Privacidade, Sigilo, Intimidade, Laços Humanos – e Outras Perdas Colaterais da Modernidade Líquida – Zygmunt Bauman

0

Alain Ehrenberg, analista particularmente inspirado da ainda curta – mas já dramática – história do indivíduo moderno, tentou apontar a data de nascimento da revolução cultural do modernismo tardio (ao menos de sua ramificação francesa) que deu origem ao mundo da modernidade líquida que ainda habitamos, elaboramos e reformulamos dia após dia.

Ehrenberg escolheu uma tarde outonal de quarta-feira nos anos 1980, quando uma certa Vivienne, uma “mulher francesa comum”, declarou em um programa de entrevistas na televisão, diante de alguns milhões de espectadores, que seu marido Michel sofria de ejaculação precoce, razão pela qual ela jamais havia experimentado um orgasmo durante toda a sua vida de casada.

O que havia de tão revolucionário no pronunciamento de Vivienne que justificasse a escolha de Ehrenberg?

Dois aspectos reciprocamente interligados: primeiro, algo quintessencialmente, até etimologicamente privado era tornado público – ou seja, era dito diante de todos que desejassem ouvir, ou ouvissem por acaso.

Segundo, a arena pública, ou seja, um espaço aberto de acesso não controlado, foi utilizado para discutir e dar vazão a um assunto de relevância, pertinência e emoção inteiramente privadas.

Juntas, essas duas reviravoltas legitimaram o uso público de uma linguagem desenvolvida para conversas privadas e mantidas entre um número restrito de pessoas selecionadas.

Mais precisamente, essas duas novidades interconectadas deram início à mobilização em público – para o consumo e uso de audiências públicas – de um vocabulário desenvolvido a fim de narrar experiências subjetivas e vivenciadas em privado (Erlebnisse, em oposição a Erfahrungen).

Conforme os anos se passaram, no entanto, ficou claro que o verdadeiro significado daquele evento havia sido a obliteração dá até então sacramentada divisão entre as esferas “pública” e “privada” da vida humana corpórea e espiritual.

Ao observamos o episódio em retrospecto, com todas as vantagens que a perspectiva nos proporciona, é possível dizer que a aparição de Vivienne diante de milhões de homens e mulheres franceses colados às telas de suas televisões também introduziu aos espectadores – e, através deles, todos os seus entes queridos e estimados e, por fim, o resto de nós – em uma sociedade confessional.

Trata-se de um tipo de sociedade até então inaudito e inconcebível, em que microfones foram instalados dentro de confessionários, cofres eponímicos e depositários dos segredos mais secretos, do tipo de segredos que só seriam revelados a Deus ou a seus mensageiros terrenos e plenipotenciários.

É uma sociedade em que alto-falantes conectados a esses microfones foram colocados em praças públicas, locais antes voltados para a vazão e ostentação de questões do comum, de interesses, preocupações e urgências compartilhados.

E assim a origem da sociedade confessional foi o momento do triunfo final da privacidade, que havia sido a invenção primordial da modernidade – mas também o início de sua queda vertiginosa a partir do ápice de sua glória.

A hora de sua vitória (pois é isso que foi) pírrica: a privacidade invadiu, conquistou e colonizou o âmbito público às custas da perda de sua autonomia – seu traço definidor, e também seu privilégio mais estimado e ferrenhamente defendido.

Mas, para melhor compreendermos as reviravoltas atuais desse enredo, vamos começar do começo.

O que é “privado”? Qualquer coisa que pertença ao âmbito da “privacidade”.

Para descobrir o que se entende por “privacidade” em nossos dias, contudo, vamos visitar a Wikipedia, site conhecido por buscar e registrar de forma ágil e diligente o que a sabedoria popular acredita/aceita que seja a verdade a respeito de uma questão, seja essa verdade qual for, e por atualizar suas descobertas dia sim, dia não, seguindo assim a uma curta distância seus alvos, conhecidos por correrem mais depressa até mesmo do que os seus perseguidores mais dedicados.

Como era possível ler na versão de língua inglesa da Wikipedia em 14 de julho de 2010, a privacidade é a capacidade de um indivíduo ou de um grupo de isolarem a si próprios ou informações a seu respeito e, assim, revelarem-se de forma seletiva… Às vezes, a privacidade é associada ao anonimato, o desejo de passar desapercebido ou sem ser identificado no âmbito público.

Quando algo é privado para uma pessoa, isso geralmente significa que há algo dentro delas considerado especial por natureza, ou sensível do ponto de vista pessoal… A privacidade pode ser vista como um aspecto da segurança, em que a interação entre os interesses de um grupo e de outro se tornam especialmente claros.

E o que é, por outro lado, a “arena pública”? Um espaço com acesso livre para qualquer um que nele deseje ingressar.

Tudo o que pode ser ouvido ou visto em uma “arena pública” pode, por princípio, ser ouvido ou visto por qualquer pessoa. Levando em conta que (para citarmos novamente a Wikipedia) “o grau em que se expõem informações privadas depende de como o público receberá essa informação, algo que varia conforme o local e ao longo do tempo”, manter um pensamento, um evento ou um ato privado ou torná-los público são, por óbvio, ações tão contraditórias quanto – em razão do limite móvel que os separa e conecta – interdependentes.

Os âmbitos do “público” e do “privado” tendem a estar sempre em pé de guerra, assim como as leis e normas de decência que se vinculam dentro desses âmbitos. Para cada um desses dois âmbitos, o ato de se autodefinir e autoafirmar é executado em oposição ao outro âmbito.

De regra, os campos semânticos dessas duas noções não estão separados por limites que permitam ou incentivem o tráfego de duas mãos, e sim por linhas de frente – de preferência, intransponíveis e fortificadas de ambos os lados da fronteira, a fim de deter os invasores e vira-casacas que costumam se instalar junto às barricadas, mas, sobretudo, os desertores que tentam fugir do seu próprio lado.

Mas, de regra, mesmo antes que seja declarada uma guerra e que ações belicosas tenham lugar (ou no caos em que há uma trégua), essas fronteiras toleram apenas um tráfego seletivo, pois o tráfego livre desafiaria a própria noção de linha divisória, assim tornada redundante.

O controle e o direito a decidir quem ou o que tem permissão para ultrapassar essa linha e de quem ou o que está destinado a ficar apenas de um lado, assim como o direito de decidir que itens de informação têm a prerrogativa de permanecerem privados e quais são autorizados, induzidos ou obrigados a se tornarem públicos é, de regra, alvo de disputa ferrenha.

Durante a maior parte da era moderna, temia-se e esperava-se que o ataque à atual fronteira entre público e privado e, ainda mais importante, a revogação unívoca e a mudança arbitrária das regras existentes para o trânsito na fronteira viessem exclusivamente do lado “público”.

Havia uma forte desconfiança de que as instituições públicas pretendiam invadir e conquistar a esfera do privado e subjugá-la, assim reduzindo severamente o âmbito do livre-arbítrio individual ou de grupo, privando indivíduos ou grupos humanos de abrigo e, por consequência, da segurança pessoal ou grupal.

Os demônios mais sinistros e atormentadores que assombraram a “modernidade sólida” foram retratados por George Orwell de forma sucinta, mas ainda assim vívida, através de sua imagem recorrente da bota que pisoteia um rosto humano.

De forma algo inconsistente, mas não infundada, suspeitava-se que as instituições públicas tinham propósitos insidiosos, ou que malignamente erguiam barricadas para impedir que muitas preocupações privadas tivessem acesso à ágora ou a outros locais de livre circulação de informações – locais onde era possível negociar a transplantação de problemas particulares ao nível das questões públicas.

Por óbvio, o histórico igualmente abominável de duas variações do totalitarismo típicas do século XX, semelhantes em sua ganância e crueldade (que, como se quisessem somar ao desespero a falta de perspectivas, pareciam ter exaurido entre elas todo o espectro das escolhas imagináveis.

Enquanto uma dessas variantes reivindicava o legado do Iluminismo e de seu projeto moderno, a outra vituperava esse ato fundacional da modernidade como um triste equívoco, ou mesmo um crime, rejeitando o projeto moderno por considerá-lo uma receita para o desastre), conferiram veracidade a essas suspeitas, e também uma justificativa para a ansiedade que delas emanava.

A esperança de satisfazer as demandas de autoafirmação individual e construção comunitária e, ao mesmo tempo, desarticular o conflito entre a autonomia e o pertencimento foi investida em tempos recentes nas tecnologias de ponta conhecidas por facilitarem de forma espantosa o contato e a comunicação entre humanos.

Por outro lado, a frustração da esperança investida nesse processo vem ganhando força e se difundindo.

Para terem uma chance de sequer serem notadas, as mensagens eletrônicas tendem a ser abreviadas e simplificadas de modo a entregar todo o seu conteúdo antes que a atenção seja interrompida e se desloque para outro lugar – necessidade que as torna completamente inadequadas para a transmissão de ideias profundas, que exigem reflexão e contemplação para que sejam absorvidas.

A tendência de abreviar e simplificar mensagens, de torná-las cada vez mais superficiais e, assim, ainda mais favoráveis à deriva, marcou desde o início a breve mas tempestuosa história da Rede Mundial de Computadores.

Partimos de cartas elaboradas e atenciosas para os e-mails, e deles às ainda mais abreviadas e simplificadas mensagens de celular, até enfim chegarmos aos “tweets” que não admitem mais que 140 caracteres [1].

Se aplicarmos o princípio darwinista de “sobrevivência do mais apto” ao mundo eletrônico, a informação com maior chance de capturar a atenção humana seria aquela mais breve, mais superficial e menos carregada de sentidos: frases ao invés de argumentos elaborados, palavras avulsas ao invés de frases, fragmentos de gravações sonoras ao invés de palavras.

O preço que todos pagamos por termos mais informação “disponível” é o encolhimento do significado de seu conteúdo; o preço de sua pronta-entrega é a redução radical de sua significância.

A outra ambivalência endêmica à nova tecnologia da informação, intimamente interligada à anterior, é a imensa facilidade de se construir comunidades, que vem em conjunto com a facilidade igualmente imensa de desmantelá-las.

Usuários do Facebook se gabam de estabelecerem quinhentas “novas amizades” em um dia – mais do que consegui ao longo de uma vida de oitenta e cinco anos. Mas isso não revela que, quando falamos de “amigos”, temos em mente tipos bem diferentes de relação?

Diferentemente da formação para o qual o termo “comunidade” (ou, se assim quisermos, qualquer outro conceito que se refira ao lado público da existência humana, a “totalidade” das associações humanas) foi originalmente cunhado, as “comunidades” da Internet não são pensadas para durar, e muito menos para se equipararem à sua duração no tempo.

É fácil se juntar a elas, mas também é fácil deixá-las ou abandoná-las no exato instante em que a atenção, as simpatias e antipatias e os humores e modismos se bandearem para outro lado, ou no momento em que o tédio gerado por “mais do mesmo, sempre o mesmo” vier à tona e fizer com que o estado atual das coisas pareça monótono e pouco apetitoso, como cedo ou tarde há de acontecer sempre em uma vida e em um mundo bombardeados o tempo todo por ofertas novas (e cada vez mais tentadoras e sedutoras).

As comunidades da Internet (recentemente denominadas de forma mais precisa como “redes de contato”) são construídas e dissolvidas, ampliadas ou reduzidas pelas ações múltiplas oriundas de decisões/impulsos individuais de “se conectar” e “se desconectar”.

Elas são, portanto, eminentemente intercambiáveis, frágeis e irremediavelmente meióticas. É por esse exato motivo que muitas pessoas criadas no cenário líquido-moderno atual comemoram sua chegada e preferem-nas às comunidades “à moda antiga”, lembradas por monitorarem a conduta diária de seus membros e mantê-los em rédeas curtas, combatendo qualquer sinal de deslealdade ou até mesmo contravenções ínfimas, e fazendo com que mudar de ideia ou deixar essa comunidade tivesse um custo exorbitante ou fosse mesmo impossível.

É justamente seu estado perpétuo de transitoriedade, sua assumida natureza temporária, porque sempre provisória, sua não exigência de qualquer compromisso de longo prazo (e muito menos de caráter incondicional) ou de lealdade única e disciplina rígida que as tornam tão atraentes para muitas pessoas.

Em resumo: podemos deduzir que, para fazer da liberdade individual algo genuíno, devemos fortalecer – e não enfraquecer – os laços de solidariedade inter-humana.

O comprometimento de longo prazo gerado por uma solidariedade sólida pode ser visto como uma espécie de bênção, mas o mesmo vale para a ausência de comprometimento que torna a solidariedade desinibida e pouco confiável.

A privacidade e o público coexistem em uma relação repleta de som e fúria.

Ainda assim, se os dois não estiverem presentes, a proximidade humana se torna tão inconcebível quanto a água sem a presença simultânea do hidrogênio e do oxigênio.

Cada um desses parceiros precisa do outro para atingir sua inteireza; nesse tipo de coexistência, os atritos de uma guerra seria o suicídio de ambos.

Hoje, como no passado e no futuro, o autocuidado e o cuidado pelo outro apontam para a mesma direção e recomendam a mesma estratégia e a mesma filosofia de vida. Por isso, é improvável que a busca por uma trégua – ou o som e a fúria – chegue ao fim.

[1] Hoje, diferentemente do que ocorria à época em que este artigo foi escrito, a rede social Twitter permite até 280 caracteres por mensagem. (N.T.)

“Há uma crise de confiança nos políticos e nas empresas” diz Eric Ries

0

Revista Época Negócios – 31 de Outubro de 2019.

Para o criador da teoria da startup enxuta, quem vai mudar essa situação é uma nova geração de empreendedores que se preocupam com a inclusão, a sustentabilidade e o futuro da humanidade.

Considerado um dos maiores gurus do empreendedorismo, Eric Ries se tornou uma lenda ao criar a teoria da Lean Startup, ou Startup Enxuta, em 2011. É dele a regra sagrada seguida por 10 em cada 10 empreendedores: crie um produto minimamente viável, teste, mude, teste de novo, até chegar em um produto inovador e, ao mesmo tempo, capaz de conquistar o mercado. E, quando tiver conseguido, faça tudo de novo.

A metodologia foi explicada generosamente pelo autor no best-seller A Startup Enxuta, que vendeu mais de 1 milhão de cópias em todo o mundo. Mais recentemente, em 2017, Ries repetiu a dose com O Estilo Startup, onde defende que todas as empresas devem adotar a mentalidade de uma startup. “Pense como uma startup ou morra” é um de seus mantras – segundo ele, essa é a única maneira de sobreviver em um mundo cheio de incertezas.

De volta ao Brasil – ele esteve aqui pela primeira vez em 2015 – para uma palestra no HSM Expo 2019 (no dia 4 de novembro), Eric falou com exclusividade à Época NEGÓCIOS. “Minha lembrança mais marcante do Brasil é a energia dos empreendedores que conheci. Mais tarde, também me encontrei com vários brasileiros que moram no Vale do Silício. São sempre eles que mais me procuram depois dos eventos”, diz. Confira a seguir os principais trechos da conversa.

Faz dois anos que você lançou O Estilo Startup. Na época, dizia que, para sobreviver às incertezas, era preciso pensar como uma startup. Tenho a impressão de que o mundo ficou ainda mais maluco de lá para cá.
Sim, eu acho que você tem razão (risos). Com todos os conflitos políticos e comerciais acontecendo no mundo hoje, a incerteza nunca foi tão forte. O que eu percebo nesse momento é que existe uma enorme crise de confiança. As pessoas não confiam mais nos políticos, e boa parte delas desconfiam também das grandes empresas. Quer dizer, houve um tempo em que as pessoas colocavam suas esperanças nas grandes companhias de tecnologia. Acreditava-se que elas estavam fazendo coisas importantes, que iriam mudar o mundo. Mas essa sensação também já ficou para trás.

Apesar de tudo isso, estou otimista em relação ao futuro. Em meio ao caos, você vê dezenas de startups surgindo, e essas empresas têm um jeito diferente de pensar. Elas estão preocupadas com o longo prazo, com o futuro da humanidade, com o que é preciso fazer para deixar a sociedade mais inclusiva e sustentável. Seu propósito é muito forte, então não vão cometer os mesmos erros que seus antecessores. Então eu acredito que essa nova geração vai mudar esse cenário, e as pessoas vão voltar a acreditar nas empresas, e em seu poder para melhorar as coisas.

No cenário atual, você ainda defende que as grandes companhias pensem e ajam como uma startup?
Acho que nunca foi tão importante pensar como uma startup. Mas, desde que lancei o livro, vejo muitas companhias tentando fazer a mudança e fracassando. Algumas delas até acreditam que estão no caminho certo, mas não chegaram nem perto. Recentemente, conversei com o CEO de uma grande empresa, e ele estava orgulhoso, dizendo que havia ensinado a teoria da Startup Enxuta para 6 mil funcionários. Perguntei o quanto isso representava em termos de porcentagem, e ele respondeu que era 10% dos funcionários. Bom, isso é muito pouco. Eles nunca vão conseguir mudar desse jeito. Para grandes corporações, pode levar anos e anos até que realmente consigam fazer a transformação.

Já conversei com vários CEOs sobre as dificuldades em adotar novas metodologias, como lean startup ou agile. A maioria me diz que o mais difícil é transformar a cultura da empresa. Você concorda?
Essa também é a minha experiência. Mudar a cultura corporativa é sempre a parte mais difícil. Você não pode eliminar de uma hora para outra algo que vem sendo acumulado ao longo dos anos, e está gravado na mente de todos os funcionários. Não basta chegar para eles e dizer: “Agora, mude!”. Não funciona assim. É um processo longo, difícil e doloroso. E a maioria das companhias não está realmente disposta a passar por isso. E, mesmo quando estão dispostas, é realmente difícil. Mesmo que estejam fazendo tudo certo, pode levar alguns anos para chegar lá. Mas eu acredito que a nova geração de empreendedores vai fazer as coisas diferentes desde o começo. E é por isso que, no caso delas, vai dar certo.

Se você tivesse que dizer a um CEO qual a mudança mais importante para implantar na companhia, o que diria?
O mais importante é aprender a organizar em pequenos times autônomos. Comece com um time, que combine diferentes tipos de talentos e expertises. E daí deixe eles à vontade para experimentarem novas ideias, produtos ou serviços para a empresa. Juntos, eles chegarão a um protótipo que possa ser testado no mercado. E vão poder testar esse produto com muito mais rapidez do que a empresa faria. Nesse momento, você vai perceber como uma startup funciona, e como o processo é mais ágil e eficiente. Então esse é um bom começo.

Outro ponto importante é mudar a mentalidade da empresa. O problema é que são muitos participantes: você tem que transformar as mentes de funcionários, gerentes, fornecedores e investidores. No caso dos investidores, costuma ser muito difícil. Eles não entendem por que vão ter que esperar mais pelo retorno do seu investimento, que é o que acontece para quem adota o Estilo Startup. Eles não querem saber isso. Se a empresa tiver recursos próprios para inovar, pode tentar contornar esse problema. Mas, se quiser inovar continuamente, vai ter que trabalhar com investidores, não tem jeito.

Você já disse que o corporate venture mata as startups. Ainda acredita nisso? Ou há casos em que esse tipo de parceria funciona?
Eu acredito que o corporate venture é muito ruim para as startups, sim. É uma pena que tanta gente ainda insista nesse modelo. Eu diria para os CEOs que esse é o jeito mais preguiçoso de tentar inovar: pedindo a alguém de fora que tenha as ideias, ou então criando programas para encontrar quem já está inovando. Até que um CEO crie uma startup dentro da própria empresa, até que tenha essa referência, ele não vai entender como funciona uma startup. E, sem saber disso, não vai conseguir organizar um bom programa de startups. Não vai saber o que está procurando, nem como achar. A mudança tem que partir de dentro da empresa.

Seu empreendimento mais recente é a Long-Term Stock Exchange, uma nova bolsa de valores para o mercado americano. A proposta da LTSE foi aprovada em maio pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA. Quais são os próximos passos?
Ainda há mais algumas fases a percorrer, mas queremos começar a atuar no final deste ano. Eu acredito que as pessoas estão subestimando o impacto que essa iniciativa pode ter. Nossa ideia é criar um novo tipo de bolsa de valores, uma plataforma que recompense investimentos e estratégias de negócios com foco no longo prazo [pelas regras do LTSE, quanto mais tempo ficar com suas ações, mais poder de voto os acionistas terão]. Dessa maneira, as empresas não precisaram buscar o retorno imediato, e terão mais incentivo para inovar.

 

O Brasil não tem pobres, apenas empreendedores que precisam de tempo

1

Esther Solano – Carta Capital – Outubro 2019

No neoliberalismo, o sucesso e o fracasso são despolitizados. Tudo se resume ao mérito ou culpa do indivíduo

Saía de casa para visitar, com meus alunos, o Centro de Memória Sindical em São Paulo, quando se atravessou a vida com seus paradoxos. No primeiro semáforo depois de sair de casa, um homem vendia cinco panos por 10 reais, caminhando entre os carros. O vendedor devia ter uns 50 anos, visivelmente empobrecido, visivelmente cansado e visivelmente triste. Ainda mais triste que o olhar do homem que vendia panos eram as palavras escritas num cartaz que ele levantava com uma mão: “Sou empreendedor, só preciso de tempo”. Senti um nó na garganta e no estômago quando li essas palavras, por causa da violência tão monstruosa que elas escondiam. Ele, cujo negócio se resumia a cinco panos por 10 reais, não era pobre, era empreendedor.

O neoliberalismo, ainda mais em um país periférico como o Brasil, aniquila. Isso sabemos muito bem. Mas aniquila com maestria, com um virtuosismo de cair o queixo. A racionalidade neoliberal penetra as mentes, adentra-se pelos corações até invadir tudo. A racionalidade neoliberal constrói-se em uma lógica perversa do sujeito do desempenho, o empreendedor de si mesmo, o homem batalhador. Como consequência, a vida despolitiza-se. A conquista é produto unicamente de nosso trabalho e de nosso esforço. Ao longo destes anos, nas minhas entrevistas com conservadores brasileiros de classes populares ouvi coisas do tipo “eu ganhei Minha Casa Minha Vida, mas não que tenha casa agora pelo programa ou pelo PT. Eu teria conseguido do mesmo jeito, porque eu me esforço muito e eu merecia”. Ou “meu filho conseguiu entrar na universidade pelo Fies, mas isso não teve nada a ver com o Fies, realmente foi ele que trabalhou duro e estudou muito”. Eu mereci porque trabalhei.

Meu mérito, minha conquista. Meu fracasso, minha culpa. A culpa também é produto da lógica do neoliberalismo. O sucesso despolitiza-se, mas o fracasso também. Lembro-me da entrevista de uma mulher adolescente, digamos que de nome Bárbara, negra e periférica, que iria votar em Jair Bolsonaro e repetia, convicta, o discurso da meritocracia. Ela me disse “eu vou prestar o vestibular, e não tem essa de que eu tenho menos oportunidades que os jovens brancos de classe média. Isso é mimimi, racismo reverso. Vou estudar muito e se eu não conseguir será minha culpa, será porque eu não sou boa o suficiente para estudar”.

Bárbara, mulher negra periférica, me disse, com calma e contundência, que racismo, pobreza e machismo, no Brasil, são “vitimismo”. Penso com frequência nela. Não sei se ela entrou na faculdade. Se não, com certeza ela sente que o fracasso foi culpa dela, mas, calma, o neoliberalismo também tem resposta para isso, basta combater a dor com remédios. Você não é um vencedor, é um fracassado, sente culpa, mas, tranquilo, não pense demais, não se insubordine, não se inquiete, pelo amor de Deus não vá protestar na rua nem caia na loucura de arranjar um movimento social, sindicato ou partido, tome remédio. O adoecimento mental, resultado do modelo da sociabilidade meritocrática, resolve-se não com política ou luta, mas com pílula. “Patologizar” a vida é a saída.

João Doria soube muito bem jogar esse jogo na sua campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo, em 2016. Ele era o João Trabalhador, que acordava cedo e, suando a camisa, conseguiu se transformar no Doria empresário. Querer é poder. Você é foda, você é um vencedor, basta ter vontade e correr atrás. Todo mundo pode ser um empresário de sucesso. Do neoliberalismo ao coaching, outra ferramenta feroz de controle e violência. Entrem numa livraria e folheiem as obras de autoajuda e coaching nas prateleiras. Parece que você tem a obrigação de estar sempre feliz e de ser um campeão. Tristeza ou derrota não aparecem no vocabulário. Eu sinto arrepios com esses livros e sempre lembro da Bárbara. A partir de hoje lembrarei também do homem que vendia panos. Ele não era pobre, era empreendedor.

 

Sofrimentos cotidianos, provas e expiações na visão espírita

2

O sofrimento acomete a sociedade mundial desde os primórdios da humanidade, somos sempre vitimados por dificuldades, dores e provações e estamos envoltos por problemas dos mais variados tipos, não importando a classe social, grau de instrução e o gênero, somos todos passíveis de sofrimentos, de quedas e de dificuldades, afinal estamos num mundo imperfeito, com pessoas imperfeitas e cheio de contradições.

A Doutrina Espírita nos traz uma visão nova sobre a questão do sofrimento humano, vivemos num mundo de provas e de expiações e neste mundo somos muito atraídos pelo sofrimento e pelas dores do cotidiano. Na questão 931 de O livro dos Espíritos, Allan Kardec pergunta ao Espírito da Verdade: Por que são mais numerosas, na sociedade, as classes sofredoras do que as felizes? E recebe a seguinte resposta: “Nenhuma é perfeitamente feliz e o que julgais ser a felicidade muitas vezes oculta pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao teu pensamento, direi que as classes a que chamas sofredoras são mais numerosas, por ser a Terra lugar de expiação. Quando a houver transformado em morada do bem e de Espíritos bons, o homem deixará de ser infeliz aí e ela lhe será o paraíso terrestre”.

A Doutrina Espírita nos mostra claramente que os momentos de alegrias e de dificuldades se alternam na vida dos seres humanos, nenhum destes são totalmente felizes, alternamos momentos de felicidades, de alegrias e sorrisos sinceros com momentos de decepções, dores e dificuldades. As alegrias eternas ainda não pertencem ao mundo atual, mas num futuro próximo poderemos vivenciá-la, desde que entendamos a realidade da vida e passemos a trabalhar intimamente visando um progresso e uma evolução constantes, para isso devemos viver em concomitância com as Leis divinas.

Num mundo marcado pelo crescimento das tecnologias, as redes sociais ganharam espaço e relevância nesta sociedade e passou a moldar comportamentos e atitudes, muitos indivíduos colocam fotos nas redes destacando sorrisos e alegrias, muitas delas artificiais e momentâneas, criando para outrem a ilusão de uma felicidade inexistente, atraem com isso olhares de inveja e de cobiça, em muitos casos, de rancor e de ressentimento de pessoas invejosas e infelizes, que ambicionam e invejam a felicidade alheia, incapazes de construir para si uma felicidade verdadeira, sólida e consistente.

Muitas pessoas ricas e profissionalmente de destaque, indivíduos que conseguiram acumular um patrimônio vultuoso, com recursos para viagens e passeios paradisíacos, detentoras de famílias estruturadas, muitas vezes se queixam de sofrimentos, de dores emocionais e de vazios espirituais e existenciais, são indivíduos que possuem tudo para serem considerados felizes, mas se declaram depressivos e excessivamente melancólicos, males modernos que acometem a sociedade mundial e vitima milhões de pessoas no mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 350 milhões de indivíduos sofrem de depressão no mundo, a chamado moléstia da alma e, da forma como a sociedade global está caminhando, muitos outros serão afetados por esta doença, cujas dores são imensas e exigem tratamentos médicos e espirituais.

O sofrimento, como nos disse o Espírito da Verdade, está por todos os lados e afeta todas as pessoas, independe de classes sociais, etnias e preferências sexuais, isto acontece porque somos passageiros de uma sociedade caracterizada como de provas e de expiações, onde as felicidades são passageiras e os amores materiais são temporários e inconsistentes, numa sociedade marcada pelas contradições e os indivíduos pelas incertezas e instabilidades crescentes. O Espiritismo nos mostra ainda, que os sofrimentos humanos estão inscritos no subconsciente de cada indivíduo, todos sabemos os motivos de nossas infelicidades e de nossas dores, a explicação está dentro de cada pessoa, no interior de cada indivíduo, mas para podermos acessar estas dores necessitamos refletir sobre nossos comportamentos, refletir sobre nossas vidas e sentimentos mais íntimos e, numa sociedade como a nossa, termos tempos para nossas reflexões é um dos maiores desafios da sociedade e do cidadão da contemporaneidade.

Numa sociedade marcada pelas provas e pelas expiações, faz-se necessário que entendamos as raízes das dificuldades do mundo, mesmo vivendo neste momento histórico e caminhando para um mundo novo, como nos mostra os escritos de Transição Planetária, ainda chafurdamos na lama e na pobreza de um mundo onde os odores estão atrelados ao ressentimento, a inveja e ao egoísmo, sentimentos fortes e dominantes que ainda não nos conduz a um crescimento mais sólido e consistente, como o espiritismo nos mostra com clareza e maestria.

No mundo de provações, nos mostra Joanna D Angelis no livro Plenitude, psicografia de Divaldo Pereira Franco, os sofrimentos são vistos como instrumentos de educação e de progresso espiritual, quando conseguimos vencer as dificuldades damos um passo consistente para um progredir fundamental para nosso desenvolvimento espiritual, ambicionados por todos os espíritos encarnados no mundo material. As expiações servem para que nos reeduquemos enquanto espíritos, ao passar por estas experiências dolorosos conseguimos melhorar nossos comportamentos e, em muitos casos, voltamos para um momento anterior, quando cometemos equívocos e degradamos nossos passos para o progresso, como um suicida que ao se entregar aos deslizes do suicídio engendra dores imensas em seu caminhar, para estes, as expiações servem para reconstruir o caminho perdido anteriormente.

As dores das provações, segundo os bons espíritos são agressivas e violentas, mas são suportadas pelo indivíduo, são dores que lhe acometem o corpo físico ou os vazios do espírito, mas que, com força de vontade, perseverança e fé em Deus são suportados e superados. As expiações são mais severas e agressivas, muitas vezes aparecem como dores morais ou deficiências e limitações físicas que impõem aos indivíduos grandes dificuldades, obrigando-o a uma grande força de vontade para superar este momento de dores, lágrimas e intensas desesperanças.

Nas provações os espíritos que estão reencarnando podem participar dos planejamentos para a reencarnação ou são representados por espíritos amigos ou protetores espirituais que trabalham com o objetivo de auxiliar para que a reencarnação atinja seus mais auspiciosos êxitos e o irmão em prova consiga crescer espiritualmente e se desenvolver moralmente, angariando novos e consistentes valores. Nos sofrimentos de expiação percebemos uma outra realidade, estes irmãos são obrigados a aceitar o que lhe é imposto pelo plano superior, estes indivíduos ao reencarnar tendem a passar por uma situação que lhe é imposta pela espiritualidade como forma de se reeducar e construir novos espaços de consolidação espiritual.

As expiações são muito mais severas para o espírito, neste processo ele perde a condição de escolha e tudo lhe é imposto, obrigando-o a aceitar e buscar trabalhar para que seu espírito consiga se reeducar das agruras e dos desequilíbrios anteriores, fruto da imperícia do espírito que, mesmo cometendo equívocos severos não está sendo condenado ao degredo eterno, isto não existe nas Leis de Deus, mas o espírito precisa se reeducar para trilhar novos momentos de crescimento espiritual e de desenvolvimento moral.

No livro Memórias de um suicida, psicografia de Yvonne do Amaral Pereira, Camilo Cândido Botelho e seus amigos descobrem na vivência no Instituto Maria de Nazaré, que suas próximas encarnações seriam marcadas por dores acerbas, nesta situação muitos deles não poderiam escolher quais seriam suas limitações físicas ou emocionais, numa próxima vida. Todos sabiam das limitações que seriam obrigados a conviver, mas nenhum deles poderia influir nas escolhas e nas imposições da espiritualidade maior, imposições estas com um único objetivo, o de levar estes indivíduos novamente ao caminho do progresso, caminho este por eles abandonados no momento do suicídio.

No livro Ação e Reação, ditado pelo espírito de André Luiz e psicografado pelo médium mineiro Francisco Cândido Xavier, nos deparamos com as experiências de vida de Adelino Correia, hoje um espírita consciente e devotado ao estudo e as atividades doutrinárias, cuja história nos mostra equívocos e dificuldades em vidas anteriores quando como Martin mandou matar seu pai para casar com sua madrasta. O crime se efetivou, mas a perseguição sofrida foi tão intensa que Martin nunca conseguiu ser feliz no casamento, as lembranças do ato insano e a perseguição de seu pai desencarnado o levaram a loucura e, posteriormente, no mundo espiritual passou a sofrer as agruras de suas atividades na matéria, mas trabalhou incansavelmente para se melhorar e conseguir progressos e avanços espirituais. No retorno ao corpo físico Martin reencarna como Adelino Correa e traz no corpo físico as marcas de um eczema agressivo, como conseguiu algum avanço no mundo espiritual os espíritos superiores o auxiliam para que o eczema se concentrasse apenas em uma parte de seu corpo material, isto porque anteriormente esta doença cobriria todo seu corpo físico.

O livro nos mostra como muitas de nossas atitudes pode reduzir nossas dores, Adelino Correia como trabalhador dedicado e imensamente caridoso, onde auxiliou muitos enfermos e crianças abandonadas, dentre elas algumas que, em vidas anteriores os auxiliaram em seus desatinos e, principalmente, aquele que foi seu genitor, tendo com isso, méritos suficientes para ter suas dificuldades reduzidas e seu amparo cada vez maior e mais consistente. O livro Ação e Reação nos mostra que em todas as ações que engendramos na vida somos impactados por uma reação, quando nossas ações são positivas e edificantes recebemos da própria espiritualidade maior, reações saudáveis, equilibradas e positivas, com isso, a Doutrina dos Espíritos nos mostra que os chamados carmas são conceitos imprecisos, acreditar que estamos condenados numa encarnação nos parece muito equivocado, temos sim as dificuldades, mas se agirmos de forma concernente as Leis de Deus os nossos “carmas” serão, com certeza, reduzidos e minimizados pelos espíritos de luz.

No estudo dos sofrimentos humanos, encontramos na literatura espírita muitas obras de vulto, nelas descobrimos que nos momentos de dores e dificuldades, muitas pessoas se colocam como vítimas, bradam contra Deus e acreditam não ter escolhido passar por aquelas situações de sofrimentos. A Doutrina nos mostra que, se não escolhemos nos foi imposto, aí percebemos ser uma expiação, o que é muito pior e preocupante, agora, na imensa maioria dos casos, foram os encarnados que pediram, melhor, suplicaram por aquelas provações como forma de educação e posterior progresso espiritual.

Os sofrimentos e as dificuldades da vida sempre existiram e sempre existirão para os seres humanos, a forma como a encaramos estas dificuldades é de fundamental importância para que consigamos extrair delas, instrumentos de progresso e de aprendizado, para que construamos um mundo íntimo mais consistente e vinculado aos mais nobres sentimentos e valores emanados pelo Cristo, este sim os valores eternos da vida.

Mediunidade e trabalho mediúnico: a atuação dos mentores espirituais

1

A Doutrina Espírita nos mostra como os espíritos podem influenciar na vida das pessoas encarnadas, muitos desconhecem estas atuações, outros as minimizam, mas todos percebem que os mundos estão interligados e influenciam um ao outro, nestas atuações encontramos o trabalho de variados espíritos, desde os mais caridosos e protetores até aqueles que se comprazem com o mal e com a negatividade, a escolha destas entidades é uma opção de cada um de nós, cabe ao nosso pensamento e as nossas atitudes a atração de bons ou de maus espíritos.

Desde tempos imemoriais nos deparamos com lendas e histórias que falam da atuação de espíritos na vida das pessoas, influencias das mais variadas, uns inspirando-as ao bem, ao estudo e aos bons pensamentos, enquanto outros com tendências mais agressivas, buscando vinganças e revanches de problemas anteriores ou a desforra de desajustes pregressos, somos constantemente instigados por estes irmãos, que vibram de acordo com seu progresso evolutivo, neste assunto é importante destacar, que todos nós já passamos por momentos parecidos, todos já vivenciamos atitudes trevosas com relação a nossos semelhantes e, por isso, nenhum indivíduo deve criticar as atitudes dos outros, embora condenemos, devemos orar e trabalhar para que este irmão, que por hora vibra no diapasão da negatividade, possa acordar e se posicionar de forma diferente com relação a vida e seus sentimentos, transformando seus pensamentos e atraindo energias mais consistentes.

Muitas vezes encontramos pessoas fazendo o sinal da cruz como forma de proteção contra a presença de espíritos, acreditando que um mero gesto pode afastar algo que está inscrito em uma lei natural, todos estamos convivendo lado a lado, o mundo físico e o espiritual estão juntos, a própria física quântica tem nos mostrado a existência de vários mundos convivendo lado a lado, somos espíritos e ao nosso lado estamos cheio de entidades espirituais, em vez de nos benzer devemos nos melhorar para que aqueles que nos acompanharem sejam entidades boas e nos traga sentimentos melhores e mais edificantes, preparando-nos para os caminhos de progresso e desenvolvimento do mundo.

Nos trabalhos mediúnicos, encontramos uma atuação muito efetiva dos espíritos de luz, entidades que se comprazem com o bem e o auxílio, que despendem seu tempo e suas energias para ajudar todos aqueles irmãos que chegam no mundo espiritual sem compreender sua trajetória e marcados por muitas dúvidas, medos e grande desesperanças, são irmãos sofredores que se julgam esquecidos e sem perspectivas nenhuma com relação ao futuro. Neste momento, muitos destes irmãos que ainda acreditam em Deus se julgam totalmente esquecidos pelo plano maior, acreditando-se tratados e agredidos e desenvolvem um forte desejo de vingança, bradando contra a religião e se dizendo esquecidos por Deus ou por outras entidades superiores que outrora diziam acreditar, muitos destes irmãos se tornam perseguidores e atraem energias parecidas de rancor e de ressentimento.

Muitos desconhecem como são feitas as reuniões mediúnicas e como os espíritos superiores trabalham em benefício dos irmãos sofredores, nestes momentos são eles os responsáveis por trazer para as reuniões as entidades com maiores dificuldades, juntando-as de acordo com suas histórias, suas dores e dificuldades, ao juntar estes irmãos ambicionam atender o maior número possível de irmãos desencarnados que, nestas reuniões ouvem e assistem as conversações com o doutrinador servindo de amparo e auxílio imediato para todos que passam pelas mesmas dores e constrangimentos, servindo como um verdadeiro bálsamo de luz para que todos possam crescer e se desvincular de suas mais íntimas e secretas dificuldades momentâneas.

O trabalho destes espíritos se desenvolve em várias frentes, são eles que escolhem as entidades e as aproximam, são eles que pesquisam as histórias destes irmãos sofredores e necessitados, buscando na tela mental de cada um deles passagens, lembranças e experiências para auxiliar o doutrinador nestes eventos, munindo-os de informações para que estes possam auxiliar os irmãos desencarnados neste momento de dores e dificuldades intensas.

Muitas entidades que vão se manifestar no trabalho mediúnico estão na Casa Espírita recolhidas desde os trabalhos de dias anteriores, muitos destes espíritos acompanhavam encarnados que foram ao Centro Espírita sentindo a influência negativa dos irmãos . Neste momento os irmãos do plano espiritual são mantidos em isolamento na casa para que no próximo trabalho mediúnico possam se manifestar, conversar com as equipes encarnadas, contar suas experiências e angariar o amparo e o conforto necessário para a compreensão das dificuldades vividas, são entidades que mereceram o amparo e se prepararam para a intervenção espiritual, embora muitos ainda não acreditem no auxílio, as rogativas foram feitas por familiares, amigos e irmãos interessados em sua melhoria e equilíbrio espiritual.

Ainda no mundo espiritual, a casa espírita é higienizada, todos os locais são limpos e equilibrados, sendo retirado deste local energias menores, desajustes e desequilíbrios, objetivando o melhor auxílio possível para todos que serão atendidos no decorrer da assistência espiritual, embora não possamos ver o trabalho, tenhamos a certeza e a convicção de que, o mundo espiritual nos ampare e nos auxilia muito mais do que imaginamos, dando-nos o suporte necessário para que vençamos nossas mais íntimas dificuldades e limitações.

Outro ponto que devemos destacar neste trabalho, é como as conversações são encaminhadas para muitas entidades que estão em outros locais, sabemos que muitos são os necessitados, muitos deles não puderam ser trazidos para o trabalho assistencial, mas foram socorridos e levados indiretamente, todas as conversas entre os irmãos desencarnados e os doutrinadores são amplificadas para que todos os ausentes sejam premiados com a benção de poder ouvir e se conscientizar de suas dificuldades e necessidades de trabalho espiritual.

No mundo material os auxílios também se abundam, muitos são os médiuns que faltam de suas atividades na casa espiritual, alguns se deixam levar por intervenção de irmãos que buscam atrapalhar e esvaziar o trabalho assistencial, outros se ausentam por qualquer dor ou desconforto físico ou emocional, com isso, acabam fazendo os gostos dos espíritos inferiores, acabam deixando de participar dos trabalhos, deixando de atender aos necessitados e de contribuir para seu próprio reequilíbrio espiritual e emocional, neste momento percebemos como os espíritos superiores se desdobram para que todos os desencarnados que foram trazidos não deixem de ser atendidos, sobrecarregando fortemente alguns trabalhadores materiais.

Os médiuns de incorporação, os chamados médiuns psicofônicos nos relatam ainda, que durante dias percebem a presença de entidades que se manifestarão por intermédio deles nas reuniões mediúnicas, sentem suas energias, seus pensamentos e, em muitos casos, se sentem mal com a companhia destes irmãos, que neste momento se comprazem com sentimentos menores e atuam para que seus sentimentos e energias se propaguem em todo ambiente. Estes irmãos serão atendidos nas reuniões, esclarecidos e encaminhados para atendimento em local especializado e os médiuns serão fortalecidos e sairão do encontro mais tranquilos e equilibrados, não podendo sair do trabalho com estas energias negativas e estes constrangimentos oriundos dos irmãos desencarnados.

No livro Obsessão e Desobsessão, Suely Caldas Schubert nos mostra uma reunião mediúnica onde a espiritualidade reuniu inúmeros jovens que havia desencarnados de forma parecida, todos eles foram vitimados em acidentes de automóveis, neste instante um dos jovens que havia sido preparado para a conversa com o doutrinador recebe informações abençoadas que passam a ser ouvidas por todos aqueles jovens que lá estavam e ouviram a conversação, devida a grande quantidade de espíritos vitimados por acidentes automobilísticos os espíritos superiores reúnem todos num mesmo momento e todas as palavras emitidas pelo trabalhador encarnado serve como conforto para todos os jovens desencarnados, a grande maioria sem entender o que tinha acontecido com suas vidas, sendo instruídos através da comunicação e, posteriormente, em momento oportuno, em conversação mais íntima e pessoal, visando o esclarecimento do espírito.

O trabalho mediúnico é um verdadeiro intercâmbio entre os dois planos da vida, esta atividade nos mostra que a soma das forças e dos ideais auxiliam a todos, os encarnados devem se conscientizar de que são importantes e fundamentais neste momento, sua presença, sua assiduidade e dedicação constroem laços sólidos com as entidades do bem do mundo espiritual, criando vínculos de amor, confiança e solidariedade entre estes irmãos em locais e momentos diferentes, mas todos trabalhando em busca de um bem comum, o auxilio desinteressado centrado no amor, na comunhão e no respeito mútuo.

A Doutrina Espírita desde 1857, quando da publicação de O Livro dos Espíritos, obra de Allan Kardec, nos traz grandes informações sobre a vida, a existência humana, os sofrimentos e os medos que nos acometem no cotidiano, somos por esta esclarecidos e informados de que nossos comportamentos anteriores moldam nossa situação contemporânea e que nossas atitudes atuais servem para que construamos nossas experiências futuras. Nesta viagem somos auxiliados diuturnamente pelos bons espíritos, que nos inspiram em bons pensamentos e para que executemos boas obras, pois estas serão nossas maiores advogadas nos caminhos que trilhamos no mundo e nas experiências as quais abraçamos e cultivamos na intimidade.

Depois da codificação de O livro dos Espíritos não mais podemos alegar ignorância sobre as leis de Deus, somos espíritos encarnados e convivemos ao lado de entidades desencarnadas, os trabalhos mediúnicos nos auxiliam a compreender como somos pequenos e quase insignificantes, mas temos nossas responsabilidades perante as leis da vida, dentre elas trabalhar para nosso crescimento espiritual e desenvolvimento moral e auxiliar no máximo que pudermos na evolução de outros seres. A caminhada é imensa, as vantagens do mundo tentam nos tirar do caminho correto, mas devemos perseguir com afinco e perseverança nossos sonhos e ideais, deixando pelo caminho pegadas de amor e de solidariedade, trocando o julgamento fácil, os prazeres materiais e as falas desnecessárias e compreendendo que caminhar ao lado da espiritualidade é a única forma de construirmos um futuro de crescimento e evolução espiritual.

 

 

 

A Doutrina Espírita nos mostra como os espíritos podem influenciar na vida das pessoas encarnadas, muitos desconhecem estas atuações, outros as minimizam, mas todos percebem que os mundos estão interligados e influenciam um ao outro, nestas atuações encontramos o trabalho de variados espíritos, desde os mais caridosos e protetores até aqueles que se comprazem com o mal e com a negatividade, a escolha destas entidades é uma opção de cada um de nós, cabe ao nosso pensamento e as nossas atitudes a atração de bons ou de maus espíritos.

Desde tempos imemoriais nos deparamos com lendas e histórias que falam da atuação de espíritos na vida das pessoas, influencias das mais variadas, uns inspirando-as ao bem, ao estudo e aos bons pensamentos, enquanto outros com tendências mais agressivas, buscando vinganças e revanches de problemas anteriores ou a desforra de desajustes pregressos, somos constantemente instigados por estes irmãos, que vibram de acordo com seu progresso evolutivo, neste assunto é importante destacar, que todos nós já passamos por momentos parecidos, todos já vivenciamos atitudes trevosas com relação a nossos semelhantes e, por isso, nenhum indivíduo deve criticar as atitudes dos outros, embora condenemos, devemos orar e trabalhar para que este irmão, que por hora vibra no diapasão da negatividade, possa acordar e se posicionar de forma diferente com relação a vida e seus sentimentos, transformando seus pensamentos e atraindo energias mais consistentes.

Muitas vezes encontramos pessoas fazendo o sinal da cruz como forma de proteção contra a presença de espíritos, acreditando que um mero gesto pode afastar algo que está inscrito em uma lei natural, todos estamos convivendo lado a lado, o mundo físico e o espiritual estão juntos, a própria física quântica tem nos mostrado a existência de vários mundos convivendo lado a lado, somos espíritos e ao nosso lado estamos cheio de entidades espirituais, em vez de nos benzer devemos nos melhorar para que aqueles que nos acompanharem sejam entidades boas e nos traga sentimentos melhores e mais edificantes, preparando-nos para os caminhos de progresso e desenvolvimento do mundo.

Nos trabalhos mediúnicos, encontramos uma atuação muito efetiva dos espíritos de luz, entidades que se comprazem com o bem e o auxílio, que despendem seu tempo e suas energias para ajudar todos aqueles irmãos que chegam no mundo espiritual sem compreender sua trajetória e marcados por muitas dúvidas, medos e grande desesperanças, são irmãos sofredores que se julgam esquecidos e sem perspectivas nenhuma com relação ao futuro. Neste momento, muitos destes irmãos que ainda acreditam em Deus se julgam totalmente esquecidos pelo plano maior, acreditando-se tratados e agredidos e desenvolvem um forte desejo de vingança, bradando contra a religião e se dizendo esquecidos por Deus ou por outras entidades superiores que outrora diziam acreditar, muitos destes irmãos se tornam perseguidores e atraem energias parecidas de rancor e de ressentimento.

Muitos desconhecem como são feitas as reuniões mediúnicas e como os espíritos superiores trabalham em benefício dos irmãos sofredores, nestes momentos são eles os responsáveis por trazer para as reuniões as entidades com maiores dificuldades, juntando-as de acordo com suas histórias, suas dores e dificuldades, ao juntar estes irmãos ambicionam atender o maior número possível de irmãos desencarnados que, nestas reuniões ouvem e assistem as conversações com o doutrinador servindo de amparo e auxílio imediato para todos que passam pelas mesmas dores e constrangimentos, servindo como um verdadeiro bálsamo de luz para que todos possam crescer e se desvincular de suas mais íntimas e secretas dificuldades momentâneas.

O trabalho destes espíritos se desenvolve em várias frentes, são eles que escolhem as entidades e as aproximam, são eles que pesquisam as histórias destes irmãos sofredores e necessitados, buscando na tela mental de cada um deles passagens, lembranças e experiências para auxiliar o doutrinador nestes eventos, munindo-os de informações para que estes possam auxiliar os irmãos desencarnados neste momento de dores e dificuldades intensas.

Muitas entidades que vão se manifestar no trabalho mediúnico estão na Casa Espírita recolhidas desde os trabalhos de dias anteriores, muitos destes espíritos acompanhavam encarnados que foram ao Centro Espírita sentindo a influência negativa dos irmãos . Neste momento os irmãos do plano espiritual são mantidos em isolamento na casa para que no próximo trabalho mediúnico possam se manifestar, conversar com as equipes encarnadas, contar suas experiências e angariar o amparo e o conforto necessário para a compreensão das dificuldades vividas, são entidades que mereceram o amparo e se prepararam para a intervenção espiritual, embora muitos ainda não acreditem no auxílio, as rogativas foram feitas por familiares, amigos e irmãos interessados em sua melhoria e equilíbrio espiritual.

Ainda no mundo espiritual, a casa espírita é higienizada, todos os locais são limpos e equilibrados, sendo retirado deste local energias menores, desajustes e desequilíbrios, objetivando o melhor auxílio possível para todos que serão atendidos no decorrer da assistência espiritual, embora não possamos ver o trabalho, tenhamos a certeza e a convicção de que, o mundo espiritual nos ampare e nos auxilia muito mais do que imaginamos, dando-nos o suporte necessário para que vençamos nossas mais íntimas dificuldades e limitações.

Outro ponto que devemos destacar neste trabalho, é como as conversações são encaminhadas para muitas entidades que estão em outros locais, sabemos que muitos são os necessitados, muitos deles não puderam ser trazidos para o trabalho assistencial, mas foram socorridos e levados indiretamente, todas as conversas entre os irmãos desencarnados e os doutrinadores são amplificadas para que todos os ausentes sejam premiados com a benção de poder ouvir e se conscientizar de suas dificuldades e necessidades de trabalho espiritual.

No mundo material os auxílios também se abundam, muitos são os médiuns que faltam de suas atividades na casa espiritual, alguns se deixam levar por intervenção de irmãos que buscam atrapalhar e esvaziar o trabalho assistencial, outros se ausentam por qualquer dor ou desconforto físico ou emocional, com isso, acabam fazendo os gostos dos espíritos inferiores, acabam deixando de participar dos trabalhos, deixando de atender aos necessitados e de contribuir para seu próprio reequilíbrio espiritual e emocional, neste momento percebemos como os espíritos superiores se desdobram para que todos os desencarnados que foram trazidos não deixem de ser atendidos, sobrecarregando fortemente alguns trabalhadores materiais.

Os médiuns de incorporação, os chamados médiuns psicofônicos nos relatam ainda, que durante dias percebem a presença de entidades que se manifestarão por intermédio deles nas reuniões mediúnicas, sentem suas energias, seus pensamentos e, em muitos casos, se sentem mal com a companhia destes irmãos, que neste momento se comprazem com sentimentos menores e atuam para que seus sentimentos e energias se propaguem em todo ambiente. Estes irmãos serão atendidos nas reuniões, esclarecidos e encaminhados para atendimento em local especializado e os médiuns serão fortalecidos e sairão do encontro mais tranquilos e equilibrados, não podendo sair do trabalho com estas energias negativas e estes constrangimentos oriundos dos irmãos desencarnados.

No livro Obsessão e Desobsessão, Suely Caldas Schubert nos mostra uma reunião mediúnica onde a espiritualidade reuniu inúmeros jovens que havia desencarnados de forma parecida, todos eles foram vitimados em acidentes de automóveis, neste instante um dos jovens que havia sido preparado para a conversa com o doutrinador recebe informações abençoadas que passam a ser ouvidas por todos aqueles jovens que lá estavam e ouviram a conversação, devida a grande quantidade de espíritos vitimados por acidentes automobilísticos os espíritos superiores reúnem todos num mesmo momento e todas as palavras emitidas pelo trabalhador encarnado serve como conforto para todos os jovens desencarnados, a grande maioria sem entender o que tinha acontecido com suas vidas, sendo instruídos através da comunicação e, posteriormente, em momento oportuno, em conversação mais íntima e pessoal, visando o esclarecimento do espírito.

O trabalho mediúnico é um verdadeiro intercâmbio entre os dois planos da vida, esta atividade nos mostra que a soma das forças e dos ideais auxiliam a todos, os encarnados devem se conscientizar de que são importantes e fundamentais neste momento, sua presença, sua assiduidade e dedicação constroem laços sólidos com as entidades do bem do mundo espiritual, criando vínculos de amor, confiança e solidariedade entre estes irmãos em locais e momentos diferentes, mas todos trabalhando em busca de um bem comum, o auxilio desinteressado centrado no amor, na comunhão e no respeito mútuo.

A Doutrina Espírita desde 1857, quando da publicação de O Livro dos Espíritos, obra de Allan Kardec, nos traz grandes informações sobre a vida, a existência humana, os sofrimentos e os medos que nos acometem no cotidiano, somos por esta esclarecidos e informados de que nossos comportamentos anteriores moldam nossa situação contemporânea e que nossas atitudes atuais servem para que construamos nossas experiências futuras. Nesta viagem somos auxiliados diuturnamente pelos bons espíritos, que nos inspiram em bons pensamentos e para que executemos boas obras, pois estas serão nossas maiores advogadas nos caminhos que trilhamos no mundo e nas experiências as quais abraçamos e cultivamos na intimidade.

Depois da codificação de O livro dos Espíritos não mais podemos alegar ignorância sobre as leis de Deus, somos espíritos encarnados e convivemos ao lado de entidades desencarnadas, os trabalhos mediúnicos nos auxiliam a compreender como somos pequenos e quase insignificantes, mas temos nossas responsabilidades perante as leis da vida, dentre elas trabalhar para nosso crescimento espiritual e desenvolvimento moral e auxiliar no máximo que pudermos na evolução de outros seres. A caminhada é imensa, as vantagens do mundo tentam nos tirar do caminho correto, mas devemos perseguir com afinco e perseverança nossos sonhos e ideais, deixando pelo caminho pegadas de amor e de solidariedade, trocando o julgamento fácil, os prazeres materiais e as falas desnecessárias e compreendendo que caminhar ao lado da espiritualidade é a única forma de construirmos um futuro de crescimento e evolução espiritual.

 Pobreza, concentração de renda e desigualdade no Brasil do século XXI

0

O mundo globalizado vem gerando grandes transformações na sociedade mundial, com impactos generalizados em todas as regiões e países, afetando empresas, organizações sociais e trabalhadores, criando constrangimentos e preocupações em todo o globo, o futuro nunca foi tão incerto e assustador para uma parcela substancial da população internacional, gerando novos medos, desesperanças e incremento na violência e no xenofobismo. Neste ambiente de novas discussões, encontramos visões diferentes e complementares, uns mais entusiasmados e otimistas, acreditando na panaceia da tecnologia e da inclusão digital como instrumento de inserção social e melhora na qualidade de vida da população, de outro lado, encontramos os mais céticos e pessimistas que veem este momento como mais um período de degradação social e desigualdade crescente, as promessas abundam, mas a realidade é sempre assustadora e imediata.

Os teóricos mais animados com as mudanças em curso acreditam que o mundo do trabalho está se transformando e seus impactos serão muito melhores para toda a coletividade, divulgam dados do incremento da produtividade do trabalho e do aumento da riqueza da sociedade que geram grandes comemorações, neste novo momento, o trabalho deve se transformar e novas ocupações estão ainda sendo construídas, para estes estudiosos, nos próximos anos mais de setenta por cento da população estará ocupada em atividades que ainda não foram criadas, profissões que estão sendo pensadas pela sociedade e pelo rápido crescimento da tecnologia e das novas formas de inovação.

Segundo estes teóricos, o momento ainda está fortemente caracterizado por incertezas e instabilidades, estas serão reduzidas com o passar dos tempos e a sociedade tende a iniciar um grande ciclo de prosperidade e progresso, onde a grande maioria poderá usufruir destas novas facilidades que estão sendo introduzidas em todas as áreas e locais, gerando mais riqueza e criando novas oportunidades para todos os grupos sociais, o mundo que estamos construindo nos trará grandes benefícios num futuro muito próximo.

Olhando para a sociedade brasileira, muitas são as dúvidas que surgem de nossas reflexões, em um país como o nosso o Estado tem uma grande relevância e sempre foi um dos atores mais importante para alavancar o crescimento econômico, com investimentos em várias áreas e setores, impactando a coletividade e criando bases concretas para promover novos investimentos e uma geração mais sólida e consistente no emprego e nas melhorias sociais.

Neste ambiente, ao nos depararmos com os dados das pesquisas que nos foram trazidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os sentimentos que nutrimos são de indignação, desesperança e medo. Por estes dados percebemos que mesmo sendo uma das economias mais ricas da sociedade mundial, mesmo sendo detentores de solos e terras altamente produtivas, somos uma sociedade marcada por uma alta concentração de renda com bolsões enormes de pobreza, exclusão e indignidade, com isso, estamos caminhando a passos largos a uma sociedade de fortes rupturas, cujos impactos podem ser assustadores e muito perigosos.

A sociedade brasileira apresenta, e todos temos consciência disso, uma alta concentração de renda, somos uma das economias que mais concentram renda da sociedade internacional, somos um país onde os mais ricos recebem 34 vezes o ganho dos mais pobres, um verdadeiro escárnio em pleno século XXI, uma vergonha que todos os brasileiros deveriam repudiar de uma forma mais enfática, nos manifestando diretamente contra esta barbárie e nos manifestando contra esta verdadeira incivilidade.

A sociedade brasileira apresenta um contingente de mais de 100 milhões de cidadãos que não possuem esgoto e saneamento básico em suas residências, com isso, percebemos gastos em saúde pública que poderiam ser evitados, levando aos cofres públicos mais de 1 bilhão de reais que poderiam ser utilizados para melhorar as condições de vida da população. Neste ambiente encontramos muitas discussões sobre tecnologia, máquinas de última geração, inteligência artificial, internet das coisas, indústria 4.0 e pouco nos importamos com esgoto e saneamento básico, condenando, com isso, uma grande quantidade de cidadãos a indignidade e a degradação, sendo que muitos deles estão desempregados, na informalidade, no subemprego ou até mesmo, estão desalentados.

A concentração excessiva da renda na sociedade brasileira é histórica, somos uma sociedade que se conhece excludente, desde tempos imemoriais nos destacamos como uma sociedade com marcas profundas de degradação, trazemos em nossas entranhas mais de 300 anos de escravidão, o patrimonialismo que se apodera de recursos estatais e empregos públicos, a marginalização e exclusão dos grupos mais vulneráveis. O incremento da concentração da renda, na contemporaneidade, tem outras raízes mais conjunturais, onde destacamos uma forte recessão econômica que nos acompanhou no período 2014/2017, cujos custos sociais e econômicos foram imensos, levando um grande contingente que tinham conseguido ascender socialmente em anos anteriores, a voltar para a pobreza e para a indignidade, avanços e retrocessos estão na raiz de nossos indicadores e, com isso, nossa concentração de renda se torna cada vez mais estrutural.

Depois deste baixo crescimento econômico do período citado acima, o país está tendo grandes dificuldades para recuperar uma melhora no cenário econômico, saímos da recessão, mas não conseguimos engatar um novo período de crescimento econômico, com isso, percebemos uma grande degradação no mercado de trabalho e perspectivas sombrias para inúmeros grupos sociais que prescindem dos gastos e dos investimentos estatais, que atualmente se encontram em forte retração.

Os dados da concentração de renda na sociedade brasileira nos mostram uma situação dramática e muito perigosa, nela vemos que os 10% da população com maiores ganhos detinham, no ano passado, 43,1% da massa de rendimentos, algo em torno de R$ 119,6 bilhões. Na outra ponta, os 10% da população mais pobres ficaram com apenas 0,8% dos rendimentos, algo em torno de R$ 2,2 bilhões. Com isso percebemos que a distância entre os grupos é muito elevada, gerando instabilidades e incertezas das mais graves, com possíveis impactos sociais e políticos severos, ameaçando as bases da democracia e colocando em xeque as instituições econômicas, políticas e judiciais.

Os dados disponibilizados pelo IBGE nos mostram que a concentração de renda tem forte conotação regional, o Sudeste, que concentra 40% da população, concentra uma massa de rendimento superior a de todas as outras regiões somadas. Nestes dados, descobrimos que a região Nordeste possui e menor média de salário, R$ 1497,00, enquanto a região sudeste, com R$ 2572,00 apresenta a maior média salarial.

Pelos dados levantados percebemos que o Índice de Gini, que mede a desigualdade em uma escala de 0 (perfeita igualdade) a 1 (máxima concentração) aumentou em todas as regiões do país e atingiu o maior patamar da série histórica, 0,509. Depois de um período de melhorias sociais e crescimento econômico, do período 2003/2013, o Brasil volta a ver seus indicadores de renda degradados, denotando que neste período recessivo, o Brasil passou a incrementar sua concentração de renda e sua população perdeu renda e piorou suas condições sociais, com desemprego crescente e degradação na renda.

Depois da publicação de O Capital no século XXI, (2014) Thomas Piketty ganhou importância na sociedade mundial, suas pesquisas estimularam novas discussões na seara dos economistas, que passaram a ver a alta desigualdade com mais atenção, percebendo ser ela um detonador de graves crises e desequilíbrios nas economias nacionais. Numa das pesquisas feitas pela Escola de Economia de Paris, o Relatório da Desigualdade Global, que congregam pesquisas domiciliares, contas nacionais e declarações de impostos de renda, sustentam uma conclusão ainda mais assustadora para a sociedade brasileira, que segunda a pesquisa os 0,1% mais ricos se apropriam de 28,3% dos rendimentos brutos totais, enquanto os 50% mais pobres ficam com apenas 13,9% do conjunto de todos os rendimentos. Os resultados destas duas pesquisas são todos estarrecedores para a sociedade brasileira, devendo servir como um alerta para os grupos dominantes, sem uma melhoria nestas condições estaremos condenados e muito próximos de uma situação simular a uma barbárie social.

As pesquisas econômicas com relação a pobreza passaram a ganhar relevância e levaram o americano nascido na Índia Abhijit Banerjee, a franco-americana Esther Duflo e Michael Kremer, também dos Estados Unidos, a ganhar o Nobel de Economia deste ano, por seus trabalhos no combate à pobreza, quem sabe com esta manifestação da Academia  Real de Ciência da Suécia a comunidade internacional passe a compreender que os lucros das empresas são fundamentais, mas que este não deve ser conquistado com a degradação das condições de vida da população, com mais concentração da renda e com mais indignidade social.

Neste ambiente de grandes riquezas no capitalismo internacional, onde a produção extrapole os 70 trilhões de dólares, recursos estes que poderiam garantir uma renda de uns US$ 10 mil para cada um dos 7 bilhões de cidadãos do mundo, percebemos uma pequena quantidade vivendo em condições de altíssimo luxo, ostentação e desperdício e uma grande parte vivendo na indigência, na pobreza e na falta de perspectivas, sem saneamento básico, sem alimentação e sem condições de sonhar com um futuro melhor, muitos se entregando a criminalidade, a violência e formas abjetas de sobrevivência.

Na realidade brasileira encontramos dados similares, o que nos mostra como estamos criando uma sociedade explosiva e extremamente excludente, onde as cadeias e as carceragens das delegacias estão abarrotadas de pessoas pobres, negras e excluídas de uma sociedade cuja marca mais evidente é a exclusão social, onde os assassinatos acontecem a céu aberto, onde os presídios estão dominados pelos marginais, onde a classe política fica discutindo assuntos sem interesse para a população, criando crises e desentendimentos para postergar os debates mais consistentes e imprescindíveis para reduzir o desemprego e melhorar as condições de vida da população. Neste ambiente, percebemos discussões para aumentar a impunidade daqueles que matam demais e oficializar uma situação onde os oprimidos armados matam seus semelhantes em nome de uma justiça de fachada, onde os verdadeiros marginais usam ternos e gravatas importadas e transferem para os pobres e marginalizados o pagamento de seu luxo e de sua inoperância.

“Neoliberalismo e Corrupção: ajustes neoliberais e aumento da corrupção”

0

 “Neoliberalismo e Corrupção: ajustes neoliberais e aumento da corrupção – Análise dos ajustes neoliberais no Brasil de Fernando Collor (1990-1992) e no México de Carlos Salinas (1988-1992)” – Novas Edições Acadêmicas, 2019.

Por Ary Ramos da Silva Júnior

A presente obra editada pela Novas Edições Acadêmicas, faz parte da tese de doutorado defendida pelo autor em Sociologia, na Faculdade de Ciências e Letras (FCL), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, defendida em maio de 2006. O trabalho teve por objetivo comparar dois países latino-americanos que viviam momentos intensos de adoção de políticas neoliberais, naquele momento os ventos do chamado Consenso de Washington, reunião feita na capital norte-americana com a presença de economistas, cientistas políticos, intelectuais, presidentes, ministros de Estado e empresários, todos defensores das ideias e dos princípios neoliberais que clamavam por abertura econômica, desregulamentações, privatizações, desestatizações e redução sistemática do papel do Estado na sociedade latino-americana, estas políticas eram defendidas como a forma mais efetiva e imediata de levar estas economias para o tão almejado desenvolvimento econômico, ambicionado por todas as economias.

Nos anos 1980, as ideias neoliberais se espalharam pelo mundo de forma acelerada, levando para todos aos países em desenvolvimento, a adoção de políticas baseadas em redução do papel dos Estados na economia, sendo substituídos pelos mercados, vistos nesta ideologia como os grandes gestores do progresso e do crescimento dos países, a América Latina foi invadida por estas ideias, deste as iniciadas no Chile a partir de 1973, depois da queda do presidente eleito Salvador Allende e da ascensão de Augusto Pinochet, responsável pela adoção de políticas fortemente neoliberais, somadas a um governo autoritário e repressor, com milhares de mortos, desaparecidos, torturados e violentados.

Estas políticas se espalharam por toda a região e passaram a ser adotadas pela grande maioria dos países, desde a Argentina, Colômbia, Equador, Paraguai, Venezuela, Uruguai, Bolívia, Peru, México em 1988 com Carlos Salinas de Gortari e, o Brasil, a partir de 1990 com a ascensão do presidente Fernando Collor de Mello, neste momento estes países passam sentir na pele a adoção de novas políticas e a construção de um novo modelo, baseado nos mercados, onde os Estados passavam a ocupar um papel secundário.

O livro faz uma reflexão sobre o pensamento neoliberal, destacando a força dos grandes agentes econômicos na difusão desta ideologia e na tentativa de impor aos países da região e países em desenvolvimento de outras regiões as ideias liberalizantes. Segundo este pensamento, o atraso econômico destes países estava atrelado ao crescimento excessivo do Estado, que inicialmente foi o grande fomentador dos investimentos que culminaram na construção de alguma estrutura industrial, sem esta atuação estatal, dificilmente estes países conseguiriam construir algum modelo industrial, isto porque a industrialização dos países periféricos era mal vista pelos países industrializados, que estavam receosos de que surgissem mais concorrentes para sua economia.

No México, os avanços neoliberais foram mais intensos do que no Brasil, embora ambos tivessem uma histórica econômica bastante parecida, o gigante do norte estava muito próximo dos Estados Unidos, e sofriam destes uma influencia bastante agressiva, ainda mais quando o país assinou a entrada no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), assinado em 1992.

O México adotou inúmeras medidas liberalizantes, abriu sua economia, privatizou empresas estatais, retirou muitas estruturas microeconômicas reguladoras e assinaram outros acordos comerciais relevantes com outros países e regiões, se transformando em uma economia fortemente dependente dos Estados Unidos, a relação comercial entre eles aumentou de forma acelerada, levando a uma intensa dependência de seu vizinho do norte, responsável pela importação de mais de 80% de suas vendas externas, com isso, toda crise que afetasse os norte-americanos afetariam diretamente os mexicanos.

Devemos destacar ainda, que neste momento a sociedade mexicana descobriu uma relação bastante incestuosa entre grupos econômicos e agentes políticos, uma situação existente á algum tempo, mas apenas desbaratada neste período. A relação entre as medidas liberalizantes e a corrupção se mostrou mais evidente neste momento, com a saída de cena do Estado através da venda de empresas para a iniciativa privada, os grupos privados deixaram á mostra as mazelas políticas e as relações incestuosas entre Estado e Mercado, a corrupção se mostrava presente na sociedade mexicana á muitos anos, com desperdício de bilhões de recursos, enriquecimento de grupos privados e degradação social e política.

A relação entre medidas neoliberais e a corrupção se mostrou mais evidente em toda a região, a compra de empresas estatais, os lobbies para a desregulação e a desregulamentação de alguns setores econômicos, o poder financeiro dos grandes conglomerados econômicos e monetários, todas estas medidas levaram estas instituições a corromper o Estado Nacional e seus representantes, em troca ganhavam licitação, leilões e adquiriam empresas públicas, muitas delas verdadeiros monopólios, transformando estes monopólios públicos em verdadeiros monopólios privados, dotados de grande poder e capacidade de controle e dominação na sociedade.

O governo Carlos Salinas de Gortari deu prosseguimento a um incremento da dependência dos Estados Unidos, consolidando um modelo econômico baseada nas chamadas maquiladoras que se transformaram num amplo instrumento de atração de empresas para produção e posterior venda aos parceiros do norte, nesta trajetória os mexicanos se consolidam como meros montadores de mercadorias, onde o incremento de valor agregado inexiste e os ganhos são reduzidos, se limitando a poucos empregos com salários reduzidos e baixa especialização.

O Brasil, também analisado na obra, também passou por situações semelhantes, as medidas liberalizantes adotadas internamente geraram graves constrangimentos para a estrutura industrial, aumentando a competição interna e levando muitos grupos econômicos e financeiros á bancarrota, inclusive setores tradicionais e importantes na história econômica nacional. O grande responsável por esta abertura foi o presidente eleito em 1990, Fernando Collor de Mello, responsável por uma abertura econômica extremamente agressiva, cujos impactos sociais foram desestabilizadores, com incremento da pobreza, da violência e da marginalidade.

Depois de décadas de proteção, a indústria nacional perde os subsídios e as medidas protecionistas são retiradas, como foram medidas adotadas muito rapidamente a liberalização teve impactos econômicos generalizados, aumentando as falências de negócios nacionais, muitas empresas nacionais foram vendidas para grupos estrangeiros, gerando uma forte e acelerada desnacionalização. Estas políticas transformaram o cenário nacional e abriram espaço para produtos mais eficientes e de qualidade superior, a entrada destes produtos levou muitas empresas privadas nacionais a falência, gerando uma forte desindustrialização e perda de relevância deste setor na economia nacional.

As políticas neoliberais serviam a grupos estrangeiros fortes e consolidados, que viam nesta política uma forma de entrar no mercado dos países latino-americano, aumentando sua presença na região, ganhando novos mercados e ganhando musculatura financeira para a concorrência, este movimento foi incentivado pelos países desenvolvidos, pelos grandes conglomerados internacionais e por muitos teóricos associados aos países desenvolvidos, que viam nesta política um estímulo aos investimentos internacionais.

O Brasil adotou muitas destas políticas, a abertura econômica estimulou a entrada de empresas estrangeiras, as privatizações trouxeram investimentos e reestruturação destas empresas, aumento do desemprego e uma contração da renda agregada. As medidas liberalizantes geraram alguns benefícios, mas aumentou a degradação social, o desemprego e a exclusão social, com isso, a sociedade passou a perceber as dificuldades e os entraves na construção de um país mais produtivo, eficiente e com melhores recursos humanos numa sociedade em constantes transformações.

Políticas neoliberais e corrupção apresentam grande correlação, analisando as bases do capitalismo brasileiro, percebemos que o Estado apresenta um poder fundamental na sociedade, as empresas estatais sempre foram responsáveis por investimentos centrais na sociedade, a desestatização fragilizaria os grupos políticos dependentes destas nomeações, que passaram a exigir contrapartidas em troca do apoio ás teses privatizantes, incrementando as negociatas, os compadrios e a corrupção, deixando a mostra como se organiza a sociedade brasileira em benefício daqueles que desperdiçam os recursos públicos, gastando-os de forma ineficiente e faturando com os superfaturamentos e com os aditivos.

No Brasil os casos de corrupção eram frequentes, o presidente Fernando Collor perdeu o cargo com suspeita de corrupção, a implantação de medidas liberalizantes mostrou como os agentes políticos negociavam o dinheiro público e transformavam as negociações políticas, que devem ser saudáveis e necessárias, em um verdadeiro balcão de negócios em prol de interesses especiais organizados e estruturados financeiro e politicamente.

Embora o período analisado no livro compreenda o governo Fernando Collor, os casos de corrupção e malversação dos recursos públicos estão sempre estampando capas de jornais e revistas, gerando apreensão da população e contribuindo para difundir a tese de que todos os políticos são iguais e que a política deve ser descrita como a ciência do roubar e do enganar a população, um engano clamoroso. A política é um instrumento de organização social e de melhoria nas condições de vida da população, os excessos acontecem e devem ser corrigidos e evitados.

A corrupção no período Fernando Collor cresceu de forma acelerada, gerando movimentos intensos na população, levando milhares de pessoas às ruas e criando um movimento intenso e bem-sucedido de repúdio a todas as denúncias de corrupção. Neste período acreditávamos que as manchetes de revistas e jornais não mais retratariam casos tão flagrantes de corrupção, lendo engano, vendo em perspectivas o país passou por mais dois grandes momentos de denúncias de corrupção, o primeiro em 2005/2006 com as investigações do chamado Mensalão e, mais recentemente, os movimentos iniciados com as investigações que ficaram conhecidas como Operação Lava Jato, deste momento percebemos que os movimentos de controle e governança devem ser perseguidos com afinco e determinação, pois estes marginais devem ser combatidos para que a sociedade encontre seu caminho de progresso e desenvolvimento, visando reverter toda esta dívida social criada e mantida desde tempos coloniais e que afeta uma parcela considerável da sociedade brasileira e mexicana.

Atualmente o mundo conta com algumas instituições que se debruçam sobre estudos e pesquisas para investigar o tamanho da corrupção global, os dados são assustadores e envolvem trilhões de dólares, das instituições destacamos a Transparência Internacional, cujas pesquisas são conduzidas em todas as regiões do mundo e suas conclusões nos levam a questionar muitos valores envoltos no chamado capitalismo internacional.

Ao estudar estes dois grandes países da região e perceber que, tanto Brasil quanto o México, apresentam histórico de forte intervenção do Estado na economia e uma cultura baseada em regimes autoritários, descobrimos que o atraso destas sociedades quando comparadas com outros países desenvolvidos está num crescente desperdício dos recursos públicos e no incremento da corrupção, ambas extraindo recursos volumosos destes países, algo em torno de 5% do produto interno bruto, recursos estes necessários e fundamentais para diminuir os abismos existentes entre os grupos sociais, onde uma parcela considerável desta população vive em condições deploráveis e degradantes.

Os espíritos, suas influências nas vivências cotidianas

0

Muitos indivíduos acreditam que vivemos sozinhos nesta sociedade, não creem na existência de espíritos e atribuem estas crenças a pessoas ignorantes e fanáticas, outros acreditam que espíritos não existem e não fazem o menor sentido acreditar em sua existência, muitos o fazem para atribuir a outrem suas decisões equivocadas e suas atitudes desprovidas de sentido, neste caso a crença em sua existência serve como um verdadeiro instrumento para terceirizar decisões equivocadas que todos tomamos no cotidiano.

Os seres humanos sempre acreditaram na existência de uma força maior, ou pelo menos uma grande quantidade, um Deus ou uma divindade qualquer, este todo poderoso pode ser descrito como uma entidade onipresente, onisciente e onipotente, cabendo a cada indivíduo aceitar e louvar a sua existência e seus poderes, temendo-o para que não fosse vítima de sua ira ou de sua agressão, esta força era descrita como severa e todos deveriam temê-lo, sob pena de ser punido de forma exemplar e autoritária.

A Doutrina dos Espíritos, codificada em 1857, pelo pedagogo francês Hippollite Leon Denizard Rivail, nos mostra uma realidade bastante diferente, suas revelações nos mostraram a existência de mundos que se interligam diretamente, somos espíritos que nos revezamos em locais da existência humana, num momento estamos encarnados e “presos” a um corpo material ou estamos livres e vivendo como espíritos, todas estas vivências e experiências existem para que alcancemos o progresso e o desenvolvimento enquanto seres humanos.

Quando encarnados trazemos as limitações da matéria, estamos “presos” no mundo material e temos nossas potencialidades reduzidas, neste momento devemos nos asseverar de que estas limitações são provisórias e servem como instrumento de depuração e de reequilíbrio, para que construamos valores morais e espirituais emergenciais para nosso progresso e nosso desenvolvimento como espíritos eternos e imortais.

Nos escritos que nos foram enviados pelos espíritos, os indivíduos encarnados estão em convivência contínua com os irmãos desencarnados, estes últimos estão mais próximos dos encarnados do que imaginamos, somos por eles influenciados e muitas vezes somos por eles controlados e dominados, gerando verdadeiros desajustes e desequilíbrios espirituais, emocionais e psicológicos.

Os ensinamentos espíritas eram revolucionários e rompiam com tradições antigas e arraigadas na sociedade, às influências de seres desencarnados geravam grandes constrangimentos para movimentos religiosos tradicionais que, na maioria das vezes desacreditavam na existência de espíritos, muitas religiões importantes defendiam a tese de que ao morrer o indivíduo esperaria pelo grande tribunal, onde seríamos julgados pelos nossos gestos e nossos comportamentos, se condenados seríamos conduzidos para o exílio eterno e se absolvidos elevados nos padrões de desenvolvimento. Nesta concepção muitas perguntas ficavam sem respostas, o destino de todos ainda era uma grande incógnita e deveríamos acreditar no poder de Deus e na intervenção desta entidade na vida e nos rumos de cada um de nós. Indagar, perguntar e buscar respostas eram visto como atitudes de indivíduos de pouco fé, cujas indagações eram mal vistas pelas entidades superiores, deveríamos acreditar cegamente nos conhecimentos e crenças da religião.

Perseguições á nova Doutrina foram motivadas pelos ensinamentos trazidos, pelo estímulo ao conhecimento, ao estudo e a reflexão, o Espiritismo estava centrado na leitura, nas discussões salutares e na busca constante pela verdade e na defesa intransigente da ciência, que motivaram o codificador a defender a tese de que se a Doutrina defender ideias e a ciência mostrar que estas ideias são equivocadas, aceite as explicações da ciência.

Depois dos avanços e desafios trazidos pela Revolução Industrial, pela urbanização, pelo incremento da tecnologia e por muitas teorias que abarcavam várias áreas da ciência e do conhecimento humano, o mundo sentia a necessidade de um conjunto de ideias e pensamentos religiosos para poder estimular a compreensão da sociedade e da evolução dos seres humanos. Neste momento surge a chamada Terceira Revelação, a codificação do Espiritismo mostra para a sociedade que vivemos no mundo material, mas somos espíritos, estagiamos na matéria e voltaremos ao mundo espiritual e nesta alternância somos estimulados ao progresso intelectual, moral, espiritual e psicológico, sem estes avanços continuaremos fazendo estágios no mundo material, que deve ser vistos como uma verdadeira escola, cujos conhecimentos são fundamentais para nosso progresso e desenvolvimento.

O século XIX pode ser descrito como um período de grandes descobertas e conhecimentos, as novidades trazidas pelo mundo espiritual nos ajuda a compreender, que muitos dos nossos pensamentos, muito de nossas descobertas e muitas das nossas ideias não são verdadeiramente nossas, são inspirações que nos são trazidas por espíritos em condições mais avançadas no desenvolvimento, espíritos mais avançados no amor e na solidariedade, espíritos irmãos que nutrem empatia e nos auxiliam em nosso progresso, mesmo sabendo que muitos dos aplausos serão canalizados para os encarnados.

A atuação dos espíritos superiores está atrelada a uma boa conduta dos indivíduos, quando atraímos boas energias, quando oramos com fervor, quando fazemos o bem e desenvolvemos nossa empatia e solidariedade, quando fazemos caridade, quando emitimos bons pensamentos e cultivamos bons valores morais, sentimos a presença destes irmãos em nossa vida e em nosso cotidiano, estes irmãos nos inspiram, nos auxiliam e nos protegem, além de nos amparar em momentos de medos e incertezas, como nos momentos que vivemos na contemporaneidade.

A Doutrina dos Espíritos vem nos mostrar que nossas atitudes cotidianas vão definir os rumos e os caminhos que vamos seguir num futuro imediato, mostra-nos ainda, que muitas vezes somos conduzidos a novas encarnações com variados desajustes físicos, emocionais ou sensoriais, estes devem ser encarados não como uma punição de Deus, mas como um processo educativo. Muitos cidadãos teimam em acreditar que se trata de uma punição, com esta visão, acabam se descontentando com Deus, se afastando da religião e se transformando em pessoas descrentes, a Doutrina nos mostra que tudo deve ser visto como um processo de reeducação espiritual. Estas limitações tendem a auxiliar estes irmãos num processo de auto-reflexão, gerando uma depuração espiritual que abre espaço para um maior entendimento de como são regidas as leis de Deus, quando as afrontamos somos levados a uma reparação e quando as aceitamos e as desenvolvemos somos inspirados e conduzidos a novas experiências de progresso e desenvolvimento.

A Doutrina dos Espíritos assusta muitas pessoas e angaria inúmeros detratores e até inimigos declarados, muitas pessoas se esquivam das reflexões espíritas, pois se assustam com suas mazelas espirituais interiores, temem uma reflexão mais íntima porque não querem descobrir situações de desequilíbrios de vidas passadas, muitos querem se ver como heróis, mocinhos, príncipes ou rainhas, mas na verdade são indigentes espirituais, suas vivências anteriores de encarnações pregressas revelam situações degradantes de corrupção, de detrações, de atentados contra a honra alheia, de maldades verdadeiras, de violências e desrespeitos, estas experiências explicam as condições lastimáveis que vivem na contemporaneidade, suas dificuldades e medos cultivados intimamente.

Muitos acreditam que ao fugir desta situação pregressa degradante estão tomando as melhores atitudes e agindo de forma correta, neste momento é importante destacar que o passado de cada indivíduo é marcado por inúmeros equívocos e constrangimentos, todos somos verdugos de nós mesmos, cometemos erros, todos passamos por momentos de desajustes e desequilíbrios, todos cultivamos vícios variados, todos desejamos o mal alheio e trabalhamos para que este mal se efetivasse, esta história pregressa todos temos em comum e não devemos nos esconder desta realidade dolorosa e lastimável. Se tivemos um passado com tantos descaminhos, devemos compreender que todos estamos condenados a um futuro glorioso, desde que nos encaremos como seres humanos, deixemos de lado as atitudes mesquinhas e equivocadas e nos amparemos na convicção de temos todas as condições de construir um futuro promissor e centrado nos ideais e nos conhecimentos que nos são mostrados pelo Espiritismo.

Algumas obras nos mostram experiências assustadoras de espíritos que se compraziam no mal, na degradação e na violência cotidianas, espíritos ora atraídos pelos adornos do mal e do desajuste, entidades que vitimaram inúmeros indivíduos, geraram dores das mais violentas possíveis e que, depois de experiências reparadoras conseguiram se fortalecer e se transformaram em verdadeiros agentes do amor e da solidariedade, irmãos que aceitaram seu passado de dificuldades e desequilíbrios e compreenderam que não poderiam alterar o passado, mas que, com certeza, conseguiriam construir um novo futuro, como nos asseverou o médium mineiro Francisco Cândido Xavier.

No livro Sexo e Destino, psicografia de Chico Xavier e ditado pelo espírito André Luiz, acompanhamos a trajetória das famílias Torres e Nogueira, entrelaçadas em um novelo de degradação sexual, fragilidades morais e desequilíbrios emocionais, e percebemos o quanto espíritos desencarnados influenciam na vida das pessoas que se encontram no corpo material, nesta obra acompanhamos o irmão Moreira canalizando seu poder espiritual para comandar a vida de Cláudio Nogueira e influenciá-lo em decisões equivocadas, os espíritos estão presentes em nossas vidas muito mais do que imaginamos.

O esquecimento dos valores morais está gerando graves constrangimentos para o ser humano na sociedade contemporânea, a degradação do Meio Ambiente, o incremento do poder e da influência do dinheiro e dos valores materiais, o crescimento acelerado da desigualdade e da pobreza, o xenofobismo, as guerras e a violência entre países e dentro das próprias nações, todas estas situações estão conduzindo a coletividade a uma intensa destruição e a grandes extremos. A perda dos valores centrados na solidariedade, na ética e no amor podem conduzir a humanidade a situações de desesperança e sofrimentos, retomar os vínculos com a espiritualidade, ouvir as inspirações dos bons espíritos e se deixar conduzir por energias saudáveis e edificantes são medidas emergenciais que todos os indivíduos devem cultivar para que o mundo volte a ser um espaço de crescimento e desenvolvimento coletivo.

A Doutrina dos Espíritos foi trazida para a humanidade com este objetivo, sua missão é combater o materialismo que crassa a sociedade mundial, muitas vezes acreditamos que esta religião, filosofia ou ciência, como a conhecemos, não está tendo êxito em sua missão, mas na verdade a transformação é lenta e está em curso, muitos não conseguem enxergar os movimentos em curso, mas todos sabemos que o grande condutor do Planeta Terra é o Mestre Jesus, diante disso, percebemos que como o condutor é competente as coisas devem acontecer rapidamente e a melhora não tardará a chegar, como nos avisou Francisco Cândido Xavier, em 2057 a Terra será um mundo de regeneração, exatamente duzentos anos depois da codificação da Doutrina Espírita, o tempo está cada vez mais próximo e cabe a cada um de nós se preparar para esta nova empreitada, afinal, não temos mais tempo a perder com questões menores e inconsistentes.

 

 

 

 

 

Prevenção do Feudalismo digital, por Mariana Mazzucato

0

Do Project Syndicate

Ao explorar tecnologias que foram originalmente desenvolvidas pelo setor público, empresas privadas de meios digitais adquiriram uma posição no mercado que lhes permite extrair lucros massivos de consumidores e trabalhadores. Reformar a economia digital de forma que sirva a fins coletivos é, portanto, o principal desafio econômico do nosso tempo.

LONDRES – A obtenção e o uso de dados pelo Facebook e por outras empresas de tecnologia estão finalmente conquistando a atenção que merecem. Considerando que os dados pessoais vêm se tornando o produto mais valioso do mundo, serão os usuários os donos ou os escravos da economia das redes?

As perspectivas de democratizar a economia das redes sociais permanecem pequenas. Os algoritmos estão se desenvolvendo de maneira a permitir que as empresas lucrem com nosso comportamento passado, presente e futuro – ou o que Shoshana Zuboff da Harvard Business School descreve como nosso “excedente comportamental”. Em muitos casos, as plataformas digitais já conhecem nossas preferências melhor do que nós, podendo nos levar a agir de forma a produzir ainda mais valor. Nós realmente queremos viver em uma sociedade onde nossos desejos e manifestações mais íntimos estão à venda?

O capitalismo sempre se destacou ao criar novos desejos e ânsias. Mas com o fenômeno big data e dos algoritmos, as empresas de tecnologia conseguiram agilizar e ao mesmo tempo inverter este processo. Em vez de apenas criar novos bens e serviços, antecipando o que as pessoas podem querer, elas já sabem o que queremos e estão vendendo nossos “eus futuros”. Pior ainda, os processos algorítmicos usados ​​frequentemente perpetuam os preconceitos raciais e de gênero e podem ser manipulados para obter lucro ou ganho político. Embora todos nos beneficiemos imensamente dos serviços digitais, como a pesquisa no Google, não nos registramos para que nosso comportamento fosse catalogado, modelado e vendido.

Para mudar isso, será necessário focar diretamente no modelo de negócios vigente e, especificamente, na fonte de rendas econômicas. Assim como os proprietários de terras, no século XVII, que calculavam os aluguéis sobre a inflação do preço da terra, e assim como os barões mercenários que lucraram com a escassez de petróleo, as empresas de plataformas digitais atuais estão extraindo valor através da monopolização de serviços de busca e comércio online.

Certamente, é claro que setores com alta externalidade de rede – quando os benefícios para cada usuário aumentam de acordo com o número total de usuários – irão produzir grandes companhias. É por isso que as empresas de telefonia cresceram tanto no passado. O problema não é o tamanho, mas como as empresas baseadas em rede exercem seu poder de mercado.

As empresas de tecnologia originalmente usavam suas amplas redes para atrair diversos fornecedores para o benefício dos consumidores. A Amazon permitiu que pequenas editoras de obras vendessem títulos (incluindo meu primeiro livro) que, de outra forma, não teriam chegado às prateleiras das livrarias locais. O mecanismo de busca do Google costumava devolver uma variedade diversificada de fornecedores, bens e serviços.

Entretanto, hoje ambas as empresas usam suas posições dominantes para reprimir a concorrência, controlando quais produtos os usuários veem e favorecendo suas próprias marcas (muitas das quais têm nomes aparentemente independentes). Enquanto isso, as empresas que não anunciam nessas plataformas encontram-se em séria desvantagem. Como Tim O’Reilly argumentou, com o tempo, essa busca de aluguel enfraquece o ecossistema de fornecedores aos quais as plataformas foram originalmente criadas para servir.

Em vez de simplesmente presumir que os recursos econômicos são iguais, os formuladores de políticas devem tentar entender como os algoritmos da plataforma digital alocam valor entre consumidores, fornecedores e a própria plataforma. Enquanto algumas delas podem refletir a concorrência real, outras estão sendo manuseadas pela retirada de valor, e não por agregar valor.

Portanto, precisamos desenvolver uma nova estrutura de governança que começa com a criação de um novo vocabulário. Por exemplo, chamar as empresas de plataforma digitais de “gigantes da tecnologia” implica que investiram nas tecnologias das quais lucram, quando foram realmente os contribuintes que financiaram as principais tecnologias subjacentes – da Internet ao GPS.

Além disso, o uso generalizado de direitos fiscais e contratações trabalhistas independentes (para evitar os custos de seguro de saúde e outros benefícios) vem corroendo os mercados e instituições que dependem da economia digital. Em vez de falar sobre regulamentação, precisamos ir além, abraçando conceitos como co-criação. Os governos podem e devem estar moldando os mercados para garantir que o valor criado coletivamente atenda a objetivos coletivos.

Da mesma forma, a política de concorrência não deve se concentrar apenas na questão do tamanho de uma empresa. A divisão de grandes empresas não resolveria os problemas de retirada de valor ou abusos dos direitos individuais. Não há razão para supor que muitos Googles ou Facebooks menores operariam de maneira diferente ou desenvolvessem novos algoritmos menos exploradores.

Criar um ambiente que recompense a criação de valor genuíno e puna a retirada de valor é o desafio econômico fundamental de nosso tempo. Felizmente, os governos também agora estão criando plataformas para identificar cidadãos, coletar impostos e fornecer serviços públicos. Devido a preocupações nos primeiros dias da internet sobre o uso indevido oficial de dados, grande parte da arquitetura de dados atual foi construída por empresas privadas. Mas, as plataformas governamentais, agora tem um enorme potencial para melhorar a eficiência do setor público e democratizar a economia digital.

Para realizar esse potencial, precisaremos repensar a governança de dados, desenvolver novas instituições e, dada a dinâmica da economia de plataforma, experimentar formas alternativas de propriedade. Para citar apenas um dos muitos exemplos, os dados gerados ao usar o Google Maps ou o Citymapper – ou qualquer outra plataforma que dependa de tecnologias financiadas pelos contribuintes – devem ser usados ​​para melhorar o transporte público e outros serviços, em vez de simplesmente se tornar lucros privados.

Certamente, alguns argumentam que a regulamentação da economia digital impedirá a criação de valor orientada pelo mercado. Mas eles deveriam voltar e ler seu Adam Smith, cujo ideal de “mercado livre” era livre de rendas, não do Estado.

Algoritmos e big data poderiam ser usados ​​para melhorar os serviços públicos, as condições de trabalho e o bem-estar de todas as pessoas. No entanto, essas tecnologias estão sendo usadas atualmente para minar os serviços públicos, promover contratos de zero hora, violar a privacidade individual e desestabilizar as democracias do mundo – tudo em prol do ganho pessoal.

A inovação não tem apenas uma taxa de progressão; também tem uma direção. A ameaça representada pela inteligência artificial e outras tecnologias não está no ritmo de seu desenvolvimento, mas em como elas estão sendo projetadas e implantadas. Nosso desafio é estabelecer um novo rumo.

 

 Financeirização, imediatismo e a lógica do lucro monetário

0

Vivemos em tempos muitos curiosos, são momentos de grandes transformações, de medos e desesperanças coletivas convivendo lado a lado com euforias e entusiasmos pouco vistos na história da sociedade, momentos de tecnologias comandando as decisões, influenciando sobre as escolhas, definindo comportamentos, criando hábitos e costumes novos e revolucionários, vivemos tempos estranhos, mas ao mesmo tempo, interessantíssimos, sua superação nos levará a uma nova sociedade.

Desde a consolidação do sistema capitalista global, o dinheiro passou a dominar as relações sociais, o poder do capital passou a definir as regras de convivência social, a selecionar amizades, definir o comportamento humano e influenciar a cultura das nações, disseminando algumas tradições e enterrando outras, usando como instrumento de mensuração os interesses monetários e financeiros, deixando de lado as tradições e os costumes dos povos, o dinheiro passou a ditar as regras em todas as regiões da sociedade global.

Podemos compreender a financeirização da sociedade, como um novo momento do sistema econômico capitalista, nesta nova organização da sociedade os valores financeiros passam a dominar todas as estruturas econômicas, produtivas, sociais e políticas, transformando tudo em mercadorias e comercializando-as em um mercado em rápida expansão e amplo desenvolvimento, com valores próprios e recursos abundantes, as relações sociais e políticas sucumbem aos valores do imediatismo do dinheiro e do lucro material, transformando todas as relações entre os indivíduos em uma relação comercial ou financeira.

O marketing como ferramenta de gestão passou a ser utilizado por todos na convivência social, os indivíduos se esmeram para se mostrar cada vez mais em evidência, para isso se utilizam das redes sociais publicando fotos e comentários variados, sempre buscando seu melhor perfil, sua melhor companhia e seu melhor sorriso, afinal nesta nova sociedade precisamos nos mostrar sempre bem-sucedidos, felizes, eficientes e produtivos, as redes sociais para isso nos prestam um serviço valoroso.

Nesta nova sociedade, as tecnologias nos mostram caminhos alternativos, antigos empregos e ocupações estão sendo substituídas por outras profissões, com isso os trabalhadores se mostram preocupados e descrentes de melhores colocações no mercado de trabalho, suas perspectivas econômicas futuras são menores e os medos aumentam de forma acelerada, gerando novos medos e preocupações sociais, patologias emocionais e desequilíbrios espirituais, aumentando as depressões, as ansiedades, os transtornos e, em muitos casos, culminando num aumento brutal do suicídio.

As relações entre os indivíduos passam por mudanças aceleradas, de um lado encontramos pessoas dispostas a novos relacionamentos, abertas a novas experiências afetivas e sentimentais, mas ao mesmo tempo, encontramos um crescimento acelerado nas fragilidades emocionais, nos medos e nas dificuldades de entregas sentimentais, com isso percebemos desequilíbrios sentimentais intensos, carências afetivas e imaturidades emocionais, gerando novas patologias que aumentam as procuras por consultórios psiquiátricos e consultas com terapeutas e profissionais da psicologia.

Algumas pessoas buscam relacionamentos para suprir suas carências afetivas e sua imaturidade emocional, querem alguém ao seu lado, se cadastram em sites de relacionamentos, frequentam ambientes aconchegantes e buscam novas experiências sentimentais e sexuais, acreditando encontrarem nestes relacionamentos a felicidade tão almejada, os prazeres sonhados e a satisfação desejada. Nesta busca constante por novos amores e prazeres, estes indivíduos acabam se degradando sentimentalmente, aumentando seus desajustes, suas frustrações e seus desequilíbrios numa busca externa marcada pela ausência de valores consistentes e sentimentos íntimos e pessoais, nesta viagem acumulam desequilíbrios e medos generalizados que acabam levando estas a se fechar evitando novas experiências, acreditando que todos os relacionamentos são iguais, que todas as pessoas são interesseiras e mesquinhas e que seu destino é permanecer sozinho, acusando Deus e seus representantes pela solidão em que vivem.

Nesta sociedade, o dinheiro ganhou relevância exagerada, seus valores centrados no imediatismo, na competição e no lucro passaram a dominar a mente e os corações das pessoas, das empresas e dos governos, tudo passa pelos valores monetários, pelos ganhos financeiros e pelos prazeres do imediatismo, com isso, perdemos os momentos de planejamento da vida, da vivência em família e dos sentimentos de construção social, aqueles mais permanentes e cotidianos. Estamos afogados em números, metas e performance, com isso, estamos nos tornando seres frios e calculistas, queremos sempre as satisfações para o agora, para o imediato e se não a alcançarmos vamos buscar em outros relacionamentos, em outros empregos, em drogas legais ou ilegais, ou seja, estamos sempre buscando outras experiências que nos deem prazeres constantes para que não tenhamos que lidar com as frustrações do cotidiano, como se as frustrações não servissem como um instrumento de maturidade e de crescimento social.

Neste cenário percebemos o surgimento de indivíduos imaturos e inseguros que querem os prazeres a todos os momentos, por isso vivem vários relacionamentos em busca de gozos e satisfações constantes, com isso percebemos indivíduos trocando de emprego todos os meses, estão descontentes e frustrados com questões que os incomodam e se esquecem que estas frustrações fazem parte da vida de todos os indivíduos e são elas que nos dão a resiliência para construirmos nossas experiências afetivas e profissionais do cotidiano. Encontramos pessoas alternando variados relacionamentos, buscando em várias pessoas os prazeres e o autoconhecimento que só pode ser encontrado quando nos deparamos como nossas características mais íntimas e pessoais.

Esta imaturidade dos indivíduos está permeando a sociedade em todas as áreas e setores, empresas geridas por gestores impulsivos e pouco capacitados que veem seus lucros crescerem no curto prazo e se utilizam de estratégias inconsistentes para o longo prazo, esquecendo de que as empresas devem ser vistas como um agente social que tem no lucro seu instrumento central, mas que não pode deixar de lado valores morais e éticos mais sólidos e consistentes para sua perpetuação no tempo e sua respeitabilidade no mercado. Nesta sociedade competitiva, os gestores estão numa busca frenética por ganhos financeiros que estão levando a uma forte degradação do meio ambiente, incrementando o ambiente com mais dióxido de carbono, poluindo os rios e os lagos e fragilizando as fontes de água potável, com isso, estamos hipotecando nosso futuro e comprometendo a vida e os sonhos de uma nova geração, precisamos nos conscientizar que somos todos responsáveis pela situação do planeta Terra.

As escolas tradicionais foram repassadas para grandes grupos financeiros, verdadeiros fundos de investimentos recheados com muitos recursos monetários, estes fundos passam a administrar estas instituições como se fossem bancos e conglomerados financeiros, deixando de lado valores educacionais tradicionais e trazendo para a gestão técnicas de redução de custos e contabilização financeira, degradando valores e enriquecendo seus acionistas e investidores, estes mesmos investimentos estão tomando conta das universidades e transformando a educação em um grande negócio econômico, com alta lucratividade e forte potencial de valorização. O grande problema destes investimentos é que a educação deve ser vista em uma sociedade não apenas como um instrumento financeiro e de mercado, algo para se conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho e ganhos profissionais, mas deve ser vista como um dos projetos mais importante dos seres humanos, esclarecedor de suas dúvidas e instrumento de conscientização de seu papel social, como agente cultural e como entidade econômica, ao restringir a educação apenas como instrumento de construção de consumidores, estamos perpetuando uma grande injustiça social, deixando de formar cidadãos conscientes e capacitados intelecto e moralmente.

A financeirização do mundo deve ser fortemente rechaçada pela sociedade contemporânea, pois seu crescimento torna os indivíduos meros autômatos integrados sem capacidade de reflexão, sem vontades e desejos próprios, sendo conduzidos como meros robôs, como máquinas dotadas de atuação técnica e sem capacidade de reflexão crítica, sem organização política, sem sentimentos altruístas e sem capacidade de construção de valores sociais de tolerância, respeito e solidariedade.

Nesta sociedade financeirizada, os agentes sociais estão se corrompendo em troca de benesses financeiras e monetárias, os intelectuais se vendem no mercado em troca de recursos para uma vivência tranquila, com isso emitem opiniões na grande mídia e legitimam seus empregadores, os homens públicos que se deixam degradar em prol de vantagens materiais, autoridades religiosas que se vendem em um mercado que, com recursos monetários, os indivíduos conseguem comprar um terreno no céu até um perdão para comportamentos agressivos e desregrados, nesta sociedade o dinheiro é o grande agente social, comprando desde intelectuais, políticos e representantes das religiões tradicionais, o mercado compra tudo e paga bem, neste mundo estamos todos a venda, quer pagar quanto?

Nas igrejas tradicionais, a entrada do dinheiro e dos valores financeiros na estrutura hierárquica acabou gerando graves desequilíbrios morais e éticos, afastando a instituição de seus valores mais tradicionais, baseados no amor, no respeito e na solidariedade. Os recursos financeiros são fundamentais para todos os agentes sociais e políticos, mas não podemos deixar de compreender que o capital deve ser sempre visto como um meio e não como um fim, todas as vezes que o enxergamos como um fim para a solução de todos os males sociais e os indivíduos se deixam levar por sua alta capacidade de sedução, os seres humanos acabam se degradando e se deixando levar pela ganância, pela ambição e pelo sectarismo.

O pragmatismo dos valores financeiros está gerando uma sociedade desprovida de solidez moral, as tradições estão sendo redesenhadas e os indivíduos estão perdendo os referenciais que os conduziam anteriormente. As famílias, as escolas e as religiões sucumbiram aos valores do imediatismo da contemporaneidade e estão sendo reconstruídas pelos valores monetários e financeiros, nesta nova sociedade o trabalho alucinante e a busca pela sobrevivência afastam ao indivíduos de suas casas e residências, deixando-os cada vez mais distante de seus familiares e de seus amores mais intensos, o mundo do trabalho ganha força e se transforma no agente central, o capital passa a comandar tudo e transformar os indivíduos em números, deixando de lado a sua individualidade.

Neste novo modelo de sociedade os indivíduos podem comprar os prazeres do sexo e, mesmo muitos não acreditando, podem comprar amor verdadeiro, muitos relacionamentos se transformam em sentimentos mais sólidos devido a uma convivência mais próxima que inicialmente foi possibilitada pela atração do dinheiro e dos bens materiais, sem eles muitos olhares e sentimentos não seriam estimulados nos chamados flertes do cotidiano, impedindo proximidades e namoros de sucesso, o dinheiro pode ser o grande diferencial no mundo do sexo e no mundo dos amores sentimentais.

Vivemos em um mundo em ampla transformação, todas estas mudanças devem ser compreendidas como o surgimento de uma nova sociedade, mais dinâmica, mais flexível, mais integrada e mais interdependente, nesta sociedade os valores morais mais sólidos e consistentes devem ser estimulados para que o poder dos recursos financeiros não passem a dominar as estruturas sociais, um mundo marcado pela tecnologia e pelos interesses do dinheiro podem levar a coletividade ao autoritarismo e a dominação das mentes e dos corações, impedindo os indivíduos de refletir e de transformar a sociedade e de construir um futuro mais solidário e consistente.

“Quando a economia é vista como ciência exata, saídas são restritas a dados numéricos”.

0

Esther Dweck não tem dúvidas: economia é ciência social aplicada. Para ela, pensar o contrário é restringir as possibilidades de análises e abrir espaços para lógicas financeiristas

Por estar alicerçada em dados matemáticos e indicadores numéricos, a economia que vivemos na atualidade parece elementarmente ser derivada das ditas ciências exatas. Por trás dessa lógica está a de que a saída é sempre pelos números, de que é sempre possível conceber uma equação que demonstre a solução para os problemas. Esta, para a professora

Esther Dweck, é uma visão estreita do campo e assumir isso é abrir espaço para um receituário neoliberal que busca curar as crises. “A economia é uma ciência social aplicada. Eu não tenho dúvidas quanto a isso”, dispara. “O objeto da teoria econômica é entender como a sociedade garante os meios materiais para sua sobrevivência e reprodução. Portanto, a economia aborda como as sociedades garantiram a produção e a distribuição desses meios materiais”, explica.

Entretanto, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, observa que desde o final do século XIX há essa tensão que puxa o campo da economia para as ciências exatas. “Naquela época, mudaram o nome da ciência de ‘Economia Política’, como era definida pelos economistas clássicos, para ‘Economics’ (em inglês) para tentar aproximar das ciências exatas. Uma das mudanças importantes desse período foi alterar a discussão de distribuição como um processo político, como visto por Smith, Ricardo e Marx, para um processo estritamente ‘econômico’”, detalha. E conclui: “a lógica passa a ser uma visão individualista, onde cada agente será remunerado de acordo com as suas capacidades”.

O que fica claro na abordagem de Dweck é que a assunção dessas perspectivas se torna terreno fértil para o emprego do que chama de “receituário neoliberal” que foi sendo imposto aos Estados. “Foram liberalização financeira, liberalização comercial, privatização, liberalização dos fluxos financeiros, desregulamentação dos mercados financeiros domésticos e uma mudança na lógica da política fiscal, que passou a ter como único objetivo, ou objetivo principal, a sustentabilidade da dívida pública”, destaca. E qual o objetivo? Para a professora, a meta é “garantir a estabilidade e o retorno esperado do capital, em consonância com abertura financeira”. Por isso, defende: “é preciso colocar no centro de um novo modelo de desenvolvimento a redução da desigualdade de renda e aumento do investimento social, ambos fundamentais para acelerar o crescimento econômico de forma mais inclusiva e ambientalmente sustentável”.

Esther Dweck é professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, possui doutorado em Economia pela UFRJ, com período-sanduíche no LEM da Scuola SantAnna, em Pisa, Itália. Entre 2011 e 2016, atuou no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no cargo de chefe da Assessoria Econômica e como secretária de Orçamento Federal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Até que ponto a Economia opera como ciência social aplicada, portanto voltada ao bem-estar coletivo, e a partir de que ponto ela se converte em um sistema tecnocrático de financeirização da vida?
Esther Dweck – A economia é uma ciência social aplicada. Eu não tenho dúvidas quanto a isso. O objeto da teoria econômica é entender como a sociedade garante os meios materiais para sua sobrevivência e reprodução. Portanto, a economia aborda como as sociedades garantiram a produção e a distribuição desses meios materiais.

No entanto, desde o final do século XIX, há uma tentativa de equiparar a economia às ciências exatas. Naquela época, mudaram o nome da ciência de “Economia Política”, como era definida pelos economistas clássicos, para “Economics” (em inglês) para tentar aproximar das ciências exatas. Uma das mudanças importantes desse período foi alterar a discussão de distribuição como um processo político, como visto por Smith, Ricardo e Marx , para um processo estritamente “econômico”. Nesse sentido, a lógica passa a ser uma visão individualista, onde cada agente será remunerado de acordo com as suas capacidades.

IHU On-Line – Quais foram os caminhos que levaram o debate econômico e, em certo sentido, a teoria econômica à perspectiva utilitarista como saída única?
Esther Dweck – Essa visão do final do século XIX culminou com a definição estrita da ciência econômica, por Lionel Robbins, em 1932, como: “a ciência que estuda as formas de comportamento humano resultantes da relação existente entre as ilimitadas necessidades a satisfazer e os recursos que, embora escassos, se prestam a usos alternativos”. No entanto, essa visão foi questionada a partir dos acontecimentos das décadas de 1930, devido à grande depressão e com o desfecho político trágico que levou à II Guerra Mundial.

As visões alternativas sobre economia, que sempre caminharam em paralelo à teoria mais convencional, ainda que marginalizadas, ganharam espaço e contribuíram para uma mudança quanto à formulação do objeto da economia. O colapso social das décadas de 1930 e 1940 levou a um consenso dentro da economia de que o sistema capitalista não era capaz de garantir a distribuição equitativa da riqueza, nem mesmo garantir a produção de forma sustentada. Mesmo dentro de uma perspectiva mais convencional, os problemas apontados por Keynes ao final da Teoria Geral – incapacidade de garantir o pleno emprego e a tendência à concentração de renda – ganharam destaque nas proposições de política econômica depois da II Guerra Mundial.

A constituição de Estados de Bem-Estar Social e outras políticas ativas de redução das flutuações econômicas passaram a fazer parte das recomendações de muitos economistas como forma de enfrentar esses problemas. Sabemos que, enquanto essas políticas foram adotadas, o mundo passou pela chamada “Era de Ouro do Capitalismo”, com crescimento econômico e redução das desigualdades.

Rompimento

No entanto, esse consenso teórico e político foi rompido a partir da década de 1970. Como ressaltam Dardot e Laval , a partir dos governos conservadores de Reagan e Thatcher houve um questionamento sobre a regulação keynesiana macroeconômica, a propriedade pública das empresas, o sistema fiscal progressivo, a proteção social, o enquadramento do setor privado por regulamentações estritas, especialmente em matéria de direito trabalhista e representação dos assalariados – embora a primeira experiência mundial dessa nova visão tenha sido o Chile, no governo Pinochet , ainda no início dos anos 1970.

IHU On-Line – De que forma o neoliberalismo e a financeirização transformaram, ao mesmo tempo, a economia em uma ciência mais complexa – no sentido de que ninguém entende bem seus mecanismos de funcionamento – e a teoria econômica em uma ciência mais vulgar, pobre intelectualmente – no sentido de que há cada vez menos senso crítico?
Esther Dweck – As políticas que foram sendo impostas aos países a partir desse receituário neoliberal foram liberalização financeira, liberalização comercial, privatização, liberalização dos fluxos financeiros, desregulamentação dos mercados financeiros domésticos e uma mudança na lógica da política fiscal, que passou a ter como único objetivo, ou objetivo principal, a sustentabilidade da dívida pública, de forma a garantir a estabilidade e o retorno esperado do capital, em consonância com abertura financeira. Assim, a política fiscal deixa de ter como objetivo a estabilidade do crescimento e a distribuição da renda e passa a ser a fiadora do espaço de valorização do capital.

Nesse sentido, há uma mudança na correlação de forças internas a cada país, os Estados vão aos poucos perdendo a capacidade de coordenar os investimentos públicos e privados, perdem capacidade de fomentar o crescimento e a geração de emprego e há uma maior suscetibilidade das economias nacionais a crises internas e externas. A consequência, por um lado, é de uma perda de autonomia nas políticas econômicas, as economias nacionais ficam mais sujeitas às flutuações nos mercados internacionais e aumenta a complexidade na administração das economias nacionais, dos países emergentes.

Por outro lado, desde o governo Thatcher, procura-se passar a ideia de que não há alternativa econômica a essa visão, o que ficou conhecido como TINA (There is no alternative). No entanto, países como China, e mesmo outros asiáticos, demonstraram que esse caminho proposto nas décadas de 1980 e 1990 não era o único. Depois da crise asiática, em 1997, houve alguma reversão dos processos de abertura dos países asiáticos, que passaram a se proteger mais. Aqui no Brasil, a partir de 2003, aproveitamos o período de forte liquidez internacional para acumular reservas e paramos o caminho de maior abertura e integração aos países centrais. Adotamos uma estratégia mais centrada no mercado interno, por meio de políticas de redistribuição de renda, e demos um forte impulso aos investimentos públicos e à coordenação dos investimentos pelo Estado. Infelizmente, depois de 2016, mesmo com os resultados positivos dessa estratégia, voltamos a uma total submissão aos preceitos neoliberais.

IHU On-Line – De que forma a Emenda Constitucional 95, que restringe os recursos orçamentários, a reforma trabalhista e a proposta de reforma da Previdência impactam e geram restrições às políticas econômicas de Estado em diferentes níveis?
Esther Dweck – Essas três grandes reformas são um exemplo dessa nova submissão. Na realidade, são uma destruição do que ainda tínhamos de uma estrutura institucional que permitia pensar em um projeto mais inclusivo para o Brasil. Vejamos, como apresentamos no livro Economia para Poucos: Impactos Sociais da Austeridade e Alternativas para o Brasil, que organizei em conjunto com Pedro Rossi e Ana Luiza Matos de Oliveira , a EC 95/2016 é uma destruição da Constituição de 1988. A EC 95/2016 institui uma política de austeridade permanente. Ao impedir um crescimento real dos gastos primários (aqueles que incluem benefícios sociais, saúde, educação, justiça, cultura, segurança pública, entre outros), ela impõe um corte permanente em termos dos gastos por cidadão e como proporção do PIB. Além disso, é uma política recessiva, que acentua o quadro de estagnação econômica por que estamos passando.

A emenda retira o poder do congresso e da sociedade de moldar o tamanho do orçamento público e provoca um acirramento do conflito distributivo dentro do orçamento. Assim, impõe outro projeto de país, incompatível com aquele almejado pela Constituição de 1988. Da forma como está, será muito difícil cumprir o limite de gastos estipulado pela EC, mas vai permitir um projeto permanente de ajuste liberal, pois exige diversas outras reformas. Na própria emenda, já foram reduzidos os mínimos constitucionais de saúde e educação. Isso já está causando uma redução do financiamento da atenção básica, com consequências trágicas, como o aumento da mortalidade infantil e materna.

No livro, os diversos artigos apresentam os resultados desastrosos que já estão ocorrendo e os que ainda vão acontecer nas mais diversas áreas. Dentre as reformas impostas pela EC 95, a reforma da Previdência foi a que veio na sequência. A proposta de reforma apresentada pelo governo Bolsonaro, assim como a de Temer, com o discurso falacioso de corte dos privilégios, na verdade é um ataque ao regime solidário e de repartição atual brasileiro. O Regime de Previdência Social brasileiro é um dos importantes instrumentos de transferências sociais e quase 70% dos benefícios se concentram em um salário mínimo. Ao aumentar o tempo mínimo de contribuição, alterar as regras da aposentadoria rural e mudar o critério para o direito Benefício de Prestação Continuada – BPC, a proposta atinge os mais pobres e desmonta um importante colchão de prevenção de crise social no Brasil.

Finalmente, a reforma trabalhista procura retirar todo o poder de barganha dos trabalhadores, ao procurar igualar o mercado formal ao informal. Isso acaba desprotegendo os trabalhadores e beneficiando os patrões.

IHU On-Line – Quais são as consequências sociais do aprofundamento das políticas neoliberais? O que a experiência em outros países tem a nos ensinar?
Esther Dweck – O resultado é muito claro e já estamos vendo no Brasil. Assim como ocorreu em outras partes do mundo, principalmente após 2010, essas políticas levam à recessão econômica e ao caos social. Na Europa e nos Estados Unidos, depois do retorno às políticas de austeridade em 2010, diversos trabalhos têm apontado como isso gerou três resultados claros: 1) a recuperação mais lenta de uma crise econômica na história; 2) um forte aumento da desigualdade com piora de diversos indicadores sociais; 3) piora nos resultados fiscais, o que vem sendo chamado de ajuste fiscal autodestrutivo, ou seja, o ajuste fiscal acaba contribuindo para uma recuperação lenta ou para uma acentuação da crise e isso reduz ainda mais a arrecadação tributária. Como sabemos, esses resultados estão presentes no Brasil, portanto essas políticas trazem impactos negativos nas três esferas: econômica, social e fiscal.

IHU On-Line – Como superar a recessão econômica sem cair em um desenvolvimentismo, não raro assassino e ambientalmente devastador? Qual nossa perspectiva de futuro?
Esther Dweck – Na conclusão do livro que mencionei acima, apresentamos um esboço de um projeto social de desenvolvimento econômico sustentável. Em um livro lançado recentemente pela Cepal , Alternativas para o desenvolvimento brasileiro: Novos horizontes para a mudança estrutural com igualdade , há um conjunto de textos que apontam nessa direção. O meu texto com o Pedro Rossi nesse livro, “Políticas sociais, distribuição, crescimento e mudança estrutural”, avança na ideia que desenvolvemos antes. Nesse texto apontamos que é preciso colocar no centro de um novo modelo de desenvolvimento a redução da desigualdade de renda e aumento do investimento social, ambos fundamentais para acelerar o crescimento econômico de forma mais inclusiva e ambientalmente sustentável.

A lógica que queremos demonstrar é que esse é um projeto que não apenas garante maior justiça social e reparação histórica à enorme desigualdade brasileira, como também tem enorme potencial de dinamizar a economia dada a enorme concentração de renda e a carência de infraestrutura social. Nesse sentido, há um potencial de décadas de investimentos sociais a serem executados para que possamos atingir níveis adequados, e há um longo caminho redistributivo para que os níveis de desigualdade sejam aceitáveis.

Enfim, é cada vez mais importante repensar o modelo de desenvolvimento e deixar de lado a falsa dicotomia entre a questão social e ambiental e a questão econômica se quisermos garantir de fato uma mudança estrutural com igualdade. Nesse livro também tem um texto da Camila Gramkow muito interessante sobre a questão ambiental: “De obstáculo a motor do desenvolvimento econômico: o papel da agenda climática no desenvolvimento”, que eu acho que vale a pena como forma de repensar o papel da agenda ambiental no Brasil.

IHU On-Line – O papa Francisco vem defendendo a constituição de uma nova lógica econômica, concebendo uma “economia que não mata”. Como a senhora apreende essas críticas de Bergoglio ao atual sistema econômico? E qual a viabilidade, do ponto de vista do campo econômico, da implementação de uma economia eticamente responsável, como proposto por ele nos debates que devem ocorrer em Assis no ano que vem? 
Esther Dweck – Acho que há diversos economistas dispostos a se engajar nessa agenda de “estudar e praticar uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda”. Infelizmente, não é por onde têm caminhado as políticas econômicas adotadas pelos dirigentes das principais economias mundiais, mas há sim diversos economistas dispostos a repensar a economia. Acho que a iniciativa do Institute for New Economic Thinking – INET é uma dessas aberturas para tentarmos repensar a forma de ensinar e praticar economia.

Caso contrário, continuaremos nessa trajetória de um mundo cada vez mais polarizado, com as desigualdades crescentes e incapaz de garantir o mínimo para sobrevivência para grande parte da população. A consequência desse descaso por parte das autoridades, como podemos ver no Brasil, é um aumento da violência e o fim de qualquer empatia entre as pessoas. O fato de que muitos acham normal o Estado estar autorizado a fazer uma verdadeira guerra aos jovens negros e pobres brasileiros é um sintoma de que a nossa sociedade está doente.

IHU On-Line – Quais são os desafios para construir uma economia eticamente responsável, capaz de defender de forma irrestrita as vidas humana, animal e do meio ambiente?
Esther Dweck – Existem muitos grupos interessados no avanço do projeto neoliberal Brasil, um projeto que acaba com os mecanismos de proteção social e de redistribuição de renda. Não é à toa que as elites brasileiras se uniram em torno de um projeto de destruição do tecido social, de venda dos ativos nacionais, perda de soberania e ambientalmente irresponsável. Infelizmente, ainda não há uma consciência por grande parte da população dos efeitos dessa política sobre a vida da grande maioria da população e esses grupos estão conseguindo garantir o seu projeto de uma economia para poucos, para muito poucos.

 

 

“Bolsonarismo é uma ideologia de classe média americanizada, ressentida”

0

Historiadora Armelle Enders comenta os ataques de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes à primeira-dama francesa e descontrói FHC

A historiadora francesa Armelle Enders é apaixonada pelo Brasil, país que visita e estuda há mais de 30 anos. Nesta entrevista a Carta Capital, ela comenta o episódio dos ataques grosseiros desferidos por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes à primeira-dama francesa, Brigitte Macron. “O bolsonarismo é uma ideologia de classe média americanizada, ressentida. E tem também a personalidade do Macron, um homem culto, o que para o bolsonarismo é uma coisa que instiga a homofobia deles. Cultura é vista como uma coisa feminina, desprezível, de homossexual”.

A historiadora desconstrói ainda a personagem de Fernando Henrique Cardoso, “que goza de uma reputação de esquerda esclarecida entre franceses de sua geração, mas é, na realidade, um coronel da política brasileira que faz em Paris análises totalmente equivocadas sobre a realidade do País”.

Professora titular de História Contemporânea na Universidade Paris 8 e pesquisadora do Institut d’Histoire du Temps Présent, Armelle Enders publicou, entre outros livros, A História do Rio de Janeiro (Editora Gryphus) e Histoire du Brésil (Chandeigne), que acaba de ganhar a terceira edição, atualizada com a eleição de Bolsonaro.

Carta Capital: Em janeiro deste ano, em Paris, FHC disse que não houve golpe de Estado, as instituições no Brasil funcionavam normalmente e a eleição de Bolsonaro foi a expressão da rejeição da corrupção e da violência.

Armelle Enders: Acho que há um divórcio entre a imagem que o FHC tem na França, por causa das relações que ele tem de amizade com uma certa inteligência francesa da geração dele, e a realidade. Ele tem uma imagem de esquerda esclarecida, esquerda moderna, e na realidade é um coronel da política brasileira. Como historiadora, vejo como uma coisa típica que havia na Primeira República: políticos que tinham posições públicas progressistas e, na verdade, no reduto eleitoral de poder deles, eram muito atrasados, oligarcas tradicionais. A análise dele é equivocada. É a versão do PSDB, surgida antes da campanha de 2014, de que o “lulopetismo era um sistema para se perpetuar no poder”. A propaganda foi massiva e espalhou-se. Pode-se contestar o PT, num contexto democrático isso faz parte da luta política. Mas, com o golpe, a situação política no País virou uma construção diabólica, de destruição do Estado.

CC: Uma construção diabólica?

AE: O PT foi acusado de se corromper para manter um projeto autoritário de poder. Foi isso o que os brasileiros teriam rejeitado. A afirmação de FHC é a consagração dessa lógica, que se desenvolveu num contexto de eleições, mas virou verdade para muita gente. Acabou por abalar as consciências. Outro argumento foi usado no pleito de 2018: o PT e Bolsonaro são dois extremos. Então, ambos devem ser rejeitados. Esses dois temas são desdobramento do contexto eleitoral, mas totalmente equivocados.

CC: O escritor chileno Ariel Dorfman afirmou recentemente: “O Brasil continua de costas para seu passado. A impunidade das Forças Armadas brasileiras abriu o caminho para Bolsonaro ser presidente e dizer as barbaridades que pronuncia diariamente”. Concorda?

AE: Na verdade, esse conflito nasce da correlação de forças no final da ditadura. A extrema-direita militar e civil negociou uma transição pretensamente democrática feita por cima, um acordão. O poder estava do lado dos militares, o que estava em jogo era a anistia. Foi preciso escolher: ou a ditadura persiste ou se processa os militares. O preço foi uma anistia negociada, sem punição. O problema sempre surge em função dos militares.

CC: Por que não se revogou a Lei da Anistia, como Néstor Kirchner fez na Argentina?

AE: Essa correlação de poder se manteve. A Comissão Nacional da Verdade desfez o pacto da Anistia, mas sem julgar os torturadores e responsáveis por crimes contra a humanidade.

CC: E essa série de incidentes degradantes e ridículos protagonizada por Bolsonaro, Guedes e outros em relação à França? Houve ofensas à mulher do presidente Macron que envergonham qualquer brasileiro decente.

AE: Analiso em dois níveis. Primeiro, o nível político, da relação do Brasil de Bolsonaro com o governo americano e Trump. Houve atritos entre Trump e o presidente Macron. Logo em seguida, começaram os atritos do Bolsonaro com Macron, o alinhamento era evidente. Foi também uma maneira de Bolsonaro agitar a bandeira da soberania diante das velhas potências europeias. Há ainda um componente cultural. A representação da Europa, e particularmente da França, é o contrário da ideologia dos bolsonaristas. A França é representada pela cultura, sofisticação de uma certa elite brasileira tradicional. O bolsonarismo é uma ideologia de classe média americanizada, ressentida. E tem também a personalidade do Macron, um homem culto, o que para o bolsonarismo é algo que instiga a homofobia. Cultura é vista como uma coisa feminina, desprezível, de homossexual. Macron valoriza a cultura, não é o estilo varonil do russo Vladimir Putin. O casal que ele forma com Brigitte, uma mulher culta e mais velha, representa tudo o que eles odeiam.

CC: Bolsonaro não esconde o interesse de se apropriar das terras indígenas para favorecer o agronegócio e explorar as riquezas do subsolo. Como a comunidade internacional pode ajudar a proteger a biodiversidade da Amazônia, mas também a proteger essas populações?

AE: Políticos populistas, como Trump, Netanyahu ou Putin, desrespeitam totalmente as instituições internacionais. Imagino que Bolsonaro fará a mesma coisa. As ONGs sofrem perseguição do governo brasileiro, e há ainda os consumidores do mundo. O que pode alterar a situação do Brasil da era Bolsonaro são os interesses econômicos. Mas não é fácil, porque muitas empresas multinacionais lucram com o bolsonarismo.

CC: Em artigo publicado no Le Monde, o filósofo Alain Badiou sustentou que o capitalismo é o responsável pela destruição do planeta. E propôs: “Que não exista propriedade privada do que deve ser comum, a saber a produção de tudo o que é necessário à vida”.

AE: Na verdade, a única alternativa que tivemos ao capitalismo foi a União Soviética, que em relação ao meio ambiente também não foi exemplar. É uma crise não só do capitalismo, mas da civilização, do que era a social-democracia. Não acredito também na economia administrada ou num Estado todo-poderoso, que pode acabar sendo predador.

CC: Qual seria a solução?

AE: É uma questão de consentimento das populações. Uma grande parcela apoia a predação. É difícil resolver.

CC: Será resolvido somente quando todos perceberem que estamos à beira do precipício?

AE: Já estamos. Aparentemente, há uma consciência mais nítida do que muitos anos atrás. O Brasil tem uma coisa mais forte, uma tradição escravocrata, que vem da época colonial. E o Bolsonaro refere-se a isso no imaginário da conquista do Oeste. Existe a ideia de que o território do Brasil é infinito. Pode-se explorar as terras à vontade, com permissividade absoluta.

 

Literatura Espírita e as memórias dos mundos espirituais

0

Uma das obras mais interessantes da Doutrina dos Espíritos, escrita pela médium carioca Yvonne do Amaral Pereira Memórias de um suicida, nos traz inúmeros elementos para reflexão e compreensão da alma humana, um livro magistral que acredito deva estar em um lugar de destaque na literatura espírita, uma obra memorável, sem dúvida um dos dez melhores livros desta corrente que une filosofia, religião e ciência.

O livro nos mostra como os seres humanos que tiraram suas vidas passam por dificuldades das mais severas possíveis quando chegam ao mundo dos espíritos, mostra-nos em detalhes o sofrimento humano, as dores e os medos que acompanham estes irmãos desencarnados, suas trajetórias e comportamentos, suas dúvidas e remorsos, seus questionamentos e o reconhecimento de quanto se esquivaram dos conhecimentos íntimos e pessoais, embora a obra retrate a experiência de um grupo de cinco pessoas que fizeram da adversidade um elemento de união e de aproximação, unindo tramas e enxugando, uns dos outros, as lágrimas que teimavam em inundar suas faces assustadas e conscientes dos erros cometidos.

Na obra percebemos que nos unimos de acordo com nossos sentimentos e energias, quando pensamos, quando vibramos e quando falamos, atraímos as energias que dialogam com nossos pensamentos e vibrações, estas energias nos acompanham enquanto nossos pensamentos estiverem vinculados mais intimamente. Os personagens do livro se encontraram em momentos de adversidades e medos, todos assustados e buscando respostas para tudo que sentiam, as dores eram imensas, o cheiro era tenebroso e as vibrações eram agressivas e violentas, o ambiente era de grande apreensão, mas só poderiam sair deste local se conseguissem vencer seus medos e orassem, deixassem de lado o orgulho e a arrogância, pedindo auxílio e proteção, ao fazê-los seriam atendidos por grupos socorristas do mundo espiritual que atuavam nestas imediações.

A obra nos leva a conhecer o Instituto Maria de Nazaré, instituição criada e mantida pela mãe de Jesus Cristo, esta casa poderia ser descrita como um espaço de recolhimento e auxílio para todos os indivíduos que tivessem atentado contra suas próprias vidas, espíritos desesperados e pobres de sentimentos edificantes, espíritos doentes e necessitados de um intenso apoio e compreensão. A administração da casa era altamente capacitada tanto intelectualmente quanto moralmente, com espíritos dotados de grande sensibilidade e carisma, cujos conhecimentos eram de grande valia para os atendimentos a irmãos em situação degradante e vexatória.

O Memórias de um suicida nos mostra como somos observados pelos irmãos de planos superiores, num determinado momento do relato, um dos personagens da obra pergunta aos gestores do Instituto, por que deles terem ficado tanto tempo nos pântanos do mundo espiritual?  Na resposta o amigo espiritual destaca que estes irmãos sempre estiveram sendo observados pelos trabalhadores do Instituto, estes apenas não receberam permissão para socorrê-los já que para isso estes irmãos em desespero precisariam vencer suas vaidades pessoais e buscar o auxílio de Deus e dos amigos espirituais.

Um dos maiores dramas que acometem estes irmãos suicidas é o remorso, a atitude insana destes indivíduos causou graves constrangimentos para seus familiares e amigos mais próximos, todos são afetados por este gesto agressivo e violento cometido num instante de irracionalidade que vai impactar em suas trajetórias durante muitos anos, séculos ou milênios. As lembranças dos familiares, suas dificuldades materiais e seus desequilíbrios emocionais e espirituais causam graves dores aos irmãos suicidas, que constantemente se veem chorando com lembranças amargas e desagradáveis, o remorso os corrói intimamente, uma dor insana que aumenta o arrependimento e os vincula cada vez mais aos rumos daqueles que permaneceram encarnados no mundo material.

Na obra percebemos o quanto a junção do conhecimento com os valores morais e religiosos transformam os seres humanos, nas reflexões todos os internados percebem quanto perderam tempo com mediocridades e coisas secundárias, deixando de lado valores mais sólidos e consistentes. Os personagens do livro são todos descritos como homens inteligentes e dotados de amplos conhecimentos científicos, todos viveram em condições de grandes prazeres materiais, acumularam recursos financeiros e se deixaram levar pelo personalismo, pela vaidade e pelo orgulho, energias e sentimentos que nos acompanham e nos trazem constrangimentos dos mais severos e imediatos.

Embora inteligentes e conhecedores das mais variadas ciências do mundo, cada um retornou ao mundo espiritual vitimado por suas fraquezas mais intensas, um escritor reconhecido mundialmente sucumbiu à cegueira, um professor respeitado se suicidou em decorrência de uma moléstia física, um comerciante tirou sua vida depois de se ver na miséria e na falência material, outro personagem se deixou levar pelo ciúmes da esposa, matando-a e depois se suicidando, cada um vitimado por dores intensas que acometiam suas almas, orgulhos generalizados e uma ausência dos valores espirituais mais verdadeiros.

O livro nos mostra que todos os personagens tomaram a triste decisão de suicídio porque acreditavam que conseguiriam, com este ato, fugir de seus dramas pessoais, o medo e o orgulho superaram todos as outras dificuldades e os levaram a acreditar que a morte era o verdadeiro fim. Quando acordaram em regiões tenebrosas (umbral) e perceberam que a morte não existe e os dramas que viviam eram verdadeiros e intensos, se desesperaram e viram seus desequilíbrios e suas dificuldades aumentarem de forma exponencial.

Os seres humanos muitas vezes se entregam aos conhecimentos, estudam e aprendem sobre várias ciências, absorvem conhecimentos científicos e tecnológicos de suma importância e passam a acreditar que, com estes conhecimentos, estão em condições melhores e superiores aos outros indivíduos, constroem intimamente ideias e teorias de que estes conhecimentos os tornam melhores e mais importantes, são irmãos doentes que se esquecem que os conhecimentos sem os valores morais os indivíduos regridem e perdem oportunidades sublimes para seu crescimento e desenvolvimento espiritual.

Os personagens retratados na obra são indivíduos inteligentes e dotados de grandes conhecimentos científicos, são intelectuais que não deixaram o conhecimento os transformarem enquanto seres humanos, se deixaram levar pela arrogância e pelo orgulho e se esqueceram dos verdadeiros valores que nos foram trazidos pelo mestre de Nazaré. Camilo Cândido Botelho e Belarmino de Queiroz eram os mais capacitados intelectualmente, o primeiro um dos mais importantes escritores lusitanos de todos os tempos enquanto o outro era um renomado professor de Ética, de Dialética e de Matemática, ambos geniais nos conhecimentos materiais, mas verdadeiros leigos e ignorantes quando o assunto era o espírito, a imortalidade da alma e a inexistência da morte.

Nos momentos que passaram no Instituto Maria de Nazaré, assistiram palestras, fizeram visitas a enfermos, participaram de missões e tiveram a oportunidade de aprender lições das mais valiosas, conseguindo visualizar seus equívocos, conheceram os conhecimentos da terceira revelação, assistiram suas vidas anteriores e seus mais severos desatinos e puderam escolher os momentos para seus retornos ao mundo material, tendo a consciência de que seus gestos tresloucados os fariam passar por privações física ou emocional que contribuiriam para seus resgates e crescimento moral. Em todos estes momentos de lembranças, as emoções os dominavam de forma acelerada, as imagens pregressas eram agressivas, os medos vinham à tona e geravam grandes desatinos, todos passaram a conhecer suas desditas e percebiam, com isso, que a única forma de se libertar dos desajustes cometidos em vidas anteriores eram o retorno ao mundo material, a reencarnação era o remédio indicado para todos os irmãos, mas a forma como reencarnariam assustava a todos indistintamente.

A literatura espírita nos mostra que a vida verdadeira se dá no mundo espiritual, quando a ele retornamos somos energeticamente atraídos pelas energias que mais se sintonizam com nossos valores, comportamentos e sentimentos, se nos utilizamos mal dos recursos que nos foram dados pela espiritualidade maior somos atraídos a locais semelhantes e permaneceremos ali o tempo necessário para que consigamos vencer nossas dificuldades e limitações, agora se nos comportamos melhor e acordarmos em locais de assistência e tratamento espirituais, devemos nos recuperar e iniciar tratativas para novos trabalhos, estudos e reflexões, conversas edificantes com mentores espirituais, aprendizados com experiências pregressas de outros irmãos espirituais, sempre buscando a evolução, sempre aprendendo, sempre nos aperfeiçoando e estudando as leis que regem a sociedade e a vida, tudo isto contribui para nosso progresso espiritual.

Muitos irmãos acreditam que quando morrerem vão poder descansar ou que ao morrer passam desta para uma melhor, afirmam isto com uma naturalidade e muitas vezes não refletem para perceber o significado de suas palavras e expressões. A vida no mundo espiritual pulsa com grande impulso, somos trabalhadores e devemos trabalhar intensamente enquanto Deus nos conceder a oportunidade do labor, este sim nos auxilia e nos leva a auxiliar todos os indivíduos que sofrem e mourejam em lágrimas de tristezas e dores alucinantes, são irmãos que necessitam deste abraço amigo, do consolo desinteressado e de valores morais sólidos e estruturados, o trabalho é fonte de progresso e de maturidade espiritual.

O Instituto Maria de Nazaré nos mostra como a organização é fundamental, como o respeito e o trabalho digno nos sinaliza os passos do progresso, encontramos neste instituto trabalhadores devotados nas mais variadas áreas e setores, desde os responsáveis pela vigilância, os lanceiros, os enfermeiros, os médicos, os assistentes, os diretores, dentre outros, todos seguindo as regras e os ensinamentos da grande educadora Maria de Nazaré. Da leitura de Memórias de um suicida, percebemos o quanto a ciência terrena ainda se encontra distante da ciência do mundo espiritual, carros velozes e máquinas sofisticadas são apresentadas e nos mostram o poder do conhecimento sendo utilizado para o bem comum e para o progresso de todos, desde os mais sábios até os mais ignorantes.

A obra quando de seu lançamento foi considerada muito agressiva pelos leitores, assim como o livro Nosso Lar, de Francisco Cândido Xavier, ditado pelo espírito de André Luiz, ambos abordavam o mundo espiritual e analisavam de forma direta ou indireta os sofrimentos e as dores de cada um dos irmãos que se deixaram levar pelo suicídio, direto ou indireto, um gesto tresloucado e agressivo que o indivíduo comete contra as Leis de Deus, estas são obras essenciais e de grande relevância que nos auxiliam na compreensão das dores que acometem os seres humanos.

A literatura espírita é muito rica em obras que analisam o mundo espiritual, a imortalidade da alma, a reencarnação, as dores e os sentimentos, as energias e as vibrações, a leitura destas obras nos auxilia e nos prepara para a compreensão das Leis de Deus, estes livros são estudados tanto no mundo material quanto no espiritual, são conhecimentos que nos aproximam dos valores universais mais edificantes, num momento de grandes inquietações, transformações radicais e medos generalizados nada melhor que nos prepararmos para o um futuro mais promissor e verdadeiro, seguindo a máxima estude Kardec para entender Jesus.

‘É mentira que o Brasil vai quebrar se não fizer as reformas”, afirma Pedro Rossi

0

Em entrevista ao Brasil de Fato, economista disse que o país precisa é de reformas na institucionalidade macroeconômica

“Nenhum economista deveria falar algo tão absurdo, porque o Brasil é um país soberano, emite a sua própria moeda, ele tem dívidas na sua própria moeda, e o país não vai quebrar. O Estado administra os recursos da sociedade e pode organizar esses recursos da maneira que ele quer, assim como o Estado pode se endividar muito mais que uma família”. Esse foi o eixo central da fala do economista e professor da

Unicamp Pedro Rossi no Seminário As reformas DESestruturantes do Estado de Bem-Estar Social, realizado pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), com apoio da Anfip e Fenafisco, dias 15 e 16 de agosto, em Porto Alegre.

Nesta entrevista exclusiva para o Brasil de Fato, Pedro Rossi fala sobre o seu estudo que aponta que o diagnóstico sobre a crise brasileira está errado e o remédio inadequado. Ele defende que o desequilíbrio fiscal não é culpa do gasto público, e sim do tripé macroeconômico dos últimos 20 anos que fracassou. “O que o Brasil precisa é de reformas na institucionalidade macroeconômica.”

Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp, trabalha com os aspectos macroeconômicos do desenvolvimento brasileiro, com os impactos sociais da política fiscal e com o tema da taxa de câmbio e da política cambial. Formado em economia na UFRJ, com mestrado e doutorado na Unicamp, é pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON) da Unicamp e coordenador do conselho editorial do Brasil Debate. É autor do livro “Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil” e co-organizador do livro “Economia para poucos: impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil”.

Brasil de Fato RS – Em palestra recente em Porto Alegre falastes que o problema do Estado e da crise fiscal não seria o gasto público, mas que vem de uma política macroeconômica, como tu explica isso?

Pedro Rossi – Justamente, o problema fiscal brasileiro não vem do gasto público, não vem da previdência social, ele vem de outros determinantes. Isso é importante por quê? Porque essas reformas propostas usam como base um diagnóstico de que o problema brasileiro fiscal vem do gasto público, vem da previdência social que tem um espaço grande dentro do gasto público. Eu estou querendo mostrar com esse trabalho que há outros determinantes para evolução da dívida pública que não o gasto público, em particular o arranjo macroeconômico, ou seja, o chamado tripé macroeconômico.

BdFRS: O que é o tripé macroeconômico?

Pedro – O tripé macroeconômico está completando 20 anos. Ele foi instituído em 1999, depois da primeira fase do Plano Real que instituiu um regime de câmbio rígido no Brasil. O Plano Real controlou a inflação, teve esse êxito, esse mérito. Em 1999 tivemos uma crise cambial e a gente migrou para um regime macroeconômico que tem três partes, chamado de tripé: que é um regime de metas de inflação, um regime fiscal de metas de superávit primário, que recentemente foi agregada a meta do teto de gastos, e o regime de câmbio flutuante. Esses três regimes são geralmente muito comemorados no sentido de que eles dão estabilidade para o Brasil, mas eles não dão estabilidade ao Brasil.

E se a gente olhar para o resto do mundo, ou seja, fazer uma análise internacional, a gente vai ver que no Brasil nesses últimos 20 anos nós estamos na liderança de taxas de juros reais. Nós temos um patamar de inflação que não explica a nossa taxa de juros alta perto de outros países. Então nós fizemos um estudo e pegamos mais de 80 países, comparamos nos últimos 20 anos para verificar que o Brasil é fora da curva, a taxa de juros brasileira é fora da curva e não é a dívida pública que explica a taxa de juros. Se a gente pegar o serviço da dívida sobre e comparar com países que tem dívida pública mais ou menos igual a nossa, vemos que esses países pagam um serviço muito menor que o nosso. Ou seja, tem alguma coisa errada com o regime macroeconômico. Um patamar com a taxa de juros e também com a taxa de câmbio brasileira que é muito volátil, o real está sempre flutuando muito em relação ao dólar, muito mais que outras moedas. Nós também fizemos combinações internacionais e verificamos que sim, o real é campeão de volatilidade, isso dá problema, isso rebate no problema fiscal. Uma taxa de juros alta faz o Estado pagar muito pela sua dívida – problema fiscal, uma taxa de câmbio muito volátil faz o Estado usar a sua política cambial para tentar atenuar essa volatilidade, reservas cambiais que refletem com o pagamento de juros, que por sua vez são altos no Brasil.

Ou seja, as outras pernas do tripé contaminam o equilíbrio fiscal, e aí faz com que não conseguimos estabilizar a dívida pública. E por fim, nós fizemos um estudo e mostramos que os condicionantes da evolução da dívida pública no Brasil não são aqueles que geralmente são apontados, não é o gasto público. O que determina a evolução da dívida pública? É o crescimento econômico, se o crescimento for baixo a dívida tende a subir porque a relação dívida/PIB que é o determinante nesse indicador, e a taxa de juros, que geralmente puxa a dívida pública para cima.

O que aconteceu no Brasil recentemente? A gente vem pagando, principalmente em 2015/2016 um serviço da dívida maior e o crescimento tem contribuído muito menos para redução da dívida pública.

A dívida pública cresceu no Brasil recentemente não foi por causa do excesso de gastos sociais ou aposentadorias, foi principalmente por causa da queda do crescimento econômico e por causa de altos pagamentos de juros, em particular nos anos 2015/2016. Essa história que a culpa de tudo é do excesso de gastos é uma história falsa, para vender uma solução, que é uma solução que interessa a poucos. A história que o Brasil quebrou, que o Brasil vai quebrar, é mentira. Nenhum economista deveria falar algo tão absurdo, porque o Brasil é um país soberano, emite a sua própria moeda, ele tem dívidas na sua própria moeda, e o país não vai quebrar. O Estado administra os recursos da sociedade e pode organizar esses recursos da maneira que ele quer, assim como o Estado pode se endividar muito mais que uma família.

O Brasil quebrou na década de 1980 porque a gente devia em uma moeda estrangeira, a gente não emite dólar, o Estado brasileiro não organiza os recursos em dólar porque a sociedade brasileira trabalha com recursos na sua própria moeda. Então na década de 1980 nós quebramos porque a gente devida em moeda estrangeira. Fomos até o Fundo Monetário Internacional (FMI), pedimos dinheiro emprestado, o FMI veio, emprestou o dinheiro, isso no final da ditadura militar, fizemos uma moratória, nós atendemos as condicionalidades do FMI, fizemos o que eles queriam, preparamos nossa economia para conseguir dólar para poder pagar a dívida.

Cadê o FMI nesse momento? Não tem, porque a gente não precisa de empréstimos do FMI. Somos credores em dólar, nossa dívida não é em dólar, portanto nós não vamos quebrar, nossa dívida é em moeda nacional. Então é mentira a afirmação que diz que acabou o dinheiro, ou que o país vai quebrar. O governo tem dinheiro, ele organiza os recursos da sociedade, e o governo pode muito bem sim, fazer valer as aposentadorias, fazer valer o gasto social, o gasto com as universidades e organizando os recursos da sociedade. Taxando os mais ricos, eventualmente emitindo mais títulos nos momentos difíceis de crise. Ao recuperar o crescimento econômico ele pode estabilizar a sua dívida.

Então, essa retórica de que a culpa de tudo é do gasto público é uma retórica falsa. No fundo o Brasil tem problemas estruturais que estão por trás do sistema, que esses sim, são os verdadeiros problemas, por exemplo, uma taxa de juros estruturalmente alta, uma taxa de câmbio muito volátil, toda articulação que está por trás do tripé macroeconômico. Nós precisamos resolver esses problemas, são reformas realmente necessárias, porque o tamanho do Estado é a sociedade que define de acordo com os serviços que ela quer, e com os serviços que ela quer financiar coletivamente. Então é uma decisão da sociedade se organizar coletivamente e dizer: eu quero financiar saúde para todos, quero financiar educação para todos, eventualmente tem mais coisas, eu quero cultura, eu quero passe livre, e a sociedade discute democraticamente. Agora, dizer que o Estado não tem dinheiro é negar o processo democrático, porque o Estado tem dinheiro, o Estado organiza o dinheiro da sociedade.

A culpa não é do gasto público, ele está sendo demonizado para servir a interesses, se servir de diagnóstico para essas reformas que estão sendo implementadas, que cortam os gastos sociais e que cortam as aposentadorias.

BdFRS: E a que interesses servem essas versões mentirosas?

Pedro – Toda política fiscal influencia no processo distributivo e nas classes sociai. A política fiscal é de quem eu vou taxar, para quem eu vou gastar. Então se o Estado faz um gasto social ele está atendendo a demanda de uma parte da sociedade não de outra. Quando eu gasto com saúde no SUS eu estou atendendo a milhões de brasileiros de uma classe mais baixa; quando eu gasto com educação superior, são outros brasileiros que estão sendo atendidos. Assim que como eu tributo, estou tributando de um mais do que de outro. Então há interesses na sociedade brasileira que querem reduzir o papel do Estado no sentido do gasto público e no sentido, também, da sua tributação, no seu financiamento. São interesses que eu diria mesquinhos, de pessoas que não querem financiar o bem estar do outro, mesmo que esse outro seja um pobre, mesmo que esse outro seja um miserável, mesmo que esse outro não tenha acesso aos serviços básicos, e interesses maiores de setores econômicos que querem ocupar espaços que hoje o Estado ocupa. Hoje o Estado tem um papel fundamental no ensino superior, mas existem empresas privadas do ensino superior que querem ocupar esse espaço. A mesma coisa no sistema de saúde, existem planos de saúde que querem ocupar esse espaço, mesma coisa no sistema de educação básica, e por aí vai.

De certa maneira os serviços públicos concorrem com os serviços privados. Então esses serviços públicos estão interferindo em esferas de lucratividade do setor privado. Então há sim interesses maiores no sentido da redução do tamanho do Estado, da privatização dos seus serviços, que são interesses empresariais de grandes grupos econômicos.

BdFRS – E quais seriam, na tua opinião, as reformas estruturantes para garantir um Estado de bem-estar social? 

Pedro – Na minha opinião, primeiro, a gente precisa de planos emergências de emprego e renda para recuperar o emprego no Brasil e recuperar renda, e isso implica em gastos públicos, isso implica em acabar com o teto de gastos (a Emenda Constitucional 95 que congela o gasto público por 20 anos). Então a gente precisa reformar o regime fiscal para retomar a liberdade do Estado em influenciar no ciclo econômico, precisamos mexer nisso.

E a gente precisa regulamentar o setor financeiro, reduzir a volatilidade cambial, isso vai exigir menos da política monetária no sentido de juros altos, porque hoje, se o Banco Central baixa muito os juros, o capital estrangeiro vai para fora, a taxa de câmbio se desvaloriza e isso gera inflação, o que é ruim para todo mundo, inclusive para o próprio governo.

Agora, a gente precisa regulamentar o sistema para ter menos especulação no país. O Brasil virou um lugar onde os rentistas e os especuladores têm grandes ganhos. E um mundo onde as taxas de juros estão rastejando próximas de zero. O Brasil é um país extremamente aberto ao rentismo internacional e à especulação. Então nós precisamos reformar sim a conta financeira, aplicar controles de capital, regulamentar o mercado derivativo, que é um locus dessa especulação, e precisamos de um Banco Central que não atue somente na relação com os bancos, mas que melhore a qualidade da dívida pública brasileira, a qualidade da dívida pública é muito ruim. Além dos juros ser altos, o Banco Central oferece títulos com alta liquidez e pós-fixado, ou seja, são títulos sem riscos de preço. Isso é uma característica específica do Brasil, a maioria dos países tem um percentual muito menor dos chamados títulos pós-fixados. No Brasil não, uma grande parte da dívida pública é pós-fixado, ou seja, é imune aos riscos de flutuação de preços.

As reformas que a gente precisa é para evitar que a economia brasileira sofra choques cambiais para desmobilizar aquilo que vai gerando inflação no Brasil, por exemplo, a indexação da economia, os contratos de aluguéis, outros contratos que pegam a inflação passada, jogam para o futuro. Aí sim a gente vai conseguir jogar nossas taxas de juros mais para baixo. Isso abre espaço fiscal e também uma discussão que precisávamos ter, e que o Instituto Justiça Fiscal faz muito bem, é pensar o que nós queremos financiar para o nosso estado de bem-estar social e de que maneira vamos financiar, com uma carga tributária, solidária, mais justa, porque o país hoje não tem justiça fiscal.

BdFRS – Esse é outro mito, que se paga muito imposto no Brasil. Quem paga muito imposto no Brasil?

Pedro – Tem um dado que mostra que os 10% mais pobres pagam em torno de metade de sua renda de imposto, os 10% mais ricos pagam em torno de 26%. Por que isso? Porque boa parte da carga tributária está sobre bens e serviços. Então as pessoas mais pobres pagam sobre esses bens o mesmo preço que uma pessoa mais rica, e proporcionalmente a sua renda é muito mais. O imposto de renda e de propriedade e o imposto sobre a riqueza é muito baixo no Brasil, e sobre a distribuição dos lucros do capital, dos lucros do dividendo, ou seja, a rentabilidade do capital é pouco taxada. O Brasil aproveita pouco o mecanismo distributivo que a carga tributária oferece, diferente de outros países. Então o Brasil é um país que distribui com gasto público, gasto social, principalmente, que está sendo atacado nesse momento, e concentra com uma carga tributária. E o que está sendo discutido hoje não vai no sentido de melhorar essa distribuição, pelo contrário, com a mão que o Estado dá, eu vou diminuir o gasto social, e a mão que o Estado tira vai se manter a mesma, ou com uma reforma tributária como a que está sendo apontada, que não mexe na tributação de renda e patrimônio no Brasil.

BdFRS – Como fazer esse debate sobre a reforma tributária com a população que não entende o economês? 

Pedro – Eu acho que tem uma discussão que é relativamente simples. O que é justiça fiscal? A justiça fiscal ou a justiça tributária, por exemplo, a justiça tributária é, você tem que pagar proporcional ao quanto você ganha. Então se você ganha muito você tem que pagar muito, se você ganha pouco, você tem que pagar pouco. Isso é justo na nossa concepção. As pessoas com um mínimo de senso de solidariedade concordam com isso. Se eu ganho pouco eu tenho que pagar pouco, um cara que ganha muito tem que ganhar muito, e o que acontece no país não é isso, as pessoas que ganham muito, que estão lá no topo da distribuição de renda, pagam muito pouco.

A nossa carga tributária é injusta, ou seja, quem está financiando os gastos com saúde, educação, etc., não são os mais ricos, eles não estão financiando. Isso é um problema em termos de justiça fiscal e algo a ser corrigido. Então as pessoas têm que apontar o dedo e falar que está errado porque essas pessoas não estão pagando uma parte da conta. Porque a política fiscal é isso, nós temos educação e saúde básica é um acordo coletivo, que nós juntos, enquanto sociedade decidimos vamos todos nós financiar a educação da população brasileira, das crianças brasileiras, que esse é um princípio universal, que todos têm direito ao acesso à saúde e à educação.

Agora como a gente financia isso? Tem gente que não quer financiar, os mais ricos estão dizendo isso: eu não quero financiar. Aí se misturam todos os argumentos (que o Estado é corrupto, então o dinheiro vai para corrupção, os serviços públicos não funcionam…) para justificar uma redução do gasto social que no fundo prejudica os mais pobres. Quem é prejudicado com a redução do SUS? Quem é prejudicado com os cortes de recursos para educação? Mesmo no ensino superior que já se democratizou muito. Quem é prejudicado com a redução da assistência social, previdência? São os mais pobres, são os negros, são as mulheres. Então, nesse sentido é muito cruel essa face da política econômica que no fundo quer ajustar o Estado e promete crescer e gerar emprego, mas no fundo está reformando o Estado para atender a determinados interesses.

Edição: Marcelo Ferreira

*Publicado originalmente no Brasil de Fato

 

Joseph Stiglitz: ”Fechar as fronteiras não fará as indústrias realocadas voltarem” 

0

O Nobel em economia acredita que hoje só a política fiscal pode apoiar o crescimento na área do euro

Por Marie Charrel – 27/09/2019 14:59

Longe de proteger melhor os perdedores da globalização, a política econômica de Donald Trump agravará as desigualdades. Em seu novo livro a ser publicado em 26 de setembro, People, Power & Profits (Ed. The Free Links, 24 euros), Joseph Stiglitz, professor de economia da Universidade de Columbia (New York), é muito crítico em relação ao Presidente dos Estados Unidos. Se julga que os riscos de uma nova grande

crise financeira são limitados no curto prazo, o Prêmio Nobel de Economia de 2001 prega por uma reforma do capitalismo, favorecendo a regulação e o papel do Estado.

Guerra comercial, tensões de mercado, Brexit … Devemos temer uma nova recessão ou mesmo uma crise financeira?

As incertezas são numerosas e as intervenções do Federal Reserve dos EUA (Fed, banco central), que injetou precipitadamente nos últimos dias bilhões de dólares em liquidez nos mercados, deixaram muitas pessoas nervosas. A probabilidade de que tenhamos em breve uma crise financeira da mesma magnitude que a de 2008 permanece baixa. Por outro lado, é certo que nossas economias registrarão uma desaceleração acentuada.

Na Europa, as novas medidas de acomodação adotadas em setembro pelo Banco Central Europeu (BCE) serão suficientes para combater essa desaceleração?

A ação do BCE retirou a zona do euro da crise da dívida soberana de 2012, mas falhará em restaurar um crescimento dinâmico. A redução das taxas novamente tem agora um efeito desprezível ou mesmo negativo em atividades como a oferta de crédito. Hoje, a único instrumento que pode efetivamente apoiar o crescimento é a política fiscal – especialmente em estados com espaço de manobra nessa área, como a Alemanha.

Os outros países membros, como a França, estão limitados pelas regras do pacto de estabilidade. O ideal seria flexibilizá-las e que a área do euro adotasse também um real instrumento orçamentário comum. Mas isso requer reformas complexas e demora para implementar.

No fundo, Donald Trump não está certo em escolher a China como alvo, que nem sempre respeita as regras do comércio mundial?

Quando tributam as importações de alumínio e aço em nome da chamada “segurança nacional”, os Estados Unidos não respeitam as regras do jogo, definidas na Organização Mundial do Comércio (OMC)! Pior ainda, ao bloquear a nomeação de novos juízes para o órgão de resolução de disputas dessa instituição, eles estão questionando o multilateralismo sobre o qual foi construída a prosperidade do pós-guerra.

Isso ilustra como Donald Trump atropela o conjunto de regras e os equilíbrios que baseiam nossas sociedades democráticas. É importante que as discussões com a China continuem no quadro da OMC, mesmo que esta [instituição] possa ser melhorada.

O protecionismo preconizado pelo presidente americano pode ser uma solução para a desindustrialização observada nos países desenvolvidos?

Não, porque não podemos voltar ao passado: a suposta era de ouro da década de 1950, quando os Estados Unidos dominavam a economia e a indústria mundiais, enquanto muitos países emergentes ainda eram colônias, se foi.

A partir de agora, nossa economia é dominada por serviços, e o fechamento das fronteiras não fará retornar aos Estados Unidos as indústrias realocadas na China. Em vez disso, elas irão para outros países de baixo custo, como o Vietnã.

Mesmo que voltassem, os carros100% fabricados nos Estados Unidos seriam mecanicamente mais caros do que os produzidos na Ásia ou na Europa, por exemplo, cujas fábricas estão parcialmente localizadas na Europa Oriental. Finalmente, dificilmente beneficiariam o emprego nos EUA, porque os veículos certamente seriam montados por robôs.

Até o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, ou o “Financial Times” pedem a reforma do capitalismo. Por onde começar?

Estamos vivendo um momento interessante: finalmente há consenso sobre os males do capitalismo! Como opera hoje, não distribui equitativamente os frutos do crescimento, capturados por uma minoria. Além disso, acelera a destruição do meio ambiente e é contestado por uma parte crescente da população, que sofre com as desigualdades.

Mas é possível avançar em direção a “um capitalismo progressista”, com tributação mais justa, maiores investimentos públicos em educação e infraestrutura. Isso requer o fortalecimento do papel do Estado, tanto na direção do estado de bem-estar como nas regulações permitindo enquadrar melhor as finanças e os mercados.

A melhor ilustração é o sistema de saúde americano, amplamente privatizado. É mais caro do que na Europa – mais de 17% do produto interno bruto (PIB), segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em comparação com 11% na França ou na Suécia – onde é público. E isso, para resultados piores: a expectativa de vida está diminuindo nos Estados Unidos, onde muitas pessoas são incapazes de pagar as contas do hospital.

Esse “capitalismo progressista” pode ser compatível com a transição ecológica?

Será se conseguirmos o equilíbrio justo entre as instituições. Quer dizer, entre os mercados, susceptíveis de resolver os problemas quando bem regulados, o Estado e a sociedade civil. Nessas circunstâncias, acredito que seja possível um crescimento que respeite as restrições ambientais e a justiça social.

O modelo que você defende está próximo do estado de bem-estar dos países escandinavos. Mas estes também falharam, em menor grau, em conter o aumento da desigualdade …

Apesar disso, as desigualdades permanecem muito mais baixas na Suécia do que nos Estados Unidos. Mas é verdade que os países nórdicos cometeram um erro: pensar que o forte consenso social em que se baseia seu modelo igualitário estava conquistado.

Ora, este se deteriora, desde que aplicam certas receitas de inspirações neoliberais. Ao permitir o desenvolvimento de muitas escolas particulares, por exemplo, a Suécia corre o risco de ver as desigualdades aumentarem drasticamente no futuro. É uma tendência perigosa.

Como estabelecer um imposto mais justo quando multinacionais, como as GAFA, livram-se facilmente dos impostos?

O assunto é particularmente importante na União Europeia (UE), onde apenas a introdução de um imposto corporativo mínimo comum limitaria a concorrência para baixo [nos custos] entre Estados-Membros.

Mas há progresso: na última cúpula do G7 [de 24 a 26 de agosto, em Biarritz], os principais países concordaram com a necessidade de criar um imposto mínimo. Ao introduzir seu próprio imposto sobre os GAFA [Google, Apple, Facebook e Amazon], Paris também mostrou que, contrariamente aos receios, era possível agir em nível nacional: a Amazon não vai interromper suas operações na França porque o grupo terá que pagar impostos.

No entanto, a Amazon ameaça repassar o custo desse imposto para as PME (pequenas e médias empresas) francesas usando sua plataforma de vendas …

Por que, então, não se desenvolve uma plataforma de vendas alternativa? Pública ou mesmo privada, com empresas locais inovadoras, apoiadas por fundos públicos. Esse seria um eixo promissor de política industrial na Europa. Já percebemos: o monopólio das multinacionais americanas não é mais um problema apenas nos Estados Unidos, tornou-se um problema mundial.

Como o país do liberalismo permitiu se criarem tais monopólios?

Há quarenta anos, as leis anticoncorrenciais e antitruste foram sendo progressivamente descosturadas nos Estados Unidos. Quando se tornaram suficientemente grandes, as empresas em posição dominante no mercado norte-americano usaram seu poder econômico – e, portanto, político – para influenciar a legislação a seu favor.

Neste domínio, a política anticoncorrencial tem sido mais eficaz na UE. Ao impedir a criação de monopólios, permitiu, por exemplo, uma redução significativa no custo dos serviços de telecomunicações, agora muito mais baratos que nos Estados Unidos.

*Publicado originalmente no Le Monde – | Tradução de Aluisio Schumacher

 

Desemprego, Tecnologia, Inovação e o Futuro do Trabalho

0

O desemprego na sociedade contemporânea está sendo visto como um dos maiores males da sociedade, um enorme contingente de pessoas está desempregadas, subempregadas e desalentadas, num mundo que exibe um avanço tecnológico crescente, cujas máquinas, robôs e inteligência artificial fascina a coletividade, ao mesmo tempo gera grande apreensão, medos e desesperanças, estamos num mundo assustador, desafiador e ao mesmo tempo impressionante e surpreendente, onde o progresso científico e tecnológico caminha lado a lado com os desequilíbrios emocionais, afetivos e espirituais.

Vivemos em uma sociedade que passa por transformações em todas as áreas e setores, com impactos sobre o emprego e sobre a empregabilidade, exigindo esforços dos mais intensos para um posicionamento profissional, investindo na carreira, buscando cursos e novas qualificações e capacitações, sem estas atualizações os trabalhadores tendem a perder espaço no mercado de trabalho para outros trabalhadores e para as novas tecnologias, inclusive para robôs e a inteligência artificial que crescem e ganham novos espaços na sociedade.

O mundo do trabalho se transforma com rapidez, as novas técnicas de gestão aumentam a produtividade e reduzem os custos produtivos, as tecnologias alteram processos e economizam mão de obra, os benefícios sociais inseridos nos contratos de trabalho estão sendo reduzidos pelos governos, com a previsão de que neste mundo contemporâneo o trabalhador deve escolher entre ter benefícios trabalhistas e não ter emprego ou conseguir uma colocação no mercado de trabalho com poucos benefícios trabalhistas, uma verdadeira revolução no mundo do trabalho está em curso na sociedade.

Os modelos tradicionais de trabalhos estão sendo alterados, novos contratos estão surgindo, nestas mudanças surgem modalidades específicas de trabalhadores que trabalham em casa, junto aos seus familiares, fazendo seus próprios horários e seguindo as metas estabelecidas pela empresa. Outros empregos estão sendo destruídos em setores onde as atividades são bastante repetitivas, marcadas por rotinas estressantes e cansativas, estes trabalhadores devem se recapacitar para conseguir uma nova oportunidade nos mercados, testando a resiliência, a paciência e a perseverança.

Muitos indivíduos questionam quais os setores que absorverão esta massa de trabalhadores desempregados nos próximos anos ou nas próximas décadas, responder esta questão é algo bastante difícil, novos negócios tendem a se estabelecer e negócios antigos tendem a ser desfeitos, previsões variadas são colocadas no mercado todos os dias, os mais entusiasmados estão sempre acreditando que o mercado vai criar novos empregos e construir novas oportunidades para os desempregados. Os mais pessimistas acreditam que as dificuldades futuras tendem a aumentar e o mundo do emprego reduzirá exponencialmente as vagas, deixando uma grande quantidade de desempregados ou subempregados.

Se observarmos as revoluções anteriores, como argumentam os mais otimistas, muitos empregos e setores foram dizimados pelas tecnologias, mas outros setores surgiram, ganharam relevância e passaram a ofertar novos empregos, foram construídas instituições para capacitar e qualificar a força de trabalho, reduzindo o número de desempregados e criando uma classe de trabalhadores forte e consistente, que posteriormente se organizou em sindicatos e conseguiu angariar benefícios e melhorias profissionais. Com este argumento, defendem a tese de que, grande parte dos empregos que absorverão os trabalhadores no final da próxima década ainda não foram criados, com isso, estamos num momento de transição, neste momento a instabilidade e as incertezas são maiores e, muito brevemente, vamos conseguir enxergar melhor o novo modelo econômico que ora domina a sociedade.

Outros teóricos menos otimistas observam a situação sob uma outra lógica, segundo estes, as transformações atuais são bastante diferentes das anteriores, as tecnologias contemporâneas estão afetando fortemente as chamadas classes médias, ao contrário das anteriores que afetavam diretamente os trabalhadores braçais, estas novas tecnologias, como inteligência artificial, internet da coisas, robótica, impressão 3D, dentre outras, estão afetando os trabalhadores com maior qualificação, exigindo destes uma reinvenção, uma flexibilidade e uma agilidade desconhecida até então. Como esta classe média sempre foi descrita como um referencial na coletividade, marcada por trabalhadores mais qualificados, profissionais liberais e técnicos qualificados, estes grupos utilizam seu desespero para reverberar suas críticas e desesperanças numa sociedade que os desemprega, reduz seus direitos e os coloca na informalidade.

As novas tecnologias empregadas no processo produtivo estão deixando os trabalhadores mais livres das amarras da gestão tradicional, mas por outro lado estão criando profissionais mais inseguros e frágeis do ponto de vista emocional, financeiro e físico. Como nos mostra o professor Jeffrey Pfeffer, autor da obra Morrendo por um salário, da Universidade de Stanford, “No Vale do Silício é possível ver engenheiros de 30 anos de idade com corpos de 50 anos”. Neste novo modelo de trabalho, os profissionais estão esgotados, depressivos e ansiosos em excesso, acumulando doenças laborais e transtornos emocionais e espirituais intensos, transformando o trabalho e a vida profissional uma grande fonte de preocupação.

O medo de perder o emprego, os contratos temporários, a falta de seguro saúde e a instabilidade financeira estão elevando o estresse e nos conduzindo para um cenário profissional ainda mais precário no futuro. Os profissionais das grandes empresas são vistos como estáveis e altamente capacitados, ledo engano, muitos deles nem sabem quais serão seus horários na próxima semana, impedindo que os funcionários façam seus próprios planejamentos, tudo isto gera grandes inquietações, medos e ansiedades, repercutindo na vida familiar, nos relacionamentos, nos ambientes corporativos e nas questões financeiras e emocionais, levando muitos trabalhadores a desequilíbrios variados, tais como a depressão, que vitima mais de quatrocentos milhões de pessoas no mundo e as mortes por suicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada quarenta segundos uma pessoa comete a atrocidade de tirar sua própria vida, os suicídios se tornaram um problema de saúde pública, engajando escolas, faculdades, empresas, governos e inúmeras outras instituições para esclarecer a população e evitar estes transtornos que crescem de forma acelerada.

Nesta sociedade dominada pelo capital financeiro, os donos do poder definem as regras da sociedade e os fazem de acordo com seus interesses, a lógica financista esta sendo difundida para todos os agentes sociais e políticos, as empresas impõem a estes trabalhadores os modelos que dominam as instituições financeiras, caracterizadas pelo imediatismo, pelas metas agressivas, pela redução constante nos custos e  por uma automatização que reduz fortemente a demanda por novos profissionais, condenando os indivíduos a uma incerteza crescente e uma busca insana por novos cursos e capacitações.

Como nos destaca Jeffrey Pfeffer, um dos locais mais cobiçados para se trabalhar na sociedade contemporânea, o Vale do Silício, é descrito como um dos locais mais tóxicos, onde muitos dos profissionais usam substâncias legais e ilegais, como esteroides e cocaína para cumprir com suas metas insanas, gerando os mais terríveis problemas de saúde que serão sentidos no médio e no longo prazos, degradando a saúde dos trabalhadores e incrementando os custos da saúde e os dispêndios dos Estados Nacionais.

Estas transformações estão em todas as regiões, anteriormente os filhos tinham grandes chances de construir uma vida mais bem-sucedida do que seus pais, na sociedade contemporânea as chances são cada vez mais reduzidas, gerando grandes instabilidades e desequilíbrios emocionais. No mundo corporativo encontramos zumbis sobrevivendo a base de calmantes e outras drogas, um ambiente altamente competitivo onde os profissionais concorrem uns com os outros, destruindo os laços sociais e a solidariedade humana, neste ambiente o sucesso de um indivíduo deve ser visto como o fracasso de seu competidor.

Neste ambiente altamente tóxico e competitivo, encontramos empresas buscando todos os métodos para estimular a criatividade de seus profissionais, palestras motivacionais e remunerações flexíveis, todos estes instrumentos criam mais desequilíbrios dentro das corporações e servem apenas para estimular uma maior concorrência entre os profissionais e enriquecer consultores que vivem vendendo ilusões pseudocientíficas baseadas em uma meritocracia distante da maioria dos trabalhadores contemporâneas.

Um discurso recorrente que volta com força na sociedade contemporânea é o de empreendedorismo, onde se busca construir novos cenários, neste discurso cada indivíduo é o grande responsável por seu sucesso ou por seu fracasso, segundo o que definimos como meritocracia, outro termo bastante em voga na sociedade. Estes discursos são charmosos e empolgam muito os incautos, mas transfere aos indivíduos seu sucesso ou seu fracasso, como se todos os indivíduos bem-sucedidos tivessem sido eles próprios os grandes responsáveis por seu êxito profissional, deixando de lado as heranças monetárias e os investimentos feitos nestes por famílias estruturadas e conscientes da importância da educação no desenvolvimento social e profissional.

O sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), analisa a questão da seguinte forma: “O empreendedorismo é uma forma mistificadora que imagina poder eliminar o desemprego, em uma sociedade que é incapaz de preservar trabalho digno com direitos. E, como estas novas modalidades de trabalho são deprimentes, a mistificação torna-se o remédio que só fará alimentar a doença”.

Neste ambiente de degradação do mundo do trabalho, de crescimento da informalidade, das crises seguidas dos trabalhadores e do enfraquecimento dos sindicatos e do poder da classe trabalhadora, a ideia de empreendedorismo é uma das poucas alternativas que o mundo do trabalho oferece frente à corrosão dos direitos e garantias sociais. É isso ou o trabalhador deverá se contentar com o desemprego completo.

Percebemos nestas transformações uma busca constante por profissionais da área de tecnologia, computação, matemática e biologia em detrimento de profissionais das ciências humanas, principalmente aqueles oriundos da Filosofia, da Pedagogia e da Sociologia, vistas como áreas de pouco relevância para o mundo dos negócios e formada por pessoas teóricas demais, um equívoco para uma sociedade prática e centrada na tecnologia. Esta visão equivocada acaba gerando um excesso de profissionais nas áreas e setores mais demandados pelo mercado, atraindo os melhores quadros, mesmo muitos deles não se identificando com as áreas de tecnologia, estes profissionais acabam buscando estas áreas apenas pela melhor remuneração ou pelo status social que estes profissionais gozam na sociedade do conhecimento.

Outro efeito imediato desta realidade social, é que muitos estudantes bem formados e altamente qualificados estão optando por cursos que os coloquem em melhores condições no mercado de trabalho, deixando de lado suas aptidões e vontades pessoais, com isso, se tornam profissionais desmotivados, descontentes, agressivos e altamente tóxicos nas organizações. Se estes profissionais investissem em suas áreas de interesse seriam muito mais relevantes para a sociedade e trariam contribuições mais consistentes, mas como são atraídos pelos atrativos financeiros do mercado, acabam se transformando em profissionais medíocres, desanimados e descontentes em suas áreas de atuação.

Neste cenário percebemos o crescimento dos cursos ligados a tecnologia, aos jogos e aos conhecimentos práticos e uma baixa demanda por profissionais mais teóricos e reflexivos, o resultado imediato destas escolhas não demorarão a chegar nesta sociedade, muitos profissionais nos setores de tecnologia estão buscando seus aplicativos revolucionários e vêem seus salários se reduzindo rapidamente devido ao excesso de profissionais disponíveis. De outro lado os profissionais de áreas preteridas pelo mercado, tentam se “modernizar” e se “adaptar” as transformações comandadas pelo deus mercado, com isso estão levando suas áreas a perderem sua maior essência, a de levarem seus alunos a refletirem sobre suas realidades e compreenderem para onde estamos levando a sociedade global num mundo dominado pela tecnologia, pelo imediatismo e pelos rigores do chamado Mercado.

Percebemos este movimento a nível global, em todas as regiões as humanidades estão perdendo espaço para as áreas de tecnologia, este movimento comandado pelos mercados globais tem uma profunda irracionalidade, embora muitos dos teóricos da economia acreditem que os mercados sejam entes extremamente racionais, o excesso de um dos lados sempre leva a sociedade a grandes constrangimentos, a tecnologia é importante e tem um papel social de grande relevância, mas a tecnologia deve abrir espaço para um futuro mais acessível a todos os seres humanos, contribuir para o crescimento e para o desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades e enfrentar a exclusão social, que não deve ser aceita e muito menos permitida por uma sociedade que cria riquezas de forma exponencial como a sociedade contemporânea.

 

Nogueira Batista expõe os vira-latas brasileiros

0

Economista explica como autoridades norte-americanas encontram na elite brasileira um aliado para desestabilizar autonomia do país. Como a nação regrediu: de protagonista dos “emergentes” à submissão – e quais os riscos à nossa soberania

Paulo Nogueira Batista, entrevistado por Antonio Biondi e Napoleão de Almeida, no Brasil de Fato.

“O Brasil, quando se assume como o grande país que é, não cabe no quintal de ninguém. É importante que o brasileiro saiba disso”, afirma o economista Paulo Batista Nogueira Júnior, em referência ao título do livro que ele lança nesta quarta-feira (25) em São Paulo, intitulado O Brasil não cabe no quintal de ninguém (Editora Leya, 448 páginas).

Nesta entrevista ao Brasil de Fato, Nogueira Batista cita o ex-chanceler Celso Amorim ao afirmar que o país precisa se livrar de vez da “nanomania” (mania de ser pequeno), que voltou a se acentuar com a chegada de Jair Bolsonaro (PSL) e seu grupo ao poder.

“O Brasil é um dos cinco países que fazem parte das listas dos dez maiores territórios, das dez maiores populações e das dez maiores economias. Só caberia no quintal de alguém se fosse quebrada a unidade nacional”, lembra ele, citando as outras quatro nações – EUA, Rússia, Índia e China – e dando a deixa para falar do assunto principal do livro, que é a análise da disputa geopolítica em torno desses países, a partir da visão de quem esteve no centro dela por 10 anos.

Entre 2007 e 2017, Nogueira Batista trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington (EUA), e foi vice-presidente do Banco do Brics, que ele ajudou a criar, em Xangai (China). O Brics é a instituição que reúne quatro daqueles maiores países citados por ele – Brasil, Rússia, China, Índia –, mais a África do Sul, e que nas últimas décadas vem tentando fazer frente à hegemonia dos EUA nas relações internacionais.

Ao narrar sua experiência, o economista, de 64 anos, fala da liderança do Brasil nesse processo em torno de uma nova agenda mundial, durante os governos do PT, e de como isso se perdeu a partir do golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff e voltou a colocar o Brasil na condição anterior de subserviência aos interesses estadunidenses.

Nogueira Batista ressalta que, ao contrário do que ocorre com outros países, no Brasil os EUA não precisaram “dar a cara a tapa” para retomar o controle sobre nossa economia e nosso processo político.

“Eles encontram na elite brasileira um monte de sujeitos disponíveis pra fazer o trabalho deles. Porque esses vira-latas nacionais, desculpem-me a ênfase, se orgulham de receber mensagens do império”, diz o economista, lembrando algumas passagens de sabujismo explícito que vivenciou quando trabalhava no FMI.

Na entrevista, ele faz um balanço dos avanços econômicos e dos erros cometidos pelos governos brasileiros nas últimas décadas (FHC, Lula e Dilma), e do “desastre” que tem sido a gestão Bolsonaro. “Esse pessoal que está aí hoje não tem projeto algum. Tem uma agenda confusa, liberal, misturada com um projeto regressivo. Com esse discurso costurado, não vai recuperar a confiança. Esse governo não tem projeto. Só tem projeto de destruição”.

Nogueira Batista conclui com uma mensagem de esperança e um alerta: “Estamos pagando um preço altíssimo por ter levado essa figura à presidência da República. Nós vamos resistir a isso tudo. Mas é preciso muito cuidado, porque já vimos países destroçados pela combinação entre crise interna e pressão externa. Síria, Iraque, Líbia… Não pense o brasileiro que aqui não acontece. Podem acontecer coisas muito piores se a gente não se der conta”.

Brasil de Fato: Professor, vamos começar falando sobre o livro.

Paulo Nogueira Batista Júnior: O livro é essencialmente um relato da minha experiência de mais de 10 anos no exterior, em Washington (EUA), primeiro, no FMI, depois em Xangai (China), no Banco dos Brics. O grosso do livro trata dessa temática. Na realidade, é uma recapitulação de uma fase da história brasileira, em que o Brasil teve um papel de protagonista no mundo, em geral, e particularmente no Fundo Monetário e nos Brics. Eu busco misturar análise econômica com o relato de bastidores das negociações em que estive envolvido. Os embates, as dificuldades que existem para o Brasil, um país emergente, em ocupar um espaço no mundo. As resistências a isso, por parte das potências tradicionais, e como isso se traduz nos embates das pessoas dentro das instituições.

O Brasil, quando se assume como o grande país que é, não cabe no quintal de ninguém. É importante que o brasileiro saiba disso. Não é teórico: o Brasil fez esse papel e pode voltar a fazer, se superar essas dificuldades em que se encontra hoje.

É um relato com olho no futuro: não se pode perder de vista que o Brasil é um dos cinco países que fazem parte das listas dos dez maiores territórios, das dez maiores populações e das dez maiores economias. Quais são: EUA e os quatro Brics originais – Brasil, Rússia, Índia e China. Só esses cinco no mundo integram a lista dos dez maiores em economia, demografia e território. Daí aquilo que o Celso Amorim diz que o brasileiro tem: “nanomania”. Mania de ser pequeno. O Brasil não permite, o Brasil é naturalmente grande, e só caberia no quintal de alguém se fosse quebrada a unidade nacional.

Fale um pouco da importância que as instituições financeiras ligadas aos Brics já desenvolvem e que podem desenvolver.

Os Brics atuaram conjuntamente a partir de 2008, por iniciativa da Rússia, que procurou os demais e propôs um mecanismo de coordenação. Nesses mais de 10 anos, os Brics, num primeiro momento, atuavam para tentar reformar as instituições existentes. E nós tivemos algum sucesso no FMI, graças à atuação conjunta destes países e mais a África do Sul, que se juntou ao grupo depois, em 2011. Em determinado momento, os Brics perceberam que a resistência à mudança em Washington era muito grande, maior do que pudéssemos supor. Não fizemos nenhum escândalo, nenhum tumulto: continuamos em Washington, trabalhando no Banco Mundial e no Fundo Monetário, mas resolvemos seguir nosso próprio caminho. Isso culminou na cúpula de Fortaleza, presidida pela [presidenta] Dilma Rousseff, onde se assinaram os tratados constitutivos dos dois mecanismos financeiros criados pelos Brics: o novo banco do desenvolvimento, que é onde eu acabaria trabalhando, e o Fundo Monetário dos Brics. Essas duas instituições estão em processo de construção. É um processo difícil, lento, que encontra muitos percalços. Entre tantos, eu destacaria um: é que o Brasil foi um dos – se não o principal – motor dos Brics num período que foi de 2008 até 2014, mais ou menos. (…) E a partir do momento em que o Brasil entra em ebulição política, em 2015, esse motor desaparece, ou se enfraquece muito.

Esse peso se deslocou para a China, que vai crescendo, ganhando experiência. Não é a mesma coisa, porque a China tem uma agenda mais estreita, não é tão abrangente como a que o Brasil tinha. Então essas instituições que nós ajudamos a criar estão prejudicadas pelo fato de um dos motores estar avariado pelas suas dificuldades internas.

O senhor diria que isso influenciou derrubada da presidenta Dilma? O Brasil incomodava sendo um dos motores dos Brics nesse período?

A Dilma teve um papel fundamental nesse processo. Eu posso contar por que eu vi. Ela tinha até mais interesse que o Lula nessa questão. É difícil responder [à pergunta], em parte, porque essas coisas não acontecem à luz do dia. Mas uma conjectura muito plausível é que isso possa ter pesado. Não digo que tanto quanto o Pré-Sal, o Petróleo, a Petrobras. Mas pesa, pois, o que são os Brics, senão um mecanismo de cooperação que envolve o Brasil, o maior país da América Latina, em aliança com dois adversários dos Estados Unidos – a Rússia e a China? Veja que eu estou falando de adversários dos Estados Unidos e não especificamente de adversários do [presidente Donald] Trump. (…) É legítimo conjecturar que os americanos tenham encarado com intranquilidade essa cooperação do Brasil com dois adversários históricos deles, ainda que a China não seja um adversário histórico, mas sim uma ameaça recente.

O que dificulta avaliar isso é que os americanos têm a vantagem de operar pelos seus prepostos locais. Então eles encontram na elite brasileira um monte de sujeitos disponíveis pra fazer o trabalho deles. Eles não precisam atuar diretamente, se identificar como agentes, mas a influência externa provavelmente existe. Como dizia Barbosa Lima Sobrinho: há dois partidos no Brasil, o partido de Tiradentes e o partido de Joaquim Silvério dos Reis. O do Joaquim Silvério está muito bem representado, permanentemente, na elite brasileira. Então, quando você tenta marcar uma posição diferente internacional, você encontra essas resistências. E às vezes esses prepostos dos interesses internos são relativamente francos e dizem, “olha, o Tesouro Americano está reclamando de você”, [risos], “o Tesouro Americano quer isso, quer aquilo”. Porque esses vira-latas nacionais, desculpem-me a ênfase, se orgulham de receber mensagens do império. Nem escondem que agem como prepostos.

Quem são esses prepostos?

No caso da minha vivência, e que eu relato no livro, são autoridades. Por exemplo, o ministro [da Fazenda] Joaquim Levy, nomeado pela Dilma na fase final. Outro exemplo são funcionários do governo brasileiro, indicados pelo [Henrique] Meirelles, que atuaram para me desestabilizar em Xangai [Meirelles presidiu o Banco Central do Brasil nos oito anos do governo Lula]. O presidente do Banco Central no governo Temer, Ilam Goldfajn, muito ligado aos EUA, também.

Se você vai ver quem são as firmas que investigam para desestabilizar os brasileiros que atuam de maneira mais independente, são certas firmas de advocacia americanas contratadas para criar problemas, entende? Baker & McKenzie, por exemplo, a mesma que atuou na questão da Petrobras.

Eu não tenho evidência de que existe uma articulação liderada pelo governo americano, mas a presença de prepostos do governo americano nos embates que eu presenciei é notória. São sempre esses prepostos, brasileiros com ligações fortes com os EUA. Com pretensões de longo prazo, de carreira e de vida. E esse é o perfil que permite que os americanos possam operar sem dar a cara a tapa, vamos dizer assim.

Houve uma época em que seguir diretrizes do FMI era como fazer um “acordo com o Diabo”. Como é essa relação hoje?

Essa questão do FMI, desde os anos 1980, eu trato no livro, porque tive uma experiência com o FMI e credores externos já nos anos 80. Em 2007, voltei ao Fundo em outra condição, trabalhando pelo Brasil. O que digo, primeiramente, é que havia diferenças, mas havia também continuidade. Tentamos mudar o FMI, conseguimos alguma coisa, principalmente no tempo do Dominique Strauss-Kahn. A crise de 2008 abriu um terreno, porque ela deixou vulnerável o status quo. E nesse ambiente conseguimos mudanças significativas. Só que, quando a crise amainou nos EUA e derrubaram o Strauss-Kahn, houve um retrocesso. Conseguimos avançar até certo ponto, mas, conforme conto no capítulo do livro “O Império Contra-Ataca”, se reestabelecem práticas anteriores. É nesse momento em que os Brics decidem que, “tudo bem, então vamos fazer o nosso fundo monetário”. E é onde eu digo: faz falta o Brasil nesse processo, que funcionava como líder dos países emergentes e dos próprios Brics. E o Brasil do Lula afirmou-se como um Brasil diferente, com uma projeção que nenhum dos outros Brics tinha ou tem. A Rússia não tem porque é atritada com metade do mundo. A Índia não tem, a China não tem, apesar de tudo. Então eu tenho certeza que os Brics sentem falta de um Brasil ativo e autônomo.

Queria uma avaliação sobre a atual economia brasileira, nossas fragilidades e potências.

A economia brasileira sofreu uma recessão profunda em 2015 e 2016. Tivemos uma queda de PIB per capita da ordem de 8%, e estacionou nesse nível deprimido, não houve recuperação em 2017, 18 e 19. O PIB per capita está estagnado praticamente. A expectativa era de que o novo governo, com o capital político das urnas, conseguisse movimentar a economia. E isso não está acontecendo, porque o governo Bolsonaro não tem um projeto de crescimento, não tem um projeto econômico claro.

Estão tentando aplicar no Brasil de 2019 ideias que já fracassaram: que o importante é fazer reformas estruturais, como a Previdência, para gerar confiança e que os empresários possam ter confiança para gastar. Não quero dizer que confiança não é importante, pois é; não quero dizer que não precise de reformas estruturais, pois precisa, talvez não essas aí; mas o que eu quero dizer é que confiança não é suficiente para recuperar um país combalido. Você tem que ter uma política econômica que crie estímulo, e isso não vem acontecendo.

Houve uma pequena redução na taxa básica de juros pelo Banco Central, mas ainda há espaço que precisa ser utilizado. A política fiscal do governo é contracionista, por conta do teto de gastos, uma política criada no Governo Temer que eu chamaria de “idiota”, com o perdão da palavra, porque é de um simplismo… de uma estupidez… Você tem uma regra fiscal tosca e você tem que substituir essa regra por uma mais inteligente. E o governo teme mexer na regra e perder credibilidade, mas está verificando que a regra não vai funcionar. Se você não mexer na regra, vai ter uma combinação de economia combalida, desemprego e política fiscal recessiva.

O FMI fez um relatório sobre a economia brasileira dizendo que o Brasil talvez possa crescer algo como 2% ou 1,5% anualmente, com otimismo, nos próximos anos. Com esse tipo de crescimento, a taxa de desemprego que hoje é 12 milhões, cairia para 10 milhões, mas continuaria extremamente alta até 2022. O panorama não é favorável.

O governo não tem um projeto convincente, fica esperando não sei o quê. Veja pela retórica do governo Bolsonaro: “vou zerar o déficit no primeiro ano”. Aí… “não é bem assim” e vai continuar por vários anos. “É preciso a reforma da Previdência, porque aí sim deslancha”, e faz. Mas aí, “não é só isso, tem mais isso”. Não é um discurso convincente. Com esse discurso costurado, não vai recuperar a confiança.

Mas por que a economia então não afunda? Porque o Brasil tem trunfos econômicos importantes. É uma pena que a gente tenha um governo tão precário como esse. Se fosse minimamente organizado… Que trunfos são esses? Uma posição do setor externo muito forte, reservas internacionais muito elevadas, o que nos diferencia da Argentina ou da Turquia. Um regime cambial adequado, flutuante, flexível e sem regras. A inflação está sob controle. É verdade que por conta da recessão, mas está baixa. E o setor externo está equilibrado.

Para mim, é um espanto ouvir o ministro da Economia dizer que o setor público brasileiro está em colapso. Como o ministro pode ser tão irresponsável para minar o setor que ele está supostamente governando? Isso não existe em lugar nenhum. O setor público tem dificuldades, Estados e municípios, muitos deles, mas não está quebrado. (…) Essa história de que o dinheiro acabou é um simplismo, especialmente para os que não entendem. Mas não é um colapso. É claro que, se continuar com esse governo, batendo cabeça e desorganizado, acaba atingindo a economia.

O senhor vê o Brasil avançando pouco a pouco ou estamos regredindo?

Desde a década de 1980, o Brasil não tem conseguido crescer de forma sustentada por períodos longos. Houve alguns períodos curtos, por exemplo no governo Lula. Mas foi uma exceção. No geral, temos apresentado um crescimento baixo, e com o Brasil perdendo expressão em relação a outros países, como a China e outras nações da Ásia. No meu modo de ver, o que explica isso é sobretudo a captura das alavancas decisórias do Estado brasileiro por interesses financeiros de curto prazo, e seus representantes. Me refiro ao ministério da Fazenda, ao Banco Central… Um processo que tem longa história, que marca o governo FHC, marca o início do governo Lula, que não conseguiu de imediato se livrar disso. Quando ele se livra disso, a partir de 2005, ele quebra uma maldição, que é a do segundo mandato ser pior que o primeiro. E aí o Brasil experimenta uma fase áurea. Mas, mesmo nessa fase áurea, o que preocupou? A tendência de o Brasil deixar a estrutura industrial brasileira regredir. Períodos prolongados de valorização cambial, juros muito altos durante muito tempo. Essa combinação foi muito negativa para muitos setores.

O sistema tributário é inadequado, a infraestrutura inadequada, o uso de crédito é inadequado. No governo Lula, houve uma tentativa [de melhorar essa estrutura], mas incompleta. No governo Dilma também. E, como esse projeto Lula-Dilma naufragou na crise 2015, nós agora estamos de volta ao modelo anterior, financista, de curto prazo. Não é um modelo de desenvolvimento. Nós temos que ter um modelo de desenvolvimento nacional.

Esse caminho regressivo do governo Bolsonaro, do governo Temer, é um caminho destrutivo, não é uma construção. É diferente do que vivemos nos anos 1960, depois do golpe militar, por exemplo. Porque naquele momento havia um projeto. Você pode não gostar daquele projeto, mas existia, formulado por pessoas como Roberto Campos, Delfim Netto. Esse pessoal que está aí hoje não tem projeto algum. Tem uma agenda confusa, liberal, misturada com um projeto regressivo do presidente Bolsonaro, que está batendo cabeça para tudo quanto é lado. Acho muito difícil que esse projeto, do jeito que está estruturado, leve a algum resultado positivo pro País.

Sobre o Plano Real, que completou 25 anos em julho, o que o senhor destacaria?

As opiniões sobre o Plano Real são mais uma manifestação do complexo de vira-lata do brasileiro. Mesmo os adversários precisam reconhecer que ali foi feita uma coisa importante pela equipe do [presidente] Fernando Henrique. Eu destacaria a URV (Unidade Real de Valor), um mecanismo inteligente de desindexação, usado de maneira positiva na época. Vinte e cindo anos depois, o Brasil tem uma moeda nacional. Estávamos ali com hiperinflação, altíssima, uma desordem monetária. Faltava uma moeda nacional razoavelmente estável. Mesmo aos trancos e barrancos, isso veio. O maior erro, por outro lado, foi a indexação cambial, que avalio que não era necessária. Embora tenha conversado com Pedro Malan (ministro da Fazenda de FHC) recentemente e ele insiste que era necessária. Mas o fato é que tivemos uma grande valorização cambial, que gerou problemas gravíssimos, como a crise de 1998 e 99, que quase acabou com o Real.

E quanto aos governos do PT, o que houve de avanços e erros?

É difícil uma generalização. Temos várias fases da política econômica nos governos Lula e Dilma. O início é marcado por uma fase ortodoxa, basicamente a continuação do que o Pedro Malan vinha fazendo. Depois houve uma mudança de rumos com a entrada do Mantega (Fazenda) e da Dilma na Casa Civil, com uma mudança do Lula na direção do desenvolvimentismo, que foi bem-sucedida.

Quando o Lula transfere o poder para a Dilma, e isso é algo que todo mundo esquece, a Dilma entra e faz um choque ortodoxo: com ajustes fiscais importantes, elevação das taxas de juros, contenção do crédito, porque ela tinha a avaliação, correta, de que a economia brasileira estava superaquecida. Só que talvez o governo brasileiro tenha pesado demais a mão naquele momento, e as tentativas de reaquecimento da economia não foram bem-sucedidas. Houve várias tentativas entre 2011 e 14, e a economia não voltou a ter aquele ritmo. E aí vem toda a crítica à matriz econômica, que é uma crítica ideológica. Assim como existe a fantasia da “ideologia de gênero”, há a fantasia da “nova matriz econômica”. O que houve ali foi uma tentativa malsucedida de reativar a economia. Talvez os melhores métodos não tenham sido utilizados. Mas o fato é que a crise de 2015, 2016, não pode ser atribuída, senão em menor proporção, aos erros de política econômica do governo Dilma. Houve erros? Houve. Importantes? Sim. Mas nada que justifique uma recessão daquele tamanho.

A recessão foi fruto de choques externos, perda em termos de troca, importante em 2015, mas sobretudo de fatores internos. Além disso, temos a Lava Jato e seus efeitos desestruturantes em várias cadeias produtivas. E a tentativa de dar um golpe na presidente recém-reeleita. Que funciona assim: é difícil, mas vamos fazer uma sabotagem nesse governo, mesmo que tenha custos para a economia. Foi isso que foi feito. Pautas-bomba, cerceamento do governo e a contribuição da própria presidente, que nomeia como ministro da Fazenda o Joaquim Levy, que tenta aplicar um choque ortodoxo na economia combalida. É feito em seguida um ajuste de preços públicos de uma só vez, erradamente, o que força o Banco Central a agir com taxa de juros. Aplica-se uma política fiscal equivocada, que nada tinha com o programa dela. Tudo isso junto derrubou a economia brasileira de um jeito que nunca tínhamos visto. Uma enorme irresponsabilidade daqueles que arquitetaram o golpe. E a economia brasileira ainda não se desfez do trauma dessa irresponsabilidade, com erros da Dilma, do Levy, erros da Lava Jato e o golpe parlamentar. Quem olhar para trás num registro histórico, de uma maneira isenta, não vai deixar de observar isso.

O que poderia contribuir para uma melhoria da economia brasileira?

Não acredito que o atual governo consiga colocar o Brasil em um rumo positivo. Porque esse governo não tem projeto. Só tem projeto de destruição, em várias áreas. O que está acontecendo são medidas de desarticulação dos mecanismos existentes, sem que o governo saiba o que vai colocar no lugar.

Os mecanismos existentes têm defeitos? Têm. É preciso corrigi-los? Sim. Mas não é assim que se faz. Na área da Cultura, da Educação, do Meio Ambiente, da máquina pública… É um processo de destruição declarado, admitido como tal. Dito isso pelo Bolsonaro: “eu vim pra destruir”. Agora pergunta para essa equipe se eles sabem o que vão colocar no lugar? Provavelmente eles não sabem. Então é desastroso.

O Brasil está correndo um grande risco. Nunca houve um governo tão subordinado ao governo americano, que chega a declarar que está apaixonado pelo presidente dos EUA, não tem o mínimo de decoro, faz concessões unilaterais na esperança de ter algo, o que é um absurdo, não é assim que funcionam as coisas. Além disso, o atual governo provoca desnecessariamente toda a ira da comunidade internacional na questão da Amazônia, colocando o Brasil numa condição de pária, que nós nunca tivemos. É erro atrás de erro atrás de erro. Estamos pagando um preço altíssimo por ter levado essa figura à presidência da República. Nós vamos resistir a isso tudo. Mas é preciso muito cuidado, porque já vimos países destroçados pela combinação entre crise interna e pressão externa. Síria, Iraque, Líbia… Não pense o brasileiro que aqui não acontece. Podem acontecer coisas muito piores se a gente não se der conta. É fundamental que o brasileiro saia do seu comodismo e veja o que aconteceu com países que perderam sua soberania.

 

 

A imposição da nossa Vantagem é a razão do nosso atraso, por Albertino Ribeiro

0

O Brasil, cuja revolução industrial aconteceu com cem anos de atraso, também teve seu conflito indústria/agricultura desde a monarquia.

Albertino Ribeiro – GGN – 25/09/2019

A indústria deveria ser o nosso norte, direcionando o desenvolvimento econômico brasileiro, porém abdicou de sua liderança para o setor agropecuário. Infelizmente, os industriais brasileiros não tiveram a mesma sorte que seus pares americanos do século XIX. Naquela época, a indústria americana, concentrada no norte do país, venceu a guerra pela hegemonia econômica.

Se não fosse o esforço empreendedor daqueles industriais, os Estados Unidos da América seriam hoje o que o Brasil, infelizmente, sonha em se tornar um dia: a fazenda do mundo! Não seria isso um pesadelo?

Caro leitor, não sou um inimigo do agronegócio! Afinal de contas, o mundo precisa de alimentos e matérias-primas, inclusive, existem países que possuem riquezas naturais. Podemos citar alguns como Noruega, Canadá e Austrália. Esses países, mesmo tendo vantagens comparativas na agricultura e no extrativismo em geral, não negligenciaram à atividade industrial.

A indústria americana vivia em conflito com os ruralistas do sul do país. Os produtores de algodão, valendo-se das vantagens comparativas sobre os demais países, eram favoráveis ao livre comércio e tinham como principal porto dos seus produtos a Inglaterra, país que possuía grandes tecelagens. Ademais, o livre comércio também era interessante para os produtores do sul, porque permitia-lhes a obtenção de manufaturas mais baratas vindas do exterior.

Os empresários, juntamente com lideranças do Estado americano, sabiam que a continuação dessa política levaria o país a ser uma grande nação agrícola ou a fazenda do mundo. Contudo, para evitar o futuro “agrodistópico”, o governo americano resolveu adotar políticas protecionistas em relação às manufaturas estrangeiras. Isso mesmo! Foi a política protecionista do estado americano que promoveu o desenvolvimento da indústria. O tal do “liberou geral” só veio depois do fortalecimento do setor.

Uma curiosidade da época foi o desencorajamento da leitura dos livros de Adam Smith e David Ricardo pelo governo, uma estratégia para instilar no empresariado o desejo de ir contra a teoria das vantagens comparativas que, naquele momento, era o grande inimigo teórico da industrialização americana. Verdade, amigo do instituto Milenium!

Ser a fazenda do mundo não era o sonho americano, mas um pesadelo contra o qual o setor privado e o governo lutaram para que não se materializasse.

O Brasil, cuja revolução industrial aconteceu com cem anos de atraso, também teve seu conflito indústria/agricultura desde a monarquia. Contudo, os produtores rurais levaram a melhor – pobre Barão de Mauá e seus pares – graças a influência que sempre tiveram junto ao estado Brasileiro.

Recentemente comemoramos o acordo MercoSul e União Europeia. Mais uma vez o agronegócio levará vantagem e a indústria ficará vulnerável à concorrência. Como se não bastasse o atual abandono da indústria nacional, o governo Bolsonaro quer iniciar um novo ciclo extrativista avançando sobre a Amazônia. Tal política tende a tirar, o foco do investimento industrial, uma verdadeira “maldição dos recursos naturais”, segundo alguns economistas supersticiosos.

A indústria brasileira possui, apenas, 11,3% de participação no PIB (dados de 2018), retrocedemos ha mais de 60 anos. Para termos uma ideia, Em 1956, quando Juscelino Kubitschek tornou-se presidente, a participação da indústria no PIB era de 24,1%, e o Brasil, naquela época, era considerado um país ainda agrário.

Infelizmente, a frase do economista Pedro Malan, ministro da Fazendo do governo FHC, “a melhor política industrial é não ter política industrial”, tornou-se o nosso modus operandis. Assim sendo, continuaremos a colher os frutos do atraso.

Albertino Ribeiro é Tecnologista de Informações Geográficas e Estatísticas

 

Cheiro de mudança no ar, por Paulo Kliass

0

Uma das muitas maneiras para explicar as mudanças reside na identificação das consequências provocadas pela crise financeira internacional

A cada novo dia que passa, a cada nova semana que avança, percebe-se que algumas das bases de sustentação do modelo em que se apoia o atual sistema do capitalismo global começam a apresentar suas fissuras. Apesar de não oferecer nenhuma novidade para os que sempre denunciamos esse regime injusto e excludente em escala mundial, é importante sim reconhecermos a gravidade da crítica que vem sendo lançada mais recentemente por gente de distintos perfis.

Uma das muitas maneiras para explicar as mudanças reside na identificação das consequências provocadas pela crise financeira internacional, que teve seu início no ambiente econômico os Estados Unidos em 2008. A eclosão descontrolada de alguns dos principais símbolos da chamada “economia de mercado” teve um efeito tão ou mais devastador, inclusive do ponto de vista icônico, do que o bombardeio das torres do World Trade Center no coração de Manhattan em 2001.

Afinal, o que se viu a partir da quebra em cadeia das principais instituições financeiras que operavam no mercado estadunidense foi a colocação em xeque da própria estrutura de funcionamento da ordem liberal capitalista. Em 15 de setembro de 2008, a falência do banco Lehman Brothers oferece o primeiro susto, logo depois da estatização preventiva de alguns dos gigantes do mercado imobiliário de hipotecas, como Fanni Mae e Freddy Mac. Em seguida, o Tesouro daquele país injeta um volume considerável de recursos públicos para salvar o Bank of America e o Citibank de quebrarem. O argumento para justificar a medida, que se apresentava inclusive na contramão dos dogmas do livremercadismo, era o famoso “too big to fail”. Ou seja, de acordo com o contorcionismo retórico de nova ordem, elas seriam instituições tão grandes que sua falência deveria ser evitada a todo custo.

Crise de 2008/9: início das mudanças

Ainda na sequência, em 2009, o governo norte-americano injeta bilhões de dólares nas simbólicas corporações gigantes do mercado automobilístico. A estratégia era também salvar da falência empresas do porte de General Motors e Chrysler. É verdade que a narrativa do liberalismo, sempre tão propagada pelo mundo afora pelo establishment ianque, na verdade nunca foi aplicada com todo o rigor no seu próprio território. Para tanto, basta considerarmos as políticas de subsídios aplicados em setores politicamente sensíveis (como agricultura e energia), as políticas especiais oferecidas ao complexo bélico militar ou a proeminência de oligopólios em inúmeros setores da economia norte-americana. Receita de liberalismo é bom para se aplicar na grama do vizinho.

Porém os efeitos da crise operaram como um questionamento profundo de alguns dos dogmas basilares do modelo que vinha funcionando desde o início dos anos 1980. O Estado foi obrigado a intervir no jogo econômico de forma explícita e ultra evidente. A política de austeridade ortodoxa teve de ser revista em uma jogada de “pragmatismo realista”, de forma a que as políticas monetária e fiscal foram subvertidas em relação a tudo aquilo que as instituições difusoras do neoliberalismo sempre haviam apregoado nos Estados Unidos e pelo mundo afora. Uma das razões mais importantes para a crise no âmbito financeiro foi identificada como sendo a ausência de regulação das instituições e das operações de risco elevado. Tanto que uma das primeiras medidas consideradas como “saneadora” foi a Lei Dodd Frank, que pode ser considerada a primeira grande regulação do mercado financeiro norte-americano desde a década de 1930.

Essa contradição entre o discurso liberal e a prática de governos e instituições revelou-se insustentável. Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá e outros países são afetados por essa necessidade de adaptação. Abre-se, assim, uma brecha para o surgimento de visões e propostas alternativas, ainda mesmo no campo do conservadorismo. A hegemonia demolidora exercida pelos dogmas do neoliberalismo começa a perder o vigor que sempre havia caracterizado esse período. Questões como distribuição de renda, desigualdade social e econômica, regulamentação e regulação das atividades na economia, política fiscal contracíclica e outros temas “heréticos” passam a fazer parte do cardápio dos próprios economistas que defendiam o modelo da ortodoxia até poucos meses antes.

Piketty e Lara Rezende – críticas ao modelo

Um dos formuladores que ganhou mais notoriedade ao longo dos últimos anos foi o francês Thomas Piketty e seu livro “O capital no século XXI”, lançado em 2013. Oriundo de uma escola conservadora no ambiente universitário francês, ele foi um dos criadores e dirigentes da polêmica “Paris School of Economics” (PSE), iniciativa claramente inspirada no modelo da coirmã britânica, “London School of Economics” (LSE). Mas o fato é que a emergência da crise e a investigação de assuntos como concentração de renda e patrimônio levaram o economista a apontar o dedo para a necessidade de mudanças profundas na questão da tributação e da regulação da economia, entre outros aspetos.

Por outro lado, a brecha aberta no debate pós crise 2008 permitiu também a recuperação de debates do campo da macroeconomia. Voltaram à baila questões que haviam ficado no esquecimento, em razão do esmagamento ideológico promovido pelo establishment neoclássico há décadas. Essa foi a oportunidade para o ressurgimento de vários pesquisadores agrupados em torno daquilo que passou a ser chamado de “Teoria Monetária Moderna” (MMT, da sigla em inglês). De acordo com tal interpretação do fenômeno econômico, faz-se necessário um repensar a respeito de dogmas como déficit público, função da moeda e capacidade de endividamento do Estado.

Apesar da relevância do tema, as elites do financismo tupiniquim não parecem nada entusiasmadas em oferecer espaço para esse tipo de autocrítica. Um dos poucos pensadores e operadores da economia que ousaram furar a bolha e trazer luz a esse importante debate tem sido André Lara Rezende. Apesar de toda a sua formação no campo do conservadorismo, bem como sua atuação no mercado financeiro e sua participação como formulador de política econômica nos governos de FHC, ele teve a coragem política e intelectual de reconhecer os equívocos. Em seus artigos mais recentes, o economista carioca traz informações sobre o andamento do debate da MMT nos fóruns internacionais e aponta os enganos da continuidade da opção pela austeridade em nossas terras. Essa nova abordagem proposta por um importante formador de opinião postula uma forte crítica à política monetária de juros altos praticada há duas décadas e também a essa verdadeira obsessão do financismo com o corte generalizado de despesas como sendo a única saída para a crise fiscal.

Draghi , Martin Wolf e o Reino da Dinamarca

No espaço europeu a polêmica também avança, uma vez que a política de austeridade levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) e pela Comissão Europeia (CE) não produziu os efeitos desejados pela maioria da população da maior parte dos países da região. A sequência interminável de planos de ajuste recessivos e destruidores (como ocorreu com Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal no passado recente) parece que agora cede espaço para uma reflexão de matriz diferente. O próprio presidente do BCE, o economista Mário Draghi reconheceu há poucos dias a necessidade de abrir um diálogo para examinar as propostas da MMT como alternativas para o aperfeiçoamento dos mecanismos de política monetária no espaço europeu. Vindo de quem vem e do cargo que ocupa, esse gesto não é nada desprezível.

Outra iniciativa relevante foi um artigo de autoria de Martin Wolf importante jornalista e economista conservador, que é conhecido por suas atividades como editor do jornal “Financial Times” (FT). Ali também se identifica um desconforto do autor com os rumos da própria economia capitalista nos tempos atuais. Nesse caso mais recente, o autor chega ao ponto de identificar na natureza rentista do capitalismo contemporâneo uma ameaça para a sobrevivência da democracia liberal. Ora, chegamos a uma situação em que um dos maiores baluartes de defesa da ordem capitalista como FT se vê obrigado a reconhecer a necessidade de mudanças de rota. Talvez seja mesmo o caso de recordarmos o que escreveu há mais de 4 séculos atrás outro inglês, William Shakespeare, em sua peça “Hamlet”: há algo de podre no Reino da Dinamarca.

É bem possível que estejamos mesmo vivendo um momento de mudança de paradigma. Esses períodos de transição podem oferecer espaços para o novo ainda em gestação. Às forças progressistas cabema intervenção nesse processo de disputa de ideias. Com isso, assegurar que o novo caminho seja na direção de um mundo mais justo, menos desigual e que esteja assentado na sustentabilidade.

* Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

 

“Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas”

0

O economista e pesquisador Marcelo Medeiros apresentará na próxima semana, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, dados de uma pesquisa recente sobre a desigualdade brasileira

Os desafios com relação à iniquidade social, educacional e econômica no Brasil foram pensados historicamente observando a base da pirâmide social. Para tentar compreender melhor o fenômeno, o pesquisador e economista Marcelo Medeiros virou a realidade de cabeça para baixo e se deu conta de por que, apesar dos anos de estudo, soluções efetivas para o problema nunca foram apontadas. “Os ricos concentram uma fração muito grande da renda total e, por isso, têm um peso gigantesco na desigualdade. Falar de desigualdade é falar de ricos, da diferença entre os ricos e o resto. O que acontece com a pobreza não muda muito a desigualdade”, destaca em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

O professor chama atenção para o fato de que um quarto de toda a renda do país está concentrado em 1% dos adultos, o que justifica observar os ricos para compreender a pobreza. “Quando se fala de renda, se fala de algo que é apropriado, predominantemente, pelos ricos. Por isso o comportamento da renda dos ricos afeta muito o comportamento geral da desigualdade”, avalia. “Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas”, provoca.

Marcelo Medeiros é graduado em Economia pela Universidade de Brasília – UnB, mestre e doutor em Sociologia pela mesma instituição. Atualmente é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea e professor na UnB. Além disso, leciona anualmente na Universidad Nacional de General San Martín -UNSAM, Buenos Aires. Foi pesquisador no International Poverty Centre – UNDP, pesquisador-visitante no CSC – Cambridge University, no Institute for Human Development – Delhi, no Indira Ghandi Institute – Mumbai, na Sophia University – Tóquio, no CNRS-Cermes3 – Paris e na University of California – Berkeley, além de especialista em avaliação de políticas do Tribunal de Contas da União – TCU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais serão os pontos centrais a serem abordados na conferência Os ricos e a desigualdade de renda no Brasil, evento que ocorre na próxima semana?

Marcelo Medeiros – Essa conferência sintetiza os resultados de estudos sobre desigualdade de renda no Brasil no último ano. Ela tem como eixo uma ideia simples, mas importante: os ricos concentram uma fração muito grande da renda total e, por isso, têm um peso gigantesco na desigualdade. Falar de desigualdade é falar de ricos, da diferença entre os ricos e o resto. O que acontece com a pobreza não muda muito a desigualdade.

IHU On-Line – Quem são os ricos do Brasil? De que forma eles desequilibram a balança da justiça econômica e social no país?

Marcelo Medeiros – Ainda precisamos saber mais sobre isso. Temos que reavaliar parte do que sabemos sobre desigualdade depois que os dados do Imposto de Renda confirmaram aquilo que muitos suspeitavam: nossas informações sobre renda nas pesquisas domiciliares estavam subestimadas. Mas já sabemos, por exemplo, que cada pessoa das elites ocupacionais e educacionais contribui de forma muito desproporcional para a desigualdade de renda. Elites educacionais são as pessoas com formação naquilo que alguns chamam de profissões imperiais, como medicina, engenharia, direito e algumas outras novas atividades. Elites ocupacionais são os empresários. Estudos recentes também mostram que essas elites são compostas predominantemente por homens brancos com mais de 45 anos de idade. As desigualdades de gênero, raça e geração parecem ser maiores do que se acreditava.

IHU On-Line – Historicamente, quais foram os aspectos determinantes da desigualdade no Brasil? Como foram medidos e analisados os dados sobre a desigualdade?

Marcelo Medeiros – Os primeiros estudos sobre desigualdade de renda no Brasil datam da década de 1930. Eram estudos baseados em dados do imposto de renda, recém-criado. Há estudos parecidos nas décadas de 1940, 1950 e 1960. A partir dos anos 1970 o Brasil passa a contar com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, pesquisas domiciliares de excelente qualidade, e a história contada a partir da PNAD passa a dominar acerca do que sabemos sobre desigualdade. Porém, a partir da década de 2000 os dados tributários voltaram a ter muita importância em todo o mundo, pois são uma forma de se analisar a história de longo prazo da desigualdade. No Brasil, a primeira série de longo prazo sobre desigualdade ano a ano é do Pedro Souza, do Ipea, publicada em 2014, e que cobre de 1933 a 2012. Recentemente essa série foi alongada e conta com dados desde 1928.

É difícil resumir um período tão longo de história em poucas palavras, mas há algo na série que chama a atenção: nos períodos de ditadura a desigualdade sobe, nos de democracia ela cai. Ao que parece, os níveis mais baixos de desigualdade da história brasileira foram no começo dos anos 1960 e isso foi revertido bruscamente em 1964, mesmo antes do milagre econômico do final da década. Não devemos, portanto, subestimar o papel que o Estado e a política têm na desigualdade.

IHU On-Line – De que forma a pesquisa A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: Estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares,  publicada ano passado, atualiza nossa compreensão sobre o fenômeno da desigualdade?

Marcelo Medeiros – Essa pesquisa e outra, publicada quase simultaneamente, usam os novos dados do imposto de renda para analisar a história recente da desigualdade. Esses dados apontam que a desigualdade no Brasil é maior do que estávamos calculando até recentemente e, ao contrário do que todos nós acreditávamos, não caiu entre 2006 e 2012. E quando digo “nós”, me incluo: quando olhava apenas para os dados da PNAD eu também achava que havia queda. Mas em pesquisa sempre é assim, diante de novos dados temos que rever nossas posições. A interpretação que parece mais prudente é a de que houve estabilidade entre 2006 e 2012, não queda.

De todo modo, o que importa não são os pequenos sobe e desce e sim as grandes tendências, pois é isso que ajuda a explicar o que causa a desigualdade no país e o que pode ser feito para reduzi-la. Precisamos saber o que muda no que sabemos sobre desigualdade diante das novas evidências do imposto de renda. Aprendemos muito com as PNAD, agora precisamos colocar esse conhecimento à prova, pois as PNAD subestimam a renda no topo da distribuição.

IHU On-Line – Por que estudar os mais ricos? De que forma eles ajudam a compreender os meandros de uma sociedade em que a maioria massiva da população é pobre?

Marcelo Medeiros – Um quarto de toda a renda do país está concentrado em 1% dos adultos. Metade em 5% da população. Quando se fala de renda, fala-se de algo que é apropriado, predominantemente, pelos ricos. Por isso o comportamento da renda dos ricos afeta muito o comportamento geral da desigualdade. Aliás, também quando se fala de crescimento, fala-se de algo que será apropriado, predominantemente, pelos ricos. Entre 2006 e 2012, o 1% mais rico ficou com 28% dos frutos de todo o crescimento do país.

IHU On-Line – Embora os programas sociais do Estado sejam voltados à população mais empobrecida, como explicar o fato de que os maiores fluxos de renda estatal sejam destinados às populações da parte de cima da pirâmide social? Como compreender os paradoxos que estão em jogo nestes processos?

Marcelo Medeiros – O que é importante nisso é entender que o Estado é importante para determinar a desigualdade. Ou seja, desigualdade é um problema político, no sentido dado pela Economia Política à expressão. Quando o Estado faz políticas para os mais pobres, ajuda a reduzir um pouco a desigualdade; mas quando dá subsídios, investe em infraestrutura, ou mesmo quando faz políticas de controle da inflação, ele pode estar ajudando diretamente os mais ricos.

Nosso estudo mostra que a maior parte da população dá ou recebe diretamente rendas do Estado. Por exemplo, dá na forma de imposto de renda e contribuições previdenciárias e recebe na forma de transferências e salários. O saldo desses fluxos de renda é que o Estado acaba transferindo mais dinheiro para os mais ricos do que para os mais pobres. Em parte, isso é esperado, pois as pessoas contratadas pelo Estado geralmente têm maior qualificação e isso está associado a maiores salários. É importante entender que as rendas pagas pelo Estado contribuem com uma parcela não desprezível da desigualdade, mas isso não é necessariamente um problema: se o Estado contratar mais enfermeiras para cuidar de pacientes nos hospitais públicos, pagará mais salários e irá provavelmente aumentar sua participação na desigualdade, mas isso não deve ser visto como algo ruim. Nem todo aumento da desigualdade é ruim, nem toda redução é boa. O problema é bem mais complicado.

IHU On-Line – De que ordem são os desafios para superar a desigualdade social no Brasil? 

Marcelo Medeiros – Não existe uma solução simples, rápida e barata para um problema dessa magnitude. Uma fórmula mágica desse tipo provavelmente está fadada ao fracasso. Não é simples fazer o Brasil ter a desigualdade da Áustria, assim como não é simples o Brasil ter o PIB per capita da Áustria. Uma coisa é certa: igualdade tem custos, esses custos não são baixos. Criar uma sociedade justa dá trabalho, e justiça implica reduzir uma série de vantagens que hoje tem a população mais rica.

Por outro lado, igualdade é mais eficiente. É melhor para a economia. Nossos níveis de desigualdade são disfuncionais, atrapalham o bom desempenho de nossa economia, estimulam comportamentos predatórios e desestimulam comportamentos produtivos. Temos que mudar isso, mas vai custar muito, econômica e politicamente, e levará um bom tempo.

IHU On-Line – Em que medida a taxação das grandes fortunas pode contribuir no processo de redução da iniquidade social? Em que medida são insuficientes?

Marcelo Medeiros – Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas. Impostos são uma contribuição feita para cuidar do bem comum. Todos têm o dever de contribuir para o bem comum, na proporção de suas capacidades. Quem pode mais, paga mais. Por isso, precisamos rever não só a forma como tributamos fortunas, mas toda nossa tributação. Precisamos há anos de algo difícil de fazer, uma reforma tributária. Nas últimas décadas só temos feito remendos, mas nenhuma reforma de maior fôlego. Temos uma carga tributária desequilibrada, que dá muito peso aos tributos sobre produção, consumo e trabalho e pouco peso ao imposto de renda. Deveria ser o contrário, pois o imposto de renda é economicamente muito mais eficiente que outros impostos, além de ser também mais justo.

É importante termos uma tributação melhor, que ao mesmo tempo seja mais produtiva e mais justa que a atual. Mas há muito mais na promoção da igualdade que os tributos. Os impostos são importantes para arrecadar de um lado e fazer investimentos de outro. É com impostos que se cria infraestrutura e se investe em educação, por exemplo. Sem esses e outros investimentos, vamos ficar para trás na corrida internacional estabelecida pela globalização.