Ziegler: assim as corporações alimentam a ultradireita

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Relator especial da ONU explica como as “sociedades multinacionais privadas” tornaram-se as verdadeiras donas do mundo, e impedem qualquer Estado, cidadão ou política social de conter fome, pobreza e as crises humanitárias

Jornal GGN

26/05/2019 – Por Jamil Chade

No SWI Brasil

Jean Ziegler é uma ave rara na cena política suíça, encarnando há quase meio século a figura do intelectual público de projeção global. Seu ativismo político e atuação internacional, como relator especial da ONU, rendeu-lhe uma extensa gama de inimigos, não só entre os bancos, empresários e lideranças conservadoras, mas até mesmo no campo mais progressista. Mas Ziegler continua um observador ativo, e nota que os cidadãos das grandes democracias vivem um “desespero silencioso e secreto”.

Ele, porém, não perde a esperança e insiste que a resposta à atual crise está no fortalecimento de uma sociedade civil planetária. Para Ziegler, os acontecimentos nos últimos anos e a impotência do sistema político em dar respostas mostram que a “democracia representativa está esgotada”.

Eis a entrevista

Vemos em diferentes partes do mundo uma reação popular contra partidos tradicionais e contra a política. Também vemos a vitória de políticos como Orban, Trump, Salvini e Bolsonaro. Por qual motivo o sr. acredita que estamos vendo essa onda?

O mundo se tornou incompreensível para o cidadão, que não mais consegue ler o mundo. As 500 empresas multinacionais privadas têm 52% do PIB do mundo (todos os setores reunidos, bancos, serviços e empresas). Elas monopolizam um poder econômico-financeiro, ideológico e político que jamais um imperador ou papa teve na história da humanidade. Eles escapam de todos os controles de estado, parlamentares, sindicais ou qualquer outro controle social. Eles têm uma estratégia só: maximização dos lucros, no tempo mais curto e não importa a qual preço humano.

Elas são responsáveis, sem dúvida, por um processo de invenção científica, eletrônica e tecnológica sem precedentes, e de fato extraordinário. Até o fim da URSS, um terço dos habitantes do mundo vivia sob algum tipo de regime comunista. Havia a bipolaridade da sociedade dos Estados. O capitalismo estava regionalmente limitado.

A partir de 1991, o capitalismo se espalhou como fogo de palha por todo o planeta e instaurou uma só instância reguladora: a mão invisível do mercado. Isso também produziu uma ideologia que totalmente alienou a consciência política dos homens. Há, hoje, uma ideologia que dá legitimidade a uma só instância de regulação: o neoliberalismo. Esse sistema sustenta que não são os homens, mas os mercados que fazem a história e que as forças do mercado obedecem às leis da natureza.

E qual é a implicação disso para o cidadão?

As forças do mercado trabalham com as forças da natureza e o homem é dito que não é mais o sujeito da história. No neoliberalismo, não é mais o homem que é o sujeito da história. Cabe ao homem se adaptar a esse mundo.

De fato, entre o fim da URSS no começo dos anos 1990, e o ano de 2000, o PIB mundial dobrou. O volume do comércio se multiplicou por três e o consumo de energia dobrou em quatro anos. Isso é um dinamismo formidável. Mas isso tudo ocorreu de uma forma concentrada e nas mãos de um número reduzido de pessoas.

Se considerarmos a fortuna pessoal dos 36 indivíduos mais ricos do mundo, segundo a Oxfam, ela é igual à renda dos 4,7 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade. A cada cinco segundos, uma criança com menos de dez anos morre de fome ou de suas consequências imediatas.

E no mesmo relatório sobre a insegurança alimentar no mundo da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) diz: no atual estado de seu desenvolvimento, a agricultura mundial poderia alimentar normalmente 12 bilhões de seres humanos. Ou seja, quase o dobro da humanidade – somos 7,7 bilhões de pessoas hoje. Não há fatalidade. A fome é feita pelas mãos do homem e pode ser eliminada pelos homens. Uma criança que morre de fome é assassinada.

Isso é sustentável?

De forma alguma. A desigualdade não é só moralmente vergonhosa. Mas ela também faz com que o estado social seja esvaziado. Os mais ricos não pagam impostos como deveriam. Os paraísos fiscais, o sigilo bancário suíço – que continua – isso tudo ainda permite uma enorme opacidade. Empresas são contratadas para criar estruturas que impedem que os reais donos do dinheiro sejam encontrados em sociedades offshore. Os documentos revelados pelos Panama Papers mostram muito bem isso. Portanto, podemos dizer que as maiores fortunas do mundo e as maiores multinacionais pagam os impostos que querem.

E qual a consequência disso?

O fato que os mais ricos pilham o país e não pagam impostos gera duas situações: esvaziam a capacidade social de resposta dos governos e impedem contribuições obrigatórias dos países mais ricos às organizações especializadas da ONU que lutam contra a miséria no mundo. Portanto, esse sistema mata.

No fundo, essa ditadura do mercado faz com que os cidadãos entendam que não é o governo pelo qual eu votei que tem o poder de definir o destino. Isso cria uma insegurança completa e a desigualdade não é controlável. Se não bastasse, o cidadão é informado que seu emprego passa por um período profundo de flexibilização. A França, a segunda maior economia da Europa, tem 9 milhões de desempregados e três quartos dos empregos no setor privado são contratos de duração limitada (CDD, contrato de duração determinada). Outros milhões vivem de forma precária, como a maioria dos aposentados.

Quem são, portanto, os atores que influenciam o destino econômico de um país?

Vou dar um exemplo. As sociedades multinacionais privadas são as verdadeiras donas do mundo. Nos EUA, sob a administração Obama, foi criado uma lei que proibia o acesso ao mercado americano de minerais que tenham sido extraídos por crianças em suas minas, principalmente do Congo. O cobalto, por exemplo, foi um deles.

Essa lei gerou a mobilização de Glencore, RioTinto e tantas outras, denunciando que era inaceitável, pois era contra a liberdade dos mercados. Uma das primeiras medidas que Donald Trump tomou ao assumir o governo, em janeiro de 2017, foi a de acabar com essa lei. Como este, existem muitos outros exemplos no meu livro.

Em quais setores?

A agricultura é outro. Em 2011, três semanas antes da reunião do G7 em Cannes, o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi à televisão e declarou que iria propor que a especulação nas bolsas e no mercado financeiro fosse proibida, principalmente sobre o arroz, milho e trigo e outros produtos agrícolas de base. Isso seria uma forma de lutar contra o aumento de preços dos alimentos básicos, especialmente nos países mais pobres.

Faltando poucos dias para o G7, a França retirou sua proposta, depois de ter sido pressionada pelas grandes empresas do setor, como Unilever, Nestlé e outras. Essa mobilização impediu uma ação do presidente da França.

Portanto, voltando ao ponto inicial: o capitalismo é o modo de produção que mais mostrou vitalidade nos avanços tecnológicos e de inovação e tem uma produtividade muito superior a qualquer outro do passado, incluindo o da escravidão. Mas, ao mesmo tempo, o modelo capitalista escapa de todo o controle político, sindical ou da ONU. Eu insisto: ele funciona sob apenas um princípio, que é o da maximização dos lucros, no tempo mais curto possível e a qualquer preço.

E o que isso significa para uma democracia?

É um sistema que priva o cidadão, mesmo numa democracia, de todo tipo de resposta efetiva à precariedade, à desigualdade que destrói o estado social. E é nesse contexto que se cria uma espécie de desespero silencioso e secreto entre os cidadãos. E, como sempre ocorreu na história e como ocorreu nos anos 30 na Alemanha, é neste momento que vêm os grupos de extrema-direita com sua estratégia de criar um bode expiatório.

De que forma?

O discurso é simples. Eles chegam a declaram ao cidadão: sim, sua situação é insuportável. Você tem razão. Não falam como outros que tentam dar esperanças ou dizer que as coisas vão melhorar. Mas, num segundo momento, o que fazem? Apresentam um bode expiatório para essa crise. Na Europa, eles são os imigrantes e os refugiados.

Justamente, em comum, esses movimentos denunciam a entrada de estrangeiros em seus países. Como o senhor avalia?

São governos europeus que cometem crimes contra a humanidade, ao recusar de examinar os pedidos de asilo dos refugiados. O direito a pedir asilo é uma convenção internacional de 1951, ratificada por todos os países, e os governos são obrigados a receber os pedidos.

Os eslovacos, por exemplo, aceitaram apenas 285 refugiados, sob a condição de que sejam cristãos. Em outros locais, como na Hungria, crianças estão na prisão. Mas mesmo assim esses governos continuam sendo sancionados pela UE, que continua a lhes enviar dinheiro. Só Viktor Orban (primeiro-ministro húngaro) recebeu 18 bilhões de euros no ano passado em fundos de solidariedade da Europa. As sanções, portanto, são inexistentes.

E qual tem sido o resultado dessa estratégia desses grupos populistas na Europa?

Eles mudam de paradigma e ganham força. Basta ver os resultados do partido Alternativa para a Alemanha (AfD). Hoje, eles têm o mesmo número de representantes no Parlamento que o tradicional SPD, o partido social democrata alemão que já nos deu políticos como Willy Brandt. O mesmo ocorreu com Matteo Salvini na Itália, Viktor Orban na Hungria, e ainda na Holanda, na Áustria. A estratégia do bode expiatório é uma estratégia que tem funcionado. Além disso, a consciência coletiva está sendo cimentada por uma ideologia neoliberal de que o homem não é mais o sujeito da história e que apenas pode se adaptar à situação e às forças do mercado, que obedecem às leis naturais.

Mas, voltando ao ponto da representatividade, tal cenário não ameaça minar a própria democracia?

Jean Jacques Rousseau publicou seu livro O Contrato Social em 1762, que foi a Bíblia para a revolução francesa. Ele descreveu a soberania popular e o fato de dar a voz a alguém para me representar. A delegação é um pilar do contrato social. Mas esse contrato social, que é a fundação da República, está esgotado. Essa democracia representativa está esgotada.

O povo não acredita mais nela. O povo vê que, ao votar em um deputado, não é ele que toma decisões, mas a ditadura mundial das oligarquias do capital financeiro globalizado. Portanto, há uma percepção de que ela não serve para nada. Não é ele quem vai garantir meu trabalho.

Ao mesmo tempo, esse povo não está disposto a abrir mão de seu poder e nem de sua capacidade de intervenção. No caso dos Coletes Amarelos, na França, um dos pontos principais é o apelo por um referendo popular como mecanismo. O que eles estão dizendo: o Parlamento faz o que quer. Queremos ter o direito de propor leis, de votar por elas. Hoje, a democracia representativa não funciona, num período de total alienação.

Quais são as respostas possíveis?

Retirar essa placa de cimento das consciências, que foi imposta. Liberar a consciência dos homens que é, por natureza, uma consciência de identidade. Se uma pessoa, seja de qual classe social ele for ou de qualquer religião, vir diante dele ou dela uma criança martirizada, algo de si afunda. Ele se reconhece imediatamente nela. Somos a única criatura na terra com essa consciência de identidade. E é por isso que milhões de jovens na Europa e na América do Norte se mobilizam em imensos cortejos, todas as semanas, pela sobrevivência do planeta e contra o capitalismo. O que eles estão dizendo aos seus governos? Que assim não podemos continuar. Façam algo contra essa ordem canibal do mundo.

A questão climática pode ser decisiva nesse contexto para modificar a forma de pensamento?

Pelo Acordo de Paris, cada um dos 190 estados que assinaram assumiu obrigações precisas para limitar as emissões de CO2 na atmosfera. 85% do CO2 emitido vem de energias fósseis. O acordo pede que as cinco maiores empresas de petróleo reduzam 50% de suas emissões até 2030 e de dar parte dos lucros ao desenvolvimento de energia alternativas, como solar, eólica e outras.

Mas o que é que ocorreu desde 2015? As cinco grandes empresas de petróleo do mundo aumentaram, em média, sua produção em 18%. E financiaram energias alternativas somente em 5%. Os jovens dizem: isso não funcionará.

Então, existe esperança?

Por anos, fui membro do Conselho Executivo da Internacional Socialista. Seu presidente, Willy Brandt, dizia a nós jovens, como eu, Brizola e Jospin: não se preocupem. A cada votação, vamos avançar aos poucos e as pessoas vão se dar conta. Lei por lei, vamos instaurar uma democracia social, igualdade de oportunidades e justiça social. Mas isso não ocorreu. No lugar do progresso da democracia social, o que vimos foi a instauração da ditadura mundial de oligarquias do capital financeiro globalizado que dá suas ordens, mesmo aos estados mais poderosos.

Desde a queda do Muro de Berlim em 1989, a liberalização do mercado e a perda do poder normativo dos estados avançou mais que nunca e, ao mesmo tempo, a desigualdade social aumentou. Mas Brandt também nos dizia: quando vocês falarem publicamente, é necessário dar esperança. O discurso deve ser analiticamente exato. Mas ele precisa ser concluído com uma afirmação de esperança. Caso contrário, é melhor ficar em casa.

Mas onde está essa esperança?

É a sociedade civil planetária. É a misteriosa fraternidade da noite, a miríade de movimentos sociais – Greenpeace, Anistia Internacional, movimento antirracista, de luta pela terra – que lutam contra a ordem canibal do mundo, cada qual em seu domínio. São entidades que não obedecem a um comitê central ou a uma linha de partido, e que funcionam por um só princípio: o imperativo categórico.

Emmanuel Kant dizia: “a desumanidade infligida a um outro humano destrói a humanidade em mim”. Eu sou o outro e outro sou eu. Essa consciência, em termos políticos, cria uma prática de solidariedade entre os indivíduos e reciprocidade entre povos. Mas essa sociedade é invisível. Não tem uma sede. Ela é visível cinco dias por ano, no Fórum Social Mundial, organizado pelos brasileiros em Porto Alegre.

O escritor francês George Bernanos escreveu: “Deus não tem outra mão que seja a nossa”. Ou somos nós que mudaremos essa ordem canibal do mundo, ou ninguém o fará.

Notas:

[1] Jean Ziegler ocupa hoje a vice-presidência do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

[2] Em seu novo livro – Le capitalisme expliqué à ma petite-fille (en espérant qu’elle en verra la fin) – O capitalismo explicado à minha neta (com a esperança que ela veja o fim), da editora Seuil, o sociólogo tenta dissecar o sistema atual de produção e suas consequências para a cidadania.

[3] Ziegler já foi deputado federal, professor da Universidade de Genebra e professor da Universidade Paris Sorbonne. No início do século XXI, ele foi ainda o primeiro relator da ONU para o direito à alimentação.

 

“Bolsonaro arrisca demais e muito cedo”, diz Carlos Pereira.

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Para o cientista político Carlos Pereira, postura do presidente pode gerar animosidade e atrapalhar relação com Congresso

Carlos Pereira, cientista político e professor da FGV-Ebape

Vítor Marques, O Estado de S.Paulo 

26 de maio de 2019

Ao adotar uma estratégia de “confronto” com menos de seis meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro está se “arriscando demais e muito cedo”. A análise é do cientista político e professor da FGV-Ebape Carlos Pereira. Segundo ele, o governo não tem outra saída porque prefere manter uma coalizão minoritária no Congresso em vez de negociar com os partidos.

Ao Estado, Pereira afirmou que os atos marcados para este domingo, 26, a favor do governo têm duas faces: se forem bem-sucedidos, Bolsonaro acumula capital político. Por outro lado, se as manifestações se voltarem contra instituições democráticas, como o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal “o tiro vai sair pela culatra”.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Na semana passada, Jair Bolsonaro endossou um texto que afirma que “o Brasil, fora desses conchavos, é ingovernável”. Há quem veja que o presidente, ao publicar esta mensagem, consideraria a possibilidade de uma “ruptura” democrática ou estaria inclinado a soluções autoritárias. O sr. vê dessa forma?

Não interpreto (o texto compartilhado) como se o presidente Bolsonaro estivesse namorando com saídas não democráticas ou iliberais. Vejo como parte de uma estratégia comum em presidencialismos plebiscitários – a literatura americana chama de estratégias de going public. Como ele preferiu construir um governo minoritário e uma coalizão desproporcional, ele não tem outra saída a não ser dar continuidade a essa estratégia de campanha perpétua, de estabelecer mecanismos de contato direto com a sociedade para pressionar o Legislativo e o próprio Judiciário. Vejo essa manifestação muito mais como um desdobramento dessa estratégia plebiscitária.

O que caracteriza o que sr. chama de presidencialismo plebiscitário e quais os riscos que essa estratégia traz?

O presidencialismo plebiscitário se caracteriza por mecanismos diretos de conexão entre eleitor e presidente na tentativa de não levar em consideração as instituições partidárias, com o objetivo de pressionar os partidos e os líderes partidários a votar de acordo com o presidente. O grande problema dessa estratégia é que normalmente só dá resultado para o presidente no curto prazo. Ao longo do tempo, quando o presidente estressa demais essa relação com o Legislativo, que se sente ignorado e pressionado, e no momento em que o presidente mostra alguma vulnerabilidade política, na economia ou caso de corrupção, o presidente corre sério risco de perder a capacidade de estabelecer os termos de negociação. O Legislativo passa a ter o poder de barganha e os custos de governabilidade se tornam muito altos. O presidente está arriscando demais e muito cedo em uma estratégia de confronto e isso tende a criar animosidade, problemas e uma relação truncada com o Legislativo.

Os atos vão testar a força do governo Bolsonaro?

Se for uma manifestação legítima, democrática, apenas de apoio ao governo ou a uma agenda do governo, isso faz parte do jogo democrático. Se for bem-sucedida, o governo vai acumular capital político. Agora, se essas manifestações tiverem como princípio a fragilização de instituições democráticas, o tiro vai sair pela culatra. Mesmo se for um fracasso. O governo corre o risco de sinalizar muito cedo para a sociedade que o apoio de que dispõe é restrito a um grupo específico da sociedade muito truculento, muito conservador e muito retrógrado. Se for um fracasso, vai ficar a imagem de um governo isolado, com um grupo específico da sociedade. É um jogo de muito risco que o governo está tendo logo no início, com menos de seis meses, chamar um ato em defesa do governo e tentando vulnerabilizar o Legislativo e as estruturas judiciárias para constrangê-los a não se comportar contrariamente aos interesses do governo.

O Centrão abriu mão de novos ministérios. Essa decisão foi tomada às vésperas das manifestações marcadas para este domingo. O senhor acredita que esse grupo de partidos, atacado por apoiadores do presidente, tomou essa decisão com receio de parte da opinião pública?

Gostaria de fazer uma observação. Primeiro existe uma completa deturpação do significado dos ganhos de troca em regimes democráticos. O governo faz uma interpretação equivocada ao demonizar e interpretar como sujas trocas legítimas que existem em qualquer democracia quando o presidente ou o primeiro-ministro não desfruta de maioria pós-eleitoral. Trocas legítimas não são sinônimo de corrupção. O Centrão abriu mão da demanda de um novo ministério em função de uma potencial repercussão negativa com essa parcela que apoia o governo porque o Centrão tem o receio de ficar com a pecha negativa ao exigir espaço legítimo no governo. Tanto o governo errou ao demonizar essas trocas como o Centrão errou ao não ter capacidade de encarar esse debate com a sociedade e demonstrar que essas trocas e espaços no governo são legítimos.

O combate à corrupção foi uma das bandeiras de campanha de Bolsonaro, mas o presidente se comportou como um político tradicional ao desconfiar e atacar as investigações a respeito de seu filho Flávio Bolsonaro. O governo tem cumprido a expectativa no combate à corrupção?

O governo tem atendido parcialmente e, em última instância, tem frustrado essa expectativa. Não só a expectativa de combate à corrupção, mas a expectativa de ordem, porque Bolsonaro também foi eleito em cima de uma demanda de ordem e do combate à corrupção. O que a gente está observando neste governo é tudo menos ordem. Quando instituições de controle identificam potenciais malfeitos em opositores meus, eu sou a favor do combate à corrupção, mas quando as instituições de controle identificam potenciais malfeitos nos meus, nos próximos a mim, meus parentes ou do meu filho, eu sou contra e acho que é perseguição. A reação do presidente e do governo até o momento sobre investigações iniciais do Ministério Público do Rio em relação aos potenciais malfeitos do senador Flávio Bolsonaro lança dúvida sobre o compromisso real do governo quanto ao combate à corrupção.

As investigações no caso que envolve Flávio Bolsonaro e o ex-assessor Fabrício Queiroz podem desgastar o governo?

Dependendo da investigação, pode respingar diretamente no presidente. Existem suspeitas muito fortes de peculato, de enriquecimento ilícito e de ocultação de patrimônio. O Ministério Público terá de investigar e, dependendo do que seja demonstrado, isso com certeza trará consequências diretas para o governo, especialmente se o governo assumir uma postura de vitimização. Para ser consistente com a campanha, o presidente, se forem encontradas evidências robustas, terá de defender punição e não usar essa argumentação de que está sendo perseguido ou coisa que o valha.

Como o senhor enxerga o papel do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em um contexto de confronto entre e Executivo e Legislativo?

O Rodrigo Maia está exercendo uma postura muito similar ao que o PMDB (atual MDB) exerceu nos governos Fernando Henrique Cardoso e nos governos Lula e Dilma, ou seja, a postura do legislador mediano. Os partidos normalmente de centro, como Democratas, PSDB, PSB, são partidos mais maleáveis ideologicamente porque não estão nos extremos, nem na direita, nem na esquerda. Esses partidos e essas lideranças são fundamentais no espaço multipartidário porque elas evitam saídas extremas.

Pesquisas recentes, como a do Instituto Ipsos, apontam que a sociedade brasileira está polarizada e com grau de intolerância alto. O senhor concorda com essa tese e até que ponto isso se torna um problema?

De fato a sociedade está muito polarizada e a polarização se expressa justamente com essas características de tentar diminuir os malfeitos dos que pertencem ao seu grupo e maximizar os malfeitos dos que são distantes de mim, opositores a mim, ou quando as pessoas só escutam ou valorizam informações consistentes com o que elas já acreditam e desvalorizam informações que são inconsistentes com o que elas acreditam. O Brasil vem construindo um espaço para polarização desde o impeachment da presidente Dilma. Entretanto, essa polarização tem alguns aspectos positivos, não só negativos, que é o aspecto que você cria janelas de oportunidades a mudanças. Foi a partir dessa polarização entre políticos que estavam envolvidos em escândalos de corrupção e instituições de controle que queriam diminuir a corrupção no Brasil que nós vimos o fortalecimento das instituições de controle, em especial da Operação Lava Jato, Judiciário e Ministério Público. É muito importante entender que, em momento de mudanças, quando você polariza, você cria condições para novos arranjos. Naturalmente, se você tem uma polarização consistente durante vários períodos da história e ela se perpetua, isso é disfuncional para o sistema.

No livro ‘Brazil in Transition’, o senhor e os outros autores analisam os últimos governos do Brasil e abordam as ‘janelas de oportunidades’. O governo Bolsonaro é uma mudança de rumo?

De fato é, porque o pilar de inclusão social responsável como crença dominante tem existido desde o Plano Real, em 1994. Tanto o governo Fernando Henrique Cardoso quanto o governo Lula foram consistentes com esses dois pilares. O governo Dilma negligenciou um deles, do equilíbrio macroeconômico, quando ela se comportou de forma indisciplinada do ponto de vista fiscal e o governo gastou mais do que podia. Houve uma negligência dos princípios de equilíbrio macroeconômico e o sistema político brasileiro foi eficiente o suficiente para punir com um impeachment o governo que, de certa forma, negligenciou um dos pilares fundamentais como a responsabilidade fiscal. Entretanto, governo Bolsonaro, quando chega, assume compromissos críveis muito fortes com o equilíbrio fiscal na figura do ministro da Economia com a defesa clara da reforma da Previdência, mas ao mesmo tempo os primeiros passos sinalizam uma negligência do outro pilar (inclusão social), no sentido mais amplo do termo, bem como a decisão do governo de contingenciar recursos a áreas tão fundamentais para inclusão social no Brasil como a Educação. Se o governo enveredar por esse caminho, vai abrir uma janela de oportunidade para que seus opositores imponham perdas grandes ao governo. Inclusão social responsável é a crença dominante no Brasil de que o governo não pode abrir mão nem de responsabilidade fiscal nem de inclusão social.

 

 

As irmãs Fox e os primórdios da Doutrina Espírita

            A sociedade mundial sempre esteve envolta com as comunicações de espíritos e entidades do mundo espiritual, este contato entre os dois mundos, material e imaterial, sempre aconteceu, assustando os indivíduos encarnados e criando grandes constrangimentos na sociedade, gerando medos e desesperos generalizados entre os indivíduos e levando muitas pessoas a pesquisarem o significado destes fenômenos espirituais.

Na época em que as famílias residiam, na sua grande maioria, nas fazendas e no ambiente rural, as comunicações das entidades eram intensas, como inexistiam centros espíritas e reuniões estruturadas e organizadas, os espíritos se comunicavam das mais variadas formas, batendo nas madeiras, movimentando objetos, assustando animais e constrangendo pessoas e comunidades que, como desconheciam estas manifestações acabavam entrando em desespero e passavam a acreditar na existência de demônio e entidades dotadas de maldade.

Os espíritos acompanham os encarnados a muito mais tempo do que estes imaginam, sua influência mais evidente e imediata está nas intuições que muitos encarnados recebem no decorrer dos dias, muitas ideias e pensamentos que nos atribuímos, na verdade, são inspirações de espíritos amigos ou de detratores, que veem neste momento espaço para influências variadas, levando-nos a comportamentos estranhos ou não condizentes com nossas atitudes cotidianas.

Inúmeras entidades desencarnadas se viam em situação de desesperança e de medo no momento da passagem para o mundo espiritual e, diante deste desespero, passavam a retornar aos seus antigos lares físicos tentando se comunicar com seus entes queridos, buscando alento e oportunidade de conversação. O desconhecimento das leis naturais os levavam a buscar auxílio nestes momentos de grande dificuldade. Com o surgimento das casas espíritas e a consolidação deste movimento de amor e auxílio espirituais, estes irmãos eram aconselhados pelos espíritos superiores a procurar estas reuniões mediúnicas para compreenderem as dores, os medos e as dificuldades do momento.

O estudo sobre o surgimento do movimento espírita nos leva à reflexão dos fenômenos que envolveram as irmãs Fox, estas jovens inglesas do século XIX, desenvolveram um método de comunicação com os espíritos, motivadas por uma situação bastante inusitada e, para muitos, assustadora. Em 1848, sua casa numa pequena cidade norte-americana se viu infestada de barulhos e movimentos estranhos e inexplicáveis, sons oriundos da madeira, batidas variadas, portas batendo e barulhos assustadores geravam medos e preocupações. Ao observar as origens dos fenômenos e perceber que era bastante provável que estivessem vindo de um espírito ou seriam a manifestação de uma força poderoso, as irmãs começaram a buscar uma forma de comunicação com as origens deste som, desta comunicação descobriu-se que os barulhos tinham nome, sobrenome e identidade, refere-se a um vendedor de produtos de nome Charles Rosma que foi assassinado naquela casa alguns anos anteriores e seu corpo foi enterrado no sótão da casa, a uma distância de dez pés.

Em meados do século XIX, as irmãs Fox trouxeram grandes contribuições para a sociedade mundial, residentes em uma pequena cidade chamada Hydesville, pequeno povoado nos Estados Unidos da América, motivaram um movimento que levou o professor Hipollyte Leon Denizard Rivail a pesquisar e estudar um novo fenômeno em curso que culminou na codificação da Doutrina dos Espíritos, iniciada com a publicação de O Livro dos Espíritos, em 1857.

A publicação desta obra gerou grande inquietação na sociedade europeia da época, iniciando um movimento de curiosos para compreender as raízes deste fenômeno que, para muitos, era bastante inusitado e de difícil compreensão, motivando estudos e pesquisas sobre o tema e discussões referentes a veracidade, muitos acreditavam enquanto outros viam no movimento vestígios de fraudes e de charlatanismo.

As irmãs Fox motivaram muito das pesquisas do pedagogo francês, que adotou um pseudônimo para escrever sobre o tema, para se impessoalizar e desvincular seus estudos referentes ao Espiritismo de toda sua trajetória anterior, quando era reconhecido como um intelectual de destaque no mundo da educação com inúmeras publicações sobre o tema .começou a ser chamado de Allan Kardec, nome este que lhe foi revelado por seus guias espirituais como sendo um de seus nomes em encarnações anteriores, quando reencarnou como um druída.

A comunicação aberta entre as irmãs Fox e o espírito de Charles Rosma abriu grandes oportunidades de intercâmbio entre os dois mundos, o material e o imaterial, possibilitando novas oportunidades de desenvolvimento para a sociedade, o surgimento de uma religião que aceitava com naturalidade a Ciência e a Filosofia, inaugurando uma tríade que destoava de outras religiões da época que, em sua maioria, rechaçava a Ciência e se colocava acima do pensamento científico, dificultando o debate entre estas duas áreas fundamentais para o desenvolvimento da sociedade.

Muitas foram as vozes que se levantaram para criticar a família Fox, chamando-os de impostores, embusteiros e acreditando que todo o fenômeno apresentava altas doses de charlatanismo, levando as irmãs a se submeterem a inúmeras comissões formadas por membros respeitados da sociedade para apurar os fenômenos, sendo que, todas as pesquisas e questionamentos levantados foram respondidos e os relatórios atestaram a veracidade dos fenômenos. Depois destas investigações acaloradas que, apesar de serem invasivas e muito desgastantes, trouxeram grande benefício na divulgação das novas ideias, levando-as para todas as regiões do país e para diversos países, aumentando a curiosidades das pessoas em conhecer os fenômenos e satisfazer suas mais íntimas indagações.

Depois destes fenômenos, as irmãs Fox começaram as conversações mais intensas com os espíritos através de reuniões mediúnicas, onde eram feitas sessões privadas e públicas, atraindo uma grande quantidade de curiosos que viam às reuniões para entender esta nova revelação e muitas pessoas de destaque na sociedade da época, jornalistas, advogados, médicos, líderes religiosos, dentre outros, todos tentando satisfazer suas curiosidades mais íntimas e buscando atestar a seriedade do movimento que vinha se espalhando por todas as regiões e gerando ciúmes e burburinhos entre as outras religiões e grupos religiosos.

A história das irmãs Fox ganhou relevância no mundo inteiro, embora tenham sido médiuns de grande potencial e eram detentoras de vários tipos de mediunidade, destacamos a mediunidade de Kate Fox que, segundo Arthur Conan Doile, autor de uma obra interessante e bastante significativa da doutrina, A História do Espiritismo, apresentava características de psicografia, materialização de mãos, fenômenos religiosos e um tipo de mediunidade de provocar batidas, muito forte e insistentes, nesta última encaixamos as comunicações acontecida na pequena cidade norte-americana de Hydesville.

Kate Fox se comportou de uma forma muito pacienciosa durante toda a vida, como os fenômenos apareceram quando era muito jovem, serviu de cobaia para muitas pesquisas e investigações, muitas comissões foram feitas por pessoas que queriam entender todos aqueles fenômenos, sendo que, muitos deles queriam denegrir as novas ideias, mas muitas pessoas se levantaram para defender os fenômenos que dividiam a sociedade da época, dentre eles destacamos teóricos importantes e renomados da época, como William Croockes, Arthur Conan Doile, dentre outros, que estudaram, discutiram e divulgaram suas conclusões, elevando o status e aumentando a credibilidade das teorias nascentes.

Desde o seu surgimento, as ideias espíritas foram muito torpedeadas, detratores usavam de artimanhas e inverdades para denegrir as ideias nascentes, as próprias irmãs Fox foram perseguidas durante muitos anos, sendo vítimas de calúnias e comentários jocosos e deselegantes, sendo que em alguns momentos receberam propostas indecorosas para denunciar as farsas do espiritualismo.

As novas descobertas motivaram inúmeras perguntas e indagações que os adeptos deste movimento não tinham condições de responder mais efetivamente, as bases eram ainda muito pouco sólidas e precisavam ser melhor estruturadas para que o Espiritismo se consolidasse como um movimento sério e organizado, atraindo adeptos interessados em estudar, debater e analisar os fenômenos de forma consciente de que estavam de posse de uma nova concepção religiosa. O papel do codificador Allan Kardec no desenvolvimento da doutrina vai justamente nesta direção, suas pesquisas e investigações científicas baseadas em metodologias conscientes e lógicas foram fundamentais para que a Doutrina fosse codificada e os espíritos construíssem um canal mais efetivo de comunicação com a sociedade e com o mundo material, inaugurando uma nova religião, mais afeita a ciência e a filosofia, mas centrada nos passos sólidos e firmes de Jesus Cristo.

Para o codificador  todo efeito tem uma causa imediata, as perguntas eram feitas a variados espíritos e por vários médiuns diferentes que não se conheciam e em lugares diferentes, das respostas o pedagogo francês selecionava os conteúdos e divulgava as que apresentavam semelhanças e pareciam mais sensatas, destas inquirições foi possível escrever a primeira obra, O Livro dos Espíritos, que abriram caminho para um conjunto de outras análises e investigações, sendo publicado O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno, A Gênese, O que é Espiritismo, além de inúmeros outros artigos e revistas, onde se notabilizou a Revista Espírita, com vários exemplares. No período 1854 a 1869, quando de sua desencarnação, foram feitos inúmeros esforços para o crescimento, popularização e desenvolvimento da Doutrina dos Espíritos, embora tenha iniciado estas investigações na casa dos cinquenta anos Allan Kardec fez um trabalho magistral, só não começou mais cedo porque as fumaças da Inquisição ainda possuíam uma grande força dentro da sociedade europeia, foi somente depois que as labaredas esfriaram que foi possível o surgimento de novas ideias e pensamentos, ainda mais este que trazia uma nova visão de sociedade, sem hierarquias, sem rituais, sem autoridades, sem pompa e fortemente atrelado ao pensamento científico.

Embora tenham tido grandes dificuldades em suas jornadas no mundo material, a mediunidade das irmãs Fox foi de grande relevância para a iniciação das novas ideias na sociedade mundial, as resistências são normais e naturais, eram até esperadas, todo movimento novo encontra grandes dificuldades, ainda mais movimentos religiosos, para se consolidar e se difundir, mas estas dificuldades foram fundamentais para propagandear as novidades doutrinárias que transformariam o mundo e nos traria informações relevantes da vida material e da vida imaterial, segundo tais ideias a verdadeira matriz da vida está no mundo espiritual, somos espíritos que nascemos e renascemos várias vezes em busca de um progresso incessante, como um pensamento progressista a doutrina angariou muitos inimigos e detratores mas como toda revelação que vem da espiritualidade maior, as resistências devem ser vistas apenas como um instrumento de divulgação e consolidação destes pensamentos.

Nesta trajetória estas meninas passaram por inúmeros provações e sucumbiram em muitas situações, em um determinado momento aceitaram recursos para denegrir a imagem do espiritualismo e do mediunismo, agindo como detratoras e criticando de forma veemente esta nova filosofia religiosa, acreditando que, com isso, além dos recursos amealhados conseguiriam levantar mais recursos com palestras e revelações bombásticas das fraudes e usurpações do movimento, detonando o movimento e o acusando de charlatanismo. As delações feitas contra o movimento não trouxeram os ganhos como acreditavam anteriormente, percebendo isto e num momento de lucidez, Margaret Fox convocou a imprensa no dia 20 de novembro de 1889 e voltou atrás das declarações anteriores, mostrando que suas críticas aconteceram porque se deixou levar por questões menores e interesses financeiros imediatos.

O médium tem um papel de grande relevância na sociedade, todos que abraçam esta missão sublime aceitam se doar intimamente e moralmente em prol de uma atividade valorosa e de grande importância para a sociedade, as irmãs Fox desempenharam um papel de grande destaque e foram cruciais para se despertar na sociedade um olhar mais intenso sobre o mundo espiritual agora, todos que rechaçam esta potencialidade mediúnica ou a utilizam para satisfazer seus gozos e interesses mesquinhos devem responder por estas atitudes, afinal o plantio é livre mas a colheita é obrigatória.

            Apesar da importância delas para a história do Espiritismo, as irmãs Fox falharam por não terem tido uma ideia bastante clara do que acontecia com elas e muito menos da missão que exerceriam na Terra, além disso, se viram envolvidas com dinheiro e manipuladas por pessoas sem escrúpulos como as próprias médiuns admitiram mais tarde em sua segunda retratação.

O trabalho das irmãs Fox foi muito importante para apresentar uma nova concepção doutrinária para a sociedade e divulgar nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa, as teses que seriam codificadas na França e iriam se expandir pelo mundo, criando muitos adeptos e entusiastas, mas que ganhou uma maior relevância em terras brasileiras, onde angariou mais de 4 milhões de adeptos e mais de 20 milhões de simpatizantes, tornando o Brasil o grande fomentador desta religião, embora foi descrito inicialmente por Allan Kardec como um misto de Ciência, Filosofia e Religião, percebemos que em terras brasileiras sua vertente mais forte e consolidada está centrada nesta visão enquanto religião, deixando em segundo plano as concepções científica e filosófica. Mesmo assim, o Espiritismo cresce e se desenvolve com grande entusiasmo por todo país, consolando as pessoas, mostrando-as a realidade da vida e enfatizando a importância do mundo espiritual, o verdadeiro local da existência de todos os indivíduos.

Políticos corruptos e desonestos convivendo com empresas e cidadãos virtuosos

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Vivemos em uma sociedade marcada por grandes e devastadores paradoxos, o sistema atual é realmente um misto de escárnio, escrachos e contradições, nesta sociedade percebemos as dificuldades de nos encararmos de frente, de nos enxergarmos como realmente somos e de fazer a autocrítica necessária para superarmos nossas contradições e nos insurgirmos contra estes equívocos que alimentamos todos os dias.

A sociedade parece que está se insurgindo contra anos de exploração e desinformação, depois do advento das redes sociais, todos os indivíduos adoram dar opinião sobre todos os assuntos e temas diferenciados, de uma hora para outra, todos querem discutir política, compartilhar mensagens edificantes, curtir publicações inteligentes e se mostrar como seres dotados de intelecto avantajado e interesse por temas intelectualizados.

Passeando pelas redes sociais, encontramos publicações variadas, de um lado encontramos fotos de situações inusitadas, palavras e expressões inteligentes e curtições variadas, um verdadeiro mundo à parte, onde navegamos e nos sentimos empoderados, nos imaginamos dotados de uma capacidade de reflexão que levaria teóricos importantes da sociedade e se revirar nos túmulos, num misto de inveja e de ressentimentos.

Um dos temas mais comentados no cotidiano das redes sociais é aquele relacionado a corrupção, todos somos contrários a corrupção, todos nos declaramos acima destes vícios mundanos e nos indignamos quando nos deparamos com casos assim ou aqueles que vislumbram desdobramentos de desvios de recursos públicos, de imediato nos lembramos de casos de corrupção, criticamos os investigados e os condenamos de forma imediata, muitas vezes nem lhes dando condições de se defender, se são políticos são todos gatunos, espertos em excesso e usurpadores de dinheiro público.

Nestas reflexões condenamos facilmente a classe política, o grande bode expiatório, afinal são eles os verdadeiros responsáveis pelo nosso atraso econômico, político e cultural. Como destacou nosso presidente, o povo brasileiro é bom e acolhedor, a classe política que nos impede de chegar ao panteão das grandes economias do mundo, afinal, são eles os verdadeiros gatunos do dinheiro público, os assaltantes dos cofres públicos nos impedem o crescimento e uma melhoria nas condições sociais.

Nestas reflexões nos esquecemos de nos colocarmos nesta equação e de assumirmos nosso verdadeiro papel neste atraso histórico de nossa economia e de nossa estrutura política e cultural. Como podemos acreditar na falácia da existência de políticos desonestos, velhacos e corruptos numa sociedade marcada por pessoas e empresas virtuosas e preocupadas com o bem comum e a melhoria das condições sociais? Na verdade, esta classe política que conhecemos foi eleita pela população, tiveram votos e conseguiram alçar esta posição pela via democrática, nenhum destes supostos corruptos e velhacos conseguiram ocupar estes cargos eletivos sem a chancela da população, alguns deles foram votados em dois turnos e angariaram quantidades de votos que lhes concedem legitimidade inconteste.

A corrupção existente na sociedade está incrustada na alma de grande parte da sociedade brasileira, muitos dos indivíduos se estivessem nas casas legislativas ou nos gabinetes do executivo, adoraria se satisfazer dos benefícios e das benesses oriundas de dinheiro público, mesmo sabendo que para bancar este luxo, a população é sobretaxada em recursos que limitam sua dignidade e a condena a uma condição de indignidade e de desesperança.

Ao assumirmos os cargos públicos e usufruir de suas benesses nos esquecemos de nossas origens e de onde vem os recursos que nos financiam, os prazeres e os luxos destes grupos sociais, acreditamos que somos merecedores destes gozos mundanos e defendemos estas benesses, afinal de contas fomos eleitos e legitimados pela população.

A corrupção está na alma do povo brasileiro, desde os tempos da colonização quando comprávamos cargos na hierarquia do Estado para achacar a sociedade com altas cargas de tributos até as propagandas que legitimaram a famosa lei de Gerson que nos colocávamos como pessoas que adoravam levar vantagem em tudo, quando assumimos nossas fraquezas e limitações, nos mostrando em nossas entranhas e mostrando ao mundo nossas fragilidades.

Interessante nestas reflexões, quando nos debatemos com o tema corrupção, nos esquecemos de destacar as empresas e do empresariado privados e seu papel na sociedade que, muitas vezes nos mostram tão responsáveis social e economicamente e, na verdade, são muito mais corruptas e desonestas do que a grande maioria da sociedade. Os casos recentes nos mostram, claramente, que a corrupção crassa por todos os poderes da República, desde o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mas não podemos deixar de nos indignarmos com a grande corrupção gerada e mantida pelo capital privado e pelos conglomerados nacionais e transnacionais.

Nos anos recentes, a sociedade brasileira descobriu coisas que, para muitos, seria algo inimaginável, grandes conglomerados econômicos, verdadeiros impérios financeiros, geradores de milhares de empregos, cuja atuação no mercado sempre foi sinônimo de competência e de qualidade de gestão, ruíram como cartas quando tocadas pelas mãos incautas ou pelo vento deselegante. Empresas como a Construtora Odebrecht, o conglomerado JBS, maior processador de carne animal do mundo e a empresa Gol Linhas Aéreas, todas empresas respeitadas e admiradas, muitas delas se mostravam muito bem administradas e saudáveis financeiramente, perderam muita de sua respeitabilidade quando se descobriu que todas elas e muitas outras, durante muitos anos, talvez décadas, se regozijaram com os recursos públicos, colocando a classe política em suas folhas de pagamentos, subornando autoridades nas mais diversas esferas e enriquecendo de forma acelerada ao mesmo tempo que crescia sem pudores e sem ética, esta é uma das vertentes mais evidentes do capitalismo brasileiro que está vindo à tona na atualidade.

No livro Why not, a jornalista Rachel Landim nos relata como um pequeno açougue na nascente capital federal se transformou numa das maiores empresas brasileiras, o modus operandi de seus gestores que não tiveram escrúpulos para comprar e corromper as autoridades que, mesmo recebendo salários bastante generosos do Estado ainda se venderam para angariar benesses maiores de empresas do setor privado.

Os mesmos casos de corrupção estão sendo descobertos em inúmeras empresas nacionais, nestes exemplos todos percebemos que o modelo de desenvolvimento utilizado na economia brasileiro foi responsável por uma verdadeira transformação da sociedade, estimulou um êxodo rural, industrializou o país e melhorou a estrutura produtiva, elevando o Brasil a uma das dez maiores economias do mundo, mesmo assim, o modelo pecou pelo excesso de proteção a economia nacional que acabou gerando distorções no sistema econômico e produtivo, onde os empresários eram ricos e as empresas pobres, com um mercado cativo e garantido, poucas empresas se empenhavam no incremento da produtividade, este modelo gerava uma perniciosa proximidade entre os governos e as elites industriais, que garantiram espaços claros e evidentes de corrupção e desvios de recursos públicos, eternizando o país em condições intermediárias de desenvolvimento, mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo.

A corrupção brasileira está inserida dentro das instituições, desde as casas do legislativo, como nas mansões de executivo e nos tribunais nacionais, tendo o Supremo como um de seus eixos, para que consigamos combater estes desequilíbrios e seus desperdícios mais frequentes, fazem-se necessário que todas estas instituições passem a funcionar de forma efetiva, reduzindo os gastos supérfluos e diminuindo esta exposição excessiva de Ministros e de tribunais que, embora aleguem transparência, esta exposição excessiva expõem os egos insuflados de seus membros e cria uma casta de privilegiados que vivem em condições desiguais e as custas de trabalhadores analfabetos e despreparados para os novos e constantes embates da quarta revolução industrial.

Se queremos combater a corrupção, faz-se fundamental que entendamos, que nenhuma das grandes instituições devem ser deixadas de lado, desde os grandes bancos, passando pelo judiciário, pelas autoridades policiais, pelas instituições religiosas e os setores políticos, todos devem se debruçar na compreensão de nossas desafios mais íntimos, entender que todos devemos nos reinventar é fundamental para um progresso num futuro próximo.

O combate a corrupção deve começar em nossas atitudes do cotidiano, deixemos de culpar nossos representantes que são muito mais parecidos conosco do que queremos enxergar, cumpramos os horários e façamos nossas atividades como fomos designados e recebemos para tal, que muitos professores deixem de enganar os alunos em sala de aula, que os alunos se conscientizem da importância do estudo e passem a se dedicar aos estudos e deixar de lado os olhares interesseiros e as cópias em provas e em trabalhos escolares, que os profissionais da saúde que, muitos deles, se veem ungidos ao patamar de Deuses, possam compreender que seu trabalho é fundamental para a sociedade e que cumprir o horário das consultas e permanecer nos postinhos nos horários de trabalho são promessas que foram feitas na formatura legitimando o juramento de Hipócrates.

Uma sociedade onde os indivíduos riem das contravenções, cortam filas, passam no sinal fechado, ultrapassam por locais proibidos e, constantemente, abusam de não darem setas nos momentos de conversões, como se fossem impermeáveis a críticas e condenações, este cenário pode parecer trágico e está cada vez mais mostrando que somos mesmo muitos mais idiotas do que imaginamos, enquanto nos ludibriamos nos parecendo espertos e moderninhos, estamos nas últimas posições do desenvolvimento e da decência mundiais.

Como nos disse o grande escritor brasileiro Monteiro Lobato, um país se faz com homens e de livros, estes nos auxiliam a moldar a nossa personalidade e nos ajuda em nossa compreensão enquanto seres humanos, na ausência do estudo, do conhecimento e da reflexão crítica, vamos nos tornar um grande exército de incapazes e incompetentes e nosso país será sempre o país do futuro que vive envolto em seu passado como forma de exorcizar seus obsessores que teimam em mostrar ao povo brasileiro uma realidade que ele se acostumou a não enxergar.

Reencarnação, dúvidas e medos dos espíritos no momento do retorno

             A Doutrina dos Espíritos nos mostra a importância do retorno ao mundo material como instrumento de crescimento e desenvolvimento do espírito, sabemos que os indivíduos são imensamente endividados e o retorno a matéria deve ser vista como uma forma de depurarmos os nossos equívocos e construir um futuro mais sólido e consciente, como nos disse Francisco Cândido Xavier: “Embora ninguém possa voltar atrás para fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora a fazer um novo fim”.

A reencarnação é vista no espiritismo como uma lei natural, um instrumento de crescimento e melhoria dos espíritos, uma forma de nos melhorarmos para a compreensão das leis de Deus, se estamos reencarnados ininterruptamente a mais de quarenta mil anos, neste ínterim cometemos inúmeros equívocos e constrangimentos variados, assassinamos, humilhamos semelhantes, agredimos e fomos agredidos, denegrimos a imagem de diversas pessoas e acumulamos rancores e ressentimentos em nossos corações, nesta trajetória angariamos inimigos e detratores, a reencarnação serve como um instrumento de melhoria espiritual, uma forma de nos melhorarmos e de nos prepararmos para uma sociedade melhor, dotada de sentimentos melhores e energias mais elevadas.

Quando falamos em reencarnação, não estamos reivindicando a primazia do tema, doutrinas orientais clássicas dissertaram sobre a reencarnação a muito mais tempo, a Doutrina dos Espíritos, codificada pelo grande intelectual francês do século XIX, Hippolyte Léon Denizard Rival, cujo pseudônimo utilizado nesta empreitada foi Allan Kardec que, em 1857, publicou O Livro dos Espíritos, que nos trouxe apenas uma visão mais estruturada e consistente da reencarnação, marcada por elementos mais científicos e afeitos à ciência.

Embora a reencarnação seja uma lei natural que todos estamos sujeitos e somos fortemente influenciados, pelos cálculos dos estudiosos da doutrina os indivíduos já encarnaram mais de mil vezes, estamos sempre com medos e assustados com o momento do retorno na vida material, neste momento muitas coisas nos assustam, os medos crescem e as preocupações se mostram cada vez maiores e mais assustadores, muitos refugam no momento do reencarne e provocam abortos descritos como naturais, outros aceitam a empreitada mas se mostram, constantemente, preocupados e amedrontados.

Numa das obras mais importantes da doutrina dos espíritos, o livro Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito de André Luiz, encontramos a narrativa de dona Laura, a mãe do benfeitor Lísias, este relato acontece nas vésperas de seu retorno ao mundo material, neste momento, seu coração se encontra apreensivo e cheio de medos e preocupações. Dentre as preocupações, dona Laura destaca três grandes medos do retorno ao mundo da matéria, um mundo limitante para o espírito e um palco de grandes batalhas, marcado por medos e inquietações: 1) Esquecimento do passado; 2) Influência do meio e: 3) Composição do corpo físico.

Estas preocupações existem em todos os espíritos conscientes nos mundos material e imaterial, que retornam ao mundo da matéria, àqueles que não apresentam conscientização de suas capacidades e de suas limitações e acreditam, firmemente, que todo o processo acontece de forma espontânea e natural, como não sabem das bases da reencarnação, vivem sem consciência e desencarnam sem consciência e ainda, reencarnam sem nenhuma consciência, pouco se preocupam e são conduzidos até uma maior conscientização, que chegará para todos os indivíduos, uns mais rapidamente e outros de uma forma mais lenta e demorada.

Ao tomar contato com a experiência de dona Laura e perceber seus medos e preocupações, muitas questões nos veem a mente, além de preocupações e muitas indagações, se um espírito com milhares e milhares de horas de serviço na colônia Nosso Lar, possuidora de grandes méritos, construídos sempre nos braços de crianças e jovens da colônia, além de filhos conscientes e preparados para continuar suas histórias e suas evoluções conscientes, se encontram em momento de medos e de preocupações, o que dizer da grande maioria dos espíritos que retornam ao mundo material sem os mesmos méritos e os conhecimentos angariados pela mãe de Lísias?

O esquecimento do passado deve ser visto como uma grande benção de Deus para conosco, se partirmos do pressuposto de que todos somos devedores e cometemos muitos erros e equívocos nas mais variadas encarnações anteriores, o esquecimento nos leva a esquecer variados crimes cometidos, mesmo sabendo que este esquecimento é muito relativo, pois o trazemos fortemente atrelado ao nosso períspirito. Os espíritos mais conscientes, como dona Laura, apresentam preocupações com relação a este esquecimento, medo de esquecer a insignificância que nos caracteriza, os erros que acumulamos e nos deixarmos levar pelos prazeres do hedonismo e a ambição material que nos impulsiona em uma sociedade marcada pelos prazeres do dinheiro e do sexo descontrolados.

Espíritos mais conscientes, como a mão de Lísias, e trabalhadores mais fiéis aos postulados de Jesus, conseguem sentir mais intimamente as intuições trazidas pelos bons espíritos que, constantemente, nos inspiram para que sigamos pelos caminhos do bem, do trabalho e do melhoramento constantes, estes irmãos nos servem como verdadeiras bússolas do bem e do amor, emissários do cordeiro para que trilhemos os passos do progresso.

Francisco Cândido Xavier, quando foi indagado sobre os medos de um retorno ao mundo material, destacou que um de seus maiores temores era com relação aos pais que o receberiam no seio familiar, segundo ele, vivemos numa sociedade tão desequilibrada e desajustada, que os pais, muitas vezes não tem consciência de sua importância para o espírito que reencarna, seus exemplos são fundamentais para a construção deste indivíduo, se percebem nestes exemplos bons, sólidos e consistentes, constroem sua personalidade de forma consistente e estruturada no bem agora, se os exemplos são negativos, ajudam na construção de adultos com vícios variados, medos e desequilíbrios que serão levados durante muitas décadas e perpetuados em seus descendentes.

O espírito consciente clama pela oportunidade de resgatar seus débitos anteriores, sabe de seus equívocos, tem consciência da gravidade destes erros e suplica a oportunidade de reencarnar, teme as condições de seu retorno, mas confia em Deus e sabe que nunca será abandonado, tem consciência de que este momento é de suma importância para seu progresso enquanto espírito imortal.

A influência do meio foi descrita como um dos maiores medos e preocupações de dona Laura, o meio em que reencarnamos pode nos auxiliar muito em nosso progresso espiritual, pode nos abrir portas e nos dar instruções seguras para continuarmos em nossa caminhada, mas pode também nos causar graves constrangimentos, nos afastando de nossos objetivos e dificultando a concretização de nossos sonhos. Um local marcado por medo, violências e desagregações pode criar na personalidade do indivíduo traços fortes de ressentimentos, rancores e comportamentos agressivos que nos afastam de nossos ideais e, ao mesmo tempo, exigem muita determinação e comprometimento para evitar uma queda e um comprometimento maior nesta encarnação.

Somos o que somos devido as mais variadas vidas que sucederam na história de nossos espíritos, buscamos sempre o progresso espiritual, moral, intelectual e emocional, nesta trajetória passamos por dificuldades e constrangimentos variados, acumulamos débitos e nos endividamos com muitas pessoas, algumas delas recebemos em nossos lares para uma reconciliação e somos impulsionados a dar o melhor de nós para auxiliar no progresso do espírito encarnado, quando o fazemos construímos um futuro mais sólido e consistente, vislumbrando novas oportunidades de progresso e de crescimento espiritual.

Para que reencarnemos, faz-se fundamental a constituição de um corpo físico, nos desabafos de dona Laura, percebemos uma preocupação com a constituição de seu corpo físico, este momento é muito desafiador para o espírito consciente que retorna ao mundo material, isto porque se este não possuir uma consciência maior, no momento da construção do novo organismo, pode ficar sujeito as leis duras referentes aos ascendentes biológicos, podendo herdar características de semelhantes que poderiam lhe causar graves constrangimentos num futuro imediato, dificultando sua ascensão e seus compromissos espirituais, no caso de nossa irmã, descrita na obra de André Luiz, o próprio governador determinou medidas diretas, fruto de seus méritos e conquistas espirituais.

Neste momento percebemos o quanto é importante para o indivíduo ser bom, honesto e trabalhador, ser tolerante e respeitoso com seus semelhantes, os medos de dona Laura são, na verdade, os medos de todos aqueles que reconhecem que o mergulho no corpo material é fundamental para o crescimento do espírito, mas ao mesmo tempo, nos coloca em uma condição de fragilidade, onde somos colocados frente a frente com nossos vícios e inseguranças, ao encararmos esta situação e conseguirmos vencer esta dificuldade, podemos, com certeza, perceber que conseguimos angariar novos créditos que nos garantirão um maior progresso para nosso espírito.

A reencarnação deve ser vista como um instrumento perfeito para a compreensão da bondade de Deus, fica muito difícil compreender a justiça divina sem ter em mente a riqueza da reencarnação, somente estudando sua lógica e percebendo sua justiça podemos entender que não somos marionetes e que nosso progresso demanda muitas vivências, em corpos diferentes, e que nestas vivências acumulamos histórias, erros e equívocos variados mas, ao mesmo tempo, acumulamos acertos e melhoramentos, que nos garantem um crescimento que nos abre portas consistentes para o progresso espiritual que almejamos.

As preocupações encontradas no livro Nosso Lar não se encontram na cabeça e na mente da grande maioria das pessoas, isto porque muitos indivíduos ainda não tomaram consciência da real importância da vida, vivem sem entender seu significado, morrem sem perceber que desencarnaram e entram na fila da reencarnação sem compreender aonde estão e o que estão almejando, somos ainda muito limitados sobre o mundo imaterial, sobre as relações do mundo invisível com o mundo material e da importância de compreendermos a relevância da Doutrina dos Espíritos para a humanidade, uma doutrina que nasce na Europa e faz morada em terras brasileiras, mostrando ao ser humano que os verdadeiros valores da civilização estão no mundo espiritual e o caminho mais seguro para alcançarmos a nossa evolução é seguir os passos de Jesus, baseados no amor, na tolerância e na solidariedade.

 

 

 

O Futuro do Trabalho, Robotização e a Capacidade do Capitalismo para gerar Empregos Inúteis

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O valor de seu trabalho não deveria ser medido pelo seu salário

Publicado em Economias por Rutger Bregman, em 17 de maio de 2017

Originalmente publicado em World Economic Forum.

Muito já foi escrito em anos recentes sobre os perigos da automação. Com previsões de desemprego em massa, redução de salários e desigualdade crescente, obviamente devemos todos nos preocupar.

Hoje, não são mais apenas os observadores de tendências e tecnoprofetas do Vale do Silício que estão apreensivos. Em um estudo que já acumula mais de uma centena de citações, pesquisadores da Universidade de Oxford estimaram que não menos do que 47% de todos os empregos norte-americanos e 54%  dos europeus correm alto risco de serem substituídos por máquinas – não em torno de cem anos, mas nos próximos vinte. “A única diferença real entre céticos e entusiastas é uma questão de tempo”, diz um professor da New York University“Mas daqui a um século, ninguém vai mais se preocupar sobre quanto tempo levou, mas com o que aconteceu depois”.

Admito que já ouvimos isto antes. Empregados já vem se preocupando com a maré ascendente de automação por 200 anos, e por 200 anos empregadores vem dizendo que novos empregos se materializarão para substituí-los. Afinal, por volta de 1800, cerca de 74% dos norte-americanos eram fazendeiros, enquanto que em 1900 este número caiu para 31% e, em 2000, para meros 3%. Ainda assim, isto não resultou em desemprego em massa. Em 1930, o famoso economista John Maynard Keynes previa que estaríamos todos trabalhando apenas 15 horas por semana em 2030. Todavia, desde os anos 80 o trabalho vem consumindo cada vez mais nosso tempo, trazendo consigo ondas de stress e esgotamento.

Enquanto isto, o cerne da questão sequer vem sendo discutido. A grande pergunta que deveríamos fazer é: o que constitui realmente “trabalho” nos dias de hoje?

O que é, afinal, “trabalho”?

Em um levantamento de 2013 com 12.000 profissionais pela Harvard Business Review, a metade dos entrevistados declarou que seu trabalho não tinha “sentido e significado” e um número equivalente não se via inserido nas missões de suas empresas; enquanto outra pesquisa com 230.000 empregados em 142 países mostrou que apenas 13% dos trabalhadores realmente gostavam de seu trabalho. Uma pesquisa recente entre britânicos revelou que 37% deles tinham trabalhos que consideravam inúteis.

Eles possuem aquilo a que o antropólogo David Graeber se refere como “bulishit jobs”,  No papel, tais trabalhos parecem fantásticos. Há mesmo hordas de profissionais de sucesso, com perfis de Linkedin vistosos e salários impressionantes, que no entanto voltam para casa todos os dias resmungando que seu trabalho não serve a propósito algum.

Deixemos outra coisa clara: não estou falando aqui de lixeiros, professores ou enfermeiros espalhados pelo mundo. Se estas pessoas entrassem em greve, teríamos em mãos um estado de emergência instantâneo. Não. Falo nos crescentes exércitos de consultores, banqueiros, conselheiros de impostos, gerentes e outros que ganham seu dinheiro em encontros estratégicos inter-setoriais entre pares para especular sobre valor agregado e co-criação na sociedade conectada. Ou algo no gênero.

Então, ainda haverá empregos suficientes para todos daqui a algumas décadas? Qualquer um que tema desemprego em massa subestima a extraordinária capacidade do capitalismo de gerar bullshit jobs. Se realmente quisermos colher as recompensas pelos tremendos avanços tecnológicos das últimas décadas (incluindo a ascensão da robótica), precisamos redefinir radicalmente nossa definição de “trabalho”.

O paradoxo do progresso

Partimos de uma questão antiga: qual o sentido da vida? Muitos dirão que o sentido da vida é tornar o mundo um pouco mais belo, mais aprazível ou mais interessante. Mas como? Hoje, nossa principal resposta a isto é: através do trabalho.

Nossa definição de trabalho é, entretanto, incrivelmente estreita. Somente trabalho que gere dinheiro pode ser computado no PIB. Não é prá menos, então, que organizamos a educação em torno de fornecer o maior número possível de pessoas, em parcelas flexíveis, ao mercado de trabalho. Ainda assim, o que acontece quando uma proporção crescente de pessoas consideradas bem sucedidas segundo a régua de nossa economia do conhecimento diz que seu trabalho é inútil?

Este é um dos grandes tabus de nossos tempos. Todo nosso sistema de atribuir sentido poderia de dissolver como fumaça.

A ironia é que o progresso tecnológico exacerba esta crise. Historicamente, a sociedade foi capaz de absorver mais bullshit Jobs precisamente por que robôs vem se tornando melhores. À medida em que fazendas e fábricas se tornaram mais eficientes, contribuíram para o encolhimento da economia. Quanto mais produtivas a agricultura e a manufatura de tornaram, menos pessoas empregaram. Chamem a isto o paradoxo do progresso: quanto mais ricos nos tornamos, mais tempo temos para desperdiçar. Como diz Brad Pitt no Clube da Luta: “Frequentemente, trabalhamos em empregos que detestamos só para comprar aquilo de que não precisamos”.

Chegou a hora de pararmos de dar as costas ao debate e focar no problema real: como seria nossa economia se radicalmente redefiníssemos o sentido de “trabalho”? Acredito firmemente que uma renda mínima universal seja a resposta mais eficiente ao dilema da robotização crescente. Não por que robôs assumirão todo o trabalho útil, mas por que uma renda mínima daria a cada um a oportunidade de realizar algum trabalho que tenha sentido.

Acredito num futuro em que o valor de seu trabalho não seja determidado pelo tamanho de seu salário, mas pela quantidade de felicidade que você espalhe e de sentido que você dê. Acredito num futuro em que o objetivo da educação não seja prepará-lo para mais um trabalho inútil, mas para uma vida bem vivida. Acredito num futuro em que “trabalho seja para robôs e vida para pessoas”.

E se a renda mínima lhe soa utópica, então eu gostaria de lhe lembrar que todo marco civilizatório – do fim da escravidão à democracia e aos direitos iguais para homens e mulheres – foi um dia uma fantasia utópica. Ou, como escreveu Oscar Wilde há muito tempo: “O Progresso é a realização de Utopias”.

Rutger Bregman é historiador e escritor, publicando na plataforma holandesa de jornalismo online The Correspondent. É autor de Utopia para realistas.

Brasil aumenta volume de recursos para educação, mas ainda gasta mal

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Gastamos mais como porcentagem do PIB do que a média do clube dos países ricos da OCDE

Renan Pieri – Folha de São Paulo – 17 de maio de 2019.

Nesta quarta-feira (15), manifestações de trabalhadores, alunos e instituições ligadas às universidades públicas se espalharam pelo país contra o contingenciamento de gastos promovido pelo Ministério da Educação em consonância com a área econômica do governo Jair Bolsonaro.

Possivelmente, essas foram as maiores manifestações de rua desde o movimento que, em 2015, antecedeu o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

A história começou na semana passada, quando o ministro Abraham Weintraub anunciou que universidades com mau desempenho sofreriam cortes de gastos de 30% dos gastos discricionários —ou seja, aqueles que não consistem em pagamento de salários, seguridade social, dentre outras despesas obrigatórias da administração pública.

Mas, em linhas gerais, o que faz sentido e quem tem razão nessa história toda? É complicado! O contingenciamento se deve, na verdade, ao fato de o orçamento do governo federal ter sido construído sob uma projeção de crescimento do PIB de 2,5% em 2019.

Como o PIB deve crescer menos de 1,5% neste ano, é natural que o governo faça contingenciamentos (que possivelmente virarão cortes caso a economia não se recupere) nas áreas em que isso é legalmente permitido.

Se fosse uma empresa, o governo faria uma análise de custo-benefício de suas diferentes áreas e, a partir disso, enxugaria o quadro de funcionários das áreas menos produtivas.

Como não é o caso, e a Constituição obriga o pagamento dos benefícios previdenciários e dá estabilidade aos funcionários públicos concursados, resta a redução de despesas discricionárias que se concentram em educação, saúde e gastos sociais.

Espera-se que este cenário de escassez melhore com a aprovação de uma reforma da Previdência, pois isso permitiria que o governo reduzisse os gastos com custeio e aumentasse os investimentos em educação.

Todo esse processo, portanto, poderia ter sido comunicado pelo governo como uma questão contábil. Um assunto duro, mas técnico. Mas não foi o que ocorreu.

Ao anunciar o contingenciamento, o MEC pôs em discussão o desempenho das universidades federais e um suposto dilema entre gastar com educação infantil ou superior. Mas será que gastamos muito em educação?

O Brasil é um país que tem se esforçado para destinar mais recursos à educação. Entre 2000 e 2015, os dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostram que o percentual gasto em educação com relação ao PIB aumentou de 4,6% para 6,2%.

Gastamos mais como porcentagem do PIB do que a média do clube dos países ricos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Entre 2000 e 2015, o gasto por aluno foi de R$ 2.587 para R$ 7.273 (em valores de 2015). Todavia, isso não significa que gastamos muito em educação, pois nosso PIB é menor que o dos países da OCDE.

Segundo os dados da edição de 2015 do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o gasto por aluno no Brasil é menos da metade da média da OCDE. Adicionalmente, o gasto acumulado por aluno entre 6 e 15 anos no Brasil é de somente 42% da média da OCDE.

Se já nos esforçamos para garantir recursos para a educação, a questão está em como alocamos esses gastos. E aí está o problema: gastamos muito mal. O gasto por aluno no Brasil é maior que o de outros países de renda média que têm desempenho melhor que o nosso no Pisa, como Chile e México.

A literatura que estima a relação entre gastos educacionais e desempenho dos alunos nos exames de proficiência nos aponta que os municípios brasileiros que destinam mais recursos para a educação não necessariamente têm melhor desempenho.

Vejamos, por exemplo, o caso de Brejo Santo, município do Ceará. Este teve Ideb igual a 7,9 em 2017. Já o município de São Paulo, que tem PIB per capita cerca de quatro vezes maior que o município cearense, teve Ideb igual a 6,0 em 2017.

Além disso, como bem apontou o ministro Weintraub, nosso gasto é desproporcionalmente maior com educação superior.

Em 2015, gastamos R$ 6.381 por aluno da educação básica, enquanto o dispêndio foi de R$ 23.215 por aluno da educação superior. Em um país onde metade das escolas de educação básica não tem biblioteca ou sala de leitura, parece um contrassenso priorizar a educação superior.

Mas o ministro erra ao colocar o dilema entre gastar com educação básica ou superior. Como sociedade, podemos viabilizar o aumento de recursos para a educação básica discutindo maneiras de reduzir gastos públicos menos produtivos, como os gastos com custeio da máquina pública.

É verdade que R$ 1 gasto em creches tem retorno maior que R$ 1 gasto com um aluno de graduação. Porém, o retorno do dinheiro gasto com educação superior é possivelmente maior do que o da verba alocada para subsídios a grandes empresas ou para o fundo partidário que financia as campanhas políticas.

O contingenciamento também poderia vir acompanhado de propostas que permitissem às universidades aumentarem suas receitas.

Não seria melhor cobrar mensalidades dos alunos que podem pagar e não cortar as bolsas de pós-graduação que viabilizam o avanço da ciência? As universidades não poderiam arrecadar com cobrança por cursos lato sensu e não diminuir os recursos para a manutenção de laboratórios?

São questões que precisam ser colocadas e discutidas. O que não podemos fazer é continuar fingindo que esses dilemas não existem.

Renan Pieri é doutor em economia, professor de economia do Insper e especialista em avaliação de políticas educacionais

Trabalho na Uber é neofeudal, diz estudo. ‘São empreendedores de si mesmo proletarizados’

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O Grupo de Estudos “GE Uber”, da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do Ministério Público do Trabalho, realizou um estudo sobre as novas formas de organização do trabalho relacionadas à atuação por meio de aplicativos.

por Marco Weissheimer do Sub21

O Grupo de Estudos “GE Uber”, da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do Ministério Público do Trabalho, realizou um estudo sobre as novas formas de organização do trabalho relacionadas à atuação por meio de aplicativos. Intitulada Empresas de Transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos,  a pesquisa o modo de funcionamento de empresas de aplicativos, em especial a norte-americana Uber. O estudo define como neofeudal o tipo de trabalho que vem sendo desenvolvido por meio dessas plataformas:

“A estrutura da relação entre as empresas que se utilizam de aplicativos para a realização de sua atividade econômica e os motoristas se dá na forma de aliança neofeudal, na qual chama os trabalhadores de ‘parceiros’. Por ela, concede-se certa liberdade aos trabalhadores, como ‘você decide a hora e quanto vai trabalhar’, que é imediatamente negada pelo dever de aliança e de cumprimento dos objetivos traçados na programação, que é realizada de forma unilateral pelas empresas”, aponta.

O estudo do “GE Uber” também promoveu um levantamento de ações trabalhistas envolvendo os aplicativos de transporte de passageiros e aponta. decisões já consolidadas em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra. Na Inglaterra, por exemplo, a Justiça, em um processo contra a Uber, reconheceu a categoria de “worker” (trabalhador), concedendo vários direitos previstos na legislação e afastando a alegação de ser empresa de tecnologia, que foi apontada como falaciosa.

Um dos coordenadores desse estudo, o Procurador do Trabalho Rodrigo de Lacerda Carelli afirma que, pela primeira vez, no Brasil, um estudo apresenta alguns elementos cruciais para definir esse tipo de relação de emprego. “É possível, sim, que esses trabalhadores sejam considerados como empregados. A legislação brasileira, por incrível que pareça, é avançada neste sentido. Temos um dispositivo que já prevê a presença da subordinação telemática ou algorítmica, por computador ou à distância. Isso já existe em nossa lei”.

Rodrigo Carelli, que também é professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentou as principais conclusões desse estudo durante o Simpósio “Futuro do Trabalho – Os efeitos da revolução digital na sociedade”, promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União, dia 9 de maio, em Porto Alegre. Em entrevista ao Sul21, o Procurador do Trabalho fala sobre essa pesquisa e aponta o caráter fictício de vários elementos da propaganda feita por empresas como a Uber para atrair trabalhadores em todo o mundo:

“O espírito de empreendedor que aparece nas propagandas desses aplicativos é fictício. Em todas essas empresas, algoritmo já calcula quanto as pessoas vão receber por hora. Uma delas calcula que o trabalhador, em condições ótimas, por 44 horas semanais de trabalho, ele vai receber 1,2 salário mínimo”, resume.

Sul21Quais foram as principais conclusões da pesquisa realizada pelo grupo de estudos do Ministério Público do Trabalho sobre o impacto das plataformas digitais na relação de emprego que vemos hoje em áreas como a do transporte?

Rodrigo Carelli: A ideia de fazer esse livro nasceu de um problema prático. Estávamos recebendo algumas denúncias envolvendo essa questão e não entendíamos muito bem do que se tratava. Formamos então um grupo de estudos, no âmbito do Ministério Público do Trabalho, para tentar entender como funcionam essas novas formas de trabalho que surgem a partir de empresas que se utilizam de aplicativos para organizar essa mão de obra. A partir daí, começamos a entender esse universo e o que está por trás do discurso que se apresenta como sendo meramente tecnológico. Quando terminamos, concluímos que era muito importante divulgar o conhecimento que acumulamos nesse estudo, que é um marco.

Pela primeira vez, no Brasil, um estudo apresenta alguns pontos cruciais da relação de emprego estabelecida nestas plataformas digitais. Já havia alguns estudos antes, mas esse é o primeiro que pretende dar um norte, um rumo para o tratamento dessa questão. E esse rumo é: é possível, sim, que esses trabalhadores sejam considerados como empregados. A legislação brasileira, por incrível que pareça, é avançada neste sentido. Temos um dispositivo que já prevê a presença da subordinação telemática ou algorítmica, por computador ou à distância. Isso já existe em nossa lei. Então, a gente não precisa inventar muito. O que precisamos é conscientizar que essa atualização deve vir para o mundo da Justiça e para a vida das pessoas, de modo a entender que uma empresa que se utiliza de trabalhadores, mesmo que ela esteja por detrás de uma máscara tecnológica, ela é responsável pelos direitos desses trabalhadores.

Nós estudamos também como a Justiça de outros lugares do mundo está julgando esses temas. O livro traz decisões tomadas em países como Inglaterra, na Suíça e França que trataram de questões envolvendo esse movimento de deslocar a subordinação tradicional – a de um chefe, capataz ou o próprio empregador dando ordens diretamente – para uma subordinação algorítmica, estabelecida por meio de um instrumento telemático, como um aplicativo de celular por exemplo. Neste caso, as ordens do empregador não são mais dadas diretamente pelo mesmo ou por um preposto qualquer. O preposto passa a ser o aplicativo. Ele é que vai dar as coordenadas e organizar o trabalho dessa mão de obra de uma forma bastante eficiente.

Sul21: Qual a lógica que está por detrás desse movimento de deslocamento da subordinação tradicional para uma subordinação virtual por meio de coisas como um algoritmo?

Rodrigo Carelli: Essas novas relações de trabalho trazem embutidas nelas uma nova racionalidade do trabalho, que é a utilização de uma mobilização total dos trabalhadores. Ao invés de você pegar simplesmente uma base de trabalhadores que uma empresa tem e fazer com que ela trabalhe para você, é possível jogar isso para uma multidão de modo que ela execute esse trabalho. Você vai tentar fazer com que eles trabalhem em determinada hora, pode dar uma bonificação para atraí-los a trabalhar naquele horário. Se eles não estiverem de acordo com o que você quer, é possível puni-los também. É o famoso regime de “stick and carrots” (punição e recompensa), uma forma de controle que é muito eficiente hoje em dia.

Há uma multidão que está aí disponível para ser explorada, para arrumar um trabalho, mesmo sem ter direitos. Investem parte do patrimônio que ainda tem em um automóvel, por exemplo, para trabalhar. O que eles não conseguem perceber é que, em verdade, estão financiando essa atividade econômica por um preço baixíssimo. E não tem jeito de “enriquecer” neste trabalho. O espírito de empreendedor que aparece nas propagandas desses aplicativos é fictício. Em todas essas empresas, algoritmo já calcula quanto as pessoas vão receber por hora. Uma delas calcula que o trabalhador, em condições ótimas, por 44 horas semanais de trabalho, ele vai receber 1,2 salário mínimo. O trabalhador pode achar que ele é um empreendedor de si mesmo e quanto mais ele se esforçar, mais ele vai ganhar. Isso é uma ficção. Não vai conseguir, porque tudo isso já está calculado no algoritmo.

Neste processo, a questão tecnológica é apresentada de modo que as pessoas se deslumbrem com ela, achando que é o máximo da modernidade. Isso desloca, inclusive, a questão da crise. Antigamente você xingava seu empregador porque ele não estava pagando um salário decente. Hoje em dia, os trabalhadores reclamam do aplicativo, do sistema. Ergueram uma parede entre o empregador e o trabalhador. O aplicativo consegue invisibilizar o empregador. Além disso, ele dá uma noção de flexibilidade para o trabalhador, com o discurso de que ele poderá trabalhar quando quiser e como quiser. Isso não acontece. Se ele tiver que sobreviver disso, ele vai perceber que serão muitas as horas que terá que trabalhar. Os trabalhadores desses aplicativos estão fazendo cerca de doze horas por dia, sete dias por semana, para conseguir sobreviver, o que nem isso grande parte deles conseguirá.

Sul21: Por que não conseguirão?

Rodrigo Carelli: Porque estão se endividando e, provavelmente, quando o instrumento de trabalho deles (o carro) terminar, não conseguirão comprar outro pois já estão endividados. Estamos vivendo diversos problemas aí que precisamos enfrentar. Esses problemas vão aumentar quando se perceber que, quem está financiando a atividade econômica são os trabalhadores.

Sul21: O problema da segurança, ou da insegurança melhor dizendo, parece estar forçando esses trabalhadores a iniciar algum tipo de organização. Isso ajuda a começar expor o caráter fictício do empreendedorismo individual que anima a propaganda do negócio de aplicativos?

Rodrigo Carelli: Esse é um fenômeno internacional. No mundo inteiro, esses trabalhadores estão se mobilizando. Em alguns lugares, como na Índia, houve um sério problema de segurança envolvendo estupro de mulheres. Mas não é isso que está provocando essa mobilização em nível internacional. Os trabalhadores estão se mobilizando por conta de direitos e porque começaram a perceber a alta exploração a que estão submetidos. Enxergam uma empresa bilionária a qual estão associados e totalmente proletarizados. São empreendedores de si mesmos proletarizados.

No Brasil há essa questão da segurança. Além de mais segurança, os trabalhadores estão pedindo coisas como o controle das pessoas que utilizam o sistema. Mas os passageiros também têm tido problemas com relatos de assaltos e outros problemas. Essa é uma questão brasileira pois temos uma violência muito grande. Nos países mais desenvolvidos, o que se busca é uma compensação melhor pelo seu trabalho.

Sul21Você mencionou antes que já existem elementos na legislação brasileira atual para enquadrar essas situações de trabalho. Por outro lado, para os sindicatos esse é um mundo totalmente novo e adverso, do ponto de vista da possibilidade de organização dos trabalhadores. Como avalia as transformações que esse sistema de plataformas de aplicativos implica para a organização sindical?

Rodrigo Carelli: Em países como a Inglaterra, os sindicatos tradicionais estão começando a proteger esse tipo de trabalhador. Já conseguiram visualizar nele um igual.

Sul21Sindicalizando eles, inclusive?

Rodrigo Carelli: Sim, sindicalizando esses trabalhadores. Isso já está acontecendo na Inglaterra. Nos Estados Unidos, há um caso famoso em Seattle, onde os trabalhadores quiseram se organizar e abrir um processo de negociação coletiva, mas a empresa Uber foi à Justiça para impedir que os trabalhadores se organizassem coletivamente. Aqui no Brasil esse processo ainda está no começo, mas já é possível perceber algumas associações. Nosso sistema sindical é bastante fechado, só permitindo a filiação de empregados. Essas novas associações que começam a ser criadas podem, com o passar do tempo, se tornarem alguma entidade sindical. O sistema sindical brasileiro deve ser modificado nos próximos anos. Eu acredito que esse é o caminho bastante provável. Esses trabalhadores vão se organizar, vão pedir melhores condições de trabalho e, logo, estarão demandando por direitos, como já vem acontecendo na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Sul21No caso brasileiro, essas novas formas de trabalho precarizado e desregulamentado vêm se desenvolvendo em um ambiente de crescente ofensiva contra direitos e contra a legislação que os protege. Instituições como o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho também são alvo desse ataque. Como está sendo trabalhar neste ambiente?

Rodrigo Carelli: Nós estamos sofrendo um ataque desde algum tempo já. Não é um ataque novo. Esse ataque ocorreu na década de 90, só que ele não surtiu efeito. Voltaram à carga agora, no meio dessa década, para fazer uma forte reforma do direito do trabalho. E conseguiram. Utilizaram instrumentos e processos altamente questionáveis, mas conseguiram fazer essa reforma e, simplesmente, desmontar grande parte do sistema de proteção trabalhista, em alguns de seus pilares.

O Ministério Público do Trabalho, desde que o projeto da Reforma Trabalhista foi apresentado, sempre foi contrário a ele. Não é que o Ministério Público do Trabalho fosse contrário a qualquer reforma, mas se opôs claramente a esse projeto que desconstrói o sistema de proteção, contrariando a Constituição Federal. Se fosse uma reforma conforme a Constituição brasileira, o Ministério Público defenderia, mas esta reforma que está aí é contrária aos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição.

Em função disso, o Ministério Público do Trabalho vem batendo nesta reforma e demandando várias questões à Justiça do Trabalho envolvendo pontos que contrariam convenções internacionais da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a Constituição brasileira. Percebemos com bastante preocupação a precarização constante das relações do trabalho no Brasil e a lesão aos direitos fundamentais previstos na Constituição. Isso tem aumentado e estamos acompanhando esse processo com muita preocupação.

 

 

“Aluno “empoderado” com professor “coach” tem pior desempenho escolar.

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Especialista sueca explica que aulas que dependem fortemente de iniciativas dos próprios alunos têm resultados inferiores

FolhaPress, 10 de maio de 2019.

“Ensino centrado nos alunos, fim das aulas expositivas e das provas, aprendizado por projetos, desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais. Esses e outros conceitos que se disseminam por escolas de países ocidentais, inclusive do Brasil, são um erro.

A opinião é da pedagoga sueca Inger Enkvist, que tem causado polêmica ao criticar a chamada nova pedagogia, em sua opinião a causa da má qualidade da educação e da indisciplina de crianças e jovens, que se tornam egocêntricos, não aprendem a respeitar os colegas e os professores e não têm limites.”

“Ela está em São Paulo e fez na noite desta quarta-feira (8) a palestra de abertura do Centro de Discussão Educacional, novo laboratório de ideias, ou “think tank”, da Escola Superior de Propaganda e Marketing.

Sua presença serviu de contraponto no evento, com plateia de educadores e empresários convidados, à socióloga Manolita Correia Lima, 60, coordenadora do Núcleo de Inovação Pedagógica da ESPM, criado para estudar tendências da educação e reformular o currículo da universidade considerando que os novos alunos são o centro do aprendizado desde o ensino infantil.

Inger, 71, autora de “Educação: Guia para Perplexos” (editora Kírion) e “Repensar a Educação” (Bunker Editorial), defende suas ideias nesta entrevista, em que aborda aspectos ideológicos e políticos para ela envolvidos na educação.”

“O que é novo e o que é velho quando falamos de pedagogia?

Há dificuldade com essas terminologias. Muitas palavras vagas são usadas nesse campo, que é influenciado pela emoção. Além disso, designam procedimentos que têm mudado ao longo dos anos. Diria que hoje o principal conteúdo da “velha pedagogia” é uma classe em que o professor explica, os alunos escutam e anotam, o professor prepara provas escritas, e os alunos estudam para essas provas. Outra palavra para a mesma atitude seria “tradicional”.

“Nova pedagogia” designa métodos que incluem trabalhos por projetos, em grupo, resumos escritos em vez de provas e apresentações orais acompanhadas de escritas. O professor é visto como alguém do grupo, um coach. Outros fatores tendem a acompanhar essas atitudes.

À “velha pedagogia” é associada a visão de que ordem e obediência são importantes para que os alunos aprendam e que os professores devem ser bem formados. A “nova pedagogia” inclui a visão de que a escola não é só para aprender conteúdo e que é importante que inclua propósitos sociais. Os professores devem ser amigáveis e acessíveis, e nenhum estudante pode ser colocado para fora da classe por se comportar mal ou por não estudar.

Muitas pesquisas mostram que os melhores países e as melhores escolas apresentam uma combinação dessas duas atitudes em direção ao tradicional. O professor organiza a aula, explica o conteúdo e checa os trabalhos dos alunos, mas a atmosfera é positiva, e exemplos práticos e trabalhos em grupos são incluídos por pequenos períodos. Salas de aula que dependem fortemente das iniciativas dos próprios alunos têm resultados inferiores, especialmente para aqueles estudantes com maiores dificuldades.

Por que algumas ideias da chamada “nova pedagogia” têm-se disseminado tão fortemente pelo mundo?

Essa é uma questão que só pode ser respondida com suposições. Minha suposição seria que tem a ver com a política. A esquerda política tem desejado criar um “novo homem”, e esse projeto começa sempre com as crianças. As escolas são precisamente o lugar onde a sociedade tem acesso às crianças longe de seus pais. Pessoas que querem mudar a sociedade têm ido dar aulas e administrar escolas. A geração que entrou no campo da educação nos anos 1960 e 1970 foi muito influente. O que aconteceu é contraditório. Essa era uma geração antiautoritarismo. Contestava a sociedade autoritária, mas impôs sua própria autoridade. O que se espalhou foi um questionamento da autoridade como tradição e como aprendizado.

Os novos educadores se dedicaram a incluir os alunos com todos os tipos de problema e a se concentrar na situação deles. O lado negativo é que, se permitem que alguns alunos acabem com a concentração da sala de aula, não fazem o que é melhor para todos os alunos.

Há uma pesquisa que diz que, se um estudante aprende muito pouco durante os três primeiros anos na escola, será quase impossível superar essa perda de aprendizado depois. Então por que isso se espalhou pelo mundo ocidental? Não foi em razão dos resultados, mas com uma convicção politicamente fundamentada de que é “democrático”.”

“Não deveríamos supor que a nova pedagogia se disseminou porque os métodos tradicionais têm se tornado ineficientes?

Não, porque as novas ideias, aplicadas de forma massificada, são menos eficientes, o que pode ser claramente visto no Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Alunos]. Países como Cingapura, Hong Kong e Japão têm cuidadosamente conduzido aulas centradas no professor que também incluem algum trabalho em grupo, e eles têm uma performance muito melhor do que os países que ensinam a nova pedagogia.

É correto então considerar que a pedagogia tradicional pode ser mais relacionada à direita política e que a esquerda é mais entusiasta da nova pedagogia?

Eu evito esses termos, mas é verdade que parte da esquerda se propõe a promover sua visão condenando outras. Sua questão é uma prova de que esse campo tem sido politizado. Se houvesse simplesmente duas teorias, alguém poderia fazer experiência e ver qual delas é a mais eficiente. Os pedagogos que propõem a nova pedagogia tendem a não aceitar provas, porque costuma dizer que, ainda que haja outros métodos mais eficientes, eles representam o que é bom. Em outras palavras, o campo da pedagogia é uma combinação de alguns aspectos que podem ser avaliados e de outros emocionais e ideológicos, que não podem ser decididos por evidências.

O layout da sala de aula influencia o aprendizado?

Sim. O principal alinhamento deve permitir que todos os alunos ouçam e vejam as explicações do professor. Para alunos mais velhos, pode ser feito um círculo. Entretanto, isso depende do número de alunos por classe. Se há mais de, digamos, 25, é quase impossível que se mantenham atentos se as carteiras não estiverem arrumadas de forma que todos possam ver e ouvir bem.

É possível manter as tradicionais fileiras de alunos, todos olhando para a lousa, escutando o professor e anotando mesmo quando as crianças e jovens estão imersos na linguagem não linear da tecnologia?

Sim, é. Primeiramente, boas aulas em que você senta e escuta são empolgantes porque você aprende coisas novas. O que o professor diz é adaptado ao que você é capaz de entender e é apresentado de forma que você entenda. Um bom professor também proporciona variações do “senta e escuta” na sala de aula.

É comum atualmente pensar que, porque os jovens estão na internet, eles têm um novo modo de aprender. No entanto, na internet, eles não estão aprendendo novos conceitos e novas relações no campo intelectual de forma eficiente. Usar a internet na escola pode ser divertido, mas é uma perda de tempo se comparamos com o uso de um bom livro didático. Muitas pesquisas nos dizem que nós não aprendemos de fato em frente às telas, e sim decidimos se vamos deixar aquela página para ir para outra mais interessante.

Geralmente, o problema não é ouvir e ler muito e sim muito pouco. Jovens têm-se tornado menos capazes de se concentrar em ler e escutar. A esse respeito, em geral, são estudantes menos competentes.

A sra. considera um erro a tendência do ensino centrado no aluno?

Em primeiro lugar, esse termo é enganoso. Ele normalmente se refere aos estudantes terem o direito de escolher o que aprender e em qual ritmo. Isso rompe a unidade da sala de aula e muda o papel do professor para alguém que precisa ter vários conteúdos diferentes para oferecer para estudantes, os quais parecem trabalhar por conta própria.

Aprendizado centrado no aluno é a solução para professores que têm que organizar o trabalho de estudantes com habilidades e interesses muito diferentes na mesma sala de aula. Porém, aprendizado eficiente é um conteúdo preparado e explicado por um professor. De forma que isso possa funcionar, os estudantes têm que estar no mesmo nível mais ou menos, que é como estão em Cingapura, Finlândia, Estônia, Suíça e outros países bem-sucedidos na educação.

Por que a senhora acredita que os professores estão perdendo a autoridade?

As razões são diversas. Na América Latina, uma razão é que muitas escolas foram estabelecidas antes que houvesse estrutura adequada e professores bem treinados para assumi-las. Ao mesmo tempo, mais ou menos nos anos 1960 e 1970, as mulheres tiveram acesso mais fácil a todo o tipo de profissão. Mulheres com interesses e capacidades intelectuais deixaram o ensino para ganhar salários mais altos e por trabalhos com condições mais recompensadoras. A qualidade da educação estava baseada nessas mulheres, que eram inteligentes, trabalhavam duro e aceitavam salários um tanto baixos. Quando elas saíram, as vagas foram preenchidas, em geral, por pessoas menos qualificadas e menos dedicadas.

É possível ter um sistema equilibrado em que os professores mantenham a autoridade e, ao mesmo tempo, o aprendizado seja centrado nos alunos?

A questão está preocupada com termos e não com realidades. O aluno é sempre o centro, uma vez que é o aluno que está aprendendo. Nesse sentido, o termo “centrado no aluno” é vazio. A educação realmente centrada no aluno são aulas particulares, e isso não pode ser introduzido em larga escala porque não há professores suficientes, e os custos seriam proibitivos. O bom ensino é baseado em um professor inteligente e bem formado com uma classe disposta a aprender.

Uma tendência forte na educação é a necessidade de se desenvolver habilidades sociais e emocionais nos alunos, que iriam ajudá-los na carreira e também fazê-los mais felizes. O que a sra. acha?

Essa é mais uma falsa premissa. O ensino bom automaticamente desenvolve essas habilidades. Quando tudo funciona bem, o estudante no primeiro ano aprende a ser pontual, a se sentar quando deve se sentar, a ouvir atentamente, a fazer perguntas educadamente, a participar em situações de aprendizado respeitando os outros alunos, a seguir instruções, a se concentrar em aprender, por exemplo, a ler, e a trabalhar de forma cuidadosa quando está aprendendo a escrever no livro de exercícios. Tudo isso é promover habilidades sociais e emocionais ao mesmo tempo em que se aprende o conteúdo. O que é um problema é quando a escola entende que ser centrada no aluno ou ser inclusiva é permitir que os alunos não sigam regras e instruções. Isso faz os alunos tão egocêntricos que, aí sim, eles precisam desse conhecimento extra de “habilidades sociais e emocionais”.

A sra. escreveu um artigo sobre a influência do politicamente correto na relação entre professores e alunos, dizendo que os professores hoje são alertados a evitar falar de temas sensíveis, como feminismo, racismo e gênero. A sra. defende que essa situação criou um ambiente em que todos têm medo de todos. Como isso poderia mudar?

Essa é uma das mais importantes questões atuais. Se continuarmos a deixar que ideólogos ditem o que deve ser pesquisado, ensinado e dito, deixamos o campo da liberdade de pensamento que tem nos levado ao progresso. Devemos defender professores, pesquisadores e jornalistas que tentam se basear em fatos mais do que em ideologias. Essa é mais uma razão pela qual professores deveriam ser recrutados entre as melhores universidades, porque serão muito bem informados. As administrações estão com medo e curvadas diante das ondas da internet.”

 

Desemprego, estagnação econômica e degradação no mundo do trabalho

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O país vem passando por um momento de grandes apreensões econômica e política, com impactos sociais sobre toda a coletividade, nos últimos cinco anos temos a convicção de que estamos andando a passos crescentes e inexoráveis para um abismo, cujas consequências futuras são imprevisíveis, mas que já estamos sentindo individualmente, o Brasil está caminhando rapidamente para um precipício perigoso e assustador.

O desemprego cresce de forma acelerada, degradando as condições sociais e gerando um clima de insatisfação social, medo e desesperança, condenando o país a mais uma década perdida, com crescimento negativo e queda considerável nos indicadores sociais. Os poucos empregos gerados no sistema econômico são marcados por baixa produtividade e remuneração limitada, além de, a grande maioria ser caracterizado como empregos precários e sazonais, sem direitos trabalhistas e previdenciários, condenando o país a um debate interminável sobre Reforma da Previdência.

Pesquisas recentes nos mostram que o aplicativo Uber é o maior empregador do país, emprega alguns milhões de trabalhadores de forma precária, estes trabalhadores não têm carteira assinada, décimo terceiro salário, contribuição previdenciária, férias, etc… e nunca viram e jamais verão seu empregador, gerando um mercado cada vez mais frio e invisível, onde os laços sociais e emocionais não mais existem. Cada vez mais nos acostumamos a conversar com as máquinas e com a tecnologia, elas nos servem no cotidiano, nos auxiliam nas atividades modernas, nos geram prazer e nos confortam nos momentos de medo e desesperança, em alguns países desenvolvidos servem até mesmo para fazer sexo e aliviar os mais excitados e imediatistas.

A economia brasileira está num momento de grande estagnação, precisamos de reformas urgentes, dentre elas precisamos de reformas que reconstruam a previdência social, reduzindo os benefícios dos grupos detentores de altos salários, fortes benefícios e aposentadoria integral e de uma diminuição dos dispêndios agregados para que o sistema volte a ser superavitário ou, pelo menos, que não esteja em condições de insolvência imediata, melhorando as perspectivas das próximas gerações e reconstruindo as perspectivas positivas para as gerações mais jovens.

Além desta reforma, precisamos de uma ampla redução nos subsídios e benefícios aos grandes conglomerados econômicos, que constantemente criticam a situação fiscal de insolvência do Estado Nacional mas, ao mesmo tempo, não abrem mão de seus recursos privilegiados, são verdadeiros hipócritas exploradores que se refestelam nas festas com dinheiro público e criticam os gastos excessivos com as políticas sociais.

Nesta semana ficamos estarrecidos com as linhas de créditos abertas pelo BNDES para dois dos maiores bancos privados do Brasil, estes bancos reportaram lucros astronômicos no primeiro trimestre do ano e, mesmo assim, buscam no banco público empréstimos em condições favoráveis para seus acionistas, pouco se importando com mais de sessenta milhões de negativados, com números superlativos e fortemente negativos, dificilmente conseguiremos sair desta situação de desalento,  de desesperança e de baixa confiança da população brasileira.

Enquanto o país possui mais de 13 milhões de desempregados e mais de 27 milhões de desalentados e trabalhadores em condições precárias, totalizando mais de 40 milhões de pessoas passando por dificuldades materiais das mais primárias, crianças abandonadas e passando fome, adultos sem esperança, pais e mães de família que perderam o respeito de seus filhos e familiares, muitas vezes se entregando a condições de indignidade, muitos sucumbem ao roubo, as drogas, ao álcool e a violência como formas de sobrevivência.

Na sociedade capitalista que vivemos, o consumo está associado ao emprego, sem emprego os trabalhadores não possuem salários e recursos amoedados para sua sobrevivência e de seus familiares, o desemprego gera uma redução considerável da autoestima, uma perda da confiabilidade social e uma tendência a um incremento na violência urbana, nesta situação os lares se desagregam mais rapidamente e as condições de vida se precarizam de forma acelerada e crescente.

Os gestores públicos e as classes políticas brasileiras ainda não acordaram para a real situação do país e dos trabalhadores, de uma forma geral, com este número crescente de desempregados e subempregados, não demorará muito para que as classes mais miseráveis adotarão uma outra estratégia de manifestação e reivindicação, sob pena de perderem todas as perspectivas de sobrevivência e se condenarem a miséria e a indigência num futuro muito imediato.

Todos os dias encontramos previsões econômicas sendo revistas, instituições renomadas que fizeram previsões positivas no final do ano passado estão caindo na real e clamam pela reforma da previdência, acreditando que esta será a grande panaceia da economia brasileira, apesar de defendermos a reforma, acreditamos que serão necessárias muitas outras mudanças na lógica econômica para que este país volte a ter viabilidade, sem reformas mais profundas estamos condenados a uma situação próxima da bancarrota, com fuga de capitais, taxas de juros elevadas, dívida pública em explosão e sem recursos para pagamento de aposentadorias, pensões e benefícios, com relação aos investimentos, estes estão ausentes desta equação a muito tempo.

A oitava economia do mundo, um país com amplo potencial de crescimento e desenvolvimento social, se encontra em uma situação de estagnação, num momento de grandes inquietações no mundo contemporâneo, um momento de desagregação de todas as bases da sociedade global, de avanços consideráveis da tecnologia e do domínio de um novo modelo de inteligência, a Inteligência Artificial (IA), com alto potencial de transformação social, de desemprego e de desestruturação da sociedade internacional.

Neste ambiente de desesperança, os donos do poder se esforçam para discutir medidas ineficientes e contraditórias, com o crescimento da violência as discussões estão na generalização do porte de armas e da possibilidade de armar os indivíduos, na situação de fragilização educacional do país, com capital humano de baixa qualificação, os inimigos da hora passam a ser os professores, os pesquisadores e as universidades públicas, querem uma política de austeridade cortando recursos escassos daqueles que mais necessitam e deixam recursos abundantes nas mãos daqueles que se refestelaram por muito tempo e pouco fizeram para melhorar o país e a sociedade brasileira, estamos mesmo num momento único e desesperador da história recente do país.

Precisamos de políticas sérias e eficientes para resolver os graves problemas do país, precisamos de pesquisadores capacitados e competentes para investigar a eficiência das políticas públicas implementadas até então, se seus resultados foram comprovados estas políticas devem ser estimuladas e melhoradas, visando um melhor dispêndio dos escassos recursos públicos, agora, se se mostrarem ineficientes e dispendiosas, devem ser substituídas por outras, visando uma maior eficiência do gasto público e uma maior cobertura da população em vulnerabilidade social, pessoas que demandam investimentos urgentes para evitar que, num prazo não muito longo, os dispêndios sejam feitos para aumentar a quantidade de penitenciárias, delegacias e centros de detenções provisórias.

Precisamos discutir de forma eficiente, o lucro do sistema bancário e do sistema financeiro, como pode em um ambiente marcado por tantas pessoas negativadas e por uma classe média afogada em dívidas, com parcelas atrasadas e duplicatas vencidas, o setor bancário acumular lucros generosos, alguma coisa excepcional deve estar por trás do poder econômico, financeiro e político destas instituições que, entra governo e sai governo, os lucros crescem de forma acelerada e crescente, gerando indignação e desesperança social.

Devemos destacar ainda, uma discussão que ganhou força recentemente no país depois do contingenciamento de recursos públicos para o setor educacional, embora saibamos que o país gasta mais recursos no ensino superior do que em outros ensinos, o corte de recursos não pode acontecer de uma forma desorganizada, sem planejamento e marcado por critérios equivocados e preconceituosos, mesmo porque, ao parar as instituições de ensino superior pública, pararemos a pesquisa e as iniciações científicas e os programas de mestrados e doutorados, pois são estas instituições as grandes responsáveis pela pesquisa científica do país, sem elas, as condições de indigência seriam maiores e mais desanimadoras. As universidades e faculdades privadas pouco fazem pesquisa, se concentram mais nas extensões e na formação da graduação, poucas inovam e melhoram os indicadores científicos do país, instituições como os grandes conglomerados educacionais, detentores de mais de 1,5 milhões de alunos, instituições compradas e geridas por fundos de investimentos servem, muito mais para o aumento dos recursos de seus acionistas e controladores, gerando grandes somas de recursos para seus detentores, diplomas de péssima qualidade, professores mal remunerados e perspectivas num futuro próximo tão reduzidas quanto limitadas.

Algumas medidas urgentes que nos parecem interessantes estão sendo costuradas, a diminuição de empresas estatais e órgãos públicos, muitos deles ineficientes e marcados por grandes potenciais de corrupção e desmandos generalizados. Destacamos ainda, a redução dos recursos para o Sistema S, embora estas instituições tenham um papel interessante nas coletividades que atuam, seus preços são compatíveis com os adotados por concorrentes privados, a transparência e a divulgação dos recursos levantados e as formas como estes recursos são administrados devem ser feitas de forma imediata, acabando com grupos que se utilizam destas instituições para o acúmulo de benesses particulares, esta moralização se faz urgente e necessária e devemos aplaudir e elogiar.

A construção de um país se faz lentamente, a identidade nacional e um projeto de país devem ser a condição sine qua non, sem estes pré-requisitos e uma elite capacitada, bem formada e marcada por um nacionalismo positivo, centrados em investimentos em educação, saúde e na formação de recursos humanos capacitados e conscientes, além de uma educação que mostre ao indivíduo a importância de construir cidadãos verdadeiros e não apenas consumidores imaturos e imediatistas, como estamos fazendo a alguns anos e os resultados se mostram cada vez mais negativos e limitados, vivemos mais uma década perdida e a culpa não pode ser atribuída a um único partido ou a um único governo, a sociedade precisa aprender a fazer as suas escolhas e assumir que, em momentos anteriores, escolhemos errados e nos mostramos imaturos, mimados e inconsequentes, por isso estamos pagando por isto agora de forma tão desalentadora e sem esperanças de que dias melhores virão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As humanidades na pesquisa científica

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Ricardo Abramovay – Valor 09 de maio de 2019 

Relatórios globais mostram papel crescente das humanidades nas avaliações de impacto.

Não são apenas intrínsecas as razões do crescente prestígio da pesquisa e do ensino de sociologia e filosofia nas principais universidades do mundo. Elas são também instrumentais no enfrentamento daqueles que o Future of Humanity Institute, da Universidade de Oxford considera os três maiores riscos enfrentados pelas sociedades contemporâneas: uma guerra atômica, as mudanças climáticas e a inteligência artificial.

À primeira vista são temas em que físicos, climatologistas e programadores seriam os únicos legitimamente credenciados a oferecer conselhos aos tomadores de decisões. Mas esta é uma falsa impressão. Por maiores que sejam os problemas e os limites da pesquisa e do ensino das ciências do homem e da sociedade (e não só no Brasil) elas são chamadas a desempenhar um papel decisivo na civilização tecnológica: o de saber por que razão fazemos ou devemos fazer o que fazemos. Renunciar ou minimizar este papel impede que a sociedade tenha opções refletidas sobre o rumo de suas relações com a natureza e sobre a maneira como nos relacionamos uns com os outros, ou seja, sobre nossa própria sociabilidade.

Um dos mais férteis caminhos pelos quais avançam o conhecimento destes riscos e a elaboração de políticas para evita-los são os relatórios de impacto global. No que se refere a temas socioambientais, o primeiro trabalho neste sentido, de 1977, foi elaborado pela OCDE. Trata-se da Avaliação de Longo Alcance sobre o Transporte de Poluentes Atmosféricos. Desde então já foram publicadas nada menos que cento e quarenta Avaliações Ambientais Globais, como as que deram lugar, em 1987, ao Protocolo de Montreal (que formulou políticas que reduziram o risco de destruição da camada de ozônio), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), fundamental no estabelecimento de limites para o aumento da temperatura global média ou o Global Environment Outloock, do qual a sexta edição foi divulgada recentemente em Nairóbi.

Para que se tenha ideia da magnitude do empreendimento científico contido nestes relatórios, é importante saber que o primeiro relatório do IPCC, de 1990, envolveu 607 autores. Já o quinto relatório, publicado em 2014, contou com a contribuição de nada menos que 2.330 autores. Além destes, chegam a 143 mil os pesquisadores que fizeram leitura crítica e emitiram pareceres quanto a seu conteúdo.

Como mostra o importante programa de pesquisa voltado ao estudo destas avaliações, elas passaram por transformações fundamentais.

O reconhecimento do desenvolvimento sustentável como o mais importante valor do Século XXI, a partir do relatório Brundtland, de 1987, abriu caminho a mudanças decisivas no formato, nos atores e no conteúdo das avaliações ambientais globais. Antes disso, os relatórios preconizavam políticas de comando e controle, apoiavam-se fortemente no setor governamental, convocavam especialistas vindos quase exclusivamente das ciências naturais, voltavam-se a temas tópicos, como lixo ou poluição e silenciavam sobre temas de equidade socioambiental

A partir dos anos 1990 as políticas preconizadas passam a apoiar-se fortemente em mecanismos de mercado e na participação de organizações da sociedade civil. A diversidade de atores se amplia, com papel de destaque para Organizações Não Governamentais, que adquirem competência técnica e científica para esta participação. Os temas tratados vão além de assuntos tópicos e envolvem os modelos de produção e consumo. A ênfase em desigualdades e justiça é crescente. Com isso os relatórios passam a ter como foco não mais problemas “ambientais”, mas voltam-se ao estudo das dinâmicas resultantes das relações complexas entre sociedade e natureza. As ciências do homem e da sociedade ganham assim papel de destaque.

Na Avaliação do Ozônio Atmosférico, de 1985, liderada pela NASA e pela Organização Meteorológica Mundial todos os autores provinham das ciências naturais. Na Avaliação Global da Biodiversidade, de 1995, sob responsabilidade do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 14% dos autores vêm das ciências sociais. Já em 2008. na Avaliação Internacional da Ciência e da Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento, coordenada pelo Banco Mundial e pelas Nações Unidas já eram 47% os pesquisadores das ciências sociais.

Claro que falta muito para atender ao apelo de Edward Wilson, certamente o maior cientista vivo da atualidade, para que ciências sociais e ciências naturais ampliem sua integração com o intuito de contribuir para “salvar a criação”, expressão por ele usada em “A Criação”, traduzido para o português em 2008. Mas é fundamental reconhecer o avanço importante desta relação sem a qual não há chance de se compreenderem os fenômenos complexos que marcam nossa vida e elaborar políticas voltadas a sua solução.

Não é por outra razão que, quando se trata dos riscos referentes à inteligência artificial, Tim Berners-Lee, o inventor da WEB, vem insistindo tanto na ideia de que não precisamos apenas de engenheiros para ampliar o alcance da internet. Precisamos sim de engenheiros-filósofos, diz ele, sem os quais perderemos o sentido de nossas ações, o que nos fará encarar as ameaças à privacidade e à democracia, que vêm marcando a revolução digital como fatalidade incontornável.

Um país que despreza as humanidades desperdiça a oportunidade de se tornar protagonista na fronteira da inovação tecnológica contemporânea. É uma forma de se perenizar na vanguarda do atraso.

Auto-obsessão: quando somos os nossos próprios algozes.

A Doutrina dos Espíritos nos trouxe grandes instrumentos de reflexão e melhorias íntimas, mostrando-nos os equívocos que cometendo e nos auxiliando na construção de uma estrada mais consistente e estruturada para alcançarmos nosso progresso interior, somos frutos de nossas escolhas e de nossas experiências, nestas caminhadas caímos e nos levantamos sempre em busca de um progresso que, mesmo nos parecendo distante, será alcançado por todos num determinado momento, uns mais rapidamente enquanto outros demandarão mais tempo, mas todos vamos encontrá-lo.

O Espiritismo nos trouxe informações preciosas da vida e da existência de um mundo depois da morte física, mostrou-nos ainda, que a morte não existe e que estamos, neste mundo e no outro, num grande processo evolutivo, a evolução não dá saltos, quando deixamos o mundo material não nos tornamos melhores e mais conscientes, alguns espíritos mais conscientes e maduros até conseguem enxergar mais nitidamente, mas a grande maioria dos indivíduos mourejam na obscuridade e na ignorância.

A Doutrina dos espíritos nos revelou ainda, a existência de obsessores e perseguições espirituais, entidades que muitas vezes se deixam dominar pelos rancores e ressentimentos, cultivando sentimentos inferiores e os deixando se transformar em ódio, diante destes sentimentos, muitas entidades perseguem outros irmãos, buscando vinganças e revanches, deixando que estes sentimentos menores os transformem em vingadores dominados pela maldade. As lições codificadas por Allan Kardec, que se manifestaram através de O Livro dos Espíritos, foram importantes para acabar com as crenças católicas de demônio e de exorcismo, além de condenar muitas das técnicas e dos tratamentos dos hospitais psiquiátricos, que se utilizavam de choques e de violência para reprimir uma suposta loucura dos indivíduos, gerando dores e aumentando as angústias internas.

Com as informações trazidas e com o crescimento de seus adeptos, surgem casas espíritas, seminários, congressos e locais onde as teses espíritas passam a ser discutidas e prosperando rapidamente, autores importantes e intelectuais renomados abraçam as causas doutrinários, dentre eles podemos destacar vultos da intelectualidade européia, desde Camille Flamarion, León Denis, Ernesto Bozzano, Charles Richet, entre outros nomes de destaque.

Um dos temas mais fascinantes da doutrina espírita é a questão da obsessão, o fenômeno sempre esteve muito presente nas sociedades, incomodando e gerando constrangimentos variados para as famílias, desde a de nobres e abastados industriais da época até de trabalhadores mal remunerados e pessoas que viviam na indigência social e econômica. Neste ambiente, as teses que defendiam técnicas de exorcismo eram as mais comuns, embora agressivas e marcadas por certo exibicionismo, davam um grande poder aos membros da Igreja católica e se mostravam frágeis e insuficientes para resolver as questões ligadas as obsessões.

A nova doutrina trazia formas diferentes de lidar com esta questão, entendia o processo de forma diferente e via uma ausência de loucura, mas uma perseguição espiritual, onde o espírito ora obsessor buscava ressarcir suas perdas com o encarnado, cobrando-lhe aquilo que acreditava ser seu de direito ou queria impingir no obsidiado dores e moléstias para se vingar de atitudes e gestos cometidos anteriormente, tudo isto gerava graves constrangimentos ao perseguido e aos seus familiares que estavam intimamente ligados.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra que as entidades, perseguidor e perseguido são, na verdade, indivíduos que possuem vínculos sólidos e antigos, estes vínculos tem as suas origens em experiências anteriores, muitos deles estão interligados a muitos anos, décadas ou até mesmo séculos, nestes períodos estes espíritos cultivaram alguns conflitos, confrontos ou brigas que acabaram gerando desequilíbrios na relação, sendo cobrados nesta experiência física.

A nova profilaxia estava centrada na conversa e no esclarecimento do obsessor, muitos deles não são maus ou violentos, apenas estão dominados pela busca constante de vingança, esta visão acaba com a ideia de que, nesta relação, existem mocinhos e bandidos, a doutrina espírita nos mostra que somos todos culpados por erros cometidos anteriormente, o obsessor que hoje se coloca como vítima pode ter sido, em outras oportunidades, o grande algoz, o responsável pelo crime ou pelos deslizes cometidos, mesmo assim, este espírito prefere cobrar de outros a assumir suas responsabilidades de equívocos anteriores.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra claramente que não existem vítimas, por mais que nos emocionemos com as dores e as dificuldades dos outros indivíduos, todos somos algozes, todos cometemos erros e equívocos variados e devemos responder por estas nossas atitudes. Mesmo nos emocionando com as dores alheias, devemos reconhecer que temos um passado marcado por desequilíbrios, cometemos os mais intensos desatinos e devemos compreender que as leis são educativas e não punitivas, as dificuldades servem para nos elevar e nos fazer crescer e não para nos maltratar e nos humilhar, gerando mais constrangimentos e desequilíbrios.

Dentre os vários tipos de obsessão, destacamos a auto-obsessão, que acontecem aos milhares na sociedade, todos passamos por situações parecidas, quantas vezes nós ficamos remoendo coisas antigas, pensamentos e situações vividas a muitos anos, situações que nos trouxeram momentos de prazer e alegria, mas que já ficaram para trás e deveria ter sido superadas, se continuamos a remoer esta situação é porque alguma coisa ficou mal resolvida na nossa história, remoer esta situação apenas nos fará mal e tende a gerar graves desequilíbrios interiores, gerando constrangimentos e ressentimentos.

Quando falamos e refletimos sobre a auto-obsessão, estamos desviando o olhar do obsessor/exterior e concentrando no indivíduo/interior, sendo o indivíduo o grande obsessor de si mesmo, aquele que precisa, urgentemente, compreender seus ingredientes, tais quais: culpa, remorso, causas diversas a fim de que possa superar o problema, superando os momentos difíceis e construindo cenários e perspectivas mais saudáveis.

A culpa e os remorsos podem gerar nos indivíduos graves desajustes, que quando não são resolvidos por completo podem ocasionar graves desequilíbrios emocionais e espirituais, levando muitos indivíduos a uma auto-obsessão que pode gerar uma sabotagem completa, criando ressentimentos, rancores e mágoas intermináveis.

Muitas pessoas viveram relacionamentos intensos, marcados por uma paixão alucinante, esta situação ainda não foi superada para um dos envolvidos e este a remove com constância, revive uma situação que a muito não mais existe, faz planos e inventa situações não vividas, mas imaginadas e, com isso, sua mente e seu pensamento plasmam imagens e prazeres constantes. O resultado imediato desta situação é que o indivíduo cria um processo obsessivo e o cultiva no cotidiano, gerando graves desequilíbrios que podem levá-lo a loucura e a insanidade, com graves constrangimentos para o espírito imortal.

A auto-obsessão é fenômeno muito mais comum do que as pessoas imaginam, na contemporaneidade muitos indivíduos sonham com situações que dificilmente se tornarão uma realidade num futuro próximo, muitos se veem em situação de desfrute financeiro e material muito além de suas posses, se estes pensamentos crescerem e sair do controle dos indivíduos, podem se tornar fonte de graves desajustes emocionais, levando-os a terapias em clínicas de psicologia ou, em casos mais intensos, em clínicas psiquiátricas.

Os seres humanos tem sido orientados desde os tenros anos de vida e olhar para o ambiente externo, crescemos e nos desenvolvemos, iniciamos nossas atividades profissionais, nos relacionamos e depois casamos, constituímos famílias e nos envolvemos tão intensamente com as atividades do cotidiano e nos esquecemos de olhar para nosso íntimo, diante disso, não aprendemos a lidar com nossos sentimentos, nossos desejos e vontades muitas vezes estão descontrolados e quando paramos para refletir estamos envolvidos em uma teia de desequilíbrio que pouco sabemos como lidar e compreender, diante disso, faz-se fundamental seguirmos a máxima de Sócrates quando nos disse Conheça-te a si mesmo.

            Acrescentamos ainda, que numa sociedade marcada pela concorrência crescente entre os agentes econômicos, onde as pessoas se entregam, cada vez mais, ao trabalho profissional e a sobrevivência material, deixando de lado valores mais íntimos, sentimentos mais internos e emoções mais aceleradas, acreditando que estas dores e sentimentos internos serão preenchidos com bens e valores materiais, ledo engano destes indivíduos e desta sociedade, que observa atônita um crescimento acelerado no suicídio, na depressão, na ansiedade e nos transtornos emocionais e espirituais.

Sem se conhecer, sem refletir sobre seu papel no mundo e sem buscar um equilíbrio emocional e espiritual, o indivíduo tende a se deixar levar por vontades e desejos hedonistas, prazeres imediatos e gozos abundantes, nesta trilha os prazeres materiais são imensos, mas os vazios existenciais criados pela ausência de uma espiritualização são cada vez maiores, deixando um grande hiato nos valores do indivíduo.

O tema obsessão sempre esteve na berlinda na literatura espírita, muitas são as obras que analisam a temática e nos trazem grandes ensinamentos sobre questão, tão complexa e empolgante, o tema auto-obsessão, embora fundamental, ainda é estudado com menor ênfase, alguns autores de destaque, como Yvonne do Amaral Pereira e André Luiz, além de obras relevantes de Suely Caldas Schubert e Divaldo Pereira Franco, refletiram fortemente sobre a auto-obsessão, nos trazendo importantes contribuições para a sociedade e desnudando um tema que está presente muito fortemente no cotidiano das pessoas, gerando graves constrangimentos individuais e traumas generalizados para todos os entes queridos e familiares.

Quando, nos trabalhos mediúnicos, nos deparamos com a obsessão e temos a oportunidade de conversar com o obsessor, encontramos dramas e histórias marcadas por ressentimentos e angústias constantes, nesta situação encontramos situação que remetem a outras encarnações que estão vivas na mente do espírito ora agressor. Ao analisar os casos de auto-obsessão, percebemos a ausência de agentes exteriores, todo o processo acontece intimamente, o obsessor é a mesma pessoa do obsidiado, nestes casos, as soluções são deveras complexas e, muitas vezes demoradas, isto porque envolve dramas da alma, conflitos internos e profundos e dores que perpassam a encarnação presente e tem suas raízes na parte mais íntima do ser humano, se encontram nas profundezas da alma, num local onde o adentrar só é permitido àquele que, além de conhecer a senha e possuir as chaves, seja dotado de sentimentos nobres, puros  e mais conscientes, a reflexão íntima e a oração são fundamentais, mas a reforma íntima e a atitude no bem fazem a diferença e auxilia no crescimento e na consolidação do progresso e no rechaço de pensamentos negativos e sentimentos inferiores.

Muitas pessoas buscam informações sobre o que foram em encarnações anteriores, se assustam quando ficam sabendo e, muitas delas, se desesperam, criando situações negativas e altamente perturbadoras. O medo dos erros cometidos no passado gera no indivíduo grande desesperança com relação ao futuro, preocupações inexistentes podem aparecer depois de descobertas de equívocos em vidas anteriores, sem equilíbrio e consciência desenvolvidos, a descoberta pode gerar graves transtornos e auto-obsessão, somos todos marcados por graves desequilíbrios, os erros anteriores não podem ser reparados, mas as melhoras individuais devem ser construídas no futuro e isto só será possível com trabalho, oração e muita disciplina, com estas três atitudes nenhuma obsessão ou auto-obsessão se perpetuará por muito tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

‘Os Bolsonaros têm relações com a esgotosfera do crime’, diz Padilha

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Em segunda temporada da série ‘O Mecanismo’, diretor volta a atacar corrupção sistêmica no país 

Ivan Finotti – Folha de São Paulo, 10 de maio de 2019.

Em 16 de abril, o cineasta José Padilha escreveu um artigo na Folha no qual reconhecia “o erro” que cometeu. Referia-se a Sergio Moro, que, segundo o diretor, perdeu a independência política, “finge não saber o que é milícia e hoje trabalha para a família Bolsonaro.

Essa nova visão do ministro da Justiça e Segurança Pública não afetou o juiz Paulo Rigo, personagem da série “O Mecanismo” inspirado em Sergio Moro. “Estou contando uma história na qual, quando aconteceu, Moro tinha coisas positivas, independente de possíveis mudanças posteriores”, diz Padilha, criador da série.

A estreia da segunda temporada acontece nesta sexta (10), e Padilha se diz preparado para as críticas: “Sou antipetista, antipeessedebista e antipeemedebista. Mas só me criticam por ser antipetista. Acho que a Dilma sofreu um golpe, mas sempre achei que o PT roubou. E essas coisas são compatíveis, sim”.

​Leia abaixo os melhores trechos da entrevista que aconteceu na terça (7).

Você disse que não pensou em mudar a representação do juiz Sérgio Moro na segunda temporada de “O Mecanismo”. Mas haverá uma terceira, quarta, quinta temporada para mostrar isso? O que você planejou?

Eu não estou fazendo uma série sobre o Sergio Moro. Estou fazendo uma série sobre o mecanismo, que ele é real e opera independente do partido político. Serra foi denunciado, Temer foi preso, Lula está na cadeia. O mecanismo não tem ideologia, ele é a forma pela qual a política se estruturou no Brasil desde o primeiro governo democrático. Agora, eu não sei quem mais é o Moro. Eu vejo duas possibilidades: ele não olhou direito onde estava entrando e, como o Fernando Henrique, é muito vaidoso. Não se deu ao trabalho de olhar o histórico dos Bolsonaros. Os bolsonaros tem ralações com a esgotosfera do crime organizado carioca. Ele é de Curitiba, talvez não saiba. A outra possibilidade é que ele sabia o que estava fazendo e ele fez. Aí o Moro é totalmente diferente de quem eu pensei que ele fosse.

Mas há uma terceira temporada planejada?

A gente não pode falar sobre isso. O Netflix me proíbe. Eu estou censurado, como se fosse o Toffoli [risos]. Mas é uma questão econômica. A nossa série é muito mais cara do que todas as outras séries do Netflix no Brasil. Então temos que olhar o resultado versus o custo.

Quanto custa cada episódio?

Eu não posso te dizer…

E a abertura dessa temporada, que mostra políticos como FHC, Lula, Temer e muitos outros enquanto toca a canção “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”?

 
Essa é a abertura que eu tinha proposto para a primeira temporada. Mas tinha aquele pensamento com a série: “será que a gente vai ser processado por alguém? Por todos?”. Aí resolvemos fazer uma abertura inócua, que foi ao ar na primeira temporada. E então começou a ser todo mundo preso, acusado, e não houve processos contra nós. Aí eu quis de novo usar a abertura e dessa vez deu certo.

 

Será que justamente essa nova abertura não vai dar processo?

Não sei. Estou mostrando a história do Brasil, do presidencialismo democrático. Eu me dei ao trabalho de separar o refrão de forma que quando diz “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão” só aparecem imagens de quem foi condenado. No resto da música aparecem os outros.

Os atores que representam políticos reais usam outro nome na série. Lula é Gino, Sérgio Moro é Paulo Rigo e por aí vai. Você pediu a eles que se inspirassem nos personagens ou, ao contrário, que não se inspirassem?

Não precisei fazer isso, foi automático. Esses atores são todos faixa preta, não tem nenhum de primeira viagem. Não precisei falar nada.

No final de “Tropa de Elite” (2010) tem aquela fala em Brasília…

“Quem diria que a milícia iria parar em Brasília?” Fui uma bola de cristal desgraçada, mas eu nunca imaginei que isso fosse acontecer. Mas aconteceu. Na verdade, estava falando de deputados eleitos com votos de milícia. Não estava falando do Jair e do Flávio Bolsonaro, mas aconteceu.

Você acha que a transformação do capitão Nascimento em um herói contribuiu para tornar a direita menos envergonhada de se assumir?

No “Ônibus 174” (2002), eu mostro como o estado produz criminosos violentos na figura do Sandro Nascimento [ex-menino de rua que sequestrou o ônibus]. Aí eu quis fazer o outro lado da moeda, como o Estado forma policiais violentos.

O “Tropa de Elite” (2007), certo?

Sim. Aí eu vou dar o mesmo nome para o personagem, Nascimento. Ao fazer seu sucessor, porque ele vai ter um filho e não quer morrer, ele vai fazer um cara igual a ele. Vai pegar um cara legal e transformar nele.

Para mim, é claro que o Nascimento é um cara que tortura, eu mostro ele torturando. Para meu espanto, um número razoável de brasileiros achou aquilo ótimo. Mais ou menos o que o Scorsese disse quando viu seu “Taxi Driver” no cinema: “Caralho, os caras estão aplaudindo o cara!”. Me disseram mesmo isso: “Tem muita gente de direita que saiu do armário por causa desse filme e agora a gente está vendo eles”.

O jornalista viajou a convite da Netflix

Por que é tão difícil fazer reformas no Brasil?

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País tem características que dificultam mudanças

Marcos Mendes – Folha de São Paulo, 05 de maio de 2019.

Para voltar a crescer e diminuir a desigualdade de renda, o Brasil precisa fazer um conjunto amplo de reformas. Previdência, tributos, mercado de crédito, ambiente de negócios, segurança jurídica, abertura comercial, privatização, políticas sociais e educação.

Não é fácil fazer reformas em nenhum lugar do mundo. Reformar significa tirar privilégios de alguns grupos, que obviamente resistem. Os custos são concentrados em poucos, e os benefícios são difusos. Os prejudicados se organizam e resistem, enquanto os beneficiários muitas vezes nem sequer sabem que estão ganhando com aquela medida.

Reformas também provocam incerteza: ainda que todos saibam que o país ficará melhor no futuro, cada indivíduo enfrenta a incerteza de qual será a sua situação particular após a reforma. Afinal, empregos menos eficientes tendem a ser destruídos e outros são criados, requerendo novas habilidades. Muitas pessoas temem não se adaptar à nova realidade, em especial os mais velhos.

Os resultados das reformas também demoram a aparecer. No Chile, por exemplo, em 1985, dez anos após o início das reformas, a renda per capita ainda era a mesma de 1969. Somente nos anos 1990 a renda começou a subir de forma consistente.

No Chile, a renda per capita demorou 15 anos para refletir os efeitos das reformas

Na Nova Zelândia, uma reforma radical, que transformou o país em uma das sociedades mais prósperas do mundo, gerou, inicialmente, uma taxa de desemprego de 14%, que só voltou ao padrão pré-reforma depois de dez anos.

A Nova Zelândia, antes de sentir os efeitos positivos da reforma, sofreu com a alta na taxa de desemprego

O calendário das eleições é mais curto que o prazo para o efeito das reformas. O próximo pleito acontece antes de as reformas elevarem a popularidade do governante reformista.

Apesar dessas dificuldades, ao longo dos últimos 50 anos, muitos países fizeram reformas abrangentes. Estudando essas experiências, podemos observar características desses países que ajudaram a quebrar resistências. Infelizmente, o Brasil não possui nenhuma dessas características “facilitadoras” de reformas.

Em primeiro lugar, é mais fácil reformar economias de países pequenos. Estes não têm mercado interno significativo e precisam se abrir para o mundo. Com economia aberta, são mais vulneráveis a oscilações da economia internacional e, por isso, precisam manter a macroeconomia saudável. Para atrair capitais externos, precisam de uma Justiça rápida e segura.

Além disso, têm uma elite menos numerosa, o que diminui o custo de transação para realizar acordos. Também têm governo unitário, não sofrendo os conflitos e bloqueios gerados nos sistemas federativos. Singapura, Malta, Hong Kong, Estônia, Nova Zelândia e Irlanda seriam exemplos nesse grupo.

O Brasil, grande, fechado e com uma Federação conflituosa, está longe desse perfil.

Outra característica importante está na transição de ditaduras para democracias. Países que fizeram reformas econômicas antes da abertura política geraram uma economia dinâmica, capaz de elevar a renda, ampliar a classe média, criar ambiente de mercado estável e consolidar o liberalismo econômico, conduzindo a mais investimentos e crescimento. Com o tempo, a melhoria das condições de vida induz a transição para regime democrático, como ocorreu na Coreia do Sul, no Chile, na Malásia e na Indonésia, por exemplo.

Por outro lado, redemocratizar antes de reformar a economia pode levar ao populismo e a mecanismos de apropriação de renda por grupos de interesse.

Em uma economia fechada e estatizada, há grande espaço para a inscrição de privilégios e políticas inconsistentes na legislação. Esse parece ter sido o caso de Brasil, Argentina e Filipinas. Fazer reformas nesses países é muito mais difícil agora, pois significa desmontar benefícios a grupos organizados, cristalizados na Constituição e nas leis.

Também facilitam as reformas os sistemas político-eleitorais que induzem a geração de maioria no Legislativo, dando maior governabilidade ao Poder Executivo.

No Reino Unido, por exemplo, as eleições para o Parlamento seguem o modelo distrital, com voto majoritário, que induz a disputa entre dois grandes partidos, com o vencedor quase sempre sendo majoritário no Legislativo e, portanto, capaz de aprovar reformas sem precisar contar com o apoio de outros partidos.

Além disso, é mais fácil fazer reformas em Parlamentos unicamerais, onde uma medida não precisa passar pelo referendo de Câmara e Senado. Também facilita o fato de cada um dos três Poderes ter claramente delimitado o seu raio de ação, não havendo espaço para o Judiciário interferir em decisões do Legislativo.

Mais uma vez o Brasil não tem tais características. Nosso sistema eleitoral gera grande fragmentação partidária no Parlamento, temos sistema bicameral e frequente judicialização das decisões legislativas e das políticas públicas.

A literatura também mostra que sociedades mais coesas são mais capazes de gerar os acordos sociais necessários para realizar reformas. Essas são sociedades em que a classe média tem uma parcela grande da renda (e, portanto, a desigualdade geral é baixa) e na qual há baixo grau de violência.

Em geral, são sociedades em que as pessoas têm padrões de vida similares, não temem agressões físicas ou aos seus direitos. Por isso têm maior confiança umas nas outras e nas instituições públicas.

Confiança é essencial para o sucesso de reformas. Afinal, estas nada mais são que um acordo em que todos fazem sacrifícios no curto prazo com vistas a ter um futuro melhor. Se há baixa coesão e desconfiança, cada grupo de interesse tentará empurrar os custos da reforma para o outro, e a negociação emperra ou a reforma tem seus custos colocados nas costas dos mais fracos.

No Brasil, a falta de confiança é um fator que emperra reformas

O grau de coesão social no Brasil é extremamente baixo. No eixo horizontal, temos a participação da classe média na renda (percentual da renda total que vai para os 60% dos indivíduos no centro da distribuição de renda). Somente África do Sul, Namíbia, Zimbábue, Moçambique e Guiné-Bissau têm classe média “mais magra” que a brasileira, ficando mais à esquerda no gráfico.

No eixo vertical temos um índice de violência e confiança mútua. Nesse quesito, o Brasil só supera Camarões e Costa do Marfim. E fica um pouco abaixo de Quênia, El Salvador e Libéria.

A localização do país na parte inferior esquerda do gráfico é uma imagem clara da nossa baixa coesão social. Somos inequivocamente um país desigual, violento, em que as pessoas não confiam umas nas outras. No canto superior direito do gráfico estão os países mais coesos.

A importância da coesão social como fator de estabilidade tem ficado clara nos recentes episódios de radicalização política vividos em diversos países. O encolhimento da participação da classe média na renda tem gerado desconforto com a representação política tradicional, e novos partidos extremistas têm ganhado espaço em vários países. Há crescente fragmentação partidária, levando a governos minoritários, como na Espanha e na Itália.

O brexit surgiu de movimento de descontentamento de uma classe trabalhadora ameaçada pela abertura comercial. Donald Trump e sua política externa mercantilista têm origem semelhante.

No Brasil, o baixo consenso social alimenta um ambiente antirreformas por uma combinação de populismo, conflito distributivo em torno de rendas intermediadas pelo Estado, fragmentação política e protecionismo comercial e regulatório.

Não obstante todas essas dificuldades “estruturais” para fazer reformas no Brasil, sempre surgem algumas janelas de oportunidade. Em geral, elas são criadas por crises, que evidenciam a necessidade de mudanças e enfraquecem a defesa de interesses corporativos específicos.

Também abre espaço para reformas o “efeito lua de mel”, que existe nos primeiros meses de gestão de um governante recém-eleito.

Desde os anos 1980, o Brasil aproveitou essas situações para fazer reformas. Assim, por exemplo, a crise de balanço de pagamentos de 1982-83 gerou reformas fiscais e monetárias. A hiperinflação criou condições para o sucesso do Plano Real.

O efeito lua de mel no governo Collor permitiu um movimento de abertura comercial, e nos governos FHC e Lula viabilizaram-se duas reformas da Previdência.

Da crise de balanço de pagamentos de 1998 vieram o sistema de metas de inflação, o câmbio flutuante e o regime de metas fiscais.

Porém, recentemente o Brasil andou na direção contrária. De 2005 a 2015 vivemos um período de reversão de reformas. A crise política do mensalão levou à expansão do gasto público como forma de sustentar politicamente o governo. Uma expansão no preço internacional de commodities deu impulso ao crescimento e criou a ilusão de que os desequilíbrios fiscais estruturais estavam resolvidos.

Relaxou-se o equilíbrio fiscal e praticou-se política pública na direção oposta das reformas de que o país necessita: aumentou a interferência estatal nas decisões privadas, a exploração do petróleo foi praticamente reestatizada, houve generalizada interferência do governo nos preços de energia e combustíveis, proteção setorial e fechamento da economia, grande desperdício de recursos públicos e privados em investimentos inviáveis.

A crise daí decorrente abriu nova oportunidade de reformas, e o governo Temer avançou nessa agenda, criando um teto de gastos, fazendo reformas relevantes no mercado de crédito, revertendo a estatização do setor de petróleo, retomando o controle dos gastos públicos e as privatizações e concessões, desmontando equivocadas políticas de créditos subsidiadas.

Porém, as reformas necessárias ainda são muitas. O que fazer para continuar avançando?

Em primeiro lugar, temos de reconhecer que, no ambiente adverso em que vivemos, elas levarão décadas para se concretizar. A Nova Zelândia, que fez reformas radicais em tempo recorde, com condições políticas e institucionais favoráveis, consumiu dez anos. Na Austrália foram 20 anos. No Brasil será muito mais.

As reformas serão um tema presente por muitas décadas. Não é uma corrida de 100 m, em que se faz reforma durante um mandato e o país passa a crescer aceleradamente. É uma maratona, que requer persistência. Se não for possível aprovar reforma ampla hoje, aprove-se algo mais restrito, mas na direção correta, e retome-se mais adiante.

Não podemos desperdiçar oportunidades: as propostas de reforma precisam estar prontas, na prateleira. Se a condição política para uma reforma ficar difícil, muda-se a agenda e parte-se para outra. Foi o que ocorreu no governo Temer, quando a reforma da Previdência se inviabilizou e, rapidamente, a agenda mudou para a reforma do mercado de crédito.

Mais importante que não perder oportunidades é não dar espaço para retrocessos. O Brasil não pode ter outro período nefasto de contrarreformas como o do passado recente.

Para que as reformas ganhem crescente apoio social, é preciso que elas sejam capazes de reduzir a desigualdade e ampliar a classe média.

Felizmente temos espaço para isso. O Estado brasileiro é concentrador de renda, e as reformas podem fazer o país mais igualitário, gerando clima favorável a novas rodadas de modernização. O desenho das diversas reformas sempre precisará ter essa preocupação redistributiva e de criação de empregos para os mais pobres.

Como esse processo de redistribuição e aumento de coesão é lento, é essencial uma convincente política de comunicação, para já no curto prazo induzir a cooperação e apoio.

É preciso olhar, também, a dimensão da violência e da baixa confiança. Já passou da hora de o Brasil ter um plano sério e consistente de redução da violência, que deve ser conduzido simultaneamente às reformas econômicas.

Em relação à confiança, é preciso investir em sistemas eletrônicos de certificação e garantias nos negócios, em agilização e maior previsibilidade da Justiça. A digitalização dos serviços públicos aumenta a confiança no governo e o controle a fraudes nos programas sociais.

O combate à corrupção, tão demandado pela sociedade, precisa ser usado como argumento a favor da reforma. Privatizar reduz espaço para o uso corrupto de empresas públicas. Também reduzem a corrupção: o fortalecimento das agências regulatórias, a melhoria da governança dos fundos de pensão das estatais ou o aperfeiçoamento e transparência das contas públicas.

No âmbito do Legislativo, dada a alta resistência política às reformas, deve-se preferir sempre a tramitação mais curta, para diminuir as chances de uma crise política paralisar o processo, como ocorreu com a reforma da Previdência no governo Temer. Uma vitória parcial em um tema abre a agenda para que se trate de outra reforma.

As relações entre os três Poderes precisam evoluir, para que haja clara delimitação das fronteiras dos poderes de decisão, para evitar tanto a judicialização da política quanto a politização do Judiciário.

Na arena política, a experiência de reformas econômicas bem-sucedidas na Austrália, na Índia, na Coreia e na Nova Zelândia indicam que um ingrediente essencial é a liderança do processo pelo presidente da República (ou primeiro-ministro). A terceirização da responsabilidade enfraquece e mutila as reformas.

Também é preciso reconhecer que formar governo de coalizão não é crime. Em qualquer lugar do mundo onde o Parlamento é importante na aprovação de reformas, um Poder Executivo minoritário compartilha o poder para poder ter maioria e aprovar seus projetos.

Se há atos criminosos por parte de algum ministro indicado por partido aliado, demite-se o ministro, entrega-se o caso à Justiça, e o partido responsável por aquele ministro indica substituto.

O atual momento de crise e de lua de mel é propício para reformas. Mas não há automatismos, e o ambiente continua hostil. Será preciso muita arte e habilidade política para que não se perca essa oportunidade histórica para avançar em direção a um país mais rico e civilizado.

Marcos Mendes

Doutor em economia pela USP, consultor legislativo do Senado e ex-chefe da assessoria econômica do ministro da Fazenda (2016-2018)

 

Alimentos industrializados estão acabando com culturas locais, diz médico

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Um dos mais relevantes pesquisadores brasileiros, Carlos Monteiro critica malefícios da indústria e dos ultraprocessados

Gabriel Alves – Folha de São Paulo 04 demais de 2019

SÃO PAULO 

Se alguma vez você ouviu que deve evitar os alimentos ultraprocessados pelo bem da sua saúde, agradeça ao médico Carlos Augusto Monteiro.

Cunhado por ele, o termo ultraprocessado se refere a alimentos que são feitos essencialmente a partir de matéria-prima barata (farinha, óleo e açúcar, por exemplo) e aditivos que dão cor, sabor, textura e outras características para tornar o alimento mais atraente. Macarrão instantâneo, salgadinhos e refrigerantes fazem parte da lista.

Monteiro, que é professor titular da USP e um dos mais relevantes pesquisadores brasileiros segundo o relatório Highly Cited Researchers, da consultoria Clarivate Analytics, afirma que o mundo está se alimentando de uma forma cada vez mais padronizada e, por isso, a cultura gastronômica está de perdendo. Obesidade, diabetes, hipertensão, câncer e outras doenças associadas ao consumo de alimentos de baixa qualidade nutricional estão aumentando.

E, para ele, a indústria que produz os ultraprocessados tem culpa no cartório.

Apesar de o consumo desses alimentos ter aumentado nas últimas décadas no Brasil, seu nível não se compara ao de países como EUA e Inglaterra, onde mais da metade das calorias diárias ingeridas vem de alimentos processados. Mas ainda há tempo de reverter a tendência no Brasil, diz o professor.

“Em outros países as pessoas não cozinham, têm só um micro-ondas e geladeira em casa. Tudo é pronto, o café é instantâneo. Aqui as pessoas se sentam à mesa para comer. A gente ainda não passou do limite em que recuperar a alimentação tradicional significa voltar a ter um fogão em casa”.

Monteiro participa de discussões na ONU, coordenou a elaboração do “Guia alimentar para a população brasileira” e idealizou o Vigitel, sistema que, por meio de contato telefônico, estima os fatores de risco para doenças crônicas presentes no Brasil. Aos 71 anos, apesar do cenário desfavorável que descreve, ele se diz otimista.

“A nossa relação com a comida é algo bonito, intangível, e está mais perto da que franceses e italianos têm do que a dos americanos. Talvez isso explique o sucesso dos programas de culinária.”

Processamento de alimentos
Nos anos 1980 e 1990, o alimento sai do campo para as fábricas. Da soja, tira-se o óleo, do milho e do trigo, o carboidrato; da cana, o açúcar.

Os alimentos ultraprocessados são feitos juntando um ou mais desses elementos com muita tecnologia e aditivos cosméticos, como corantes, saborizantes, texturizantes.

Hoje já são mais de 2000 aditivos aprovados. Eles permitem que você pegue farinha de trigo e açúcar, coloque uma gota de um saborizante de amêndoa e crie um biscoito que parece ter usado 10% de amêndoas na receita. O lucro é enorme.

Uma fábrica dos EUA pode comprar soja do Brasil, milho do México e açúcar da Jamaica pelo preço mais barato, juntar tudo numa fábrica de alta tecnologia usando esses aditivos e produzir uma linha de produtos de baixíssimo custo e que competem com o que chamamos de alimento de verdade, que não passou por uma reengenharia.

O DNA do queijo é o leite; do pão, o trigo. E no alimento ultraprocessado? Você não sabe. Você olha na lista de ingredientes e não consegue nem entender o que tem ali. Milhares de produtos processados são lançados a cada ano: refrigerantes, snacks, doces, miojo, maionese, caldo de carne.

Riscos à saúde
Se você coloca no seu organismo todo dia 15 ou 20 moléculas estranhas, a chance de todas serem ruins para a saúde é pequena, mas a chance de pelo menos uma criar problemas é grande.  Quem contrata os testes de segurança para liberar os aditivos é a própria indústria.

Ela usa modelos experimentais para saber se esses aditivos causam câncer em algumas semanas ou meses, mas há muitas outras doenças que eles podem gerar. Existe uma preocupação toxicológica. Imagina se eles estão avaliando inflamação crônica? Não há segurança nessa questão.

Gigantismo das indústrias
Em vez de dez indústrias, deveria haver 10 mil e uma lei antitruste — a partir de um número determinado de funcionários, a empresa teria de se dividir ou vender uma parte. Antes não havia esse oligopólio. Um problema desse gigantismo é que essas grandes empresas compram até a ONU.

A ONU é subfinanciada, não há recursos suficientes para as atividades. Quando vão fazer um encontro com especialistas, uma empresa paga por tudo, aluga o local. Isso põe em risco a independência.

No futuro os problemas causados pela indústria de alimentos, como aqueles causados pelo aquecimento global, vão ficar mais evidentes. A economia vai sofrer. Essas dez empresas ganham dinheiro, mas e o restante?

Empresas de seguro saúde podem se tornar inviáveis. Outros setores que não lucram com alimentos estão pagando a conta.

Financiamento de pesquisas
A indústria de alimentos não está preocupada em financiar a pesquisa, mas em cooptar o pesquisador. Isso é péssimo.

O fato de existir uma Fapesp aqui no estado de São Paulo, o CNPq, a Finep, e o Ministério da Saúde, que financiam pesquisas, permite que meu grupo de pesquisa [que tem cerca 30 pessoas] tenha só dinheiro público, o que é uma coisa impagável. A gente não existiria sem esse apoio.

Não temos tido tanta dificuldade para obter financiamento. O difícil é obter recursos humanos. Diferentemente das universidades estrangeiras, aqui ou a pessoa é o professor —vitalício— ou estudante.

Não há posições intermediárias, não se pode contratar uma pessoa para atuar num projeto específico, por dois, três anos, nem com dinheiro da Fapesp.

Ricos X pobres
A teoria que formulamos é que os grandes problemas da alimentação no Brasil e em outros lugares do mundo estão ligados ao consumo de muito açúcar, muito sódio, muita gordura saturada, muita gordura trans, pouca proteína, pouca fibra, poucas vitaminas e minerais. E isso está relacionado à quantidade de ultraprocessados que as pessoas consomem.

Hoje, pessoas ricas se alimentam pior do que as mais pobres do ponto de vista do risco de adquirir doenças crônicas. Curiosamente, no Brasil os produtos ultraprocessados ainda são caros. O agricultor ganha muito pouco, vende barato na feira. Em países como os EUA é tudo mais caro.

As pessoas acham que uma pessoa é gorda porque ela come muita fritura e muito doce feito em casa.

Mas quando você olha as estatísticas, essas pessoas não estão comprando mais óleo, mais açúcar… O que entrou no lugar? Biscoito, guloseimas em geral, salgadinhos, refrigerantes, bebidas lácteas, miojo.

Quantidades
Muita gente se convenceu de que o alimento ultraprocessado não é bom, mas acha que não há muito o que fazer e que temos que nos acostumar. Isso implica em aumentar as cadeiras dos aviões e achar remédios melhores para diabetes, como se fosse um novo padrão. Seria algo semelhante à adaptação às mudanças climáticas que já estão por aí.

A ideia não é fazer as pessoas voltarem a plantar seu próprio alimento. A discussão de política pública não é essa. Na América Latina, o consumo de ultraprocessados não é tão alto. Se a pessoa almoça e janta comida de verdade, a ingestão de ultraprocessados não passa de 20%. Mas se ela troca o almoço por fast food e come uma lasanha congelada no jantar, esse valor passa de 50%.

Aqui a gente ainda está no refrigerante, no salgadinho um dia ou no outro. Nos EUA, quase não se acha quem coma menos de 30%.

Marketing da indústria
As multinacionais sabem que é preciso destruir a cultura alimentar para vender o produto deles. E fazem bons truques de marketing. As misturas para bolos, por exemplo, pedem para colocar ovo, um copo de leite… Não precisaria, mas assim a pessoa tem a sensação de que está realmente fazendo o bolo.

A pessoa diz que é mais prático, que não tem que lavar louça… O cara começa a enunciar o que está ganhando, mas se esquece de que alimentação não é como escolher a gasolina do carro pelo preço e pela rapidez do serviço. Alimentação é muito mais do que isso.

OUTRO LADO

Para João Dornellas, presidente executivo da Abia (Associação Brasileira de Indústria de Alimentos), que congrega gigantes como Nestlé, Pepsico, Ambev, Coca-Cola, Unilever, entre outras, não há respaldo científico para a classificação de um alimento como ultraprocessado.

“Um mesmo tipo de alimento pode ser produzido de diferentes formas, assim como variam as receitas culinárias. É possível fazer um salgadinho em casa, do tipo batata chips, com os mesmos ingredientes que a feita pela indústria: batata, óleo e sal. Por que a industrializada seria “ultraprocessada” e a caseira não?

Os aditivos alimentares, explica, são aprovados pelo JECFA, um comitê conjunto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

“Nos primórdios da civilização, os caçadores já salgavam a carne para que ela durasse mais. É o mesmo sódio que hoje é usado pela indústria para diminuir a umidade, que propicia a proliferação de bactérias”, diz Dornellas.

“Os aditivos evoluíram para atender a processos produtivos muito mais complexos, mas isso não os transforma em ingredientes nocivos. Pelo contrário: continuam sendo sistematicamente testados e utilizados para cumprir funções tecnológicas desejadas, tais como conservantes, estabilizantes, gelificantes, espessantes e fermentos químicos.”

Com relação ao aumento de obesidade e de outras doenças crônicas, Dornellas diz que a indústria se vê como parte da solução do problema “no que diz respeito ao papel dos alimentos para a promoção da saúde”. Além de fornecer alimentos de qualidade e saudáveis, diz ele, a indústria está informando melhor os consumidores para que eles consigam de forma consciente equilibrar a dieta de acordo com os alimentos disponíveis.

Entre as iniciativas está a redução de teores de gorduras trans, sódio e açucares em alimentos industrializados. Algumas das vantagens de alimentos processados, diz ele, são a praticidade e a possibilidade de fortificá-los com vitaminas das quais a população necessita ou enriquecê-los com fibras e proteína. Também é possível permitir a adequação a dietas especiais, como as sem lactose ou glúten.

“O alimento industrializado não tem o objetivo de substituir a alimentação tradicional porque faz parte dela. Muitos pratos da culinária brasileira incluem, em sua preparação, ingredientes industrializados. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, comer bem é comer de tudo. As comidas tradicionais ou típicas continuam na mesa dos brasileiros. Isso é uma das riquezas do Brasil, que a indústria reconhece e valoriza”, diz.

Para ele, enxergar a indústria como inimiga da população é um equívoco. O setor emprega 1,6 milhão de pessoas no país e processa quase 60% de tudo que é produzido no campo no país.

 

“Convergência de crises explica deterioração venezuelana” Entrevista com Carolina Pedroso

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Núcleo de Estudos e Análises Internacionais – Marcel Artioli – 02 de maio de 2019

A situação política na Venezuela conheceu forte inflexão nos últimos dias, com uma nova investida da oposição contra o governo de Nicolás Maduro. O autoproclamado presidente Juan Guaidó convocou a população para uma ação destinada a forçar Maduro à renúncia. Houve choques nas ruas, que causaram 1 morto, 95 feridos e 119 pessoas detidas. A tensão cresceu, turbinada por ameaças de golpe de Estado e intervenção militar de outros países. O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, informou ao seu homólogo norte-americano Mike Pompeo que a “interferência dos EUA nos assuntos internos da Venezuela” seria uma violação do direito internacional e pediu diálogo a todas as partes.

Maduro resiste, com o apoio das Forças Armadas. A oposição continua a marcar protestos em todo o país. As ruas estão convulsionadas. Ainda parece distante uma saída negociada para a crise, que se arrasta há meses.

Para analisar os desdobramentos complexos que envolvem a crise venezuelana, o NEAI (Núcleo de Estudos e Análises Internacionais) ouviu a especialista Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e doutora em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP/Unicamp/PUC-SP). 

Marcel Artioli|NEAI: O que está acontecendo na Venezuela?

Carolina Pedroso: A Venezuela vive hoje uma disputa acirrada pelo controle do petróleo, isso porque desde os anos 1970 esse bem é nacionalizado e está fortemente concentrado no Estado. O grupo que estava no poder antes de Chávez, por exemplo, foi responsável por graves escândalos de corrupção envolvendo essa relação promíscua entre Estado e setor petroleiro. Quando Chávez surgiu na cena nacional, uma de suas ações como governante foi justamente retomar o controle cidadão sobre esse recurso. Com a reprodução do chavismo, esse novo bloco no poder caiu na mesma tentação do anterior e também se apossou desse bem [Essa semana saíram várias denúncias de contas no exterior rastreadas pelos Estados Unidos por parte da cúpula chavista que indicam desvios bilionários de dinheiro]. Com isso, é possível verificar o quanto o petróleo é um elemento-chave para se compreender o que está acontecendo.

Ademais da disputa de poder/controle do petróleo, que é o que define a crise política, há uma crise econômica que, por sua vez, desencadeou uma crise social, ambas também relacionadas ao “ouro negro”.

A crise econômica tem suas origens mais remotas nos anos de 1930 a 1940, quando a economia venezuelana se tornou altamente dependente do petróleo, o que fez com que os outros setores produtivos atrofiassem [sobretudo a agricultura – o que pode explicar a situação atual de falta completa de soberania alimentar, ou seja, o país é incapaz de produzir alimentos para o consumo interno e depende inteiramente das importações]. Essa condição é chamada na economia de “Doença Holandesa”.

As condições para a crise atual estão dadas há décadas, o que faz com que todos os governos que vieram a partir de então, especialmente os do Pacto de Punto Fijo (1958-1998), que precederam o chavismo e promoveram um revezamento de dois partidos no poder durante 40 anos, sejam responsáveis pela incapacidade e/ou falta de vontade política de investir em outros aparatos produtivos que não ligados ao setor petroleiro.

A primeira mostra da gravidade da crise econômica atual veio na década de 1980, quando, após o choque do petróleo (de 1973) e a consequente bonança que o país viveu, a crise da dívida externa fez com que a miséria e a inflação se tornassem uma realidade dura e difícil de ser superada.

Isso fez com que o Punto Fijo caíssse em 1998, sendo sucedido pelo chavismo. A promessa de Chávez era reverter a crise social decorrente da crise econômica dos anos 1980, o que, num primeiro momento, foi possível graças a um novo boom do petróleo nos anos 2000. Portanto, é nítido como a flutuação do preço do petróleo determina se o país viverá um período de prosperidade (preços em alta) ou de crise (preços em baixa).

Assim como lá atrás, quando o preço começa a cair em 2013 e despenca em 2015, os benefícios sociais da era Chávez passaram a “derreter” e a crise social que vemos hoje ganha corpo.

Em suma, o que está acontecendo na Venezuela é uma convergência de, pelo menos, três crises: política (pela disputa do controle do petróleo), econômica (relacionada com a estrutura econômica) e social (decorrente da deterioração econômica), que combinadas levam a uma situação de crise migratória.

Marcel Artioli|NEAI: O que está em jogo para o povo venezuelano?  E para o Brasil e a América Latina?

Carolina Pedroso: Para o povo venezuelano, o que está em jogo é sua própria sobrevivência, de maneira mais literal, por conta da deterioração das condições de vida, e mais “simbólica”, porque o “projeto” alternativo [aspas porque ele não é exatamente um projeto bem estruturado] envolve um “entreguismo” dos recursos naturais às forças externas, sobretudo os Estados Unidos de Trump. Quer dizer, se ficar o bicho come e se correr o bicho pega.

Maduro tem sido incapaz de resolver os problemas diários, seja porque não tem competência para isso, seja porque tem lidado com uma situação de restrição externa cada vez mais estranguladora [vide as sanções internacionais]. Por outro lado, em quase duas décadas de chavismo a oposição não foi capaz de consolidar uma base sólida e unificada; seu projeto de país passa basicamente pela entrega do recurso petroleiro para empresas privadas.

Para a América Latina, a crise da Venezuela pode abrir uma situação muito perigosa para a estabilidade regional, porque estamos vivenciando não só uma crise política aguda, que é permeada por graves violações aos Direitos Humanos, mas principalmente por conta do peso geopolítico da Venezuela, que detém as maiores reservas de petróleo do mundo.

Ainda que sejam regiões diferentes e com suas devidas peculiaridades, hoje a América Latina pode estar correndo o risco de se tornar para as potências mundiais (entenda-se aqui sobretudo as que compõem o Conselho de Segurança da ONU com cadeira permanente) o que o Oriente Médio vem sendo nas últimas décadas, em termos de conflitos de interesses geopolíticos, disfarçados de defesa de soberania e Direitos Humanos.

Um dos riscos é que a situação venezuelana descambe para algo semelhante ao que ocorreu na Síria, em termos de guerra civil patrocinada por forças estrangeiras, ou o cenário da Líbia, em que uma convulsão interna levou a uma intervenção militar estrangeira, cujos resultados são ainda mais penosos do que os que haviam antes.

Em resumo, para a América Latina, a crise da Venezuela envolve a possibilidade de nos tornarmos uma região instável no sistema internacional, que desperta o anseio de intervenção por parte das potências mundiais.

Mais especificamente para o Brasil, a crise na Venezuela é um péssimo negócio, inclusive em termos comerciais, pois tínhamos um superávit comercial bastante acentuado na época em que o país vizinho viveu o boom petroleiro, além do que a situação de instabilidade tem repercussões diretas, como a vinda de imigrantes para uma das nossas regiões mais carentes, o norte do país. Isso acaba expondo a nossa incapacidade não só de assisti-los, mas de prover o básico para aquela população local, fazendo com que os venezuelanos se tornem um “bode expiatório”, estimulando um sentimento de xenofobia que não condiz com as nossas origens multiétnicas.

Marcel Artioli|NEAI: Qual a extensão da disputa geopolítica e geoeconômica na crise venezuelana?

Carolina Pedroso: É enorme! Temos que considerar a importância do petróleo venezuelano para a economia norte-americana, pois logisticamente é muito mais interessante importar do país caribenho do que do Oriente Médio. Com isso o lobby do setor energético norte-americano é enorme para que as sanções não atinjam o coração desse comércio bilateral [oque explica porque mesmo em momentos de maior tensão entre Venezuela e Estados Unidos o comércio petroleiro seguiu fluindo, o que só começou a mudar um pouco mais recentemente com Trump]. Porque se temos essa questão de um lado, do outro há também o lobby latino, especialmente na Flórida, que tem ganhado cada vez mais espaço junto ao governo de Trump e que há anos deseja que haja uma intervenção militar estrangeira na Venezuela, para tirar Chávez e agora Maduro do poder. Ou seja, são interesses conflitantes, uma vez que a comunidade venezuelano-americana, em conluio com os cubano-americanos, tem pressionado sistematicamente o Congresso e o Executivo nos Estados Unidos para que aumentem as sanções econômicas e comerciais – o que envolve, portanto, a compra de petróleo venezuelano. Além disso, estimulam o desejo de parte dos Republicanos e dos Democratas em intervir na Venezuela, sob a justificativa de retomar a democracia.

Marcel Artioli|NEAI: E quanto aos demais países?

Além dos Estados Unidos, outras peças importantes nesse xadrez geopolítico são China, Rússia e, em menor medida, Turquia e Índia. Os dois primeiros têm uma relevância óbvia por conta da presença no Conselho de Segurança e porque são parceiros comerciais de peso da Venezuela. A China pagou por mais de 30 anos de petróleo adiantado e quer ter a certeza de que essa compra não vai virar “água”, então ainda não confia na oposição para garantir esses acordos firmados durante o chavismo. Contudo, o pragmatismo chinês, a depender de como as negociações com a oposição estão sendo orientadas, pode fazer com que esse país mude de posição, ainda que isso traga prejuízos para a sua defesa da “não ingerência em assuntos internos”.

A Rússia, por sua vez, é a principal fornecedora de material bélico para a Venezuela, especialmente a partir de 2006, quando os Estados Unidos de Bush impuseram uma sanção comercial nesse setor ao governo venezuelano. Desde então, eles se tornaram parceiros estratégicos e tem realizado exercícios militares em conjunto no Caribe, até como forma de dissuasão de uma possível intervenção americana.

Já a Turquia tem aparecido mais recentemente não só por compor o que se chama de eixo “iliberal” (junto com a Rússia), em oposição aos Estados Unidos na arena internacional, mas também por conta da compra de ouro venezuelano para sua indústria de joias. A Índia, por sua vez, tem se tornado outra importante compradora do petróleo venezuelano, no afã que a Venezuela tem por diminuir a alta dependência que do comércio com os Estados Unidos

Marcel Artioli|NEAI: Por que Maduro perdeu as condições de governabilidade e governança? Qual o peso e o papel das Forças Armadas?

Carolina Pedroso: Maduro talvez nunca tenha tido condições de governar, porque era inexperiente em cargos como esse [sua experiência mais longeva no chavismo tinha sido como chanceler, o que, por sinal, foi bem sucedido à época] e assumiu o poder em um momento conturbado. Ele foi eleito um mês depois da morte de Chávez, do qual era vice na eleição vencida em dezembro de 2012, e se tornou o candidato natural, porém contestado internamente pelo chavismo. Isso porque havia outro nome cogitado para assumir o lugar de Chávez, que era Diosdado Cabello. Diferentemente de Maduro, que tem origens no sindicalismo civil, Cabello foi militar, é altamente nacionalista e truculento no trato com os opositores, foi presidente do parlamento por muitos anos e, portanto, é mais experiente no que tange às negociações políticas internas. Paralelamente à ascensão de Maduro, a economia já dava mostras de debilidade, fazendo com que ele tivesse um duplo desafio: convencer o chavismo de que era capaz da tarefa que lhe fora conferida, apesar da nítida falta de carisma que foi essencial para a permanência de Chávez no poder, e ainda lidar com uma situação econômica cada vez mais alarmante. Mesmo sem um projeto definido, a oposição fez o que melhor soube desenvolver no decorrer do chavismo, que foram ações de boicote e pressão nas ruas. Isso nos leva a 2014, quando os primeiros protestos contra ele tiveram lugar, e foram caracterizados por uma ampla participação popular e por ter expressões mais ou menos pacíficas. Isto é, alguns protestos realmente foram pacíficos e tiveram uma repressão policial desproporcional, porém outros foram bastante violentos e tiveram, portanto,uma resposta à altura. É daí que surgem as primeiras prisões políticas [ou prisões de políticos, se preferir] e os primeiros relatos de torturas nas prisões. Nesse período, Cabello passou a comandar a inteligência da polícia, a SEBIN, e diante da pressão popular deixou a rixa com o Maduro de lado, pois houve o entendimento de que era preciso uma reunificação do chavismo para lidar com uma oposição cada vez mais disposta a atos desestabilizadores.

Por ser militar, Cabello tem mais entrada nas Forças Armadas, que historicamente é o fiel da balança no poder venezuelano. Minha interpretação é que Maduro está refém dessas forças que hoje são lideradas por Cabello [tanto que hoje foi ele quem convocou a população para expressar seu apoio ao regime em frente ao palácio presidencial].

As forças militares ganharam um poder político sem igual durante o madurismo. Nem com Chávez ocuparam tantos postos e cargos estratégicos. Na minha visão, talvez justamente pela sua origem civil (diferente de Chávez e Cabello), Maduro tenha tido que ceder no sentido de colocar os militares para exercer não só as funções que lhe são tradicionais, como o controle das fronteiras [por onde passam muitos produtos contrabandeados, como gasolina, alimentos e remédios], mas também a distribuição de comida e outros bens de primeira necessidade. Isso faz com que os militares tenham acesso privilegiado a tudo aquilo que a população custa a conseguir. Há muitos indícios [até agora, nenhuma prova concreta] de que eles estejam envolvidos também em atividades ilícitas, sobretudo com o tráfico de drogas, armas e pessoas.

Digamos que, para sobreviver politicamente, Maduro depende das Forças Armadas, que hoje são vistas como extremamente corruptas.

Mas, além disso, há outro fator: no primeiro momento de boom petroleiro, nos anos 1970, os militares passaram a ter uma formação muito forte em Ciências Humanas e Sociais [isso porque sobrava tanto dinheiro que o governo investiu em bolsas de estudo no exterior e eles buscavam os cursos “mais fáceis”, que garantissem a aprovação e que não tivessem que devolver o dinheiro ao governo].

Com isso, a Venezuela passou a ter uma estrutura militar bem diferenciada na América Latina, com muitos militares com títulos de mestres e doutores em História, Ciência Política, etc. O pensamento mais crítico, presente nas Ciências Sociais, fez com que boa parte deles tenha total aversão aos Estados Unidos e à possibilidade de entrega dos bens naturais do país aos estrangeiros, o que parece explicar a lealdade da alta cúpula a Maduro, não por estarem contentes com o governo dele, mas por entenderem que sem ele seria pior.

Marcel Artioli|NEAI: Como a crise poderá ser solucionada? Eleições? Guerra Civil? Intervenções? Negociação?

Carolina Pedroso: Todas essas possibilidades estão na mesa, porém me parece que a saída mais sensata, ainda que seja a menos provável, seria pela via do diálogo mediado por atores externos, como as Nações Unidas, o Vaticano e/ou entidades civis, que encaminhem as negociações para uma saída pactuada de ambos os lados, envolvendo uma eleição livre e democrática de novos representantes em todas as esferas possíveis. Embora esse tipo de diálogo já tenha sido tentado anteriormente, a falta de acompanhamento dos compromissos assumidos (que foram sistematicamente desrespeitados pelos dois lados) fez com que as tentativas anteriores fracassassem. Ademais, elas também não envolveram a oposição como um todo, que é composta por distintos setores sociais e políticos, motivo pelo qual sua fragmentação tem sido um empecilho tanto para o objetivo de chegar ao poder, quanto para as negociações com o governo.

Por ora, o cenário que se vislumbra é mais sombrio. Além das questões geopolíticas e dos entraves internos ao diálogo, a falta de uma estrutura regional considerada “neutra”, no sentido de promover uma negociação em um ambiente confiável para todos os lados, explica também as dificuldades para que surja uma saída pacífica e pactuada. Não à toa a debacle venezuelana coincide com o ocaso da UNASUL, plataforma que poderia ter servido a esse propósito se não tivesse sido debilitada a partir do segundo mandato de Dilma Rousseff, até chegar a sua praticamente extinção sob Bolsonaro.

Inflação, Câmbio e concentração de renda na sociedade brasileira

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             Durante muitas décadas a inflação teve um papel devastador na sociedade brasileira, chegando a mais de 2000% ao ano, gerando impactos econômicos, sociais e políticos, concentrando renda e condenando milhões de brasileiros a uma condição de indignidade crescente, pobreza e exclusão social e contribuindo para o surgimento de um grupo considerável de novos ricos e milionários, cujos recursos eram multiplicados num curto período de tempo.

Podemos definir o processo inflacionário como o aumento generalizado de preços na economia, este desequilíbrio de preços acaba gerando graves desajustes nas economias quando percebemos seu crescimento, abalando a credibilidade da economia, concentrando renda e fazendo uma política de Robin Hood às avessas, tirando dos pobres e repassando para os ricos, neste processo, os pobres se degradam mais e os ricos se veem cada vez mais ricos e poderosos.

Os pobres são os mais afetados pelo processo inflacionário, isto acontece porque estes trabalhadores não tem acesso a contas indexadas, seus recursos não possuem seguros em aplicações financeiras, sua renda não consegue se defender do processo inflacionário, com isso, seus recursos são corroídos cotidianamente pelo descontrole de preços, mesmo aqueles que possuem contas em bancos e, teoricamente, teriam instrumentos de defesa contra a corrosão monetária, não possuem informações sobre estes instrumentos de defesa e acabam sucumbindo a perdas consideráveis de suas rendas, sem informação os instrumentos perdem a importância e a efetividade.

Se analisarmos as raízes do processo inflacionário brasileiro, vamos descobrir suas origens no descontrole fiscal e financeiro do Estado Nacional, este desequilíbrio se mostrou mais efetivo no período de industrialização, entre os anos 1930 e 1990, quando o governo tomou a frente deste processo industrializante e construiu as bases da indústria nacional, investindo somas consideráveis de recursos, mobilizando mão de obra, infraestrutura, matéria prima, criando instituições e conseguiu transformar a economia do país, neste período saímos de uma estrutura fortemente centrada na produção agrícola, para uma economia centrada na produção de produtos industrializados, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1980 o Brasil tinha a indústria mais sofisticada dos países em desenvolvimento, mostrando que a estratégia adotada, apesar dos riscos, apresentou um resultado fortemente favorável, nestes trinta anos, o crescimento per capita do país ficou na casa dos 4,5%, um número extraordinário, que garantiu ao país um local no panteão das economias industrializadas. Em contrapartida, depois de 1980, o crescimento do produto interno bruto per capita caiu para algo em torno de 0,9% ao ano, levando a economia brasileira a um processo nítido e bastante evidente de estagnação.

Todos estes investimentos exigiram grandes somas do governo federal, que recorreu a instrumentos clássicos de financiamento, desde os recursos oriundos dos impostos, taxas e contribuições, até a atração de investimentos nacionais e estrangeiros, não sendo suficientes estes recursos, o governo se utilizou da emissão monetária, que ao depreciar a moeda garantia ao Estado Nacional somas consideráreis de recursos mas, desequilibrava o sistema de preço, gerava inflação e hipotecava o país no longo prazo.

Devemos entender a inflação como um conflito distributivo entre grupos que se digladiavam em prol de mais ganhos do orçamento, deste conflito alguns apresentam um poder político e instrumentos econômicos maiores e mais sólidos, garantindo benesses e lucros mais consistentes para seus grupos políticos, em contrapartida, os grupos perdedores desta contenda, perdem partes consideráveis destes recursos, tendo que se contentar com o seu quinhão.

Depois de décadas de crescimento econômico, que colocou o país em uma posição de destaque no cenário internacional, na década de 80, o país se viu em uma situação de graves desequilíbrios financeiros e monetários, inflação desequilibrada e dívida externa crescente, levando o país a uma década de baixo crescimento econômico, período conhecido como década perdida.

            Com a redemocratização, o país passa a buscar instrumentos de estabilização monetária, os altos índices inflacionários e o desequilíbrio no sistema de preços relativos levam a economia a uma década de estagnação, neste momento, o governo inicia o Plano Cruzado, uma política de estabilização centrada no congelamento dos preços, na emissão monetária para honrar a dívida interna, na troca de moedas e na redução da taxa de juros visando um choque de oferta e um aumento no nível de emprego. Estas medidas serviram para aguçar, na sociedade, a urgência de se combater a inflação, condição sine qua non para que o país voltasse a crescer e galgasse uma posição de destaque na comunidade internacional.

Com a incapacidade do plano em conter os desequilíbrios inflacionários, outros planos econômicos foram construídos e arquitetados pelo governo federal, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor, sendo que, todos eles fracassaram em seu intento maior, até que, em 1994, o governo cria o exitoso Plano Real, cujo sucesso catapultou o Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, para o cargo de Presidente da República, e abriu espaço para a abertura de uma agenda econômica que se concentrava na austeridade e em políticas pró-mercado, a esquerda brasileira as chamava de política neoliberal, enquanto a direita as via como muito esquerdista, criticando-as constantemente.

Embora exitoso no combate a inflação, o Plano Real trouxe efeitos colaterais bastante negativos e generalizados, o mais deletério para a economia brasileira no médio e no longo prazo foi a política cambial, neste momento o governo valoriza a moeda nacional visando um aumento da oferta interna de produtos e, com isso, aumentando a competição e garantindo uma redução nos preços e na inflação. Câmbio valorizado auxilia no combate a inflação, mas, ao mesmo tempo, reduz as exportações e compromete um dos setores mais dinâmicos e importantes para a economia do país, o setor exportador, que vê seus rendimentos se reduzirem de forma acelerada, levando-o a colocar seus produtos no mercado interno, gerando uma maior oferta interna e contribuindo para uma redução nos preços.

De outro lado, a política de estabilização gera impactos negativos no setor externo da economia e na balança comercial, obrigando o governo a adotar uma política agressiva de juros elevados que aumentaram a divída interna pública e comprometeram a capacidade de pagamento do setor público, obrigando-o a contenções constantes nos gastos públicos e levando a economia a constantes recessões e desequilíbrios estruturais.

Numa economia fortemente dependente do Estado, todas as vezes que este diminui seus investimentos e seus gastos, os impactos são imensos, preocupantes e generalizados, levando muitos setores a verem seus recursos serem contingenciados, principalmente em áreas sociais, como saúde, educação e segurança pública, cujos indicadores destas áreas se degradaram rapidamente, incrementando uma piora na desigualdade e na exclusão social.

O discurso do governo era de implementação de políticas de estímulo a concorrência e a competição, a adoção de um discurso de abertura econômica e de privatização levou os investidores internacionais a fazerem boas previsões para o Brasil, como o estrategista Jim O’Neil, da Goldman Sachs, que colocou o país no bloco dos grandes, promissores e futuros países desenvolvidos, junto com a Rússia, a China e a Índia, os chamados BRICs.

De outro lado, as condições sociais não eram tão favoráveis, o desemprego crescia de forma acelerada em decorrência da quebra e da reestruturação de empresas nacionais, que não aguentaram a concorrência com similares internacionais, umas acabaram sendo vendidas para grupos estrangeiros e outras iniciaram um forte processo de reestruturação, reduzindo mão de obra e investindo fortemente em máquinas e tecnologias, visando um incremento da produtividade e uma redução dos custos relativos.

Neste ambiente de incremento no desemprego e câmbio valorizado, a inflação se reduz rapidamente, o plano contribuiu para reduzir os preços e estabilizar a economia, mas gerou graves consequências para toda estrutura produtiva, a industrialização se acentuou e a pauta de exportações do país caminha a passos acelerados para uma hegemonia dos produtos agrícolas, piorando os termos de troca da economia brasileira e condenando o país a uma condição de subserviência na sociedade internacional, dominado pelos grandes conglomerados de tecnologia.

O câmbio valorizado, embora tenha contribuído diretamente para a redução do desequilíbrio inflacionário, trouxe graves constrangimentos para a economia brasileira, incrementou as importações e desestimulou as exportações, o país passou a acumular graves desequilíbrios no balanço comercial e, posteriormente, estes desequilíbrios se disseminaram para todo o balanço de pagamentos, levando o país a pedir recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI) para evitar uma situação de possível insolvência do país. A entrada de recursos oriundos do organismo internacional impediu uma possível bancarrota do país, mas acarretou graves constrangimentos para o governo, gerando dificuldades políticas no curto prazo, levando a perda de legitimidade e dificuldades perante a opinião pública.

Delfim Neto definiu o Plano Real como uma pequena jóia, extremamente exitoso no combate a inflação, um plano econômico tecnicamente brilhante que ficou incompleto, faltando um ajuste fiscal mais sólido e consistente, que leve a economia a encontrar seu equilíbrio fiscal e financeiro, sem este equilíbrio macroeconômico muitos problemas voltaram num curto período de tempo.

O Brasil precisa vencer suas ineficiências fiscais, de tempo em tempo o país se volta com problemas de desajustes em suas contas, na atualidade nos encontramos em situação perigosa, onde a Reforma da Previdência é vista como a panaceia do desequilíbrio financeiro do Estado Brasileiro, se resolver as questões fiscais, dificilmente conseguiremos galgar posições saudáveis no longo prazo.

A inflação sempre foi um grande problema para a economia brasileira, no período de alta inflacionária os bancos ganharam grandes somas de recursos com o desequilíbrio dos preços, levando muitos deles a deixar de lado seu papel como intermediador de recursos monetários, seu papel central na economia, e se especializando no ganho com a inflação, levando-os a acumular grandes somas sem fazer os esforços necessários e com riscos reduzidos. Com a queda imediata da inflação, muitas das instituições financeiras que se especializaram no floating inflacionário, deixaram de ganhar com os recursos gerados via inflação e foram obrigadas a competir no mercado, como perderam esta expertise foram facilmente superadas pelas instituições mais eficientes, perderam mercados e foram vendidas para instituições estrangeiras ou fundidas com instituições nacionais maiores, neste momento o setor bancário inicia um processo forte de concentração bancária, onde as mais eficientes adquirem as instituições mais atrasadas e ineficientes.

A inflação é um dos grandes preços da economia, junto com a taxa de câmbio e a taxa de juros, se estes indicadores estiverem em equilíbrio e em consonância com a teoria econômica, o país tem grandes chances de acelerar seu crescimento econômico, nos últimos quarenta anos, o Brasil apresentou graves desajustes nestes preço e, com isso, perdemos grandes oportunidades de desenvolvimento econômico e nos distanciamos dos grupos mais desenvolvidos, encontrar este equilíbrio é uma condição sine qua non para atingirmos o tão esperado desenvolvimento econômico, com melhoria na produtividade e um crescimento no bem-esta social para todos os grupos e camadas da população.

Vencer a inflação foi um grande desafio para a sociedade brasileira, nesta trajetória o país conviveu com ciclos inflacionários crônicos de mais de 2000% ao ano, um desatino macroeconômico que impactou sobre todo o planejamento do país e até sobre o conceito de longo e de curto prazo, levando a população a se concentrar em políticas imediatistas. Nestas condições de desequilíbrios estruturais, a inflação contribuiu, de forma decisiva, para uma intensa desagregação social e uma concentração de renda que colocou o Brasil nas últimas colocações em indicadores sociais, consolidando uma elite predatória, uma classe média medíocre e despolitizada e uma classe pobre subalterna e submissa.

Yascha Mounk: ‘Temo que possa ser o início de uma era populista’

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Cientista político analisa o fenômeno político em novo livro e diz que discurso de Jair Bolsonaro é ‘preocupante’

Entrevista com

Yascha Mounk, cientista político alemão e autor do livro ‘O Povo Contra a Democracia’

Paulo Beraldo e Vitor Marques, O Estado de S.Paulo

28 de abril de 2019

O cientista político e professor da Universidade Johns Hopkins (EUA) Yascha Mounk afirma, em entrevista ao Estado, que o mundo vive hoje uma onda de ascensão de populistas e que “teme” que esse movimento não seja passageiro. Autor do recém-lançado O Povo contra a Democracia (Companhia das Letras), Mounk, que é alemão, alerta que hoje as quatro maiores democracias do mundo são governadas por populistas. Para ele, essa ascensão se baseia em três motivos: descontentamento com a estagnação econômica, medo e incertezas em relação ao futuro e o uso de redes sociais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. definiria populismo e quais as diferenças entre populismo de esquerda e de direita?

O que todos eles dizem é que a única razão real pela qual temos problemas é porque os líderes políticos são corruptos e eu, o populista, represento as pessoas verdadeiras, “o povo de verdade”. Então, o que precisamos para resolver os problemas é que eu assuma o poder e coloque ordem em tudo. Esse elemento é interessante: eles clamam por serem os únicos que representam de verdade as pessoas. Os populistas, seja Jair Bolsonaro ou Hugo Chávez, atacam a liberdade de imprensa, as instituições independentes como as Cortes e tentam mostrar que a oposição é composta por traidores.

Em relação às diferenças, em geral, os de direita dizem que vão obter crescimento econômico com práticas liberais na economia e reduzindo o tamanho do Estado. Já os de esquerda falam que vão cortar privilégios das grandes empresas. Também há diferenças nos grupos de “inimigos específicos” que eles imaginam. Isso varia de país para país.

No prefácio da edição brasileira de seu livro O Povo contra a Democracia, o senhor afirma que Jair Bolsonaro é uma ameaça à democracia. Por quê?

Quando você olha para Jair Bolsonaro, o discurso claramente combina com o de pessoas como Recep Erdogan, da Turquia, ou Viktor Orban, da Hungria. Ele desacredita as instituições democráticas, glorifica um passado de ditadura militar e não aceita como legítimo quem o critica. Isso é muito preocupante. Mas uma boa notícia é que ele não tem o controle total do governo. Ele não tem maioria no Congresso e isso pode reduzir seu poder de uma maneira significativa.

A ascensão do populismo pode perdurar por mais de uma década e se transformar em uma era populista?

Temo que possa ser o início de uma era populista. Primeiro porque os populistas não são mais periféricos. Eles talvez sejam a força política mais dominante no mundo hoje. Quando as pessoas percebem que as promessas (dos populistas) são falsas, que (eles) são tão corruptos ou mais corruptos que os políticos que vieram antes deles, muitas vezes não voltamos a (eleger) um político mais moderado. As pessoas colocam sua esperança na segunda, na terceira geração de populistas.

Por que populistas de direita têm obtido mais vitórias nas urnas do que populistas de esquerda?

Na Europa existe uma divisão real dos países. Há países em que a principal preocupação é a economia ou a imigração. Na Suécia ou na Alemanha, onde a economia está muito bem e a imigração é um problema, a direita é mais forte. Depende da experiência particular desses países e dos medos que as pessoas têm.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, viajou à Europa e se encontrou com líderes de extrema-direita. O senhor vê algum tipo de aproximação entre a direita mundial?

Há definitivamente a ascensão internacional de nacionalistas e populistas da extrema-direita. Eles desdenham de certos grupos minoritários, têm certa impaciência com normas democráticas e instituições e se tornam bastante efetivos ao ajudar uns aos outros e atacar governos de oposição. Mas agora muitos deles (da extrema-direita) estão no governo.

As quatro grandes democracias do mundo (em termos de população) – Índia, Indonésia, Brasil e Estados Unidos – são governadas por populistas. Nos próximos anos, veremos até que ponto eles poderão cooperar quando tiverem de tomar decisões reais, quando o interesse de uma nação possa entrar em conflito com o interesse de outra.

No livro, ao analisar a ascensão de líderes autoritários, o senhor também cita as redes sociais como parte desse processo. Qual o impacto que as redes sociais têm na eleição de populistas?

A mídia social desempenha um papel muito grande. É o que permite a disseminação de vozes radicais, porque os jornais não funcionam mais como mediadores. As mídias sociais também tornaram mais fácil para que partidos e candidatos extremistas encontrem um grande público, se organizem e realizem campanhas políticas. Ao mesmo tempo, tudo isso apenas mobiliza a raiva existente. Por que essa raiva é tão eficaz? Por que é tão profunda? Porque há medos reais, medos de mudanças culturais e frustração econômica.

Redes sociais também disseminam notícias falsas. Como combatê-las sem que sejam tomadas decisões que imponham a censura?

Em muitos países existem tentativas de censura no momento. Isso é um grande erro. Eu não confio em nenhum conjunto específico de indivíduos ou instituições para tomar uma decisão de permitir o que eu sou capaz de ouvir ou não. As pessoas estão mais dispostas a ouvir as teorias da conspiração, mais dispostas a culpar fora do que está errado.

Elas acham que as coisas não estão indo muito bem e então alguém está conspirando contra elas. Uma das coisas que precisamos fazer é mostrar que o sistema tem interesses de trabalhar para elas e mostrar que o futuro será melhor que o passado.

Como a oposição deveria reagir para enfrentar os populistas no poder?

Há algumas coisas que os partidários da democracia liberal têm de fazer para salvar os valores mais fundamentais. A primeira é construir uma ampla coalizão para se opor às pessoas que tentam atacar a democracia liberal. Eles devem proteger um sistema que celebre as diferenças e lutar por seus próprios ideais políticos. A segunda ação é enfrentar qualquer tentativa de concentrar o poder nas mãos de líderes populistas, defender a liberdade de imprensa e garantir que eles (populistas) não possam expandir o Poder Executivo.

Em terceiro, devem formular uma visão de como o país seria se esses partidos estivessem liderando e não Bolsonaro. Para isso, é preciso se reinventar e garantir que as pessoas possam acreditar que a oposição não será corrupta como os governos predecessores.

 

Autoridade do STF depende, em última instância, só dele

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Cortes constitucionais estão sob forte ataque em diversas partes do mundo

Oscar Vilhena Vieira

As cortes constitucionais estão sob forte ataque em muitas partes do mundo. Até mesmo tribunais internacionais, criados a partir da ação voluntária dos Estados, têm sido ameaçados nos últimos tempos.

A ascensão de forças populistas e autocráticas, de direita ou esquerda, toma tribunais dispostos a garantir direitos e a institucionalidade constitucional como alvos preferenciais, tal como ocorreu na Rússia de Putin, África do Sul de Zuma, Venezuela de Chaves, Colômbia de Uribe, Hungria de Orbán ou Turquia de Erdogan.

Assim, a sugestão de que basta um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal, feita por um filho de Bolsonaro, os inúmeros pedidos de impeachment de membros do Tribunal já protocolados no Senado, além de uma sórdida campanha nas redes sociais contra distintos ministros, não chegam a surpreender.

É da natureza do pensamento autocrático se insurgir contra os limites traçados pelo Estado de Direito, assim como em relação às instituições responsáveis pela sua defesa. Não é mera coincidência que tanto Vargas, em 1931, quanto os militares, em 1969, suspenderam as garantias da magistratura e determinaram a aposentadoria compulsória de ministros do Supremo Tribunal Federal do calibre de Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva.

Embora os ataques mais torpes ao Supremo Tribunal Federal possam ser compreendidos como parte do processo de regressão democrática em que imergimos nos últimos anos, é essencial que se busque compreender os fatores institucionais e dinâmicas específicas do caso brasileiro, que deixaram nossa Suprema Corte numa posição de enorme vulnerabilidade.

Do lado institucional, a fragilidade do Supremo decorre, paradoxalmente, dos “tremendos poderes”, tomando emprestado o termo de João Mangabeira, que recebeu da Constituição de 1988.

Dada a ampla desconfiança entre os atores políticos e corporativos que marcou nosso processo de transição, a estratégia que prevaleceu durante a Constituinte foi a de entrincheirar o máximo de direitos, interesses, prerrogativas e privilégios no corpo da Constituição. Ao Supremo Tribunal Federal foi delegado o papel de zelar pelo cumprimento dos compromissos assumidos na Constituição.

Para cumprir essa função de grande guardião do pacto de 1988 foram ampliadas a suas atribuições e fortalecidas as suas prerrogativas. A ele foram conferidas a função de tribunal de recursal de última instância, responsável por decidir centenas de milhares de casos todos os anos sobre os mais distintos assuntos.

Como tudo se tornou matéria constitucional, todo conflito passou a ter o potencial de chegar ao Supremo. O tribunal também recebeu a função de corte constitucional, podendo ser acionado por partidos, governadores, confederações sindicais toda vez que vissem seus interesses derrotados na arena política, tendo, inclusive o poder de anular emendas à Constituição.

Dessa forma passou, na prática, a agir como uma casa revisora do sistema político, podendo eventualmente proferir a última palavra em temas de máxima importância nos campos político, econômico e moral.

Por fim, o Supremo recebeu a função de tribunal de primeira instância para julgar atos políticos e administrativos das mais altas autoridades do país e a responsabilidade de julgar criminalmente a classe política, com assento no Congresso Nacional e na explanada. Dada a alta taxa de criminalidade de nossa classe política, isso se demonstrou uma tarefa espinhosíssima.

Dessa forma, é importante dizer que o Supremo não usurpou poderes políticos. Foram os próprios políticos, desconfiados de sua incapacidade de coordenar suas disputas no campo democrático, que delegaram ao tribunal esse papel “supremocrático”.

O tribunal, no entanto, não deve ficar isento de responsabilidade pelo infortúnio que agora vive. Com o passar dos anos, diversos membros do tribunal foram assumindo uma postura mais ativista, ou seja, passaram a tomar decisões cada vez mais descoladas do texto legal, se afastando da função propriamente jurisdicional (ordenada) para assumir um papel político (ordenador).

No mesmo sentido, por intermédio da doutrina jurisdição objetiva, muitos ministros passaram a decidir sobre questões que não estavam colocadas nos processos, exercendo pro-ativamente uma atividade política.

Essa função ficou reforçada pela capacidade dos ministros de escolher o que querem e quando querem julgar um determinado caso. Dadas a enorme quantidade de casos e a falta de critério ou transparência na formação da agenda do tribunal, os ministros passaram a ter um grande controle sobre a agenda política nacional.

Há um componente, no entanto, que vem contribuindo de forma decisiva para ampliar o esgarçamento da autoridade da corte, que está associado à apropriação de sua jurisdição pelos ministros.

Esse fenômeno começou a chamar a atenção dos analistas em meados dos anos 2000. Na última década houve um crescimento significativo das decisões monocráticas, o que levou Diego Argules e Leandro Ribeiro a forjar o conceito de “ministrocracia”. Esse fenômeno não apenas potencializa a insegurança jurídica como também politiza a jurisdição constitucional e aumenta a vulnerabilidade do tribunal e de cada um de seus membros.

É neste contexto que o imbróglio criado pelos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Morais deve ser analisado. Enquanto determinados setores afetados pela Lava Jato atacam alas do Supremo, grupos hostis ao constitucionalismo democrático estabelecido em 1988, com seu largo programa de progressismo moral e social, buscam destruir sua autoridade para avançar os seus objetivos.

É por isso que os ataques vêm de todos os lados, ora contra ministros que tomam decisões progressistas no campo moral, ora contra ministros que tomam decisões garantistas no campo penal. No caso do inquérito aberto pelo presidente do tribunal para apurar os ataques à corte nas redes sociais, as críticas foram quase unânimes.

Certamente o Supremo Tribunal Federal não será capaz de reestabelecer o equilíbrio do sistema político que emergiu numa nefasta e interminável batalha de poderes nos últimos tempos. Nem é essa a sua função. Ao Supremo, no entanto, cabe o relevantíssimo papel de garantir a Constituição e, assim, dar sua parcela de contribuição para a saúde de nossa democracia.

Por maiores que sejam seus problemas, o Supremo ainda pode desempenhar um papel fundamental para que nosso sistema político readquira sua capacidade de coordenar os seus conflitos e disputas dentro do campo democrático, sem colocar em risco os direitos dos grupos mais vulneráveis.

Para isso é necessário que reforce a sua colegialidade e assuma uma postura cada vez mais técnica, discreta e arraigadamente apegada ao que foi estabelecido pela lei. É importante lembrar que a autoridade do Supremo depende, em última instância, apenas dele.

Oscar Vilhena Vieira é professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP; autor de “A Batalha dos Poderes”

Proposta de esvaziamento das humanas é equivocada e fere a Constituição Federal

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Proposta de esvaziamento das humanas é equivocada e fere a Constituição Federal

Universidades brasileiras têm autonomia didática garantida e regulamentada por lei de 1996

Sabine Righetti Nina Stocco Ranieri

SÃO PAULO

A proposta de redução de investimentos do MEC em sociologia e em filosofia para priorizar áreas como engenharias e veterinária mostra, de novo, que o governo parece desconhecer as leis e a realidade do ensino superior brasileiro.

As universidades brasileiras têm autonomia didática garantida pela Constituição de 1988 e regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996. De acordo com o marco legal, a decisão sobre criação, expansão, modificação e extinção de cursos de graduação no Brasil é prerrogativa exclusiva das universidades.

Isso significa que legalmente não cabe ao MEC decidir quais graduações devem receber mais ou menos recursos e nem o que deve ser extinto. Isso já havia sido discutido em 2018 no caso da oferta de uma disciplina sobre o “golpe de 2016” na UnB.

O governo erra se a proposta de esvaziar sociologia e filosofia for, de fato, redução de custos. Esses cursos têm operação relativamente barata se comparados às ciências da saúde, por exemplo, que muitas vezes têm laboratórios requintados e equipamentos importados que podem valer alguns milhões.

Sociologia e filosofia precisam de bons professores, salas de aula e bibliotecas.

Se acha que as humanas têm mais gente do que o país precisa, o governo também está equivocado. De acordo com dados do próprio MEC, apenas 0,6% dos ingressantes no ensino superior se matricularam em sociologia ou filosofia em 2017. Foram pouco mais de 10 mil alunos entrando nessas duas carreiras naquele ano —cursos de direito receberam 215,6 mil novos alunos no mesmo ano.

A quantidade de alunos em filosofia e em sociologia é tão baixa no Brasil que, neste ano, os dois cursos ficarão de fora da avaliação de carreiras do RUF – Ranking Universitário Folha. O RUF olha para as 40 carreiras com maior demanda no país de acordo com dados do último Censo da Educação Superior disponível (no caso, de 2017). Moda e zootecnia passaram sociologia e filosofia em número de ingressantes e, por isso, entrarão na avaliação no RUF 2019.

A LDB exige o ensino de filosofia e sociologia na educação básica. Sem os cursos das universidades públicas, como preencher os cargos de professor nas escolas? Além disso, fixar o número de vagas em qualquer curso, de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio, também é prerrogativa da autonomia universitária.

O Brasil tem problemas sociais gravíssimos. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de pessoas mortas de forma violenta no país é semelhante ao de regiões em guerra. No caso das mulheres, a situação é mais grave.

Como a Folha mostrou recentemente, ao menos 119 mulheres foram mortas no Brasil em janeiro deste ano por causa de seu gênero —o que é chamado de feminicídio. Há uma média de 164 casos de estupros por dia no país. Somos o país que mais mata a população LGBT no mundo, de acordo com a ONG Transgender Europe (TGEU).

São justamente os sociólogos e profissionais de áreas correlatas que precisam estudar, entender e propor soluções para esses fenômenos –e as universidades públicas não podem deixar de responder a essas necessidades sociais. Erra o governo ao achar que essas áreas não geram “retorno imediato ao contribuinte”, como afirmou Jair Bolsonaro (PSL) em redes sociais.

O governo pode priorizar áreas em políticas públicas específicas. Caso do Ciências sem Fronteiras, programa de intercâmbio carro-chefe da gestão Dilma Rousseff (PT) —tão criticada pelo atual governo. O programa enviou de 2011 a 2017 cerca de 100 mil alunos de graduação e pós-graduação para universidades estrangeiras em áreas sobretudo de engenharias e ciências da saúde. As humanas ficaram de fora.

O governo não pode, no entanto, anunciar intervenções nas universidades que, além de inconstitucionais e ilegais, não têm embasamento em dados, em estudos e nenhuma proposta clara.

Cabe ao MEC assegurar, anualmente, recursos para a manutenção e o desenvolvimento das instituições de educação superior federais, como determina a lei, sem qualquer condicionamento. E, no mínimo, manter diálogo com as universidades —o que não vem fazendo.

Sabine é pesquisadora-docente da Unicamp e coordenadora acadêmica do RUF; Nina é coordenadora da Cátedra Unesco de direito à Educação da FDUSP