trabalhando e sobrevivendo, indivíduos que já não mais conseguem viver sem a cocaína e que, muitas vezes, perderam toda a dignidade, deixaram seus lares depois de brigas intensas e passaram a morar nas ruas, a fazer bicos como forma de sustentar seu vício, muitos agindo de forma agressiva, roubando e cometendo crimes de toda a natureza, elevando os índices de criminalidade e deixando a população amedrontada, clamando pela intervenção policial.

Dados recentes nos levam a aumentar nossa preocupação, somos o segundo maior mercado consumidor de drogas do mundo, com um exército estimado de 2,8 milhões de consumidores, perdendo apenas para os Estados Unidos, mesmo não produzindo esta mercadoria, somos grande importadores deste produto, que entra nas nossas fronteiras pelos mais diversos locais, por terra, pelo ar também pelos rios e mares, chegando aos morros e incrementando a violência, violência esta, que se espalha pelo país como uma praga das mais assustadoras, gerando caos e destruição por onde passa, tornando o país um dos mais violentos do mundo, com índices mais elevados de assassinatos do que países que vivem guerras civis e conflitos armados, que dissipam seu povo e corrói as estruturas da sociedade.

Um dos países mais importantes na geopolítica das drogas é o México, neste país que faz fronteiras com os Estados Unidos, encontramos o controle das rotas de venda de cocaína para o maior mercado do mundo. Na divisão desenvolvida até os anos 80, cabia aos colombianos o plantio e a produção da cocaína, que foram bastante afetadas pelas políticas adotadas nos anos 90, o chamado Plano Colômbia, que intensificou o ataque do exército colombiano, auxiliado pelo governo norte-americano, fragilizando os produtores colombianos e abrindo espaço para que os mexicanos se consolidassem como os grandes gestores desta multinacional das drogas, que, terceirizaram a produção do produto para vários países da América Central, hoje o país é o grande ator deste mercado, monopolizando milhares de rotas por ar, terra, água e subsolo, com o controle de milhares de redes de túneis ligando México aos Estados Unidos, garantindo, com isso, acesso ao maior mercado consumidor de cocaína do mundo, o que lhe concede lucros fantásticos e jamais vistos em outros negócios ao redor do mundo.

O México é um mercado dominado pelo tráfico de drogas, dentre os principais cartéis do país, destacamos os Caballeros Templarios, ultrareligiosos, disciplinados e influentes, dominam o Estado de Michoacán, onde o governo e as forças de segurança não conseguem atuar e estão se aliando a milícias civis para tentar controlar o poder, uma situação clara de desespero, que denota uma situação de desesperança, instabilidade e medo. Além deste grupo, destacamos os Zetas, mais agressivos e violentos, que degolam, mutilam e assassinam, filmam estas atrocidades e colocam nas redes sociais para intimidar e mostrar seu poder para a população, gerando mais medo e preocupações constantes. Outro grupo, o de Sinaloa, pode ser descrito como o mais profissional de todos, menos agressivo e diversificado, atua em várias frentes, distribuindo não só cocaína como metanfetamina, heroína e maconha, todas produzidas no México.

Muitos perguntam como funciona o mercado de drogas, será que este produto é tão rentável como dizem? Um dado interessante, extraído do novo livro de Roberto Saviano, nos dá esta resposta de forma primorosa: “Se neste momento eu investir US$ 1.000 em ações de petróleo e estiver indo bem, posso ganhar em um ano US$ 1.200, US$ 1.400. O mesmo se dá se eu investir em ações da Apple. Mas se investisse em cocaína, ganharia nada menos do que US$ 182 mil. A cocaína é um mercado imenso, que traz liquidez econômica, um mercado que não conhece crise”. Depois desta resposta tão clara e veemente, percebemos o poder deste mercado, será que existe algum produto com potencial tão grande como o da cocaína e de outros entorpecentes?

No mundo globalizado, marcado pela concorrência e pela competição aceleradas, as drogas muitas vezes são utilizadas para levar o indivíduo a uma fuga da realidade, para se concentrar nos afazeres do cotidiano, evitando que o indivíduo se encontre com sua realidade, num momento inicial a mercadoria tem esta utilidade mas, no médio prazo, levo o indivíduo a dependência, obrigando-o a buscar cegamente as drogas, perdendo a profissão, a família e os amigos, impedindo-o de enxergar a sua própria realidade, de dependência e de indignidade, poucos conseguem se recuperar desta doença social degradante e humilhante.

Os produtores de cocaína profissionalizaram o negócio, a logística foi toda reconstruída, no Brasil, recentemente, a Polícia Federal encontrou em uma de suas operações, indícios de que os traficantes estavam arquitetando a criação de uma empresa de aviação de fachada para transportar a droga, levando-a de região em região, ludibriando as autoridades e aumentando as suas, já gordas, fontes de lucro e de acumulação.

Analisando o potencial deste mercado, percebemos que muitos governos apresentam alto grau de comprometimento e de dependência, isto porque, não dá para acreditar que toda esta indústria de entorpecentes, que arregimenta bilhões de dólares no mundo todo, consegue se estruturar e se desenvolver, sem o auxílio oficial, dado por políticos e por autoridades que ocupam cargos altos nos Estados Nacionais e que se escondem, criminosamente, atrás de um negócio que destrói milhares de famílias e levam um grande número de pessoas a viverem de forma indigna, sem esperança e sem perspectivas de futuro, levando-os a uma depressão que o destrói lentamente.

As drogas são, realmente, um dos grandes problemas da sociedade mundial, não pode ser descrito apenas como um problema do Brasil, afeta todos os países e regiões que, com a globalização, deixa claro uma angústia global, que corrói e deixa um rastro de destruição e morte por onde passa, comprometendo os laços sociais que envolvem os seres humanos e levando-nos a uma situação de animalidade e irracionalidade, igualando-nos aos mais cruéis e violentos animais que vivem neste mundo.

 

Considerações sobre a eleição

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Em época de eleição, nos vemos inundados pelos mais exóticos candidatos a cargos eletivos, desde as figuras de sempre do jogo político, que vivem e fazem da política um meio de vida e forma de sobrevivência, até os mais engraçados, pitorescos e aproveitadores, que veem na eleição uma forma de aparecer e, quem sabe, conquistar o direito de ocupar um cargo público e, com isso, começar a usufruir das benesses do Estado brasileiro, muitas vezes sem nenhum compromisso com a ética e com a moral, apenas se preocupando com seus interesses particulares, mesquinhos e imediatos.

Na situação atual que vivemos, onde encontramos um país marcado por variados conflitos, ao vermos o discurso oficial, o que percebemos é um país em ótimo momento, inflação controlada, investimento em alta, desemprego em baixa e perspectivas positivas para o futuro, mas, na verdade, este é o quadro atual em que vivemos na atualidade? A inflação se encontra no teto da meta, controlada pela mão forte do Estado sobre setores centrais da sociedade, tais como energia e combustíveis, os investimentos estão em queda e os investidores acusam o governo de intervencionismo excessivo, o desemprego embora baixo sinaliza reversão e as perspectivas futuras não são muito positivas, os dados recentes divulgados pelo IBGE, queda de 0,6% do produto interno bruto no segundo semestre, mostram uma situação decepcionante.

Conversando com alunos, professores e pessoas comuns, o que encontro é uma verdadeira ojeriza com relação ao governo atual, críticas sistemáticas e agressivas, para não dizer mal educadas com relação à presidenta da República, no meu ver exagerada e excessiva, culpando-a por todos os desajustes existentes na atualidade, mais que exagero é uma mostra clara do pouco conhecimento que a população tem dos problemas nacionais.

Embora alguns problemas devam ser atribuídos ao seu governo, muitos deles estão relacionados a desafios históricos do país e perpassam os mais variados governos, sendo um problema nacional e que, a meu ver, não podem ser debitados na conta deste governo ou, pelo menos, não podem ser debitados completamente nas costas do governo atual.

A construção de uma terceira via se faz necessário, o dualismo PT X PSDB já cansou a sociedade, uma disputa infantil e grosseira que, nos últimos 12 anos, vem minando a lógica política e criando um verdadeiro Fla X Flu eleitoral, onde um rejeita os feitos do outro, agindo sempre como irmãos siameses que se odeiam mas que não conseguem viver um sem o outro, condenados como um castigo divino a conviverem grudados.

Ao analisar o país nos últimos vinte anos, enxergamos uma sociedade marcada por grandes avanços, desde a estabilização dos anos 90, protagonizadas pelo governo tucano de FHC, até as melhorias nos indicadores sociais do início do século, capitaneadas pelos petistas, ambas motivadas por políticos que deixaram sua marca na sociedade brasileira e serão lembrados nos anais da história brasileira como responsáveis por avanços notáveis na sociedade.

Este dualismo foi alimentado pelos dois lados nos últimos anos mas, principalmente pelo presidente Lula, que cunhou e difundiu a frase, nunca na história deste país, onde um partido se apropria dos feitos do outro, alterando nomes de programas e investindo maciçamente em propaganda, escondendo da sociedade que o mais importante para o país são os resultados destas políticas, se exitosas e meritórias devem ser seguidas, mantidas e aperfeiçoadas, mas sempre sabendo reconhecer os feitos e iniciativas de governos anteriores que, mesmo cometendo equívocos, foram os pioneiros na adoção de alguma destas políticas.

O dualismo PT X PSDB acabou contribuindo para minar a credibilidade da política brasileira, quem ouve a presidente da República fazendo discurso nos palanques da vida, se assusta, pois, de cada dez palavras, no mínimo duas fazem menção destrutiva ao governo tucano dos anos 90, esquecendo muito dos avanços obtidos neste período, avanços estes que possibilitaram outras melhoras obtidas na gestão petista, tais como a redução da inflação e o embrião das políticas sociais, tais como o Programa Bolsa Escola, embrião do atual Bolsa Família, lembrando, que a política social do Partido dos Trabalhadores (PT) era o Programa Fome Zero, que não empolgou nem mesmo os militantes do partido e foi substituído pelo atual programa.

Uma questão importante que precisamos discutir com mais atenção, é com relação aos avanços sociais obtidos pelo país nos últimos anos, todos percebemos uma melhora considerável na redução da pobreza, dados recentes divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) nos auxiliam nesta reflexão, pela pesquisa, neste século, 56 milhões de pessoas em todo o subcontinente foram retiradas da pobreza, onde Peru e Bolívia apresentaram os melhores e mais consistentes resultados.

No caso do Brasil, a pobreza foi reduzida de 43,1% da população em 2000, para 24,5% em 2012, estes dados são bastante animadores e motivo de grande comemoração, agora, o mais importante, é que estas pessoas saíram da pobreza e não foram alçadas diretamente para a tão sonhada classe média, infelizmente, sua nova denominação descrita na pesquisa é de vulneráveis, um conjunto de pessoas que podem ver sua situação evoluir para a classe média ou perceber sua situação retornando para a pobreza, tudo depende do crescimento da economia e o surgimento de novas oportunidades, são estes os responsáveis pelos pedidos de mudança que encontramos na atualidade, o baixo crescimento ameaça fortemente os avanços obtidos anteriormente.

O Brasil merece mais, depois de anos de melhorias, faz se necessário, voltarmos a crescer e melhorar nossa inserção internacional, em um mundo globalizado é fundamental a construção de uma sociedade mais homogênea, mais coesa e com uma desigualdade cadente, todos seremos beneficiados por esta nova sociedade, onde a classe política será cobrada fortemente e os avanços serão comemorados como fazemos quando a seleção brasileira consegue fazer um gol e ganha um jogo de copa do mundo.

Neste ambiente de incertezas, uma terceira via se faz necessário, quem sabe um novo candidato, num primeiro momento Eduardo Campos representou este novo, mas os infortúnios da vida fizeram com que a morte o levasse prematuramente, embaralhando a política e trazendo novos contornos para o mês de outubro, resta esperar para ver, será que diante de tantos desastres naturais da política brasileira, um novo desastre abra novas perspectivas para o país na pessoa da candidata do PSB Marina Silva? Acho difícil, mas nada é impossível neste mundo complexo e cheio de incertezas e instabilidades.

Só o tempo poderá nos mostrar o novo rumo da sociedade brasileira lembrando que, o mais importante nesta transformação é que cada cidadão assuma seu papel nesta sociedade para afugentar os fantasmas que insistem em comprometer nosso futuro e nos condenar a uma perspectiva de stop in go, onde os retrocessos são sempre maiores que os avanços, pelo menos quando nos referirmos ao mundo da política e do poder, as perspectivas para o futuro são inquietantes e preocupantes, mas como Deus é brasileiro, há sempre motivos para termos esperança num futuro melhor.

 

 

Embate de gigantes na era da tecnologia

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Nos últimos anos as empresas estão envoltas em grandes e complexos sistemas de produção, inovação e distribuição, onde os menos preparados perdem espaço e são relegados ao esquecimento dos livros de história ou aos museus da tecnologia, que abrigam mais do que empresas e históricos, abrigam a vida e o legado de muitas gerações de indivíduos e comunidades.

Recentemente, um dos mais fortes embates entre empresas de tecnologia se encontra no eixo Estados Unidos-Ásia, neste embate de gigantes, algumas empresas tradicionais perdem espaços e novos grupos, até então desconhecidos, passam a ocupar posições de destaque, conquistando mercados e o gosto dos clientes com produtos ágeis e diversificados, num mercado que se movimenta com uma rapidez inacreditável.

Nesta competição encontramos empresas como a Sony, um dos conglomerados mais admirados na sociedade mundial até o início do século atual, referência em produtos de alta complexidade, criada e conduzida ao topo pelo japonês Akio Morita, o homem por trás de um dos mais revolucionários produtos da indústria, o walkman. Depois de um crescimento extraordinário em vários produtos, dentre eles os notebooks, os televisores, máquinas fotográficas, câmeras de vídeos, tocadores de CDs, máquinas de fax, os smartphones, entre outros, a empresa se encontra em uma situação de grande inquietação, números negativos e poucas expectativas positivas, uma verdadeira revolução no universo da tecnologia, quem imaginaria, a dez anos atrás, que no começo deste século a gigante nipônica perderia força e, para sobreviver, teria que abrir mão de produtos antes considerados o carro chefe da empresa.

Os problemas encontrados pela Sony não se restringem a apenas esta empresa japonesa, outras gigantes deste país também estão envoltas em graves problemas, conglomerados como a Panasonic, a Hitachi e a Sharp, empresas que foram responsáveis pela popularização de produtos eletrônicos em muitos países, dentre eles o Brasil, passam por graves desajustes. Quem não se lembra de televisores destas empresas adornando a sala de suas casas ou de seus avós em décadas anteriores?

Diante da crise, a Sony vendeu, recentemente, uma de suas mais importantes marcas, os computadores Vaio, referência no mercado da tecnologia, criado em 1996 e que inspirou ambições de desejos de, nada mais nada menos, que Steve Jobs, o homem por trás das grandes transformações da Apple, conhecido como um admirador da empresa japonesa em seus períodos de liderança e hegemonia. Nesta ambiente de crises e incertezas, a Sony vendeu sua marca Vaio, que foi adquirida por um grande fundo de investimento, uma tendência que parece clara em vários mercados, diante da crise, marcas e empresas se desvalorizam e são vendidas para fundos que as reestruturam e, posteriormente, vendem estes ativos e acumulam ganhos substanciais.

Empresas tradicionais perdem espaço para seus concorrentes e novos conglomerados econômicos surgem, quem fez uma leitura mais eficiente das mudanças e de seus desafios sobrevivem e crescer fortemente, são empresas mais ágeis e rápidas para compreender o mundo globalizado e as novas exigências de mercados, que exige um canal rápido e eficiente com os consumidores, um investimento maciço em inovação e na compreensão dos hábitos e costumes dos indivíduos, as que não conseguiram ver esta nova realidade se encontram em graves problemas de sobrevivência, muitas tendo que abandonar mercados deficitários e produtos tradicionais, uma decisão difícil, mas necessária, não importando sua história e suas conquistas, são excluídas do mercado ou são adquiridas por seus concorrentes e “esquecidas” pela sociedade.

No mundo atual, centrado nos smartphones, nos serviços e nos softwares (como o iTunes da Apple), as empresas japonesas se concentraram em decisões ultrapassadas e em produtos requintados, esta estratégia equivocada faz com que suas empresas amargassem resultados negativos em seus balanços e reduziram seus mercados abruptamente, e suas principais concorrentes ganharam musculatura, tais como a sul coreana Samsung e a norte-americana Apple, isto sem falar na chinesa Xiaomi, uma novata com apenas três anos de vida e um alto potencial de crescimento e inovação, mais uma empresa chinesa curgindo com força e potencial para transformar os mercados e abrir espaço para novos paradigmas produtivos e estratégicos.

Na busca pela sobrevivência, as empresas japonesas estão abandonando mercados tradicionais e se concentrando em novos espaços para acumulação, a Panasonic está se transferindo para a fabricação de equipamentos residenciais de consumo eficiente de energia; a Fujitsu, a Hitachi e a Sharp estão se concentrando na agricultura de alta tecnologia e a Sony, antes uma gigante invejada no mundo todo, busca inspiração estudando as medidas implantadas pela antiga concorrente, a holandesa Philips, que para sobreviver abandonou vários mercados de fraco desempenho, dentre eles, a fabricação de televisores, são decisões complexas e assustadoras que podem salvar a empresa ou encerrar um ciclo de décadas de liderança e inovação no mercado de eletrônicos.

As fragilidades das empresas japonesas nos levam a compreender algumas das limitações da economia do país, embora possuam um grande ativo caracterizado por patentes de alto valor e mão de obra altamente capacitada, seus executivos são, na sua grande maioria, profissionais com idade superior a 60 anos, marcados pela cautela e pela cultura japonesa do emprego vitalício, uma das grandes heranças da legislação trabalhista local, especialistas afirmam que mais de 30% dos trabalhadores empregados no setor são excedentes, mas que, pelas leis do país não podem ser desligados da empresa, tudo isso afugenta investimentos e restringem os lucros da empresa, além de reduzir o espírito empreendedor de seus novos dirigentes.

As empresas eletrônicas japonesas se encontram em um momento de grande reflexão, mudanças são necessárias e urgentes, sob pena de verem seus setores produtivos serem substituídos por produtos oriundos de outros países, principalmente de seus rivais e vizinhos, China e Coréia do Sul, mais uma batalha entre o tradicional e moderno, onde decisões dolorosas estão próximas de ser implantadas e os resultados serão amargos para o país num primeiro momento, mas fundamentais para redefinir o papel do país no mercado internacional de produtos eletrônicos.

 

 

 

 

 

Copa do mundo, eleições e interesses nacionais.

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Depois de termos sofrido com as derrotas da seleção brasileira, das preocupações com a infraestrutura e com os graves problemas de segurança pública, estamos no início de mais uma campanha eleitoral, onde nos próximos dias nossas casas serão invadidas por promessas das mais variadas, desde soluções para os problemas da saúde, da educação e da segurança, até soluções para melhorar as perspectivas econômicas do país, que nestes últimos três anos vêm amargando péssimos resultados negativos, como se resolver tudo isso fosse fácil e estivesse nas mãos de governantes bem intencionados e competentes para retirar o país de seu atraso histórico, uma blasfêmia das mais agressivas aos cidadãos brasileiros. Para colocarmos o país na rota do progresso faz se necessário um conjunto de políticas que passam por melhorar o ambiente de negócios, políticas baseadas na meritocracia e na competência moral de seus cidadãos. Diante disso tudo é importante que os eleitores se conscientizem de que votar é um ato complexo e com resultados difíceis de ser mensurados, ainda mais que, ao votar corretamente, estamos evitando problemas mais graves num futuro muito próximo.

Discussões Econômicas

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A economia brasileira apresenta espaço para grandes discussões sobre suas perspectivas para o ano de 2014, para muitos economistas o ano será bem melhor do que o ano que terminou, enquanto outros acreditam que os problemas se aprofundarão e as possibilidades de mudanças mais significativas só devem acontecer em 2015, mesmo se o atual governo conseguir ser reeleito, o que, neste momento, apresenta grandes possibilidades.

O ano passado foi marcado por uma queda de braço entre governo e mercado, principalmente o mercado financeiro, que viam o governo como intervencionista, protecionista, heterodoxo e pouco ousado nos fóruns internacionais, condenando o país a uma situação de isolamento nos acordos e nos compromissos externos que, numa economia marcada pela crescente interdependência entre os agentes econômicos, traria pouca possibilidade de inovação e melhoria de nossa capacidade produtiva.

O governo, em contrapartida, se mostrou muito confuso em suas decisões econômicas, adotando políticas para arbitrar os ganhos dos concessionários, interferindo em setores estratégicos de forma atabalhoada, criando, com isso, uma crescente instabilidade jurídica e afugentando os investidores internacionais, fundamentais para o aumento dos investimentos externos responsáveis pela geração de novos empregos e melhoria na renda agregada da sociedade.

Os últimos anos foram marcados por baixas taxas de crescimento econômico, entre 2% e 2,5%, com inflação crescente na faixa dos 5,5%, taxas de juros elevadas e déficits nas contas externas, o que, para muitos, pode sugerir graves desequilíbrios econômicos para os economistas vinculados ao mercado financeiro, embora os indicadores não sejam tão saudáveis estamos muito longe de situações negativas e perspectivas ruins como querem nos levar a acreditar estes economistas, não estamos como estávamos no período 2003-2010, mas estamos longe de situação de crise iminentes.

A política fiscal destes últimos três anos apresentou uma piora considerável, o que ficou caracterizado como “contabilidade criativa” pelos seus críticos, que viram nesta uma manobra do governo para esconder do mercado a degradação das condições fiscais do Estado, que vêm se deteriorando nos últimos anos com subsídios concedidos sem critérios claros, empréstimos e aumento de capitais para o BNDES financiar grupos econômicos com potencial de crescimento, política esta que ficou conhecida como campeões nacionais.

            Em ano de Copa do mundo da Fifa, o Brasil hoje está sendo observado em todos os cantos do mundo, as obras atrasadas geram preocupações, os gastos excessivos e pouco transparentes criam perspectivas, no mínimo, preocupantes para a sociedade, estamos num momento de grande apreensão, podemos ter um evento internacional de grande sucesso mas, podemos estar diante de um fiasco cuja repercussão se irradiará para todos os setores da sociedade e terá impactos fortes nas eleições, podendo interromper um ciclo de governo do Partido dos Trabalhadores e levar novos ventos à Brasília.

Neste ambiente de discussões e debates encontramos ideias sérias nos dois lados, percebemos na oposição uma crítica, muitas vezes vazia e pouco inteligente, enquanto do lado dos defensores governamentais uma defesa sistemática a um intervencionismo estatal cujos impactos negativos são significativos. A discussão clássica de mais ou menos Estado, mais ou menos Mercado, me parece uma discussão desnecessária e pouco construtiva, temos que discutir se o Estado é eficiente na alocação de seus recursos, se estamos diante de uma redução estrutural das desigualdades ou apenas próximos de uma política conjuntural que se apoia apenas em propostas eleitorais e eleitoreiras, cujos benefícios se limitam ao calendário político-eleitoral, tempo suficiente apenas para que o governo consiga se manter no poder.

Neste Brasil encontramos uma constante crítica do governo com relação a perseguições sistemáticas do mercado e da mídia, esta perseguição não acontece apenas neste governo, mas constantemente. O que devemos frisar com tranquilidade é que esta perseguição é legítima em uma sociedade democrática, hoje o partido da situação reclama da guerra psicológica orquestrada pelos oposicionistas, mas neste desabafo esquece que, vinte anos atrás, era seu partido e seus companheiros os responsáveis por esta mesma guerra psicológica, se concentrando num papel de quanto pior melhor para seus interesses eleitorais, lembremos sempre e tenhamos consciência de nossas críticas, pois quem sabe num momento próximo seremos nós os responsáveis pelos rumos da sociedade.

 

 

Elogio de Mandela

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MARIO VARGAS LLOSA

Nelson Mandela, o político mais admirável destes tempos tumultuados, segue em um hospital de Pretória, após completar 95 anos na quinta-feira. Poderemos ter a certeza de que todos os elogios feitos a ele são justos, pois o estadista sul-africano transformou a história do seu país de uma maneira que ninguém imaginava concebível, e demonstrou com sua inteligência, habilidade, honestidade e coragem que, no campo da política, às vezes, os milagres são possíveis.

Tudo isso foi sendo gestado, antes mesmo que na história, na solidão de uma consciência, na desolada prisão de Robben Island, onde Mandela ingressou, em 1964, para cumprir pena de prisão perpétua e trabalhos forçados. As condições em que o regime do apartheid mantinha seus presos políticos na ilha rodeada de um mar traiçoeiro e tubarões, em frente à Cidade do Cabo, eram atrozes. Uma cela tão minúscula que parecia um nicho ou o covil de uma fera, uma esteira de palha, uma sopa de milho três vezes ao dia, mudez obrigatória, visitas de meia hora de duração a cada seis meses, e o direito de receber e escrever somente duas cartas ao ano, nas quais jamais deveriam ser mencionados temas políticos nem da atualidade. Em tal isolamento, ascetismo e solidão transcorreram os primeiros nove anos dos 27 que Mandela passou na ilha.

Em vez de suicidar-se ou enlouquecer, como muitos companheiros de prisão, nos nove anos Mandela meditou, reviu suas próprias ideias e ideais, fez uma autocrítica radical de suas convicções e atingiu aquela serenidade e sabedoria que a partir de então guiariam todas as suas iniciativas políticas. Embora nunca tenha compartilhado das teses dos resistentes que propunham uma ‘África para os africanos’ e queriam atirar ao mar todos os brancos da União Sul Africana, em seu partido, o Congresso Nacional Africano, Mandela, assim como Sisulu e Tambo, os dirigentes mais moderados, estavam convencidos de que o regime racista e totalitário só seria derrotado mediante ações armadas, sabotagens e outras formas de violência, e para tanto formou um grupo de comandos ativistas chamado Umkhonto we Sizwe, que enviava para Cuba, à China Popular, à Coreia do Norte e à Alemanha Oriental jovens militantes para que se adestrassem.

Deve ter levado muito tempo – meses, anos – para convencer-se de que toda essa concepção da luta contra a opressão e o racismo na África do Sul era equivocada e ineficaz, e era preciso renunciar à violência e optar por métodos pacíficos, ou seja, buscar uma negociação com os dirigentes da minoria branca – equivalente a cerca de 12% do país, que explorava e discriminava de maneira iníqua os 88% restantes – e convencê-la de que permanecera no país porque a convivência entre as duas comunidades era possível e necessária, quando a África do Sul fosse uma democracia governada pela maioria negra.

Naquela época, final dos anos 60 e início dos 70, pensar semelhante coisa era um exercício mental distante da realidade. A brutalidade irracional com que a maioria negra era reprimida e os esporádicos atos terroristas com que os resistentes respondiam à violência do Estado haviam criado um clima de rancor e ódio que fazia prever, mais cedo ou mais tarde, um desenlace de dimensões cataclísmicas no país.

A liberdade só poderia significar o desaparecimento ou o exílio para a minoria branca, particularmente para os africâners, os verdadeiros donos do poder. É espantoso pensar que Mandela, perfeitamente consciente das vertiginosas dificuldades que encontraria no caminho que traçara para si, decidiria empreendê-lo, e, mais ainda, que perseveraria nele sem sucumbir ao desalento um só instante, e, 27 anos mais tarde, concretizaria aquele sonho impossível: uma transição pacífica do apartheid para a liberdade, enquanto a maior parte da comunidade branca permanecia no país ao lado dos milhões de negros e mulatos sul-africanos que, convencidos por seu exemplo e suas razões, haviam esquecido os insultos e os crimes do passado, e perdoado.

Seria preciso recorrer à Bíblia, àquelas histórias exemplares do catecismo que nos contavam quando éramos crianças, para tentar entender o poder de convicção, a paciência, a vontade inquebrantável e o heroísmo que Nelson Mandela deve ter demonstrado durante todos aqueles anos para persuadir, primeiramente seus próprios companheiros de Robben Island, depois seus correligionários do Congresso Nacional Africano e, por último, os próprios governantes e a minoria branca, de que não era impossível que a razão substituísse o medo e o preconceito, que uma transição sem violência era igualmente factível e ela assentaria as bases de uma convivência humana em lugar do sistema cruel e discriminatório imposto à África do Sul por séculos. Creio que Nelson Mandela é ainda mais digno de reconhecimento por esse trabalho extremamente lento, hercúleo, interminável, graças ao qual suas ideias e convicções foram contagiando os seus compatriotas como um todo, do que pelos extraordinários serviços que prestaria depois, já no governo, aos seus concidadãos e à cultura democrática.

É preciso lembrar que o homem que assumiu essa admirável tarefa era um prisioneiro político, o qual, até o ano de 1973, quando foram abrandadas as condições carcerárias em Robben Island, vivia praticamente confinado numa minúscula cela e com apenas uns poucos minutos diários para trocar algumas palavras com os outros presos, quase privado de toda comunicação com o mundo exterior. Contudo, sua tenacidade e sua paciência tornaram possível o impossível. Enquanto na prisão já menos inflexível dos anos 70, pôde estudar e formar-se em Direito, suas ideias foram rompendo pouco a pouco os preconceitos totalmente legítimos que existiam entre os negros e mulatos sul-africanos e começou a ser aceita sua tese de que a luta pacífica na busca de uma negociação seria mais eficaz e permitiria alcançar a liberdade mais rapidamente.

Mas foi ainda mais difícil convencer de tudo isso a minoria que detinha o poder e julgava ter o direito divino de exercê-lo com exclusividade e para sempre. Esses eram os pressupostos da filosofia do apartheid proclamada por seu mentor intelectual, o sociólogo Hendrik Verwoerd, na Universidade de Stellenbosch, em 1948, e adotada de modo quase unânime pelos brancos nas eleições daquele mesmo ano. Como convencê-los de que estavam equivocados, de que deviam renunciar não apenas a semelhantes ideias, mas também ao poder, e resignar-se a viver numa sociedade governada pela maioria negra?

O esforço durou muitos anos, mas, no final, como a gota persistente que fura a pedra, Mandela foi abrindo portas na cidadela de desconfiança e temor, e, um dia, o mundo inteiro descobriu estupefato que o líder do Congresso Nacional Africano saía às vezes de sua prisão para ir tomar civilizadamente o chá das cinco com os que seriam os dois últimos mandatários do apartheid, Botha e de Klerk.

Quando Mandela subiu ao poder, sua popularidade na África do Sul havia se tornado indescritível, tanto na comunidade negra quanto na branca (lembro ter visto, em janeiro de 1998, na Universidade de Stellenbosch, o berço do apartheid, uma parede coberta de fotos de alunos e professores recebendo a visita de Mandela com entusiasmo delirante).

Esse tipo de devoção popular mitológica costuma atordoar quem a recebe e fazer dele – como no caso de Hitler, Stalin, Mao, Fidel Castro – um demagogo e um tirano. Mas Mandela não se deixou envaidecer; continuou sendo o homem simples, austero e honesto que sempre foi e, para surpresa do mundo todo, negou-se a permanecer no poder, como seus compatriotas pediam. Aposentou-se e foi passar os seus últimos anos na aldeia indígena de onde se originara sua família.

Mandela é o melhor exemplo que temos – aliás muito raro nos nossos dias – de que a política não é apenas a tarefa suja e medíocre que tantos imaginam, da qual os malandros se valem para enriquecer e os vagabundos para sobreviver sem fazer nada, mas uma atividade que pode também melhorar a vida, substituir o fanatismo pela tolerância, o ódio pela solidariedade, a injustiça pela justiça, o egoísmo pelo bem comum, e que alguns políticos, como o estadista sul-africano, tornam o seu país, e o mundo, muito melhor do que com

Abdicar de pensar

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Autor: Frei Betto – – Brasil de Fato

Está em cartaz, em alguns cinemas do Brasil, o filme “Hannah Arendt”, direção de Margarethe Von Trotta. Por ser uma obra de arte que faz pensar não atrai muitos espectadores. A maioria prefere os enlatados de entretenimento que entopem a programação televisiva.

Hannah Arendt (1906-1975) era uma filósofa alemã, judia, aluna e amante de Heidegger, um dos mais importantes filósofos do século XX, que cometeu o grave deslize de filiar-se ao Partido Nazista e aceitar que Hitler o nomeasse reitor da Universidade de Freiburg. O que não tira o valor de sua obra, que exerceu grande influência sobre Sartre. Hannah Arendt refugiou-se do nazismo nos EUA.

O filme de Von Trotta retrata a filósofa no julgamento de Adolf Eichmann, em 1961, em Jerusalém, enviada pela revista “The New Yorker”. Cenas reais do julgamento foram enxertadas no filme.

De volta a Nova York, Hannah escreveu uma série de cinco ensaios, hoje reunidos no livro “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal” (Companhia das Letras, 1999). Sua ótica sobre o réu nazista chocou muitos leitores, em especial da comunidade judaica.

Hannah escreveu que esperava encontrar um homem monstruoso, responsável por crimes monstruosos: o embarque de vítimas do nazismo em trens rumo à morte nos campos de concentração. No entanto, ela se deparou com um ser humano medíocre, mero burocrata da máquina genocida comandada por Hitler. A grande culpa de Eichmann, segundo ela, foi demitir-se do direito de pensar.

Hannah pôs o dedo na ferida. Muitos de nós julgamos que são pessoas sem coração, frias, incapazes de um gesto de generosidade os corruptos que embolsam recursos públicos, os carcereiros que torturam presos em delegacias e presídios, os policiais que primeiro espancam e depois perguntam, os médicos que deixam morrer um paciente sem dinheiro para custear o tratamento. É o que mostram os filmes cujos personagens são “do mal”.

Na realidade, o mal é também cometido por pessoas que não fariam feio se convidadas para jantar com a rainha Elizabeth II, como Raskólnikov, personagem de Doistoiévski em “Crime e castigo”. Gente que, no exercício de suas funções, se demite do direito de pensar, como fez Eichmann.

Elas não vestem apenas a camisa do serviço público, da empresa, da corporação (Igreja, clube, associação etc.) no qual trabalham ou frequentam. Vestem também a pele. São incapazes de juízo crítico frente a seus superiores, de discernimento nas ordens que recebem, de dizer “não” a quem estão hierarquicamente submetidas.

Lembro de “Pudim”, um dos mais notórios torturadores do DEOPS de São Paulo, vinculado ao Esquadrão da Morte chefiado pelo delegado Fleury. Ele foi incumbido de transportar o principal assessor de Dom Helder Camara, monsenhor Marcelo Carvalheira (que mais tarde viria a ser arcebispo de João Pessoa), do cárcere de São Paulo ao DOPS de Porto Alegre, onde seria solto.

Antes de pegar a estrada, a viatura parou à porta de uma casa de classe média baixa, em um bairro da capital paulista. Marcelo temeu por sua vida, julgou funcionar ali um centro clandestino de tortura e extermínio. Surpreendeu-se ao se deparar com uma cena bizarra: a mulher e os filhos pequenos de “Pudim” em torno da mesa preparada para o lanche. O preso ficou estarrecido ao ver o torturador como afetuoso pai e esposo…

Uma das áreas em que as pessoas mais se demitem do direito de pensar é a política. Em nome da ambição de galgar os degraus do poder, de manter uma função pública, de usufruir da amizade de poderosos, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem a seco abusos de seus superiores, fazem vista grossa à corrupção, se abrem em sorrisos para quem, no íntimo, desprezam.

Essa a banalidade do mal. Muitas vezes ele resulta da omissão, não da transgressão. Quem cala consente. Ou do rigoroso cumprimento de ordens que, em última instância, violam a ética e os direitos humanos.

Assim, o mal viceja graças ao caráter invertebrado de subalternos que, como Eichmann, julgam que não podem ser punidos pelo genocídio de 6 milhões de pessoas, pois apenas cuidavam de embarcá-las nos trens, sem que elas tivessem noção de que seriam levadas como gado ao matadouro das câmaras de gás.

Dois exemplos da grandiosidade do bem temos, hoje, em Edward Snowden, o jovem estadunidense de 29 anos que ousou denunciar a assombrosa máquina de espionagem do governo dos EUA, capaz de violar a privacidade de qualquer usuário da internet, e no soldado Bradley Manning, de 25, que divulgou para o WikiLeaks 700 mil documentos sigilosos sobre a atuação criminosa da Casa Branca nas guerras do Iraque e do Afeganistão.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

Complicações: Luiz Carlos Bresser-Pereira

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O ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira, fala sobre a inflação brasileira e suas consequências na economia. Segundo o economista, este é um problema macroeconômico fundamental, que resulta, principalmente, do excesso de demanda.

Complicações é um programa de entrevistas com apresentação da jornalista Mônica Teixeira. Trata de problemas difíceis da atualidade por meio de entrevistas com pessoas que conhecem em detalhes temas importantes e controversos, sem soluções simples. Um espaço para o debate dos problemas que o mundo ainda não sabe como resolver.

Mercados reemergentes

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Autor: Marcos Troyjo – FSP – TENDÊNCIAS/DEBATES

Emergente ou desenvolvido, ganhará o país que abandonar a certeza do “automatismo inevitável” de sua ascensão e incrementar a inovação.

O conceito de “mercados emergentes” surgiu nos últimos anos como ideia associada ao desenho do futuro.

Demografia, escala territorial, baixos custos de produção, acesso privilegiado a commodities –vetores de uma mudança no eixo da geoeconomia.

Nações como os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) alcançaram status de “usinas de crescimento”. Expansão liderada por exportações na China; “economia em transição” para o mercado na Rússia; “outsourcing” e empreendedorismo tecnológico na Índia, e “substituição de importações 2.0” no Brasil mantiveram a economia aquecida –e tensões sociais arrefecidas.

Adaptaram-se com sucesso à “globalização profunda” radicalizada pelo fim da Guerra Fria, ou à “desglobalização” –lógica do cada um por si que influencia o comportamento internacional desde a crise de 2008.

Esse contexto levou a uma ingênua projeção. Os Brics estariam fadados a, inercialmente, liderar um processo de convergência dos emergentes rumo aos padrões de desenvolvimento das economias mais maduras. No advento de crises, observaríamos um desejado “decoupling” –o descolamento entre o imobilismo dos desenvolvidos e o dinamismo dos emergentes.

Nos últimos meses, no entanto, a lua de mel com os emergentes se desgastou. Suas economias desaceleraram. Em contraste, Estados Unidos e Japão se recuperam. A Europa, ainda que lentamente, está saindo da recessão. Alterou-se o panorama dos fluxos internacionais de liquidez.
Isso tem levado a um novo e apressado prognóstico. Nada mais de convergência ou “decoupling”. Estaríamos de regresso à engessada hierarquia Norte-Sul.

Na realidade, o desempenho ao longo dos próximos anos estará menos relacionado ao que hoje se rotulam economias avançadas ou emergentes e mais à capacidade de se moldarem competitivamente à “reglobalização” em curso.

Ao contrário de um novo “mundo plano”, a reglobalização não trará uma verticalização aguda das dinâmicas supranacionais de integração regional, política e jurídica.

Não ambicionará a comunhão de visões de mundo. Não florescerá de um grande pacto global costurado por todas as nações num palco como a ONU (Organização das Nações Unidas) ou a OMC (Organização Mundial do Comércio).

A reglobalização será mais “superficial” –concentrada em comércio, investimento e fortalecimento de redes produtivas. E “seletiva” –resultará de acordos envolvendo, por um lado, EUA e Europa, e, por outro, EUA e países banhados pelo Pacífico nas Américas, Ásia e Oceania.
Será ainda modelada pelo sucesso ou fracasso da China em converter-se numa economia de consumo e elevado valor agregado.

Nela, terá pouco espaço o neomercantilismo asiático, como o praticado pela China desde que Deng Xiaoping estipulou não importar a cor do gato, mas apanhar o rato. Tampouco impressionará a envergadura de projetos de associação regional-ideológica ou de neodesenvolvimentismo autárquico de países como o Brasil.

Assim, os que hoje classificamos como emergentes podem estagnar-se. Porém, o mesmo também é verdade em relação a economias maduras que deixaram de lado os imperativos do trabalho duro e da constante reinvenção.

Escassearão as chances de nações que, por integrarem um quadro comunitário, deram-se ao luxo da irresponsabilidade fiscal e da concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários não sustentados pela produtividade de suas economias. É bem o caso da Europa mediterrânea e o severo ajuste a que tem de submeter-se.

A reglobalização pertencerá àquelas nações que privilegiarem ambientes amigáveis aos negócios, regras do jogo bem estabelecidas e integração a cadeias produtivas transnacionais.

Entre os atuais emergentes ou desenvolvidos, ganharão os que abandonarem a certeza do “automatismo inevitável” de sua ascensão e redirecionarem excedentes para o incremento da inovação.

Esses países, ainda que pertençam originalmente a um ou outro polo da antiga geografia Norte-Sul, serão os verdadeiros “mercados reemergentes”.

MARCOS TROYJO, 46, economista e cientista social, é professor do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) e diretor do BRICLab na Universidade Columbia