Era dos robôs está chegando e vai eliminar milhões de empregos

1

Mercado de trabalho nunca mais será o mesmo com indústria 4.0, escreve professor de economia da USP

Paulo Feldmann – Folha de São Paulo, 29/07/2018

Professor de economia chama a atenção para os avanços tecnológicos que alteram de modo radical as perspectivas do mercado de trabalho. Empregos serão extintos em diversos setores, em um processo que afeta todas as classes.

Em breve um robô vai lhe entregar a pizza de domingo. Talvez seu condomínio não exija que você desça até a portaria para apanhá-la, pois não vão suspeitar que possa ser um assalto. Na Alemanha, esse serviço já está funcionando —e a pizzaria é uma rede que atua no Brasil.

Mas isso é pouco: logo essa pizza será resultado de um processo totalmente automatizado. Se você acha que esse cenário pertence à ficção, ou que vai demorar muitos anos até ele se tornar realidade, pesquise sobre a americana Zume Pizza. Situada no Vale do Silício, a casa entrega comida feita por robôs. E o pior é que os consumidores da Califórnia têm adorado a novidade.

Pior por quê? Porque é enorme a quantidade de empregos que será eliminada. Alguns poderão afirmar que esses postos de trabalho demandam baixa qualificação e que o importante é aumentar a produtividade ——no caso, a das pizzarias.

O argumento perde metade de sua força quando se sabe que, na mesma Califórnia da pizza robotizada, quem se envolve em problemas de trânsito não depende mais de advogados para apresentar recursos. Um dos maiores fabricantes de computadores criou um robô, baseado em inteligência artificial, capaz de elaborar petições para quem quiser recorrer de uma multa, por exemplo. O interessado não precisa dar um único telefonema, nem para o despachante, nem para o defensor.

Exemplos como esses se reproduzem em todos os setores da economia mundial. Eles ilustram um processo novo e muito importante: as empresas se automatizam cada vez mais, com softwares poderosos e inteligência artificial, de tal modo que se expandem empregando número muito menor de trabalhadores.

É o que os americanos chamam de “jobless growth”, crescimento sem empregos. Há muitos anos se previa que isso poderia acontecer —e agora a previsão virou realidade. Diante desse cenário, como a humanidade vai reagir?

Rebeliões contra a mecanização ou a automação dos processos produtivos não são inéditas. Quando o arado passou a ser utilizado na agricultura e muitos trabalhadores perderam seus empregos, foi grande a oposição ao novo instrumento. Na Inglaterra do século 19, os ludistas destruíam os teares em sua revolta contra a substituição da mão de obra humana pelas máquinas. Nos Estados Unidos do século 20, Henry Ford foi considerado um grande inimigo dos manobristas de charretes.

A tecnologia, contudo, sempre venceu. Por um lado, pois aumentava a produtividade da economia como um todo; por outro, e não se pode ignorar este fator, porque só afetava empregos de baixa qualificação.

Aí está a diferença desta vez: agora os empregos de alta qualificação também são afetados —e muito. O mesmo robô que faz as vezes de advogado consegue ler mil tomografias por hora; os médicos que avaliaram seus diagnósticos e resultados concluíram que estavam certos em 99% das ocasiões. Ou seja, uma das profissões mais valorizadas e intelectualizadas hoje em dia está sob ameaça. Em suma, a classe média está saindo do paraíso.

Wolfgang Streeck entra fundo nesse tema em seu livro “How Will Capitalism End?” (como o capitalismo vai terminar?), editado pela Verso e lançado em 2016. Para o autor, a inteligência artificial e a robotização vão fazer com a classe média o que a mecanização fez com a classe trabalhadora nos séculos 19 e 20. Ele afirma que os únicos beneficiados serão os donos dos robôs.

Para o autor, a inteligência artificial e a robotização vão fazer com a classe média o que a mecanização fez com a classe trabalhadora nos séculos 19 e 20. Ele afirma que os únicos beneficiados serão os donos dos robôs.

Assim como foi chamado de mecanização o processo de substituição da mão de obra menos qualificada por máquinas, que se desenrolou no final do século 19 e durante praticamente todo o século 20, Streeck cunhou o termo “eletronização” para denominar essa nova fase, na qual computadores e robôs passam a ser dotados de competência para criar e desenvolver tarefas cognitivas simplificadas, além de tomar algumas decisões. No século 21, a eletronização deve afetar a maior parte das atividades profissionais.

A maior parte, mas não todas. Ao que tudo indica, algumas profissões nos extremos estão a salvo.

Estudos mostram que pessoas em funções no topo da pirâmide, que em geral demandam criatividade e capacidade de solucionar problemas, não têm o que temer. As máquinas ainda não conseguem desempenhar tais tarefas com a mesma eficácia. Estão nessa categoria certos ramos da engenharia e das ciências, por exemplo.

Algo semelhante se passa na outra ponta. Trabalhadores manuais sem qualificação nenhuma, como faxineiros ou pedreiros, tampouco serão afetados —não porque a tecnologia não os tenha alcançado, mas por não valer a pena economicamente.

Entre os extremos, as funções mais sujeitas a serem eliminadas são as que exigem repetição. Importa pouco que seja uma atividade fabril ou de serviços, que envolva operários ou profissionais liberais. A questão é: quanto mais rotineira for uma profissão, maior a chance de ela desaparecer —mesmo que demande algum brilho cognitivo.

Um dos livros mais importantes sobre o tema é “Rise of The Robots: Technology and Threat of a Jobless Future” (ascensão dos robôs: tecnologia e a ameaça de um futuro sem emprego), de 2015. Seu autor, Martin Ford, também sustenta que há uma grande diferença entre o que aconteceu no passado e o que vai acontecer agora.

Antigamente, diz Ford, quando um setor se modernizava e com isso eliminava empregos, restava ao trabalhador se mudar para outra atividade econômica. Hoje, contudo, esse caminho não é uma opção sempre válida, pois inúmeros setores estão se modernizando ao mesmo tempo. Ou seja, trata-se agora de fugir das atividades rotineiras e repetitivas e procurar abrigo naquelas que exijam habilidades (ainda) não dominadas pelos robôs.

Questões tributárias e regulatórias podem retardar a utilização desses equipamentos no Brasil, mas nem por isso os brasileiros deveriam estar menos preocupados. Na medida em que o avanço tecnológico e os ganhos de escala tornarem a produção de robôs mais barata, multinacionais tenderão a repensar suas estratégias. Se hoje companhias dos países mais desenvolvidos instalam-se em nações menos avançadas a fim de aproveitar a mão de obra barata, talvez em breve elas considerem mais vantajoso manter uma fábrica quase 100% automatizada em território americano ou europeu.

Muita gente acha que as empresas norte-americanas que operavam na Ásia e no México estão voltando aos Estados Unidos por causa dos pedidos de Donald Trump. Ledo engano. A nova tendência corporativa, que já vem sendo adotada por muitas multinacionais, beneficia-se dos avanços tecnológicos, aqui incluído também outro equipamento revolucionário —as chamadas impressoras 3D, ou impressoras aditivas. Com elas, tornou-se possível fabricar peças e componentes nos próprios locais onde eles são necessários.

Ou seja, um dos princípios básicos da globalização —o uso de cadeias de valores espalhadas pelo mundo— pode estar em xeque. Montadores de automóveis, por exemplo, recorrem à dispersão geográfica da produção, fabricando cada parte ou peça dos veículos na região ou país que ofereça as maiores vantagens competitivas. Isso deixará de existir. Graças às impressoras 3D, esses componentes poderão ser feitos onde se situa a matriz da empresa.

Não surpreende, assim, que toda essa parafernália tecnológica venha sendo chamada por muitos de indústria 4.0, ou que a renovação que ela possibilita seja classificada como a quarta Revolução Industrial. Robôs, inteligência artificial e impressoras 3D são apenas uma parte desse fenômeno, que inclui ainda a internet das coisas (IoT), a computação na nuvem, a nanotecnologia etc.

Todos esses avanços destinam-se a aumentar a produtividade das fábricas; nenhum leva em conta a possibilidade de preservar empregos.

Economistas têm procurado calcular o tamanho do impacto da revolução em curso. Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos e ex-presidente da Universidade Harvard, chama a atenção para uma grande diferença entre a automatização de agora e aquela promovida nos anos 1960 e 1970 (ele fez uma síntese interessante num painel de 2015, “The future of work”, o futuro do trabalho).

Naquelas décadas, a intensa modernização da maioria dos setores afetou 5% dos empregos. Desta vez, segundo cálculos de Summers, as novas tecnologias sacrificarão algo entre 15% e 20% dos postos de trabalho.

São estimavas modestas se comparadas com as dos economistas Michael Osborne e Carl Frey, ambos da Universidade Oxford, no Reino Unido. Em um célebre estudo de 2013, eles afirmaram que, até 2030, cerca de 45% dos empregos americanos poderão ser eliminados (“The future of employment: How susceptible are jobs to computerisation?”, o futuro do emprego: quão suscetíveis à informatização são os empregos?).

Uma das variáveis dessa equação é o espantoso barateamento dos preços de robôs, softwares de inteligência artificial e outros equipamentos de alta tecnologia. Há dez anos, muitos desses dispositivos eram impensáveis para companhias médias ou mesmo grandes; hoje, até pequenas empresas conseguem comprá-los.

Outra variável é a frustração das expectativas quanto à substituição dos empregos. Imaginava-se que a sociedade pós-industrial geraria ocupações em novos setores, sobretudo ligados à área de serviços, para absorver os trabalhadores deslocados da indústria. Essa perspectiva foi descartada; os equipamentos de ponta são mais utilizados justamente no setor de serviços, onde mais se estão eliminando funções.

Ao mesmo tempo, as ocupações criadas como decorrência dessas tecnologias são em quantidade diminuta. Estudo de 2017 feito no Canadá mostra que, na hipótese mais otimista, os novos empregos não chegam a 4% do total de postos de trabalho existentes naquele país (“Future Shock? – The Impact of Automation on Canada’s Labour Market”, choque futuro – o impacto da automação no mercado de trabalho do Canadá, de Matthias Oschinski e Rosalie Wyonch).

Sem contar que é praticamente impossível prever hoje quais empregos vão surgir nos próximos 40 anos. Para exemplificar, Joel Mokyr, um renomado professor de história da economia na Universidade Northwestern (EUA), afirmou em entrevista à revista The Economist que há 40 anos ninguém teria adivinhado que profissões como projetista de videogame ou especialista em cybersegurança seriam importantes.

Mas uma coisa é certa: é muito pequena a probabilidade de que surjam novas atividades e profissões nas quais a presença de seres humanos seja imprescindível. Robôs e equipamentos de automação mostram-se cada vez mais sofisticados, aptos a desempenhar mais e mais funções. Ou seja, não se deve apostar que a criação de postos de trabalho não previstos poderá resolver o problema do desemprego.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem 194 milhões de pessoas desempregadas no mundo, quase um Brasil inteiro. O que poderá acontecer com as taxas de desemprego nos próximos anos? Como a tendência implicada pela automação é certa e irreversível, a geração de empregos vai cair. Não se sabe para qual patamar, mas será uma situação dramática —e a sociedade precisa agir.

A situação embute um paradoxo. Por um lado, a solução deveria envolver as grandes empresas, principalmente as que mais estão se beneficiando das novas tecnologias. Assim como questões de ética concorrencial e proteção do meio ambiente, a preservação de postos de trabalho precisa entrar na pauta da responsabilidade social corporativa. Além disso, se, por hipótese, todas as companhias dispensarem seus empregados ou a maior parte deles, não haverá mercado consumidor.

Por outro, essas companhias não podem abrir mão da automação; ganhar produtividade é crucial para quem quer se manter vivo num mercado competitivo. Como consequência, investem em robôs, inteligência artificial, drones etc., contribuindo para o desemprego.

Uma das maiores dificuldades está na própria teoria econômica, que ainda não avançou o suficiente para perceber que nem sempre o mercado resolve tudo: se deixarmos para o mercado, vamos assistir ao crescimento cada vez maior das empresas gigantes, o que significará menos emprego e menos consumidores.

Por que as empresas gigantes? Porque só vence uma competição acirradíssima quem tem capacidade de fazer investimentos em robôs cada vez mais poderosos. Com isso, as já muito grandes se tornam ainda mais produtivas e acabam adquirindo ou eliminando concorrentes menores, num processo de oligopolização em curso nos mais diversos setores, mas sobretudo onde há maior demanda por tecnologia de ponta.

O problema vem sendo pensado e discutido à exaustão em alguns países, com destaque para Alemanha, França e Itália. A recomendação mais importante é a de que haja redução na jornada de trabalho. Na França e na Itália, a jornada semanal já é de 34 horas, contra 40 no Brasil.

Embora a medida tenha sido bem-sucedida no início, ainda nas décadas de 1980 e 1990, após alguns anos se percebe que ela só será efetiva se for adotada por todos países. É que, com as facilidades da globalização —e com as novas possibilidades oferecidas pelas tecnologias de ponta—, as empresas que querem aumentar sua produtividade simplesmente evitam lugares onde a jornada de trabalhado tenha sido reduzida.

De qualquer forma, a própria OIT prioriza essa iniciativa, e a frase “trabalhar menos para que todos trabalhem” virou um lema muito utilizado na Europa.

Outra medida bastante polêmica vem sendo alardeada por sindicatos britânicos: eles defendem uma atuação conjunta de governos, empresários e organizações de trabalhadores para estabelecer um imposto sobre ganhos de produtividade decorrentes do uso de robôs ou outras tecnologias de automação.

A alíquota do tributo seria diferenciada por segmentos da economia. Assim, sobre o setor bancário, incidiria uma taxa maior do que sobre a construção civil, pois neste último os impactos da automação são menores. Esses impostos, além disso, teriam destinação específica, qual seja, a criação de empregos públicos nas áreas de educação e saúde.

Como sempre, os países mais avançados nessa discussão são os escandinavos. Por lá, predomina a ideia de introduzir um programa de renda mínima nacional. Todo cidadão receberia um valor mensal que lhe garantiria a subsistência, independentemente de ele estar ou não trabalhando. O pressuposto por traz desse tipo de ação é que o desemprego vai crescer de forma assustadora nos próximos anos e toda a sociedade precisa estar protegida.

Nesse debate, há ainda a considerar as questões filosóficas suscitadas pelas novas tecnologias. Computadores e robôs sabem ler textos e fazer cálculos há bastante tempo, mas só recentemente passaram a enxergar, ouvir e falar. Devido ao avanço da inteligência artificial, também passaram a ter… inteligência. A humanidade deveria se preocupar com esse fato, na linha do que sugerem filmes como “O Exterminador do Futuro” e “Matrix”?

Existem diversos grupos de cientistas, futurólogos e filósofos que especulam cenários apocalípticos. Vernor Vinge é um deles. Respeitado professor de matemática e computação da Universidade de San Diego na Califórnia, escreveu livros de ficção sobre a era em que os computadores e robôs serão equivalentes aos seres humanos —como “The Children of The Sky” (as crianças do céu) e “Rainbows End” (o fim do arco-íris). Para ele, isso deve começar a acontecer em menos de 15 anos e será a maior mudança no planeta após o surgimento da vida humana.

O recém-falecido cientista Stephen Hawking era um dos estudiosos da inteligência artificial que mais se preocupavam com as consequências negativas dessa tecnologia. Ele chegou a antever o fim da raça humana como decorrência do poder incontrolável que as máquinas passarão a deter.

A mesma posição vem sendo manifestada pelo visionário Elon Musk, fundador da Tesla (uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo) e da SpaceX, empresa que pretende pôr um homem em Marte nos próximos dez anos. Musk defende a criação de uma espécie de órgão regulador com a função de prevenir situações futuras em que equipamentos dotados de inteligência artificial poderiam ameaçar a sobrevivência de humanos.

Quanto a isso, assim como em relação à ameaça do crescimento sem empregos, a situação também termina em paradoxo. Uma empresa ou um país que resolver frear o desenvolvimento tecnológico para evitar uma catástrofe —tanto quanto para evitar a extinção de postos de trabalho— acabará perdendo competitividade nacional e internacional.

Como consequência, essa empresa ou esse país se verá às voltas com o desemprego (fruto da diminuição da fatia de mercado decorrente da menor competitividade) e não terá interrompido a escalada tecnológica de outras empresas ou outros países.

Apesar de todos estes aspectos assustadores, o que há de pior para um país é não discutir o assunto. E é justamente isso o que acontece no Brasil, mesmo neste ano eleitoral.

Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP,

Professor visitante da Pécs University (Hungria) e autor do livro “Robô: Ruim com ele, pior sem ele”.

Obsessão espiritual e desajustes emocionais na sociedade contemporânea

0

A sociedade contemporânea nos impõe inúmeros desafios e oportunidades, dentre eles destacamos a influência de espíritos descritos popularmente como obsessores que, buscam constantemente, desviar as pessoas de sua vida normal, gerando constrangimentos variados e desestruturando sua caminhada, seus projetos, seus comportamentos, seus hábitos e costumes do cotidiano.

Todos estamos sujeitos a algum tipo de influência destes irmãos sofredores, uns os atraem com mais facilidades enquanto outros conseguem se estruturar e dificultam a chegada destes espíritos mas, no cotidiano, todos estamos em condições destes ataques feitos por irmãos que, por um ou por outro motivo, querem nos causar graves distúrbios ou constrangimentos, sendo que a influência de alguns pode levar o indivíduo a cometer crimes dos mais terríveis possível, alguns chegam ao suicídio, que se intensificam com grande rapidez na sociedade.

Muitas são as causas destes desequilíbrios em uma sociedade em forte transformação, a competição crescente em todas as regiões do mundo, a busca por emprego e colocação profissional além de capacitações e qualificações constantes acabam gerando, nas pessoas, vários eixos de desajustes emocionais, além disso, podemos citar as decepções amorosas e os relacionamentos frustrados que destroem sentimentos e levam pessoas as depressões e crises emocionais, com graves constrangimentos na vida material e no mundo espiritual.

Gostaria de destacar, que temos três tipos de obsessão segundo a lógica espírita: as de encarnados para encarnados, as de desencarnados para desencarnados e as de encarnados para desencarnados, todas elas geram graves constrangimentos aos atores envolvidos neste processo, acumulando traumas, dores e desequilíbrios generalizados, neste artigo vamos enfatizar a última, a de encarnados para desencarnados ou vice versa.

Outro ponto que devemos destacar é que, segundo a Doutrina dos Espíritos, no Livro dos Médiuns (capítulo XXIII) podemos dividir os processos obsessivos em: obsessão simples, fascinação, subjugação e possessão. Na obsessão simples, o obsediado tem consciência da interferência de um espírito enganador, e este, por sua vez, não se disfarça, não esconde suas intenções e desejos. Na fascinação, as consequências são mais graves, é uma influência, sutil e pertinaz, traiçoeira e quase imperceptível, que Espíritos vingativos exercem sobre os indivíduos.  A subjugação é um envolvimento que produz a paralisação da vontade da vítima, controlando a vontade e o levando a tomar decisões absurdas e comprometedoras.  A última delas é a possessão, nela acontece a imantação do espírito a determinada pessoa, dominando-a física ou moralmente.

Vivemos em uma sociedade doente, todas as estruturas estão degradadas e em fortes transformações, as pessoas vivem correndo atrás de trabalhos e ocupações no cotidiano, se matam para ganhar mais dinheiro e melhorar sua posição social, nesta luta constante do cotidiano acabam destruindo sua saúde física e precisam gastar tudo que conquistaram para reencontrar com a saúde, além disso, esta correria acaba gerando fortes desequilíbrios emocionais, segundo estudiosos temos hoje, na sociedade contemporânea, mais de 350 milhões de pessoas sofrendo com as dores da depressão, o número pode ser maior e mais perigoso, destacamos ainda o incremento assustador dos suicídios, morrem hoje no mundo uma pessoa a cada 40 segundos vitimadas pelo suicídio, gerando desajustes, preocupações e desesperanças generalizadas, o mundo sofre de problemas patológicos terríveis, são as contradições do capitalismo contemporâneo, de um lado as riquezas crescem de forma acelerada e de outra, a pobreza, a miséria e a indigência aumentam de uma forma jamais vista na sociedade.

Uma das marcas da Doutrina Espírita é o estudo sistemático da obsessão, que pode ser descrita como um processo em que uma pessoa influencia outra, muitas vezes levando-o a fazer coisas que, muitas vezes, não faria se estivesse em condições normais. O estudo nos leva a compreender muitos dos motivos que levam pessoas a tentar prejudicar outros indivíduos via obsessão, neste terreno encontramos espíritos que se refugiam na imaterialidade para prejudicar seus inimigos ou adversários, usando métodos reprováveis para causar constrangimentos aos encarnados, atrapalhando, gerando discórdia, violência e  desagregação.

Destacamos ainda, espíritos que, no mundo espiritual, são destacados para obsediar pessoas que nunca viram, são espíritos infelizes que “ganham a vida” destruindo outros que nem conhecem, fazem isto em troca de ganhos imateriais e para desfrutar de prazeres sensoriais, gerando uma leva de pessoas que se prestam a este tipo de serviço em troca de benesses e prazeres imaginários.

A Doutrina Espírita nos mostra que estes irmãos que se comprazem com a obsessão devem ser descritos como irmãos necessitados, precisam de auxílio, de esclarecimento, gastam seu tempo com atividades desnecessárias e sentem prazer com gestos ou atitudes depreciativas, para auxiliá-los fazem-se necessário um misto de oração, conversa e conscientização.

Nas reuniões mediúnicas temos a oportunidade de conversar com estes irmãos, descobrir os motivos que os levam a tomar esta atitude insana, entender sua história, seus sentimentos e desejos, nesta conversa conseguimos mostrar a estes irmãos como a vingança, o ódio e o ressentimento desgastam os relacionamentos e geram vínculos cada vez maiores entre obsessor e obsidiado.

Muitas das conversas são marcadas por palavras rudes e agressivas, estes irmãos percebem suas dificuldades e limitações e passam a atacar verbalmente, blasfemar e ameaçar, criando sérios constrangimentos para todos os integrantes da conversação, tentam mostrar que são poderosos, mas se esquecem que o poder emana de Deus, somente ele pode nos proteger e nos dar o auxílio, todos que trabalham para Jesus e se comportam a contento recebem a proteção dos trabalhadores da seara do bem.

Encontramos nestas reuniões irmãos sofredores que, muitas vezes, querem deixar este mundo de vinganças e ressentimentos, são espíritos infelizes que querem largar os trabalhos de obsessão mas não sabem como devem se comportar, tem medo de seus algozes, sentem-se inseguros e, com isso, continuam a obsediar e aumentam sua dependência, criando uma dependência daqueles que os pagam para fazer o trabalho sujo, mal sabem eles que num determinado momento serão obrigados a responder por isso pois as leis são inexoráveis e implacáveis.

A Doutrina Espírita nos mostra que, durante muitos anos, uma grande quantidade de pessoas sofreram traumas e sofrimentos generalizados, muitos foram internados em manicômio, foram torturados, sofreram até sessões de choques elétricos que acabaram gerando os mais intensos constrangimentos físicos e espirituais, o conhecimento das questões espirituais nos descortina um novo mundo e uma nova sociedade, abrindo espaços para novos estudos, desafios e oportunidades.

Os trabalhos mediúnicos são instrumentos centrais e fundamentais para diminuir os desajustes criados pelos irmãos obsessores, este encontro nos ajuda a conversar com estes irmãos que são trazidos para as reuniões pelos amigos espirituais, que se desdobram para nos auxiliar e nos proteger dos ataques e embates com os irmãos obsessores, a diminuição deste espaço gera graves constrangimentos para a comunidade, pois os obsessores conseguem gerar desequilíbrios constantes em várias famílias, levando pessoas variadas ao suicídio ou ao manicômio, passando por humilhações imensas além de serem “tratados” como loucos e desequilibrados.

Outro ponto a se destacar é que, em séculos passados, muitos eram os relatos de pessoas que viviam em sítios e fazendas no meio rural, que viam imagens esquisitas, vultos e espíritos, além de ouvirem vozes e chamamentos estranhos, gerando medos e intensas preocupações, eram espíritos querendo se comunicar, muitos deles assustados com os fenômenos que sentiam e buscavam explicações de encarnados, o surgimento dos Centros Espíritas contribuiu para que estes irmãos desencarnados buscassem o apoio necessário nas reuniões mediúnicas, sendo esclarecidos e conscientizados de sua condição no mundo espiritual.

Os irmãos obsessores são mestres nos trabalhos de perseguição, atuam com tanta competência que se aproximam das pessoas que querem obsediar, estudam os comportamentos, os hábitos e os costumes destas pessoas, tudo com o intuito de descobrir os pontos de desequilíbrios e fragilidades, tanto os morais como os emocionais, diante disso, atuam para desequilibrar e muitos deles até se esforçam para levá-los à morte, depois disso, os tornam escravos, humilhando-os, maltratando-os e os agredindo constantemente.

Todos temos momentos de desequilíbrios no cotidiano, histórias de vida com complicações, mágoas e rancores em relacionamentos anteriores, traumas e complexos variados, medos e ressentimentos, diante disso, faz-se fundamental um reequilíbrio constante de atitudes e comportamentos, o estudo crítico e reflexivo de nossos desequilíbrios emocionais e espirituais, e uma busca intensa por melhorias significativas nos ajudam a criar uma proteção contra os ataques de espíritos infelizes, ou melhor, de espíritos que no momento se comprazem com a maldade, com o desajuste e com os prazeres materiais do cotidiano, mas que num futuro se conscientizaram de suas atitudes e vão se estruturar para angariar melhorias espirituais significativas.

É importante destacar ainda, que os obsessores só atuam porque conseguem espaço para atuação, se as pessoas conseguissem compreender suas dificuldades e suas dores mais íntimas e lutassem intensamente para reverter tais dificuldades, não abririam campo de atuação para os obsessores, somos totalmente ativos no momento da obsessão, não existem vítimas nesta história, somos todos culpados pelas dificuldades que vivenciamos no dia a dia, nossas atitudes geram a atração ou a repulsa destes irmãos obsessores, vigilância constante e transformação interior são os instrumentos mais efetivos de defesa e proteção contra a atuação destes irmãos.

As casas espíritas na maioria das vezes pouco se dedicam aos trabalhos mediúnicos, a maioria das casas se dedicam aos estudos, aos passes e as palestras públicas, os médiuns de incorporação, muitas vezes, relutam em trabalhar em sessões mediúnicas, alegando que muitos espíritos causam severos constrangimentos no momento da comunicação, escolhem o púlpito e as palestras, os estudos e os passes e se esquecem de atuar mais diretamente na mediunidade ostensiva, nas comunicações diretas e nas conversações do cotidiano com estes irmãos sofredores.

Outro ponto a se destacar é que o Espiritismo é reencarnacionista, estamos em constantes mudanças de planos espirituais, um momento estamos encarnados e no outro estamos vinculados ao mundo espiritual, desta forma podemos compreender que o auxílio é fundamental, hoje estamos auxiliando nossos irmãos desencarnados e depois seremos atendidos e auxiliados por outros irmãos em condições melhores, o intercâmbio é fundamental, a troca de experiência é rica e enriquece a vida de todos, a reencarnação nos mostra que todos estamos em constante evolução, o auxílio mútuo é uma lei verdadeira e universal.

Quando a Doutrina Espírita nos informa que devemos manter uma vida de responsabilidade e respeito para com todas as pessoas e semelhantes, enfatizando que devemos evitar mágoas, rancores e constrangimentos no cotidiano, e que o melhor a fazer é nos confraternizar com todos, indistintamente, não acumular mágoas, não criar constrangimentos e perseguições futuras, pois sabemos que o mundo não termina neste mundo físico, e que nos reencontraremos muito brevemente.

A obsessão é um fenômeno complexo e extremamente atual, todos somos vítimas potenciais deste flagelo que destrói os indivíduos, as famílias e geram desequilíbrios intensos e generalizados, a grande maioria das pessoas desconhece a existência da vida após a morte, muitos acreditam que a morte nos levará a uma condição de sono eterno aguardando o juízo final, desconhecem a existência do mundo espiritual e das verdadeiras leis que embalam o mundo, estas leis são perfeitas e estamos todos vinculados a elas,  fugir delas é impossível, estudá-las e compreendê-las é tarefa fundamental para cada pessoa que, quando desencarnar, não gostaria de ter nenhuma surpresa assustadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As várias encruzilhadas de uma sociedade em constantes transformações

0

Nossos últimos anos foram de grande apreensão, medos e escândalos políticos, com seus impactos econômicos gerando uma sociedade apática, assustada e, cada vez mais descontentes, com os rumos que o país está tomando e as perspectivas para os próximos anos, enquanto a sociedade mundial se prepara para mais uma crise econômica e financeira com resultados preocupantes e assustadores para os países da periferia, o Brasil ainda se encontra num turbilhão de mediocridade que nos gera uma desesperança intensa e contagiante.

Neste momento de campanha eleitorais, encontramos candidatos cheios de “boas intenções” fazendo discursos acalorados e sendo cortejados por variados setores da sociedade, desde industriais passando por sindicatos, encontramos inúmeros militares querendo comandar os rumos políticos do país, ambientalistas temerosos de uma crise ecológica, empresários descritos como esclarecidos, sindicalistas assustados com as mudanças no mundo do trabalho, intelectuais gastando seus recursos para tentar compreender para onde o país está se dirigindo e quais as perspectivas para os próximos anos.

O país vive um momento de grandes medos, as eleições se aproximam e todos sabemos da importância do voto embora, uma parcela relevante da população preferisse abrir mão de votar, pois acredita que seu voto não vai alterar nada nas condições de um país que vive mergulhado em uma situação econômica letárgica, onde as classes mais favorecidas lucram valores absurdos com a exploração da dívida pública e os mais pobres vegetam na indigência, na mendicância e na obscuridade, uma situação próxima do caos generalizado.

Os grupos empresariais, cansados de financiar a classe politica optam por uma nova estratégia e se embrenham de cara na eleição como candidatos a cargos públicos, os setores mais tradicionais da classe política se voltam para conseguir sua reeleição, continuando como representantes dos grupos sociais que sempre  representaram e ampliando suas bases de poder em suas comunidades, enquanto isso, as camadas mais pobres se voltam para seus problemas cotidianos, tais com: trabalho, contas, estudos, violências, instabilidades, medos e religião.

Vivemos uma fase de apreensão com a modernidade contemporânea, os modelos de família tradicional estão sendo destruídos e os indivíduos se assustam com a nova configuração nascente, em vez do modelo anterior encontramos variadas formas de família, com seus desafios, oportunidades e novas configurações, as mulheres ganhando mais importância e se empoderando e os homens diminuindo sua importância, perdendo status quo e centralidade, as famílias patriarcais perdem espaço para um novo modelo, mais democrático, dinâmico e condizente com a situação atual do mundo.

Diante destes desafios, esperamos a construção de uma sociedade mais aberta e dinâmica, onde os desajustes se reduzam e as oportunidades entre os indivíduos aumentem, abrindo novas chances para todos aqueles que almejarem novas carreiras e são dotados de grandes talentos como atores, dançarinos, escritores e atletas, além de novas oportunidades para todos aqueles que sonham com as carreiras tradicionais, como médicos, professores, advogados, economistas, engenheiros, agrônomos e administradores.

A educação deve acompanhar esta mudança, o mundo da tecnologia prescinde de pessoas que entendam de máquinas, equipamentos e novas tecnologias mas precisam ainda de homens e mulheres que saibam dominar os conhecimentos mais íntimos que trazemos dentro de nossa intimidade, se nos dedicarmos apenas ao mundo digital vamos, cada vez mais, nos tornarmos seres frios, calculistas, dotados de grandes conhecimentos em algoritmos, de cálculos e finanças e vamos nos perder nos sentimentos, na ansiedade, nos medos, na obesidade, na depressão e na desesperança generalizada.

A sociedade moderna precisa construir indivíduos mais equilibrados, mas para isso, precisamos falar de valores para nossas crianças, estamos deixando a televisão educar nossas filhos e estamos nos esquecendo de nossos deveres enquanto pais, sabemos que este desafio, na sociedade contemporânea, é bastante complexo e desafiador, mas só vamos conseguir construir uma nova sociedade se nos debruçarmos na construção de um homem novo, mais sensível, mais equilibrado, mais decente e honesto com relação a seus sentimentos e consciente de suas responsabilidades imediatas.

No Brasil atual estamos mergulhados em um imediatismo assustador, nossos projetos estão sempre sendo reduzidos ao agora, a educação se baseia em ideais utilitaristas, as profissões exigem dos profissionais formação complexa e integral, se recusando ao treinamento e a maturação do tempo, querem um profissional pronto e disponível durante as 24 horas por dia para o trabalho e o pior, querem que estes aceitam uma baixa remuneração e com poucas perspectivas de ascensão dentro da empresa ou organização.

As empresas brasileiras reclamam do governo, reclamam da classe política, se acreditam ética e moralmente responsáveis, sonegam impostos, fazem pagamentos suspeitos, corrompem fornecedores e, mesmo assim, acreditam ter uma forma de sucesso para tirar o país da crise, julgam necessário um pulso maior dos governantes, alguns defendem o retorno dos militares ao poder, como muitos fizeram nos anos sessenta e depois se assustaram com o monstro que criaram, o país se perde em pensamentos imediatistas e sonhos ridículos, um curso intensivo de história do país poderia auxiliar muitas pessoas a entenderem melhor nossa nação, nossos desafios, nossas heranças e as nossas perspectivas, somos um país novo, marcado por privilégios de poucos grupos sociais, adoramos louvar o que vem de foram e nos esquecemos de compreender a riqueza que temos em nosso interior, somos uma sociedade bastante paradoxal, somos ricos, complexos e bastante interessantes, mesmo tendo graves problemas e contradições fundamentais.

Somos descritos, por muitos, como um povo pacato e ordeiro, um país de veia empreendedora, os executivos e os jornalistas internacionais quando aqui residem se encantam com as facetas inovadoras da sociedade e dos trabalhadores, somos um povo criativo e com espírito empreendedor, embora tenhamos alguns traços obscuros que não queremos demonstrar em público, somos agressivos e nos odiamos em muitos momentos, em períodos de fúria nos matamos e lutamos defendendo ideias, teses e pensamentos conservadores, pouco respeitamos as minorias e adoramos retratá-los de forma depreciativa, somos um país paradoxal, nada temos de santinhos e muitos temos de diabinhos, somos na verdade seres humanos longe da perfeição que um dia almejamos ser.

Neste momento de indefinição, muitos acreditam que um salvador está a caminho, como filhos de portugueses estamos eternamente esperando Dom Sebastião, embora nosso futuro líder tenha se ausentado no final do século XVI, acreditamos que muito brevemente ele deve retornar para salvar o país da destruição em curso, se acreditamos em salvadores da pátria devemos esperar sentados, porque se ficarmos em pé vamos ter problemas físicos generalizados.

Nossas escolhas em outubro tendem a definir quais os rumos que queremos para nosso país, se estamos querendo abrir mão da liberdade acreditando que precisamos mesmo de segurança e pulso firme devemos pegar um caminho que se desnuda muito claramente, a grande indagação é saber, se estes que prometem uma sociedade mais segura tem mesmo a condição necessária de nos entregar o que nos propõem nas eleições, esta é uma pergunta que deve ser feita por todos nós antes de votarmos nas próximas eleições.

Outros propõem medidas mais suaves e reformas mais tranquilas, acreditam ou dizem acreditar, que precisamos de reforma na estrutura da sociedade, as chamadas reformas estruturais, e estas serão feitas ao seu tempo, nada de forma radical e no afogadilho, onde todos os grupos serão chamados a dar suas contribuições, uns mais do que outros, mas todos serão abordados e terão a oportunidade de colaborar, a grande pergunta que fica é: porque que, quando este grupo estava no poder não fizeram estas mudanças e, ao contrário, porque estando no poder se venderam aos grandes grupos econômicos do país em troca de uma governabilidade que levou a economia do país a ruína, com graves reflexos sobre as condições sociais da população.

Temos outros que se dizem modernos e trazem para a campanha os vermes mais antigos e traiçoeiros da política tradicional, pessoas acostumadas ao poder que fazem da política uma atividade profissional, se locupletando dos recursos e do poder do Estado, será que estes grupos terão condições de fazer as reformas que pregam se estão aliados e trazem a tiracolo o que há de mais atrasado, corrupto e mesquinho da política tradicional?

Neste ambiente encontramos mais dúvidas e preocupações, nossas capacidades de escolhas são limitadas, os candidatos que se colocam não representam os anseios da sociedade, as mudanças propaladas pela globalização e pelas novas configurações de poder da sociedade atual, está distante de chegar a política local, pouco renovamos da classe política e pagamos um alto preço por esta incapacidade de atrair pessoas capacitadas e honestas para este ambiente, a renovação tanto pedida nos parece distante e acreditamos que todo o sistema foi construído para não ter esta renovação, muito pelo contrário, este modelo foi construído para ter a perpetuação dos mesmos grupos dominantes, todos os novos que teimam em entrar são dissuadidos a abandonar ou são atraídos para este ambiente de pobreza moral e interesses mesquinhos, onde poucos dominam os rumos da sociedade, que aceitam sem reclamar e pouco compreendem sua força e importância estratégicas.

Os debates são momentos interessantes e oportunos para escolher seus candidatos para cargos do executivo, embora saibamos que muitas coisas são feitas para alavancar algumas candidaturas, o melhor dos instrumentos em momentos de eleição e propagandas políticas é o estudo sistemático da vida, das obras, das votações, das falas e dos pensamentos de seu escolhido, somente assim podemos nos desiludir menos no momento atual, sempre tendo a convicção de que o salvador da pátria não existe, nosso voto não vai mudar o país individualmente mas vai nos levar a conhecer um pouco mais os meandros da política, suas falhas e omissões mas, acima de tudo entender que, apesar dos equívocos da política, ela é uma das formas mais claras e clássicas de fazermos o bem e auxiliarmos os grupos menos favorecidos e os setores que vivem privações primárias.

Depois de uma eleição presidencial marcada por achaques, estelionatos e mentiras generalizadas, onde a ganhadora deixou de lado seu programa econômico e passou a adotar o discurso de seu maior rival, onde a presidente e candidata a reeleição faz um discurso de que a situação do país era favorável, enquanto todos os comentaristas econômicos destacavam um ambiente bastante diferente que a leva, ao se reeleger, a adotar de uma política fortemente restritiva, marcada por um ajuste fiscal rigoroso que conta com a nomeação de um economista liberal para o Ministério da Fazenda, tudo isto leva a política brasileira a perder sua credibilidade, onde as classes sociais, principalmente as mais frágeis financeiramente, são as mais afetadas e sentem na pele os custos do ajuste, aumentando o desemprego e reduzindo a renda, depauperando os grupos que anteriormente tinha acumulado ganhos econômicos consistentes.

São vários os desafios em curso na sociedade brasileira, alguns antigos que como não foram equacionados, se tornam cada vez mais prementes e exigem uma política consertada entre os grupos econômicos e políticos dominantes e outros desafios, mais modernos e que exigem uma nova consciência da sociedade e das classes políticas, estes nos parecem maiores, isto porque os grupos que dominam o Estado sabem que, ao encarar estes desafios estará abrindo espaços para o surgimentos de novos grupos sociais que, muitas vezes vão disputar a hegemonia social nos próximos anos, o Brasil tem, diante de si, obstáculos e desafios que podem definir os rumos de sua sociedade no século XXI, desafios imensos e fortemente complexos para uma sociedade que ainda não conseguiu se transformar, efetivamente, em uma sociedade sofisticada e emancipadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

V

“A doença do Brasil é o ódio de classe”

0

Jessé Souza, Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e professor da UFABC, Jessé Souza, 58 anos, é um dos mais polêmicos intelectuais brasileiros da atualidade.

Seu último livro, “A Elite do Atraso — da escravidão à Lava Jato” (Editora Leya), tem se mantido no topo das listas dos mais vendidos há oito meses. Nele, o autor defende que o problema principal do Brasil não é a corrupção no Estado, mas a desigualdade, herança direta da escravidão.

O livro é também uma resposta crítica ao clássico “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, e ao conceito de homem cordial — o brasileiro patrimonialista que não vê distinção entre o público e o privado.

Para Souza, o patrimonialismo é um problema secundário. “Mais de 50% dos brasileiros exercem atividades semi-qualificadas. E essas classes populares são odiadas e desprezadas, como os escravos eram”, disse Souza nesta entrevista à ISTOÉ.

Depois de relançar “Subcidadania Brasileira: para entender o País além do jeitinho brasileiro”, de 2003, o autor agora se debruça sobre os conflitos e privilégios da classe média, tema de seu próximo livro, “O espelho da classe média brasileira” (Editora Sextante), previsto para outubro.

Por Vicente Vilardaga – 17/08/2018

O Brasil vive hoje uma crise profunda. Ela tem uma causa específica?

A característica dessa crise tem a ver com o fato de o Brasil até hoje não ter conseguido incluir a maior parte da sua população nas benesses do mundo moderno. O problema é a desigualdade. Obviamente esse é o grande ponto. E tem uma mentira aí: a que diz que a grande questão que impede que o Brasil seja uma nação desenvolvida e rica, como as nações europeias ou a norte-americana, é a corrupção do Estado. Essa é a principal mentira. Isso foi construído por ideias, por intelectuais, aqui em São Paulo, desde a década de 1930, quando a elite local ficou sem o poder político. Essa elite já era a mais forte, era proprietária das indústrias, das fazendas de café — a semente do que hoje seria o agronegócio. Sem poder político, essa elite precisava criminalizar e estigmatizar o Estado, sobre o qual havia perdido o controle.

Mas o brasileiro não é, de um modo geral, patrimonialista, sempre misturando o público e o privado?

É claro que essa história de patrimonialismo tem um grão de verdade. O grão de verdade é que se rouba no Estado também, ainda que este roubo seja a gorjeta dos donos do mercado. Mas todo o resto é mentira e essas abstrações jurídicas do privado e do público não explicam coisa alguma. A gente está montando uma concepção vira-lata sobre o nosso próprio povo, agindo contra nós mesmos. Olha como nossos políticos são corruptos, então vamos logo entregar a Petrobras de mão beijada para as petroleiras europeias e americanas porque os estrangeiros são honestos. Basicamente a coisa funciona assim.

Então a corrupção não é nosso problema principal?

A corrupção no Estado nunca foi o nosso problema principal. É claro que existe, é claro que se rouba no Estado. Mas se você compara a merreca que a Lava-Jato diz ter recuperado para os cofres públicos com o que realmente se rouba no mercado, é ridículo. Cinco anos passando um scanner na corrupção da Petrobras e você recupera menos do que a empresa pagou de multa para os americanos. As isenções fiscais para latifundiários somam dezenas de bilhões todos os anos. Para os bancos ainda mais. Sem contar a dívida pública, Selic etc. A corrupção feita pela elite de proprietários, pelo agronegócio e pelos bancos e grandes empresas é mil vezes maior, é um milhão de vezes maior do que o roubo do aviãozinho do tráfico, que é como eu chamo o roubo do político.

“A elite do atraso” afirma que a Lava Jato é um embuste. Por quê?

Embuste total. Porque ela serve exatamente para esse tipo de coisa, para denunciar esse roubo da política para tornar invisível o grande assalto do mercado e dos bancos. Por exemplo, quando o Palocci quis falar dos crimes do mercado financeiro, isso não interessa, não interessa ao mercado.Mas os crimes do mercado financeiro são os mais importantes. Isso explica que os bancos tenham os maiores lucros de sua história, com um juro de 6,5% ao ano e o país na maior miséria.

Existe a ideia de que o país sairá melhor da Lava Jato, com uma diminuição da corrupção sistêmica.

Eu não vejo nenhum aspecto positivo na Lava Jato. Inclusive, a maior parte das pessoas, mesmo de esquerda, via de modo ambivalente a Lava Jato, achava que aquilo poderia ter algum aspecto positivo, até porque a esquerda também é dominada por essa coisa do patrimonialismo. Eu não concordo. A corrupção sistêmica está no mercado financeiro.

A esquerda perdeu o atributo da honestidade?

Eu vejo de outro modo. Eu acho que o monopólio da honestidade ninguém tem. É um negócio absurdo achar que porque é de esquerda você tem o monopólio da virtude. Esse é um negócio idiota. O problema é que o tema da corrupção entre nós e agora na América Latina vira uma histeria. A Alemanha ou os Estados Unidos combatem a corrupção de modo cotidiano, sóbrio, é um crime como outro qualquer.

A escravidão persiste no Brasil?

Ela persiste de novas formas. Ela persiste no sentido de que você tem aqui uma multidão, mais de 50% da população brasileira, exercendo atividade semiqualificada. É trabalho manual, é trabalho sem grande incorporação de conhecimento, exatamente como o trabalho escravo. Essas classes populares são odiadas e desprezadas, como os escravos eram. Você pode matar um pobre no Brasil, que não acontece nada. A polícia mata com requintes de crueldade e ninguém se comove porque os pobres são percebidos de modo desumanizado, como os escravos eram. A escravidão perpassa o núcleo da sociedade brasileira. E boa parte da classe média tem preconceitos de senhor de escravo e da elite com relação a esse povo. O que eu tento mostrar é como essa escravidão se torna a base e o centro de tudo que a gente está vivendo hoje. Nós somos filhos da escravidão, isso nunca foi percebido. É como se fosse uma coisa que aconteceu há muito tempo e não tenha mais nada a ver hoje. É o contrário. A escravidão continua. Para mim, essa desigualdade doente de hoje vem da escravidão.

A desigualdade é que cria o subcidadão brasileiro?

O Brasil é um país doente, patologicamente doente pelo ódio de classe. Isso é o mais característico do Brasil: o ódio patológico ao pobre. É a doença que nós temos. A gente nunca assumiu a autocrítica de que somos filhos da escravidão, com todas as doenças que a escravidão traz: a desigualdade, a humilhação, o prazer sádico na humilhação diante dos mais frágeis, o esquecimento e o abandono da maior parte da população. Esse é o grande problema brasileiro. O resto é bobagem.

O complexo de vira-lata é uma dessas bobagens?

Essa história de vira-lata está ligada ao tema da corrupção como sendo a questão mais importante, obviamente. Quem é o vira-lata? É o brasileiro que supostamente herda de Portugal o “vírus cultural” da corrupção, como se fosse uma singularidade nossa e que se imagina, portanto, como inferior em relação aos europeus e americanos tidos como “honestos”. Esse é o “vira-latismo” brasileiro montado pela elite e pelos intelectuais cooptados por ela. Foi dito aos brasileiros que eles são marcados desde o berço pela corrupção. Imagina uma loucura dessas. Claro que você ouviu isso desde os cinco anos na escola, o seu pai contou isso e aí você acredita nessa bobagem. Isso tem a ver com o tema da corrupção só no Estado, claro. Para você montar esse tema da corrupção e aí criminalizar o Estado e a política, quando interessar ao mercado e seus donos. Esse é o ponto. É para isso que a história de vira-lata serve.

E qual é a posição da classe média nessa história?

A classe média é a classe do privilégio. Qual é o privilégio da classe média? O capitalismo tem dois grandes capitais. O dinheiro, obviamente, o capital econômico. E o conhecimento. Não tem nada no capitalismo que se faça sem conhecimento, tão importante como o dinheiro. A produtividade do capitalismo depende do conhecimento, da ciência, da tecnologia. Para exercer qualquer função no Estado ou no mercado você precisa ter conhecimento incorporado. O que explicita a gênese da desigualdade é a reprodução de privilégios, desde a família. A reprodução de privilégios que é feita na classe alta, ou seja, na elite de proprietários, é a reprodução da sua propriedade por amizades, casamentos e relações pessoais. Na classe média você reproduz outro privilégio, que é o conhecimento valorizado, mais invisível que o dinheiro, o qual exige disciplina, capacidade de concentração e pensamento abstrato, que são pré-condições recebidas pelo indivíduo da classe média. É o que as classes populares não têm. Para ter o conhecimento valorizado você precisa também que seu pai tenha algum dinheiro para pagar um colégio bom e para você não precisar trabalhar. Entre nós, as classes populares começam a trabalhar com 12 ou 13 anos.

O brasileiro se coloca numa posição de inferioridade?

Existe um racismo e o racismo não é só a cor da pele. O que é o racismo? É você separar a humanidade em humanos e sub-humanos. É essa operação que faz o racismo. A gente só vê a questão da cor da pele porque é a mais visível. Mas você tem as culturas que são tidas como superiores, como humanas, e as das classes populares, vistas como sub-humanas.

“A elite do atraso” foi tema do enredo da escola de samba Paraíso do Tuiuti. O que você achou da utilização de seu livro para a realização de um desfile de Carnaval?

Fiquei muito contente. Foi uma das minhas maiores alegrias como pesquisador. É claro que outros autores também eram a base do desfile, mas eram autores que só tocavam no período da escravidão. O desfile teve dois passos, duas épocas, a escravidão como um fato histórico e depois como a escravidão vem persistindo até hoje. E como fato histórico ele cita vários autores. Mas o único livro que trata de como a escravidão vem até hoje era o meu. E obviamente isso me deixou muito contente, muito orgulhoso, porque isso é um sonho de todo intelectual engajado como eu.

Você parece fazer uma espécie de sociologia da fúria. Concorda com essa ideia?

Eu concordo, claro. A raiva é a minha energia, mas o que eu fiz foi transformar essa raiva em indignação. Não é uma raiva de você sair por aí batendo nas pessoas, mas é a indignação de um discurso e de uma intelectualidade que sempre serviu aos interesses dos poderosos. Não se trata de usar o seu conhecimento como o rico usa o dinheiro, como enfeite. O interesse é muito maior do que isso. Conhecimento é uma arma extremamente importante. O conhecimento, para mim, é uma arma política. Ele permite chacoalhar, dizer certas coisas para que as pessoas possam se proteger melhor e não ficarem tão indefesas.

 

 

Violência, criminalidade e desgoverno no Brasil contemporâneo

0

O Brasil novamente se encontro nas proximidades de mais uma eleição presidencial, desde a campanha de 2014, marcada por inúmeros contratempos e reviravoltas, o país está novamente no momento da escolha de seu novo presidente para o período 2019-2022, uma escolha difícil e marcada por inúmeras possibilidades assustadoras e perigosas, o grande problema desta eleição é que estamos mergulhados em uma das maiores crises políticas dos últimos anos e as perspectivas de melhoras passam pela eleição de um novo governo comprometido com a resolução dos problemas nacionais e com a construção de um novo modelo de sociedade.

Desde 2015 a economia brasileira vem desidratando de uma forma jamais vista, foram dois anos de quedas contínuas no Produto Interno Bruto, redução nos investimentos, queda no emprego, diminuição nos salários e na renda dos trabalhadores, com isso, os indicadores sociais pioraram de forma pouco vista, com quase 13 milhões de desempregados e milhões de trabalhadores subempregados ou na economia informal, a situação econômica do país está em franca deterioração, com impactos generalizados para todas as classes sociais mas degradando com mais intensidade os grupos mais vulneráveis que sem emprego perdem as perspectivas de sobrevivência digna e honrada.

Os dados recentes sobre violência, divulgados pelo IBGE,  são assustadores, somente no ano passado foram assassinados no Brasil mais de 63 mil pessoas, algo em torno de sete assassinatos por hora, estes números são mais agressivos do que os números de países em guerras ou em confrontos separatistas, são números que mostram todas as facetas de uma sociedade onde o contrato social não mais consegue estruturar e equilibrar todos os anseios da sociedade, com isso, os grupos corporativistas se fortalecem para defender seus interesses imediatos em detrimento dos interesses da sociedade de uma forma geral.

Na semana passada os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se concederam um aumento salarial de 16% que será repassado a todas as categorias do judiciário, com isso, os grupos que mais faturam vão incrementar seus contra cheques e o Poder Judiciário vai, novamente, estourar o teto dos gastos dos poderes da República, onerando as contas públicas e aumentando os problemas fiscais do país, mas isso pouco importa, o que vale mesmo são mais recursos para meu bolso e mais privilégios para a minha carreira.

Neste país que se degrada de forma acelerada, vemos o crescimento do crime organizado, o Primeiro Comando da Capital (PCC) se espalha para outros estados da federação e se estrutura para se disseminar por outros países, levando um modelo moderno de gestão e de recrutamento de membros, um verdadeiro case de sucesso para o empresário e o  empreendedor brasileiro, cada membro do grupo paga uma mensalidade de quase um salário mínimo em troca de segurança, proteção e novas oportunidades dentro da organização, um plano de carreira de fazer inveja a muitas instituições nacionais consideradas de sucesso.

                Com a recessão, o aumento da violência e da criminalidade, o recrutamento dos membros do PCC se torna mais rápido e fácil, inúmeros jovens e presidiários são atraídos para o grupo todos os dias, os batismos são marcados por juras e promessas de fidelidade que, ao não ser efetivadas, os infiéis são condenados a morte e ao desaparecimento num tribunal do crime implacável e agressivo, a Lei é inexorável, pecou a pena é a morte e não se tem mais como interpor novos recursos.

O mercado de trabalho no país se encontra devastado, a crise econômica, herança de uma política econômica voluntarista, detonou as perspectivas positivas criadas pelo governo Lula e condenou o país a uma situação de indigência econômica e degradação política, o país convive com uma classe política que pouco representa a população, a sociedade civil pulsa por mudanças, novos grupos surgem para debater ideias e conceitos até então deixados ao relento, o país vive um momento de grandes transformações e da desesperança podemos construir uma nova organização social, onde os grupos mais aquinhoados possam compreender que seus benesses econômicos e suas vantagens políticas não mais se sustentam em um país quebrado e uma sociedade marcada por grandes desigualdades que, numa situação extrema, comprometem a sobrevivência da sociedade e de todos os grupos sociais e políticos.

A corrupção se espalhou pela sociedade como o fogo se espalha com o estímulo da pólvora, esta corrupção que não é obra de nenhum partido político em especial, abrange todos os grupos políticos, como caixa dois de campanha ou como verbas não contabilizadas, os desvios aumentam e crescem enormemente, quando as construtoras estavam no centro do Brasil Grande, os corruptores eram os empreiteiros, quando estes perderam força com a diminuição das obras públicas nos anos 90, os empresários das comunicações ou das telecomunicações ganharam espaço e substituíram as grandes empresas da construção civil da atualidade, com o incremento das obras públicas, os empreiteiros voltam a tona para aumentar seus benesses em detrimento dos outros setores da sociedade.

Em pesquisa recente para a construção de um livro sobre corrupção intitulado “Dinheiro, Eleições e Poder”, o economista Bruno Carazza, destaca que, em seus estudos sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Anões do Orçamento, no começo dos anos 90, inúmeros nomes de políticos listados e investigados no esquema de corrupção, foram também investigados nas investigação em curso da Lava Jato, ou seja, um esquema recorrente que pouco pune, desacredita a Justiça e os tribunais superiores e contribuem para a perpetuação da impunidade.

A violência em curso na sociedade brasileira destrói as perspectivas para os próximos anos, as mortes de adolescentes batem recordes constantemente, nas favelas e morros cariocas aqueles que conseguem sobreviver devem ser vistos, efetivamente, como sobreviventes de uma guerra não declarada oficialmente mas intensa e cotidiana, famílias choram a morte de seus filhos todos os dias, os casos se repetem de forma avassaladora, dentre os que tombam nesta guerra sangrenta e desigual, os negros e pobres são as maiores vítimas deste genocídio cometido pelo Estado diretamente ou pelos grupos de destruição criados e mantidos por ex-policiais, as chamadas milícias, e pelos traficantes que se engalfinham no morro, atirando e destruindo vidas como se fossem coisas normais e corriqueiras da paisagem urbana das grandes cidades.

Segundo pesquisas a composição do Congresso Nacional brasileira é a mais conservadora desde o golpe de 1964, dentre os grupos conservadores mais fortes destacamos as bancadas religiosas, as bancadas dos ruralistas e dos militares, a chamada bancada da bala, estes parlamentares estão divididos em uma estrutura eleitoral que abriga 35 partidos políticos, uns partidos de aluguel, criados e mantidos para angariar o fundo partidário que, neste ano, vai distribuir mais de 1,7 bilhão de reais, dinheiro este que seria suficiente para melhorar os péssimos indicadores da educação fundamental do país que, ano após ano, perde espaço na prova internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o exame de PISA.

A violência está tão crescente na sociedade brasileira, que os crimes contra as mulheres dispararam, a intolerância, os medos e os desequilíbrios estão levando os homens a crimes degradantes com requinte de violência, matam da forma mais vil e violenta possível, destroem suas vidas em decorrência do empoderamento das mulheres e da dificuldade de lidar com a separação e as frustrações do término de um relacionamento, cometem crimes e degradam toda as relações familiares e sociais num claro exemplos de como estão os relacionamentos na sociedade líquida, descrita com maestria pelo grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

O Brasil precisa, na atualidade, de inúmeras mudanças estruturais, desde as tão faladas reformas na previdência, tributária e fiscal mas também uma grande reforma política que elimine estes desperdícios crescentes que vivemos e convivemos em nosso cotidiano, precisamos reformar nossas prisões transformando os detentos em trabalhadores que pagam para o Estado, um exemplo interessante existe no país no estado de Santa Catarina e deve ser seguido por outros estados da federação, precisamos melhorar nossas escolas e transformar o conhecimento em algo encantador, chega de levarmos a pecha de país do futuro e nos mantermos na ignorância e na indigência. É importante destacar ainda que, pela primeira vez, o país coloca na cadeia pessoas que ocuparam cargos de responsabilidade na hierarquia do Estado, desde um ex-presidente da república, um ex-presidente da Câmara dos Deputados, além de senadores, deputados federais e estaduais, além de ministros e empresários, falta ainda, avançar sobre as cúpulas do Judiciário e do setor financeiro, estes setores são de suma importância para a sociedade e dificilmente estarão imunes a degradação que toma conta da sociedade brasileira.

Os grupos sociais mais aquinhoados pagam fortunas para deixar seus filhos e descendentes em escolas caríssimas, gastam verdadeiras fortunas para educar seus rebentos, mal sabem que os modelos educacionais trabalhados nestas escolas foram criados e adaptados por pesquisadores e pedagogos considerados progressistas no campo educacional, desde Paulo Freire passando por Jean Piaget e Maria Montessori, ou seja, a elite paga fortuna para que seus filhos estudem em colégios caros para desenvolver a liderança, o espírito empreendedor, criatividade, autonomia, etc.   enquanto propõem ao Estado que concentre a educação pública em modelos militarizados, rígidos e hierarquizados, onde as regras de condutas são duras e, muitas vezes, violentas, com isso, criam trabalhadores que serão sempre cordeirinhos empregados de uma elite cada vez mais imediatista e interesseira, cujos interesses superam os interesses nacionais.

O lado bom deste momento de caos e desequilíbrio é que, pela primeira vez, a sociedade está começando a se olhar no espelho, começando a encarar seus medos e preocupações, a classe média sempre tão centrada em seus próprios interesses, agora para e começa a refletir sobre esta crise de humanidade que se abate sobre o país e como fazer para reconstruir a nossa nação, este exercício de reflexão pode trazer frutos positivos e abrir novos espaços de crescimento e melhoramento social, desde que entendamos que a educação que queremos para nossos filhos deve ser a mesma que desejamos para todos os outros meninos e meninas, as perspectivas positivas devem ser para todos, só assim conseguiremos consolidar uma sociedade que está se esvaindo na degradação e encontrar novos caminhos para o progresso humano e material.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder

0

Uma obra interessante, escrita pela jornalista Andrea Dip, que investiga o projeto de poder da Bancada Evangélica no Brasil, o que afinal pensa este grupo ao tentar influenciar os rumos e os debates políticos brasileiros? Uma leitura relevante e bastante atual, vale a pena a leitura.

 

Faça Download do Artigo

O desafio de Lula

0

A obra escrita em forma de perguntas e respostas entre os jornalistas da Revista Carta Capital, Mino e Gianni Carta, retrata suas visões sobre o Brasil contemporâneo e sobre os desafios que envolvem a figura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, vale a pena dar uma lida, leitura rápida, agradável e polêmica.

 

Faça Download do Artigo

Digitalização do trabalho e a escravidão no século 21

0

ENTREVISTA | RICARDO ANTUNES

Por Marcelo Menna Barreto – EXTRACLASSE.ORG.BR

Ricardo Antunes é considerado um dos principais sociólogos do trabalho no Brasil e há dez anos leciona em um curso sobre trabalho e imigração na Universidade Ca’Foscari de Veneza, onde tem acompanhado de perto os fluxos migratórios na Itália. Titular da cátedra de Sociologia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de livros publicados nos Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Itália, Argentina, Venezuela, Colômbia e Espanha, Antunes fala nesta entrevista sobre o seu novo livro O Privilégio da Servidão – O novo proletariado de serviços na era digital, publicado pela Boitempo. De forma entusiasmada, por vezes indignada, o autor aborda as transformações das relações de trabalho no Brasil do período da redemocratização ao impeachment de Dilma Rousseff e os dois anos de Temer, que identifica como contrarrevolucionário e terceirizado. E enumera os problemas da Indústria 4.0, a era do trabalho digitalizado, que considera a nova forma de escravidão do século 21. “Na escravidão o senhor de terras comprava o escravo de um traficante. No mundo moderno, a empresa aluga de outra empresa o trabalho de homens e mulheres”, compara.

 

Extra Classe – Em uma passagem do seu livro o senhor diz que vivemos um período excepcional da nossa história. Como é a realidade desse laboratório social que o senhor descreve?

Ricardo Antunes – Estamos em um período, digamos, inusitado na história desde o século 19. Estivemos, entre 2009, 2010 e 2011, numa era de rebeliões em todo o Oriente Médio, a partir da Tunísia e Egito, e nos principais países do Ocidente, avançado pela Inglaterra, França, Portugal, Espanha, e Estados Unidos com o Occupy Wall Street. Foram muitas manifestações que mostravam que o cenário social vinha mudando. Aquele cenário anterior de representações partidárias e sindicais, dando conta da totalidade das forças sociais sinalizava uma crise profunda e até mesmo esgotamento. Mas é tão espetacular esse período que a era de rebeliões não se converteu em uma era de revoluções.

 

EC- Como assim?

Antunes – Uma era de rebeliões que não se converteu em uma era de revoluções anticapitalistas. Houve revoluções democráticas em vários países do Oriente Médio, mas o mais surpreendente e mesmo trágico deste cenário é que esta espetacular era das rebeliões se metamorfoseou numa era de contrarrevoluções. Estamos vivendo hoje um cenário abertamente contrarrevolucionário.

 

EC – Quais são as evidências?

Antunes – O sociólogo Florestan Fernandes usou o conceito da contrarrevolução preventiva, mesmo quando não há o risco das revoluções. Ele pensava na América Latina. Nós estamos vivendo um cenário mundial de contrarrevoluções preventivas mesmo quando não há o risco das revoluções socialistas ou anticapitalistas. Então, por exemplo, um sinal desse cenário, Donald Trump, nos Estados Unidos. Trump mudou todo o tabuleiro internacional, um nacionalismo de uma era financeira que fere de certo modo o interesse do grande capital e das grandes corporações que caminhavam em direção a uma Europa unificada, o Nafta, Ásia-Pacífico. Então, de repente você tem um movimento de extrema direita muito forte com base popular que quebra, que começa a mexer nesse tabuleiro. Theresa May, na Inglaterra, tem um processo similar ao Brexit. De repente se rompe com todo o esquema montado para uma Europa unificada. E você tem no cenário mais abertamente político um Emmanuel Macron, na França. E se não fosse Macron, seria Marine Le Pen! Mauricio Macri, na Argentina. Enfim, um cenário contrarrevolucionário, para não ficar só nos países da Europa, com o nazismo se expandindo significativamente na Áustria, Polônia, na Hungria. Enfim, nós estamos em um momento em que a história vive um cenário tenebroso.

 

EC – É o laboratório social ao qual o senhor se refere?

Antunes – Quando eu falava em laboratório me referia a que todas as janelas estão abertas. Da era das rebeliões à era das revoluções, assim como para a era das rebeliões à era das contrarrevoluções que nós estamos vivendo hoje. É nesse cenário, comandado pela hegemonia financeira profundamente destrutiva, que é marcada uma agressividade neoliberal ainda maior, como se a gente tivesse numa terceira fase ainda mais agressiva do neoliberalismo e onde a revolução, a reestruturação permanente do capital, ou a reestruturação produtiva do capital, se tornou permanente. Estamos na Europa hoje com o debate da Indústria 4.0. Tudo isso levou os capitais a exigirem uma devastação do trabalho em escala global. Não é por acaso que as reformas trabalhistas no Brasil – da contrarrevolução de Temer; na Argentina, de Macri; e na França, de Macron, são muito assemelhadas e tenham ocorrido quase simultaneamente, para não citar outros exemplos. É esse cenário que eu dizia que configura, no momento que eu finalizei esse meu livro, um cenário de contrarrevolução permanente, de amplitude global.

 

EC – O que vem a ser a Indústria 4.0?

Antunes – Houve a revolução industrial, depois houve a expansão do século 20 para o Taylorismo, a indústria automotiva; depois houve a produção dos anos 1970, 1980, 1990 pra cá, e agora é o momento da quarta revolução industrial, a digitalização das coisas. É a internet das coisas. É digitalizar o espaço fabril, no sentido amplo – pode ser uma fábrica de automóveis, pode ser uma fábrica hospitalar, pode haver uma fábrica da educação. Digitalizando tudo o que você pode digitalizar você vai criando uma massa limitada de empregos mais qualificados e vai criar uma massa imensa de desempregados que não têm condições de suprir esses empregos qualificados que são reduzidos. Qual é o segredo da digitalização, que os capitais não dizem, que a CNI não diz, que as Febrabans não dizem? A indústria 4.0 vai dispensar a força de trabalho e com isso tornar mais lucrativa a produção.

 

EC – Em seu livro, o senhor aborda as principais mudanças trabalhistas que ocorreram no Brasil desde a redemocratização até o impeachment. Por que a década de 1980 foi o período mais importante dessas transformações?

Antunes – Veja bem, esse período brasileiro é bastante interessante porque ele é muito complexo. Quando nós começamos a redemocratização, depois do fim da ditadura militar, tivemos um período que foi espetacular no Brasil. A década de 1980 foi a mais importante década deste último período. Talvez uma das mais importantes décadas do Brasil ao longo do século 20. Os capitais costumam dizer que a década de 1980 foi uma década perdida. Para eles, talvez tenha sido, mas no caso brasileiro, no ano de 1980 nós tivemos a criação do PT, que na sua proposta inicial era um partido independente e de classe; a criação da CUT, que era uma reivindicação histórica da classe trabalhadora brasileira, que tinha tentado inúmeras vezes formar uma central sindical e via essa proposta ser tolhida; e a criação do MST, organizando os trabalhadores do campo. Só para pegar três exemplos. Foi um período espetacular. O Brasil teve praticamente as mais importantes greves do mundo. Fizemos quatro greves gerais e chegamos à Constituição de 1988, conseguindo criar uma Constituição que, de certo modo, estabelecia um sistema de organização da relação capital e trabalho com alguns traços de civilidade.

 

EC – Por que setores da esquerda não aceitaram muito bem a Constituição de 1988 à época da promulgação?

Antunes – Aqui eu faço um parêntese. Nós que militávamos, estudávamos e vivíamos na década de 1980 já no sentido social e político achávamos a Constituição de 1988 insuficiente, porque houve um momento em que o Centrão fez um pântano que, digamos assim, comanda até hoje o parlamento brasileiro e impediu algumas medidas mais profundas. Por exemplo, aprovamos o direito de greve, que é uma grande conquista para a classe trabalhadora, mas a regulamentação da greve seria feita posteriormente. Ou seja, caiu no pântano. Mas ainda assim, em 1988 se desenhou um Estado com alguns valores públicos, coletivos e sociais que contraditavam a tendência neoliberal. Isto vigorou até 1989/1990.

 

EC – Até a era Collor?

Antunes – Sim! Em 1989 houve a eleição que dividiu o país ao meio e a partir dessa divisão, a vitória do Collor, que iniciou o que eu chamei de desertificação neoliberal no Brasil. Collor era uma aberração, como agora estamos perto de novas aberrações. As classes dominantes, quando não têm alternativas sólidas, apelam para aberrações. Nossa classe dominante tem faces fascistas em muito dos seus setores. Veja só: dirigentes da Confederação Nacional da Indústria disseram recentemente que dialogam muito bem e vêem com simpatia a candidatura do Bolsonaro. Basta isso como exemplo.

 

EC – Como o senhor avalia o período FHC?

Antunes – Se com Collor veio a primeira devastação neoliberal, que foi travada com a sua deposição, a vitória do Fernando Henrique Cardoso trouxe um quadro mais complexo. Com FHC iniciava-se uma fase neoliberal dotada de racionalidade burguesa. Se a fase do Collor foi um neoliberalismo devastador, eivado de irracionalidade da sua conduta, da sua personalidade, FHC foi claro no discurso de posse: eu vou implantar a política do Collor sem as maluquices que ele tentou, sem base nenhuma, e uma personalidade completamente fora dos padrões. A partir daí nós tivemos, de fato, o início da efetiva desertificação neoliberal. Só que para o FHC quebrar a CLT não era fácil. A CLT é uma espécie de Constituição para a classe trabalhadora. Os trabalhadores não sabem bem como é a sua Constituição, mas eles sabem que a CLT traz direitos, décimo-terceiro, descanso semanal, férias, etc, etc, que permitem um salário mínimo, que permitem esses direitos longamente conquistados. FHC não conseguiu quebrar a CLT, a espinha dorsal da legislação protetora do trabalho no Brasil, porque o movimento sindical resistia.

 

EC – E a era Lula?

Antunes – É curioso. Fernando Henrique faz um primeiro governo e sai bombando. No seu segundo governo, saiu pela porta dos fundos como um vira-latas que leva um pé na bunda, com níveis baixíssimos de popularidade. Não podia fazer aparições públicas, porque era vaiado. O inverso do Lula que fez um primeiro governo em que quase perdeu a reeleição, mas saiu, no segundo mandato, com uma aprovação altíssima. Só não perdeu a reeleição porque é quase impossível alguém perder para o Alckmin (risos).

 

EC – O que explica a popularidade de Lula naquele momento?

Antunes – O que se deu, em uma palavra, no governo Lula, que eu trato basicamente na parte três do livro é que o Lula tentou e fez uma espetacular política de conciliação de classes. O Lula é um gênio da conciliação de classes, como o Getúlio (Vargas). Pra quem gosta de conciliação de classes, ele é um mito; pra quem, como eu que não gosta, ele não é mito nenhum. Mas ele é um gênio, eu tenho que reconhecer. Ele bota deus e o diabo na terra do sol e faz virar samba. Isto é uma condição que só Getúlio tinha no passado. Não é fácil essa capacidade, mas enquanto o seu governo teve uma expansão econômica, criou 20 milhões de empregos, teve uma política de assistência social muito pífia.

 

EC – Quais são as suas críticas aos governos Lula?

Antunes – Eu vou dizer como eleitor, não como um analista: votei no Lula não pra dar um pouco a farofa aos pobres. Muitos de nós que votamos no Lula queríamos reforma agrária, controle do grande capital, controle da remessa dos lucros. A gente sabia que não era fácil, mas é muito importante lembrar que o Lula se elegeu com mais de 50 milhões de votos. Ele tinha muito capital político pra dizer: agora vai ser um governo reformista pra valer. É disso que estou falando, nada além disso. E não foi. Foi um governo de conciliação, que trabalhou com a ideia de que o capital ganha muito dinheiro, mas tem que sobrar alguma coisa aqui para os debaixo. Isso funcionou, o Lula tinha uma ideia desde os anos 1970, eu o conheço há muitos anos, que era assim: incrementando o mercado interno brasileiro você aumenta o salário da classe trabalhadora, ela consome e a economia vai se desenvolver. Foi isso que fez com que a expansão econômica do mercado interno brasileiro compensasse a retração do mercado externo.

 

EC – Onde Lula errou?

Antunes – O Lula transnacionalizou e enriqueceu uma parte importante da burguesia brasileira que agora o pôs e o quer na cadeia. Porque a política de conciliação acabou! Ele faz a sucessora, que ganha a eleição no tranco, prometendo que não ia tomar nenhuma medida destrutiva, mas a sua primeira medida foi nomear o Joaquim Levy para ministro da Fazenda. Atenção! O primeiro convidado não era o Levy, era o (Luiz Carlos) Trabuco. Imagina se a Dilma nomeia o Trabuco, o número um do Bradesco?

 

EC – O senhor é bastante crítico em relação a Dilma. Por quê?

Antunes – Eu digo no meu livro, a Dilma foi o maior erro que o Lula cometeu. E não foi por acaso. O Lula escolheu a Dilma, obviamente no meu entendimento, como candidata porque ele não poderia ter como seu sucessor uma sombra poderosa e autônoma, por exemplo, um Tarso Genro, que tem luz própria, está num espectro do lulismo, mas é um indivíduo que sabe pra onde ir e como ir. Ele não seria um nome que teria o respaldo do Lula pra ser seu sucessor, como tantos outros não teriam. Por outro lado, a Dilma tinha méritos enormes. Ela é uma executiva poderosa, uma mulher que faz a máquina funcionar.

 

EC – Mas foi golpeada…

Antunes – Foi um erro gravíssimo entregar o comando político do país a alguém sem nenhuma experiência política prévia. Quando o céu é de brigadeiro, tudo vai bem. Mas quando começam as tempestades, aí… E, claro que a Dilma – eu estou tratando aqui só no plano das subjetividades dos dois, não estou falando nos interesses em volta que isso eu deixo para o leitor buscar no livro – num dado momento diz: agora a presidente sou eu, agora quem vai dar o tom sou eu. E nesse momento, politicamente, começou o acerto neoliberal que ficou com a cara de impostura eleitoral em um momento de crise, com o PT mergulhado em processos de corrupção que marcam toda a história brasileira. O PT não foi o primeiro nem será o último nesse quadro, longe disto.

 

EC – E o impeachment?

Antunes – Uma aberração! O impeachment foi uma aberração jurídica, um golpe parlamentar. Se a gente supõe que a pessoa sofre um impeachment é porque a pessoa cometeu crime, então automaticamente seria inelegível. Na verdade, ela foi deposta porque perdeu as condições de governabilidade, como se ela fosse um primeiro-ministro. Agora, porque esse quadro complicou? Porque em 2013 a crise chega pesada aqui e também começa a era da devastação sobre o PT.

 

EC – Como o senhor avalia Temer?

Antunes – É um governo contrarrevolucionário, um governo terceirizado, que teria umas funções básicas: a PEC do fim do mundo, congelar a educação, a saúde, a Previdência; privatizar tudo o que ainda não tinha sido privatizado e devastar a legislação social protetora do trabalho. Daí aprovar a Lei da terceirização total e, por fim, arrasar de vez com a Previdência, o que foi praticamente a única coisa que não conseguiu avançar. Então nós tivemos nesses últimos dois anos a derrogação de 80%, 90% do que foi criado ao longo de lutas operárias desde a década de 1910, consubstanciado depois na CLT. A CLT, aliás, é muito ardilosa. No direito à proteção do trabalho, ela é um avanço. No que diz respeito à estrutura sindical, ela é estatizante e controladora. Carregou essa ambiguidade até hoje.

 

EC – Qual o saldo disso tudo?

Antunes – O resultado é que desde a redemocratização, quando visualizávamos um estado social e político capaz de ser reflexo das lutas dos anos 1980, chegamos em 2018 com o Brasil se aproximando muito, mas muito celeremente à tragédia social que é a Índia, um país com milhões – não milhares – de miseráveis perambulando pelas ruas, sendo tratados como animais e cuja miséria passa a ser assimilada pelas classes médias, pelos ricos, como natural. ‘Eu quero os miseráveis longe do meu portão’. Então, nós estamos nos convertendo em um país de miseráveis, com uma população cada vez mais empobrecida, com um desemprego estrutural profundo e o trabalho intermitente que é uma farsa. Esta é a “conquista” do Temer e é um tema forte no meu livro, por isso o título O privilégio da servidão. Quem tem trabalho, trabalha e ganha; quem não tem trabalho, não ganha. E como é que vai viver? Ah, é problema seu, não tem mais nem a sopa das 18h pra distribuir para os pobres. Agora é assim: quer a sopa, vai buscar no esgoto. Como eu vi na Índia.

 

EC – Nessa sua nova obra, o senhor coloca uma luz sobre o trabalho digital, on-line e intermitente. Nessa época de relativização de vários conceitos, o senhor faz questão ainda de denominar esses trabalhadores como o novo proletariado de serviços. Por quê?

Antunes – Porque esse é o elemento novo desses últimos 40 anos. Houve nos anos 1970 e 1980 a tese de que o trabalho estava acabando, que a classe trabalhadora ia desaparecer. Um completo engano. Eu conheço a China, eu conheço a Índia, nós conhecemos a América Latina e o que nós estamos vendo é uma mutação profunda no mundo do trabalho. O setor industrial sofreu retração, o setor agrícola sofreu retração e o mundo dos serviços sofreu uma monumental expansão. Só que não são mais os serviços que nós tínhamos nas décadas 50, 60, 70 do século passado. Hoje, por exemplo, praticamente todos os espaços do trabalho sofreram a invasão do mundo digital. O celular faz com que eu possa ser contratado pra trabalhar, por exemplo, na Inglaterra, onde existe um sistema que hoje já é mundial, o contrato de zero hora. Médicos, advogados, enfermeiros, cuidadoras, zeladores, limpadores, enfim, quase todas as profissões de serviços estão disponíveis por celular. Como o contrato é de zero hora, você não tem a obrigação de atender, nem o aplicativo que ganha uma porcentagem do seu trabalho de te chamar, mas em geral, as pessoas atendem ao chamado. Se não fosse o celular esse trabalho não existiria.

 

EC – Para surpresa do capital, o trabalho não acabou…

Antunes – O trabalho é visto pelo capital financeiro como um apêndice, infelizmente imprescindível. Se o capital pudesse eliminar o trabalho, teria feito isso há décadas. O problema, o pavor do capital, nesse cenário que nós temos hoje é que o trabalho não desapareceu. Ele é trabalho ultraqualificado, semiqualificado, manual, escravo, semiescravo, análogo à escravidão, infantil. Isso quem nos ensinou foi um velho filósofo, o Marx.

 

EC – Quais são os problemas das novas formas de contratação pelo ambiente digital?

Antunes – O resultado é um mundo digitalizado, informalizado, em que as plantas produtivas flexíveis exigem um mundo sob o comando financeiro. E a lógica do capital financeiro é gerar mais dinheiro e não importa como. É explorando a classe trabalhadora em todas as suas dimensões, em todos os seus momentos, em todos os seus segundos. Para isso, eu não posso ter legislação social protetora do trabalho. Então, posso ter o trabalho terceirizado – eu fui praticamente o primeiro a dizer no Brasil, que a terceirização é uma forma de escravidão. Eu fazia a seguinte metáfora: na escravidão o senhor de terras, de engenho, comprava de um outro comerciante, o traficante, um escravo ou uma escrava. No mundo moderno, a empresa aluga de outra empresa o trabalho de homens e mulheres. Na escravidão, eu compro, na terceirização, eu alugo. É claro que é uma metáfora, mas mostra a dependência. Diziam que a lei da terceirização era para legalizar a terceirização. A lei da terceirização é a burla da farsa. Querem dizer que agora é legal burlar porque a burla deixou de ser burla e passou a ser legal.

 

EC – E as questões do trabalho intermitente?

Antunes – As grandes corporações deram pulos no dia em que a reforma trabalhista passou, porque esses grandes grupos podem contratar no dia de pico, nos dias de maior movimento, sábado, domingo, à noite, e contratam os trabalhadores que ficam esperando. Tem trabalho, são chamados. Se ele vai para um almoço das 11h às 15h e depois sabe que tem que voltar das 18h às 22h ele fica direto na empresa, recebendo por trabalho intermitente. O que significa esse trabalho intermitente, esse trabalho flexível, esse trabalho, digamos, terceirizado? Ele só é possível não mais na planta rígida Taylorista e Fordista do passado, mas na planta flexível que inicia a era da acumulação flexível e aquilo que nós chamamos de Toyotismo que se ocidentalizou e ganhou novos componentes, adquirido a partir do Vale do Silício, da Califórnia. Ora, há fotografias hoje de trabalhadores do Vale do Silício que moram nas ruas ou nos carros pra trabalhar porque não têm condições de pagar um apartamento, um quarto, uma pensão nessa área que é caríssima. E em compensação ele não quer perder esse emprego. Então ele coloca o carro lá, monta um banheiro e uma cozinha improvisados. Não é possível isso, não é possível…

 

EC – Muito se fala de que os trabalhadores têm que se adaptar às novas ondas tecnológicas que cada vez mais impactam o mundo do trabalho. Parte da mão de obra que perde seu emprego por causa das novas tecnologias acaba sendo absorvida em outros campos da economia. E os que não conseguem se adaptar?


Antunes – Miséria, fome, condição abjeta e desumana. É a Índia. Seguindo a lógica do mundo financeiro e nessa reestruturação permanente do capital nós vamos ter bolsões de miseráveis; os fluxos migratórios vão aumentar, norte-sul, sul-norte, leste-oeste, oeste-leste. As massas vão ficar desesperadas e vai ter que ter estados fascistas se fechando, fechando o trabalho.

 

Transnacionais, concorrência e cadeias globais de produção: novas realidades da sociedade internacional

0

A globalização da economia mundial se intensificou com o final da segunda guerra mundial, neste momento os Estados Unidos da América se utilizam de seu poder econômico, político e militar, para construir uma nova sociedade, centrada no dólar, na democracia liberal e no aumento do comércio e da integração econômica entre as economias e as regiões do globo, este modelo de sociedade vem, nos últimos anos, perdendo espaço na economia internacional, o novo modelo ainda está centrado em definições, ansiedades e incertezas crescentes.

No pós segunda guerra, os Estados Unidos são os únicos em condição de assumir o controle da economia global, a Europa estava destruída pelo conflito, os países da Ásia também se viam envoltos em destruições, principalmente o Japão, que tinha sido vitimado por duas bombas nucleares e se encontrava em destruição avançada, fruto de uma guerra que teve vários impactos sobre a sociedade do país e a União Soviética, central na destruição dos nazistas, estava fortemente devastada pelo conflito, com mais de vinte milhões de mortos e imensa devastação de sua infraestrutura.

A reconstrução destes países é orquestrada com o Acordo de Breton Woods, onde surgiram três políticas centrais, a criação de instituições multilaterais – Banco Mundial (Bird), Fundo Monetário Internacional (FMI), Acordo Sobre Tarifas e Comércio e Organização das Nações Unidas (ONU), além do padrão Dólar Ouro e das taxas de câmbio fixas, todas estas políticas foram impostas aos países destruídos pelo conflito, deixando claro para a sociedade mundial que o poder e a hegemonia agora estavam nas mãos dos norte-americanas.

Destacamos ainda, que foi neste período que as empresas norte-americanas se expandiram para todas as regiões do mundo, a chamada internacionalização produtiva se inicia com o apoio do governo dos Estados Unidos, que patrocina investimentos internacionais em países parceiros e auxilia na expansão da estrutura produtiva baseada no modelo fordista de produção, tudo isso para consolidar o poderia econômico e político da potência americana.

O modelo fordista se baseava na forte especialização da produção, na produção em série, em grandes unidades produtivas, altos salários, grandes levas de funcionários, na queda dos custos individuais de produção e na expansão do modo norte-americano de viver, baseado no consumo, no lazer e na produtividade crescentes, gerando grandes e sólidas empresas, as chamadas empresas multinacionais (EMN), os Estados Unidos eram os donos do mundo, sua hegemonia era inconteste.

No anos 50 as maiores multinacionais eram as norte-americanas, com a reconstrução dos países europeus surgem as multinacionais europeias, depois as japonesas, posteriormente as coreanas, agora estamos assistindo as empresas chinesas e as indianas, mais uma vez percebemos, neste processo de expansão de empresas internacionais, a ausência das empresas brasileiras, que ainda carecem de forte penetração nos mercados internacionais, possuímos grandes e sólidas empresas mas estas apresentam baixa penetração nos mercados globais.

Pelo modelo que reinava na época a produção era local, as empresas se instalavam em um país, atraindo para a mesma região outras empresas fornecedoras de produtos e matérias primas, com isso, os investimentos eram imensos, a geração de empregos era bastante substancial e o incremento da renda da comunidade estimulava novos investimentos e novos empregos, dinamizando todos os setores produtivos da comunidade, neste período o sistema capitalista apresentou as maiores taxas de crescimento de sua história, período este que ficou conhecido entre os estudiosos como a Era Dourada do Capitalismo internacional, os lucros da empresas cresceram fortemente, os salários dos trabalhadores aumentaram e os governos arrecadaram uma grande quantidade de recursos, aumentando seus gastos e incrementando novas políticas sociais.

Este modelo, baseado no fordismo, foi dominante até o final dos anos setenta, quando a crise internacional do petróleo contraiu os ganhos dos setores empresariais, obrigando-os a novos investimentos em tecnologias, máquinas e equipamentos como forma de diminuir os custos de produção e, com isso, reduzir a dependência crescente dos trabalhadores e sindicatos, além de se fortalecerem diante das pressões dos Estados Nacionais.

Este modelo produtivo trouxe grandes benefícios para os trabalhadores, foi um período de ganhos crescentes para a classe operária, sua renda cresceu e sua condição de vida melhorou enormemente, seu consumo aumentou e contribuiu para novas oportunidades de empregos e políticas de empreendedorismo, que trouxeram investimentos em setores dinâmicos da sociedade, dinamizando a economia e gerando desenvolvimento econômico.

Para evitar as quedas nos lucros, os setores empresariais se mobilizaram para a redução dos custos, os investimentos crescentes em tecnologia abriram espaço para novos setores econômicos e produtivos, a informática e as telecomunicações cresceram e ganharam força dentro das economias, gerando novos investimentos, mobilizando recursos e incrementando os mercados, surgia assim a chamada Terceira Revolução Industrial, um momento de mudanças em inúmeros setores, entre eles destacamos um crescimento central dos setores de serviços, que passaram a ganhar espaço dos setores industriais, atraindo novos trabalhadores e ganhando relevância dentre de todas as economias.

Esta nova Revolução Industrial apresentava características diferentes das anteriores, o emprego passa a exigir dos trabalhadores uma formação mais generalista, a qualificação, antes pouco exigida, passa a se tornar uma exigência constante, o novo modelo prescinde de um trabalhador que execute várias atividades dentro de uma organização, os salários crescem de acordo com as qualificações dos trabalhadores, a produção não mais se concentra em um único local, mas se divide entre vários países onde, cada país se especializa em uma das etapas da produção, com isso, o novo modelo não mais se torna dependente de um único Estado e de seus trabalhadores, são vários países integrados na produção, dando as empresas um poder maior e uma influência central na escolha dos melhores mercados disponíveis.

Este modelo recebeu a denominação de cadeias globais de produção, as grandes empresas multinacionais ou transnacionais, que operavam nestes mercados, eram dotadas de grandes recursos, possuíam grande influência na economia global, possuíam ainda uma grande gama de empresas associadas, desde bancos, seguradores, financeiras, autopeças, universidades, centros de pesquisas, laboratórios, etc, formando grandes conglomerados internacionais.

As cadeias globais de produção se concentravam em vinte ou trinta países, se muito, sua produção era bastante flexível e dinâmica, as burocracias estatais eram evitadas e os países marcados por instabilidades ou conflitos de outras naturezas eram substituídos por outros, a exclusão destas cadeias geravam grandes prejuízos para os países e para sua estrutura tecnológica, com isso, os grupos inseridos se curvavam aos interesses dos donos do dinheiro.

Foi justamente a expansão deste modelo para outras regiões que abriu espaço para a disseminação do modelo produtivo para os países asiáticos, inicialmente, Coréia, Indonésia, Malásia, Cingapura e China, entre outros. Com esta expansão, estes países passaram por enormes transformações econômicas, políticas e sociais, impulsionando o capitalismo para toda a região, estes países possuíam ampla mão de obra barata e aceitavam ganhos menores para se integrarem ao modelo produtivo dominante.

Com o aumento dos custos produtivos nos países ocidentais, onde o custo da mão de obra aumentou enormemente, a opção pelos países asiáticos se mostrou um grande negócio, nestes países a população era muito carente, os indicadores de pobreza eram altos e a busca por sobrevivência levava estes trabalhadores a aceitar empregos com baixa remuneração, com isso, as empresas multinacionais aumentaram seus investimentos na região e reduziram sua expansão em seus países de origem, gerando fortes tensões internas e grandes investimentos nos mercados asiáticos com fortes lucros e grandes expectativas de negócios.

Uma das características imediatas nos países desenvolvidos do ocidente foi a migração de empresas para os países asiáticos, gerando um incremento no desemprego nos setores industriais, obrigando os setores de classe média a busca de novos empregos, muitos deles com remuneração mais baixa e com condições mais desfavoráveis, o resultado deste fenômeno foi uma degradação das condições de vida desta classe média.

Este fenômeno contribuiu para o aumento da desindustrialização dos países capitalistas avançados, suas empresas migraram para regiões onde a mão de obra era mais barata, Ásia e América Latina e, posteriormente, a Europa do Leste, o interessante desta equação é que a produção industrial produzida na Ásia era exportada para os países de origem destas empresas, contribuindo para o incremento dos déficits externos e, com isso, aumentando suas dívidas públicas internas e com a redução da renda agregada destes trabalhadores, piorando os indicadores sociais dos países avançados.

O incremento de investimentos em novas tecnologias no começo do século XXI se apresentou como uma grande necessidade destas empresas, uma questão clara de sobrevivência, afinal, com o capitalismo globalizado, os investimentos em tecnologia e capital humano eram as formas mais seguras de se manter nos mercados internacionais. Surgem novos setores e empresas, tais como Facebook, Google, Amazon, Airbnb, Uber, entre outras, com novas exigências, demandas, necessidades e oportunidades, exigindo de todos os trabalhadores e empresas uma constante reinvenção, flexibilidade e agilidade.

De uma época para outra surgem novas empresas e setores com grande potencial de crescimento, empresas como o WhatsApp, responsável por pouquíssimos empregos diretos são negociadas por valores astronômicos, US$ 24 bilhões, valores estes muito maiores que empresas tradicionais que geram milhares de empregos e estão alicerçadas na economia e na sociedade destes países a muitos e muitos anos, uma verdadeira revolução.

Um outro exemplo impactante, a Netflix, empresa provedora de uma plataforma de streaming, possui atualmente mais de 125 milhões de assinantes no mundo todo e apresenta valores de mercado de mais de US$ 170 bilhões, valores estes superiores a empresas tradicionais como a Petrobrás ou a Vale que, juntas, geram milhares de empregos na estrutura econômica.

De um modelo baseado na especialização passamos para um modelo mais generalista, de um trabalho mais conservador e inflexível passando para um modelo mais dinâmico e flexível, de uma economia mais manual e analógica passamos para uma economia digital e robotizada, nestes novos modelos encontramos muitas incertezas, instabilidades e apreensões que culminaram em novas doenças e desajustes emocionais, espirituais e psicológicos com incremento no estresse, nas patologias e, nos casos mais graves, suicídios.

Estas empresas transnacionais concentram grande poder nas economias e mercados do mundo contemporâneo, sua capacidade financeira e seu poder tecnológico garantem uma grande força nas negociações com governos locais e blocos regionais, em acordos de investimentos estas empresas ganham subvenções fiscais e isenções tributárias crescentes além de infraestrutura material, cabendo a elas apenas o recrutamento dos trabalhadores e a efetivação dos investimentos, seus oligopólios globais enfraquecem a concorrência internacional e garante a elas forte capacidade de influência nos mercados.

Recentemente percebemos novos movimentos nestes mercados, as novas tecnologias baseadas na inteligência artificial, na internet das coisas, nas biotecnologias,  na internet das nuvens, na computação quântica, na impressão 3D, entre outras, estão gerando novas transformações neste modelo econômico produtivo, obrigando os países e as empresas a se adaptar ou correm o risco de serem expurgadas do mercado, com prejuízos devastadores.

Neste novo modelo nascente, percebemos a possibilidade de empresas saírem de países periféricos e retornarem a seus países de origem, este movimento pode se viabilizar porque estas empresas transnacionais globais geram poucos empregos e com estas novas tecnologias estão gerando menos empregos ainda, seu retorno aos países centrais pode ser estimulados pelas redução de impostos em curso, medida iniciada pelo atual presidente norte-americano Donald Trump, além de serem seduzidas pelos sentimentos nacionalistas e protecionistas que crescem e ganham força e relevância na economia internacional.

O novo modelo em curso na sociedade global é fortemente centrado em automação e tecnologias digitais, os avanços na produtividades são visíveis, os custos de produção estão se reduzindo, os desafios deste modelo são inúmeros, alguns internos e outros externos, que dependem de uma nova macroestrutura internacional, tais como a degradação do Meio Ambiente, os avanços das imigrações, o crescimento da concentração de renda, dentre outros.

O modelo que está sendo construído na economia contemporâneo é baseado e intensivo em tecnologia, em máquinas e equipamentos fortemente robotizados, a inteligência artificial que antes era apenas uma distante possibilidade, na atualidade já está se materializando em todas as regiões e países, seus impactos são bastante interessantes, geram um incremento da produtividade global, aumentam a produção e incrementa os ganhos das grandes empresas e conglomerados mas, ao mesmo tempo, tem um forte impacto concentrador de renda, aumentando as desigualdades e a concentração de renda da sociedade mundial, os dados revelados recentemente nos mostram que, em 2017, 82% de toda a riqueza internacional criada ficou concentrada nas mãos de apenas 1% da população global, com isso, percebemos que apenas 18% desta riqueza ficou com 99% da população de todo o globo terrestre, estes dados nos mostram quão caótico esta o mundo contemporâneo, criamos riqueza e as concentramos nas mãos de poucos em detrimento de uma grande maioria que vive, ou melhor, sobrevive, na indigência, pobreza e indignidade, um verdadeiro caos generalizado.

 

 

 

Algumas anotações relevantes de “Memórias de um suicida”

1

A Literatura Espírita sempre nos brinda com obras de grande conteúdo doutrinário, filosófico e reflexivo, dentre as várias obras Espíritas, uma nos marca de forma especial, o livro “Memórias de um suicida”, do espírito Camilo Cândido Botelho e psicografia de Yvonne do Amaral Pereira é uma destas obras marcantes e especiais que todos as pessoas deveriam ler, reler, discutir e indicar.

A Doutrina Espírita surge para o mundo em meados do século XIX através de Allan Kardec, pseudônimo do pedagogo francês Hippolyte Leon Denizard Rivail, nesta obra, Kardec nos traz informações sobre o mundo espiritual, o verdadeiro local da vida, local de onde viemos e para onde retornaremos no momento oportuno, somos todos espíritos que habitamos corpos materiais, nossa verdadeira vida se dá no mundo espiritual, conceitos novos surgem e se difundem para a Europa e depois para todo o mundo ocidental, a reencarnação, a obsessão, o mundo espiritual, as colônias, a morte, etc…

A obra Memórias de um suicida nos conta a história de cinco pessoas esclarecidas que vivem em Portugal no momento da codificação, mesmo sendo pessoas cultas, inteligentes e muito bem informadas, nenhum deles se interessou por saber um pouco mais sobre a nova Doutrina, mesmo conhecendo muito do conhecimento humano da época, mesmo estudando e convivendo com pessoas bem formadas e atualizadas, nenhum deles se interessou pela chamada terceira revelação, isto nos lembra uma frase de grande sabedoria: “quem sabe pode muito, quem ama sabe mais”.

Todos os personagens do livro vivem envoltos em seus mundos, alguns vivendo para as letras, outros para os negócios, outros mais para seus amores e interesses sentimentais, quanto tempo perdemos nas vivências cotidianas, nos interesses materiais e nos prazeres imediatos e, nestes mundos menores nos esquecemos da verdadeira razão da vida e os objetivos do progresso espiritual da humanidade.

Nos momentos de desesperanças, desajustes emocionais e medos, os conhecimentos do mundo material, a acuidade reflexiva e os pensamentos lógicos foram insuficientes e incapazes de confortar seus corações e impedir que, cada um de sua forma, cometesse o maior de todos os crimes, o suicídio.

Depois das andanças pelo Vale dos suicidas, todos passam a enxergar a vida de uma forma diferente, todos sabem que erraram, o remorso machuca suas mentes e massacra suas consciências, nestes momentos de dores e aflições que, cada um deles percebe, intimamente, que todo o drama vivido lhes é algo inexplicável, sem respostas a busca por Deus ou uma força superior começa a se destacar em suas mentes e, com isso, a oração e o pedido de ajuda se materializa em seus corações, a oração tem o condão de ligar os indivíduos a uma força superior, mas serve ainda como uma forma de nos conscientizarmos de nossas fragilidades e inferioridades.

O socorro existente no mundo espiritual e nas colônias é algo desconhecido por quase todos, a existência de colônias e cidades organizadas, estruturadas e bem administradas também passa distante das inteligências mais astutas do mundo material, tudo isto nos mostra como somos tão pequenos e pouco curiosos sobre os conceitos maiores da vida e da existência humana, muitas vezes nos afiliamos a seitas e grupos pseudo-religiosos, assumimos suas crenças e pouco refletimos sobre seu significado, somos todos, ou a grande maioria, verdadeiros fantoches de nossas limitações.

A chegada no Instituto Maria de Nazaré, localizada no plano espiritual, sua organização, trabalhadores, departamentos e suas tecnologias nos encantam enormemente, aparelhos que só chegariam no mundo material décadas posteriores já eram realidade nas colônias no final do século XIX, diante disso, percebemos o quanto de nossas descobertas ou criações são, na verdade, inspirações que recebemos e registramos dos cientistas e pensadores do mundo espiritual, nestas descobertas logo colocamos nossos nomes, registramos o produto e logo estamos cobrando por sua utilização, pobres seres que desconhecemos as origens e a missão que Deus nos concedeu.

Os cursos, as palestras, as missões, os estudos, as conversas e a troca de experiência, são instrumentos de engrandecimento de todos que se dedicam a descobertas íntimas e pessoais, o tempo passa e todos se sentem úteis e necessários, conhecer suas trajetórias, suas experiências e a certeza constante de que todos são espíritos em evolução, todos são deveras devedores e não existe nenhuma vítima de forças externas, se somos vítimas os algozes somos nós mesmos.

Camilo, grande escritor português, inteligência de destaque na Europa e no mundo da época nos conta os pormenores de sua trajetória nos Instituto, suas conversas com os doutores de Canalejas, suas palestras com os diretores e instrutores, suas andanças por departamentos e suas mais íntimas memórias, tudo isto para nos mostrar que, neste mundo, não podemos esconder nada de nós mesmos, o conhecer-se a si mesmo se faz necessário, é urgente e fundamental.

As conversas de Camilo com o doutor Carlos de Canalejas, onde este último destaca suas dúvidas mais íntimas, seus medos, seus amores e suas dificuldades nos levam a compreender que todos, indistintamente, trazemos em nossa alma segredos e desajustes dos mais severos possíveis, fruto de nossas andanças pelo mundo material e pelos desequilíbrios que nos caracterizam e corrói nossos mais íntimos sentimentos.

As excursões feitas ao mundo material nos mostra como estão próximos os mundos físico e espiritual, como nos interessamos pelo mundo do conhecimento, das riquezas físicas e dos prazeres imediatos e nos esquecemos de buscar a compreensão da verdadeira razão da vida e da existência dos seres humanos, o livro nos mostra, nas entrelinhas, que existem mais coisas entre o Céu e a Terra do que nossa vã filosofia pode imaginar.

O mergulho em suas histórias de vidas anteriores, o momento exato de relembrar suas vidas pregressas, momento em que Camilo revê seu passado e suas vidas anteriores, sua existência no momento do apedrejamento de Jesus Cristo, sua vida mesquinha, suas fofocas, suas armações, seus atos reprováveis, seu prazer inveterado na maldade e na difusão de calúnias e difamações, tudo isto se aclara na mente e na visão do grande escritor português do século XIX.

Mas, o que mais nos chama a atenção na história de Camilo Cândido Botelho é suas vivências no século XVII, quando a obra nos leva a conhecer todas as atitudes insanas para se casar com sua prima Maria Magda, nesta encarnação percebemos como a insanidade do ser humano pode lhe causar graves constrangimentos em momentos posteriores, a busca por um amor distante de seu coração o leva a crimes terríveis e a dores que o acompanharão durante muitos milênios.

Humilhações, surras, agressões, violências, torturas, calúnias, difamações e quando acreditávamos que a insanidade já tinha chegado ao fim, Camilo leva seu rival à cegueira, tudo isso leva o Marido de Maria Magda ao suicídio, ao se sentir um verdadeiro estorvo para sua esposa e para os seus filhos recorre ao autocídio, Camilo, num determinado momento de suas vidas futuras teria que responder por todos os crimes e humilhações cometidas contra Maria Magda, seu esposo Jacinto de Ornélas Ruiz e seus filhos.

O suicídio é um crime terrível contra as leis de Deus e gera dramas dos mais severos para aquele que o comete, seus impactos não se restringem apenas ao espírito suicida, os filhos e toda a família do suicida são atingidos e afetados por seus crimes, suas trajetórias se cruzam e, numa próxima vida, estes espíritos se reencontrarão para o acerto das contas, o reequilíbrio de suas energias e a compreensão das verdadeiras leis que regem a sociedade e a humanidade como um todo.

A oração é um verdadeiro bálsamo para todos os indivíduos, ela nos ajuda a compreender a nossa limitação e a grandeza de Deus, orar para os espíritos suicidas é uma forma de caridade constante, a oração os auxilia na compreensão de seus crimes e o fortalece para conseguir continuar em sua caminhada, entendendo que, mesmo tendo cometido um grave crime, que para algumas religiões são imperdoáveis, todos somos dignos de uma segunda chance e oportunidade, como nos foi dito por Jesus Cristo: “Das ovelhas que meu pai me confiou nenhuma se perderá”.

O livro acima descrito se caracteriza como uma das maiores obras da literatura espírita, seus ensinamentos nos ajudam a compreender um pouco mais da vida, nos descortina com todas as forças a realidade do mundo e as fraquezas dos indivíduos, todos somos devedores, todos nascemos com dívidas enormes, mas todos somos assessorados por espíritos e instrutores de alta evolução, suas inspirações são fundamentais para seguirmos nas trilhas do bem, do amor e do progresso, cabe a cada um de nós, enquanto seres humanos, nos abrirmos para sentir esta inspiração, sempre com fé, reflexão e confiança de que Deus está dentro de cada um de nós, as dificuldades existem para todos e sempre existirá, mas como nos diz um velho ditado: “Se Deus é por nós, quem será contra nós”.

O livro Memórias de um suicida foi publicado pela primeira vez em 1958, Camilo Candido Botelho se suicidou em 1890, permaneceu no mundo dos espíritos mais de cinquenta anos, reencarnou no final dos anos quarenta, segundo nos foi revelado pela obra, em sua nova encarnação teria que conviver com a cegueira desde os quarenta anos, sua morte do corpo físico se daria depois dos sessenta anos, diante disso, percebemos que Camilo deveria conviver com a cegueira durante mais de vinte anos, se na vida anterior sua cegueira ocorreu depois de seus sessenta anos e seu tempo de vida com esta doença se restringiria a apenas poucos anos, nesta nova vivência no corpo físico sua doença se faria presente por mais de duas décadas, ou seja, suas dores seriam aumentadas para poder compreender que as leis de Deus são imutáveis e todos nós devemos respeitá-las, mesmo nos momentos de maior desequilíbrio e desesperança, devemos confiar que o auxílio sempre chega, exercer a paciência é sinal de sabedoria e humildade.

 

 

Avanços e retrocessos da sociedade brasileira no século XXI

0

Depois de um período de forte recessão, redução dos investimentos, aumento do desemprego, queda na renda agregada e grandes dificuldades nos setores produtivos, a economia brasileira apresenta grandes dificuldades para trilhar uma taxa de crescimento econômico mais sólido e consistente, com isso, as perspectivas para o próximo ano ainda são bastante instáveis, incertezas e preocupações reinam em todos os setores.

O século XXI trouxe inúmeras novidades para a economia brasileira, depois de uma estabilização monetária marcada por graves problemas cambiais, o país inicia o século com novas perspectivas, em 2003 assume a presidência o torneiro mecânico Luís Inácio Lula da Silva, o programa defendido nas eleições do ano anterior pregava, inicialmente, o rompimento de políticas do governo anterior mas, quando as perspectivas de vitória cresceram, inúmeras medidas foram tomadas para agradar ao mercado e os setores produtivos, culminando na eleição de um partido político com um discurso de esquerda, intervencionista e fortemente centrado no forte papel do Estado na economia.

O primeiro mandato foi marcado por arrocho econômico, queda do investimento produtivo e uma política restritiva, o objetivo declarado na época era criar as condições para um salto mais sólido no crescimento econômico, isto se fazia necessário porque o governo anterior foi responsável pelo desmonte da economia e aumentado o passivo do governo, exigindo uma política de reequilíbrio dos setores econômicos, a isso o novo governo chamou de herança maldita, ganhando assim na narrativa e colocando os adeptos do governo anterior na defensiva.

Para angariar o apoio das classes economicamente mais elevadas, o governo petista implementou as políticas que vinham sendo adotadas pelo governo FHC, o chamado tripé macroeconômico: cambio flutuante, superávit primário e metas de inflação, é importante destacar que os petistas eram ferrenhos críticos destas políticas quando se encontravam na oposição, usando argumentos fortes e eleitoreiros para inviabilizá-las.

As metas de inflação eram descritas como um instrumento que dava ao Banco Central uma autonomia para levar os índices inflacionários a valores previamente acertados pelas autoridades monetárias, com isso, o governo passava a impressão ao mercado e para toda a sociedade que possuía instrumentos sólidos para controlar a inflação e orientar a sociedade.

O superávit primário foi elevado para 4,2%, levando o governo a promover um forte arrocho nos gastos com o intuito de mostrar para o mercado que suas políticas eram sustentáveis e que o país não mergulharia no caos econômico, como muitos setores do empresariado e da academia, tanto nacional como estrangeira acreditavam e divulgavam abertamente.

O câmbio flutuante seria a manutenção de uma política que já vinha sendo adotada desde 1999 e que trouxe benefícios para o setor produtivo, por esta política as variações cambiais eram aceitas enquanto as mudanças não fossem muito severas e gerasse desequilíbrios macroeconômicos, esta política é adotado desde o final do século anterior e sobreviveu a quatro governos diferentes e ideologias diversas.

Com as denúncias referentes ao chamado mensalão, o governo se vê em uma trajetória defensiva, as discussões relevantes são deixadas de lado e o país se concentra em discussões secundárias, levando a economia a andar em marcha lenta, com as eleições e posterior vitória eleitoral, o segundo governo Lula se volta para a adoção das políticas mais afeitas ao Partido dos Trabalhadores, os gastos públicos são incrementados e o Estado despeja inúmeros recursos em políticas centradas nos gastos governamentais.

Com a Crise de 2008, a chamada Crise Imobiliária ou Crise do Sub-prime, o governo implementa novas políticas públicas, desonerações de variados setores, linha branca e automobilístico, lideram as políticas de incentivo, todas objetivando o incremento dos indicadores e evitando que o país sentisse os impactos da crise originária dos Estados Unidos que afetava toda a economia mundial. Para dinamizar tais medidas, o governo Lula destaca as instituições financeiras ligadas ao governo federal para aumentar os empréstimos e financiamentos, todos com o intuito de evitar que o país entrasse em recessão.

Estas políticas intervencionistas geraram crescimento econômico e elevaram o capital político do governo, os índices de popularidade aumentavam e o país vivia um dos seus melhores momentos, crescimento da renda, inflação sob controle, empregos em alta, inclusão de grupos sociais até então marginalizados e perspectivas políticas e econômicas bastante favoráveis, todo este cenário fez com que a revista inglesa The Economist, um dos maiores berços do conservadorismo ocidentais, retratasse em sua capa uma imagem que gerou grandes aplausos para a sociedade brasileira, uma imagem do Cristo Redentor decolando, o mundo se curvava ao carisma do presidente Lula.

No ambiente político, o cenário era bastante confuso para os oposicionistas, o ambiente favorável fez com que os petistas conseguissem eleger novos nomes para cargos públicos e se fortalecerem politicamente mas, ao mesmo tempo, consolidavam uma forte dependência do presidente Lula, criando uma situação sui generis, onde o Lulismo era maior e mais consistente que o próprio petismo.

Na eleição de 2010, o petismo consegue eleger Dilma Rousseff, um nome pouco conhecido pelo público em geral, ex-ministra da Casa Civil e das Minas e Energias, seu nome bancado pelo presidente Lula derrota um dos políticos mais tradicionais destes últimos 30 anos, o tucano José Serra, que deixa o governo paulista para se candidatar e perde para a candidata do presidente, para muitos críticos, mais um poste do presidente Lula.

O novo governo herda uma economia em franco crescimento econômico, inflação sob controle, renda em ascensão, desemprego em queda, o país alcançou 7,5% de crescimento do produto interno bruto em 2010, uma marca que o país não alcançava desde os anos de crescimento do Milagre Econômico, no período 1968-1972, todos estes números eram motivos de comemoração mas, ao mesmo tempo, geravam grandes expectativas sobre a sustentabilidade deste momento de expectativas positivas.

O governo Dilma se caracterizou por políticas de desoneração fiscal, controle dos preços dos combustíveis e intervenção constante nos mercados, dentre eles destacamos as políticas adotadas no setor de energia, criando expectativas bastante negativas para o sistema econômico e produtivo, em uma delas o governo força uma queda nas taxas de juros para estimular o crescimento dos investimentos produtivos, esta política vista na época como uma forma de estimular os gastos e a geração de novos empregos, teve como consequências, graves impactos fiscais que culminaram, posteriormente, em um grave rombo fiscal para a economia brasileira, cujos impactos sentimos até os dias atuais.

Novas políticas públicas foram implementadas para aumentar os investimentos do Estado, desde o incremento nas obras até as políticas do setor educacional, que visavam uma maior capacidade de produção e desenvolvimento tecnológico, dentre elas destacamos o Pronatec, o Fies e o Ciências sem Fronteiras, todas políticas que tiveram muita receptividade na sociedade, destacamos ainda os aumentos nos gastos do setor educacional, onde o governo mantém as políticas iniciadas no governo anterior de expansão das universidades federais e o incremento dos Institutos Federais, cujos impactos foram bastante positivos mas os custos fiscais aumentaram imensamente, calcula-se que, apenas em pessoal o MEC aumentou de 189.637 funcionários para 299.244, um incremento de quase 110 mil postos de trabalho.

Apesar dos fortes investimentos na área, não percebemos mudanças substanciais na educação brasileira, isto se deve a um erro estrutural dos gastos do Estado na educação, cuja grande maioria se concentra no ensino superior em detrimento dos investimentos na educação básica, apenas para ilustrar, em 2017, o gasto primário da União com educação superior somou R$ 75,4 bilhões enquanto com a educação básica, R$ 34,6 bilhões.

O governo Dilma Rousseff se caracterizou pelas falhas constantes na interlocução com o Congresso Nacional, as dificuldades da presidente de negociar com o Legislativo abriu espaço para que muitos grupos descontentes com o governo se transformasse em adversários críticos e atuantes, dentre eles destacamos aqueles liderados pelo Presidente da Câmara, o deputado carioca Eduardo Cunha que deu início ao impeachment da presidente, iniciando um período de fortes nebulosidades para o país, onde vivenciamos uma verdadeira escuridão, as discussões eram todas enviesadas, as políticas públicas ficaram, em sua maioria, paradas ou tocadas em ritmo lento, os investimentos estatais minguaram e a economia entrou em um ritmo lento, as expectativas econômicas eram negativas e os investimentos minguaram.

Os grupos se digladiavam nas ruas, de um lado os defensores da presidente Dilma, defendiam seu legado acusando os outros de golpistas, do lado contrário, víamos um crescimento nos grupos conservadores que surgiam e cresciam , ganhavam musculatura, faziam barulho e ganhavam adeptos, a reflexão crítica inexistia em ambos os grupos, o debate respeitoso não existia, os conflitos eram constantes e o reacionarismo levava a desagregação, amigos que anteriormente se respeitavam agora se antagonizam abertamente, o Brasil virou palco de fortes conflitos que, felizmente, não se transformaram em guerra civil.

Para piorar todo o cenário, o debate sobre a corrupção crescia e ganhava força, a operação Lava Jato descobria grandes conchavos entre os grupos empresariais mais poderosos e políticos inescrupulosos, as investigações perpassavam todos os partidos e grupos políticos, todos se defendiam dizendo que as sobras eram recursos não contabilizados de campanhas e não poderia ser caracterizados como corrupção, neste momento estávamos descobrindo características nossas, enquanto sociedade, que até então poucos imaginavam existir, para os otimistas um momento maravilhoso, onde a depuração levaria ao nascimento de um país melhor e de uma sociedade mais consciente agora, para os pessimistas, mais um capítulo da história suja de corrupção e degradação dos valores morais e republicanos da sociedade brasileira, depois dos anões do orçamento o mensalão, o petrolão e quanto mais viriam até o Brasil se libertar desta pilhagem?

O Impeachment leva Michel Temer ao poder, o Brasil tem outro presidente, a formação do ministério deixa claro os interesses que passam a governar a sociedade da época, Romero Jucá, Gilberto Kassab, Moreira Franco, Eliseu Padilha…. nomes próximos ao presidente assumem os ministérios e trazem para o poder suas fichas corridas, inquéritos e investigações policiais os envolvem diretamente e faz do “novo” governo um exemplo de degradação moral das mais severas, para os que se empenharam na retirada de Dilma Rousseff, a ascensão de Michel Temer representou mais do mesmo, corrupção, patrimonialismo, ineficiência e degradação da coisa pública.

Depois de dois anos do governo Michel Temer os resultados são ínfimos, de um começo bastante contraditório no campo político, algumas medidas econômicas geraram expectativas positivas, dentre elas destacamos a aprovação do Teto dos Gastos, política que definia que os gastos públicos não poderiam crescer além do crescimento do produto interno bruto do ano anterior, esta medida foi muito comemorada pelo mercado e trouxe bons dividendos para o governo, destacamos ainda as políticas criadas para reverter as desonerações do governo anterior, as discussões sobre a Reforma de Previdência, as concessões públicas e as medidas criadas para a privatização das empresas estatais, todas muito comemoradas pelos grupos empresariais que viam na ausência das privatizações como um dos grandes equívocos do governo anterior.

As medidas defendidas pelo governo Temer geraram grandes expectativas nos setores financeiro e produtivo, que viam novas oportunidades de negócio e aumento nas taxas de lucros, as privatizações deveriam ser estimuladas, o Estado não administrava da melhor forma seus ativos, o déficit público crescia e exigia medidas urgentes e emergenciais, obrigando o governo a alienação de ativos públicos para cumprir com seus compromissos, evitando calotes e renegociações de dívidas, medidas estas vistas como um forma de descumprimento dos acordos com os agentes econômicos e produtivos.

A Reforma da Previdência era vista como uma medida central e necessária, o crescimento da longevidade da população e as novas formas de trabalho que surgiam com a quarta revolução industrial, elevavam os gastos previdenciários e colocava todo o sistema em xeque, a falência do modelo anterior de distribuição era evidente e a adoção de novas políticas era uma das mais urgentes medidas de política econômica, para angariar apoio para estas medidas o governo precisava de uma forte base parlamentar, eram necessários 308 votos, uma maioria que poucos governos conseguiriam construir, ainda mais um governo que ascendeu ao poder de uma forma tão controversa, não advogo a tese de que o governo Michel Temer não seja legítimo, embora acredite que este governo carece de uma maior sustentação política e eleitoral para propor e levar a cabo estas medidas, isto porque são medidas que impactam sobre a vida de todos os trabalhadores e, por isso, carecem de uma maior discussão social e política, exigindo um governo legitimado pelas urnas e não um governo que apresenta números tão ruins de avaliação popular.

A Reforma da Previdência é um instrumento fundamental de governabilidade para o próximo presidente, somente com uma reforma equilibrada que o país conseguira reverter esta crise fiscal que tantos constrangimentos causam a sociedade brasileira agora, não teremos nenhuma mudança no campo fiscal se, nesta reforma, não forem contempladas alterações substanciais nas aposentadorias de altos servidores federais, enquanto a média de aposentados do INSS está na casa dos R$ 1,6 mil, os servidores federais apresentam valores mais de dez vezes maiores, o que inviabiliza uma sociedade cujos trabalhadores estão vivendo mais, o que é bastante positivo, e os modelos de contribuição estão sendo colocados em xeque, isto porque a solidariedade intergeracional se reduz de forma acentuada com o passar dos anos e com as transformações na estrutura do emprego, do trabalho e da empregabilidade.

Para muitos setores da sociedade, o combate a corrupção deve ser o mais urgente dos instrumentos de políticas públicas na atualidade, segundo estes setores, o país chegou a tanto desajustes nesta área que, toda e qualquer política pública séria deveria priorizar este combate, somente assim conseguiríamos melhorar a eficiência do Estado e abrir espaço para novos investimentos sociais que auxiliaram na melhoria dos indicadores sociais.

A corrupção é, dentre os problemas brasileiros, um dos mais significativos, seu combate é fundamental e deve ser uma exigência de todos os grupos sociais e até uma das formas mais importantes para que a classe política reconquiste seu espaço perante o eleitor e, principalmente, se consolide diante de uma sociedade que vê a classe política como um dos setores mais retrógrados e ineficientes do país, contribuindo para demonizar a política, o que preocupa completamente pois a política é um instrumento central dentro da sociedade democrática, embora tenhamos variados distúrbios não podemos esquecer que a não política interessa apenas aqueles que se locupletem com a demonização das práticas políticas reinantes.

Neste ambiente de letargia, a economia brasileira pouco cresce, depois de mais de 9% de queda no produto interno bruto, no período 2015/2017, a recuperação é lenta e insuficiente, os grupos mais necessitados aumentam de forma exponencial, com isso, percebemos uma piora na distribuição da renda, aumento no desemprego, degradação nas formas de trabalho, queda considerável no investimento e um crescimento da pobreza e da desigualdade social, com isso, todas as conquistas dos últimos vinte anos se perdem e passam a comprometer a sustentabilidade social do país, que vê um crescimento na violência, incremento na mortes e assassinatos e piora considerável nos indicadores relacionados à segurança pública.

Ao mesmo tempo, percebemos que alguns setores da sociedade permanecem acumulando benefícios e vantagens consideráveis, o lucro do setor bancário cresce de forma exponencial, os benefícios da classe política continuam crescendo e a riqueza gerada no sistema se concentra, cada vez mais, nas mãos dos mesmos grupos de privilegiados, com tudo isso, percebemos que o discurso de austeridade continua e deve continuar por mais algum tempo, o interessante disso tudo é que a austeridade exigida pelo sistema afeta apenas os cidadãos do andar de baixo, os de cima se locupletam com as benesses de um Estado falido e de uma sociedade marcada e dominada por corporativismos.

O governo petista foi exitoso nas políticas sociais, as condições da sociedade melhoraram e o governo se utilizou desta melhora para alavancar investimentos sociais que contribuíram para inserir os grupos e setores, historicamente, excluídos da sociedade na sociedade de consumo, esta política se esgotou, o Estado perdeu a condição de sinalizar as melhores políticas para a sociedade, a crise fiscal e os conflitos políticos fragilizaram os agentes públicos e, com isso, faz-se necessário novos elementos para a construção de um novo ciclo de desenvolvimento econômico, enquanto os recursos eram vastos e abundantes, o governo conciliava os interesses dos vários grupos econômicos e sociais, os setores financeiramente mais sólidos ganhavam e os menos dotados financeiramente também conseguiam acumular recursos, com os desajustes fiscais o governo se viu numa encruzilhada, evitando fazer escolhas mais consistentes preferiu trilhar um caminho perigos, aumentou o endividamento público e, com isso, acabou aumentando o déficit público e gerando temores de calote na dívida pública.

O governo Michel Temer herdou uma situação fiscal insustentável, como o governo anterior se esquivava de um ajuste fiscal mais sólido para evitar críticas de seus apoiadores mais ferrenhos, o impeachment serviu claramente como uma nova bandeira da esquerda para continuar sua defesa incondicional do papel central do Estado na sociedade, com isso, o ajuste se faz necessário e central, os custos deste ajuste são severos e serão sentidos por todos os grupos sociais, principalmente os setores de baixa renda, com a redução dos gastos públicos os mais pobres verão sua situação piora de forma sensível e inevitável.

O Brasil vem passando por grandes ajustes nos anos recentes, de um período de forte crescimento econômico para os padrões nacionais até uma das maiores recessões, cujos impactos afetaram a todos os grupos sociais, o país se encontra em um momento crucial, uma verdadeira encruzilhada, os desafios são imensos e exigem medidas cruciais, austeridade de um lado e investimentos em outros, é chegada a hora de uma escolha que a classe política posterga a muitas décadas, a construção de um projeto para o país e a resposta para uma pergunta que muito nos incomoda: qual o país que queremos?

Todos queremos um país desenvolvido, com serviços públicos decentes, mão de obra qualificada e novas oportunidades de progresso e ascensão social, na primeira década do século XXI passamos a acreditar que um futuro melhor estava próximo, o crescimento econômico nos trazia grandes esperanças, um futuro melhor estava sendo construído, depois da forte recessão posterior a 2014, onde a economia regrediu mais  de 9% e a população se viu mais pobre e desesperançada,  as preocupações quanto ao futuro retornam de forma cada vez mais intensa, os resultados vindouros devem ser definidos agora, reflitamos sobre nossos problemas para que possamos compreender nossas dificuldades e construir um futuro melhor, mais sólido e consistente para todos e não apenas para uma pequena parcela da população.

 

 

Memórias de um suicida

0

Uma das mais importantes obras da literatura espírita, o livro Memórias de um Suicida psicografado por Yvonne do Amaral Pereira e ditado pelo espírito do grande escritor português Camilo Castelo Branco, se destaca como um dos mais importantes do século XX, uma leitura fundamental.

 

Faça Download do Artigo

O fim de Eddy

0

Um depoimento chocante sobre as dificuldades de um jovem homossexual de uma pequena cidade francesa, vítima de bullying, humilhado e maltratado na escola e perante sua própria família, uma leitura fundamental para compreendermos um pouco das dificuldades que as minorias passam numa sociedade doente e patologicamente comprometida.

 

Faça Download do Artigo

Curso de Ciências Econômicas – Unirp

0

Novo curso da Unirp, Ciências Econômicas, sejam todos bem vindos!!

Pós Graduação Senac

0

Excelente turma do Senac de pós graduação em Controladoria e Finanças.

Jessé Souza: É preciso explicar o Brasil desde o ano zero

0

Entrevista para Amanda Massuela – Revista CULT – 19 de outubro de 2017.

O sociólogo Jessé Souza, autor de ‘A elite do atraso’, lançado pela editora Leya (Divulgação)

Em A elite do atraso – Da escravidão à Lava Jato, Jessé Souza quer fazer o que, em sua opinião, nenhum intelectual da esquerda jamais fez: explicar o Brasil desde o ano zero. Isso porque se ideias antigas nos legaram o tema da corrupção como grande problema nacional – conforme defende no livro -, só mesmo novas concepções sobre o país e seu povo poderiam explicar, de uma vez por todas, que as raízes da desigualdade brasileira não estão na herança de um Estado corrupto, mas na escravidão.

Para tanto, o sociólogo confronta uma das principais obras do pensamento social brasileiro, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda – responsável por utilizar pela primeira vez a ideia de patrimonialismo para definir a política nacional. Jessé compreende que o conceito – segundo o qual o Estado brasileiro seria uma extensão do “homem cordial” que não vê distinções entre público e privado – serve para legitimar interesses econômicos de uma elite que manda no mercado, este sim a real fonte de corrupção e poder.

Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e professor da UFABC, Jessé Souza é autor de 27 livros, incluindo A ralé brasileira: quem é e como vive(2009), A tolice da inteligência brasileira (2015) e A radiografia do golpe (2016). Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2015 e 2016, coordenou pesquisas de amplitude nacional sobre classes e desigualdade social. Em entrevista à CULT, o sociólogo critica a existência de uma interpretação dominante sobre o Brasil e aponta os motivos pelos quais a sociedade brasileira em 2017 não passa de uma continuidade da sociedade escravocrata de 500 anos atrás.

No livro você afirma que Sérgio Buarque de Holanda inaugurou uma forma de pensar o brasileiro como negatividade que se estende ao Estado, visão que teria influenciado de Raymundo Faoro a Sergio Moro. Por que essa chave de leitura tem tanta força?

Essa ideia foi montada para defender interesses econômicos. Às vezes me espanto como não se percebeu isso antes. Quando a elite paulistana perde o poder político para Vargas em 1930 – e perde para um movimento de classe média, que estava se formando no país naquela época -, ela começa a organizar um poder ideológico para condicionar o poder político a atuar conforme as suas regras. Isso foi dito, articulado, pensado. Esse pessoal já tinha fazendas de café, as grandes indústrias em São Paulo, já tinha controle sobre a produção material e aí constroem as bases para o poder simbólico – e a sociedade moderna vive desse poder simbólico. Essa elite cria a Universidade de São Paulo, que vai formar professores de outras universidades e que vai produzir conceitos importantes para que essa elite, tirando onda de que está fazendo o bem, faça efetivamente todo mundo de imbecil para que seus interesses materiais e políticos sejam preservados.

Que conceitos são esses?

São duas ideias que nos fazem de imbecis. Uma delas é a do patrimonialismo, em que há uma distorção da fonte do poder social real,  como se o Estado fosse montado para roubar, vampirizar e fazer o mal – e como se nada acontecesse no mercado. Embora seja uma instância de poder importante, no capitalismo quem comanda o poder é o mercado. Há uma tradição inteira, 99 de 100 intelectuais até hoje professam esse tipo de coisa. Sérgio Buarque inaugura [esse pensamento no Brasil], depois Raymundo Faoro dá uma profundidade histórica e Fernando Henrique Cardoso transforma isso em teoria; o programa político do PSDB é todo retirado de Raízes do Brasil. Mas também influenciou a esquerda. Sérgio Buarque foi um dos fundadores do PT, fez todo mundo de imbecil, da direita à esquerda. E como a esquerda não tem uma concepção autônoma de como a sociedade funciona, de como o Estado funciona, ela chega ao poder com um plano econômico alternativo, mais inclusivo, e acha que as pessoas por alguma mágica vão perceber que aquilo é bom pra elas. A esquerda nunca fez o que a direita e a elite fizeram.

Por que a esquerda nunca articulou uma narrativa contrária a essa?

Porque foi incapaz. Porque não foi inteligente, porque se deixou imbecilizar. Porque o tema do patrimonialismo é tratado como crítica social: “Olha, estamos descobrindo quais são as mazelas brasileiras, um gene da corrupção de 800 anos que nos toma a todos”. Isso significa que o Estado [teoricamente] vampiriza e não deixa as forças “emancipadoras” do mercado agirem – como se o mercado, em algum lugar do mundo tivesse sido emancipador por si próprio. Os países campeões do liberalismo como Inglaterra e Estados Unidos têm uma estrutura de Estado extremamente forte, foram protecionistas – e depois dizem a outros países serem o que eles mesmos nunca foram. Isso deu esse charme – o “charminho crítico”, como eu chamo – a esse tipo de ideia como o patrimonialismo, que muitas vezes a esquerda comprou.

O segundo conceito chave, também inventado na Usp, foi o populismo, que torna suspeito e criminaliza tudo aquilo que vem das classes populares – inclusive qualquer liderança associada a elas, que são também estigmatizadas e suspeitas de estarem manipulando a tolice “inata” dessas classes. Eu estudei por décadas os muito pobres e eles são muito mais inteligentes do que a classe média. Eles veem a política como o jogo dos ricos em que todo mundo rouba enquanto a classe média se deixa engambelar por esse tipo de coisa. A classe média foi montada para ser idiotizada, é uma espécie de capataz da elite entre nós.

Na história do pensamento social brasileiro nenhum intelectual chegou perto de romper com essas duas ideias, na sua opinião?

Florestan Fernandes saiu um pouco disso porque estudou dilemas e conflitos de classe; Celso Furtado foi outro genial que percebeu coisas importantes que não têm nada a ver com esses esquemas. Mas esses caras não reconstruíram a história do Brasil como um todo. Foi essa a ambição que eu tive nesse livro porque eu percebi que, para atacar esse negócio e dar nele um nocaute, é preciso fazer o que eles [a elite] fizeram: explicar o Brasil desde o ano zero. O que foi, como foi, por que somos hoje o que somos e o que isso implica para o nosso futuro. Eu tentei fazer o que esses caras não fizeram, apesar de termos tido críticos que discutiram aspectos parciais de modo extremamente importante. Mas se não reconstruirmos o todo, as lacunas do que construímos apenas parcialmente serão invadidas pela teoria dominante, daí Florestan usar o patrimonialismo e essa bobagem toda.

Esse pessoal diz que nosso berço é Portugal e que de lá vem a nossa corrupção – uma coisa que me dá raiva de tão frágil, já que corrupção é um conceito moderno que implica a noção de soberania popular que é coisa de 200 anos. O nosso berço é a escravidão, que não existia em Portugal a não ser para os muito ricos. Não era fundante, era marginal, nunca foi mais de 5%, enquanto nós fomos montados nela. Essa teoria sobre o Brasil, que se põe como científica, no fundo não vale um centavo furado. É montada a partir de ilusões do senso comum, como se a tradição cultural fosse transmitida pelo sangue. São instituições concretas que nos moldam, é a forma da família, da escola que faz com que sejamos o que somos.

No livro você comenta que um dos principais problemas do Brasil é que aqui não houve nenhum tipo de reflexão acerca da escravidão. Quais são os efeitos práticos disso na sociedade brasileira, hoje?  

Literalmente tudo. Primeiro há a naturalização da miséria e do sofrimento alheio. Todas as sociedades já foram um dia escravocratas, apenas a Europa, no Ocidente, quebrou com a herança escravista do mundo antigo. Isso significa que embora a pessoa seja socialmente inferior a você, ela não será tratada como uma coisa, mas como um ser humano. E com as lutas sociais por igualdade, são produzidos processos coletivos de aprendizado na qual a dor e o sofrimento do outro podem ser revividos em cada um. Nós, por outro lado, mantivemos essa subhumanidade. Nós não nos importamos com a dor e com o sofrimento dos pobres, as evidências empíricas são claríssimas como a luz do sol, inegáveis para qualquer pessoa de boa vontade. A polícia mata pobres indiscriminadamente – e faz isso porque a classe média e a elite aplaudem. Houve recentemente essa coisa completamente absurda e bárbara das matanças nos presídios, e a classe média aplaudiu. São provas de que temos, como sociedade, ódio aos pobres. Isso veio da escravidão, em que havia uma distinção muito clara entre quem é gente e quem não é. Por isso, não nos importamos com o tipo de escola e de hospital que essa classe vai ter, por exemplo, o que é uma enorme burrice porque estamos criando inimigos, ressentimento. A Alemanha fez um esforço extraordinário para incorporar os 17 milhões que viviam na Alemanha Oriental, tornando seu mercado mais forte, mas aqui a gente simplesmente joga no lixo esse tipo de coisa porque nunca criticamos a nossa herança escravocrata, porque acreditamos nessa baboseira de herança portuguesa da corrupção. Raymundo Faoro tratava a existência de senhores de escravos como algo banal, quando na verdade o senhor de escravo deve estar no centro [da análise], já que todas as outras instituições vão se montar a partir daí. É uma continuidade absurda de 500 anos e nós somos cegos a isso.

Como essa continuidade aparece?

A família dos muito pobres repete há 500 anos a família dos escravos e eles ainda fazem o mesmo tipo de serviço que faziam antes, são escravos domésticos. Fazem parte de famílias desestruturadas, uma vez que na escravidão não se estimulava que o escravo tivesse família porque era preciso humilhá-lo, abatê-lo. Exatamente como acontece hoje. A escravidão só prospera com o ódio ao escravo e o Brasil de hoje é marcado por uma coisa central que só um cego não vê, o ódio ao pobre. A humilhação do pobre. O PT caiu não por causa da corrupção – que pode ter existido, é bom ver as provas -, mas porque tocou no grande pecado de ter diminuído um pouquinho a distância entre as classes. A distância desses 20% para os 80% é a pedra de toque para esse acordo de classes absurdo no Brasil.

O único país que se assemelha a nós no planeta é a África do Sul. Vivemos um apartheid aqui. Governos de esquerda caem, acontecem golpes de Estado toda vez que tentam diminuir essa distância entre as classes. Com isso você constrói dois planetas dentro de um mesmo país, é isso o que temos hoje. Como a classe média não pode transformar esse seu ódio ao pobre em mensagem política – porque isso seria canalhice e temos essa influência cristã -, ela utiliza o pretexto da corrupção já dado pelos nossos intelectuais no tema do patrimonialismo. Todas as elites estudaram em todas as universidades essa mesma bobagem, todo jornal repetiu e repete em pílulas essa mesma imbecilidade, fazendo com que as pessoas internalizem isso como uma verdade absoluta.

Você afirma no livro que a crise atual do Brasil é “também e principalmente uma crise de ideias”. Partindo disso, quanto dessa crise a gente pode colocar na conta da própria esquerda, já que ela nunca se mobilizou para produzir outra interpretação do Brasil?

Ela nunca se mobilizou, isso é uma fraqueza e eu acho que temos que mudar isso. Eu decidi transformar a minha vida nisso, por exemplo. Tem que começar em algum momento. Eu tive sorte porque morei muito tempo fora do Brasil e de algum modo peguei um olhar externo. Tem um grande filósofo que diz que o que propicia o conhecimento é o fato de você conhecer aquele lugar, mas estranhá-lo, ou todas as coisas viram naturais. E se tudo é natural você não interroga, não há dúvida.

Um estudo recente do Instituto Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Datafolha mostra que, numa escala de 0 a 10, a sociedade brasileira chega num índice de 8,1 na predileção por posições autoritárias, principalmente entre jovens de 16 a 24 anos. Como interpreta esse dado?

É de fácil explicação. A partir de 1980 há um partido que nasce de baixo para cima. Nunca havia existido isso entre nós, um partido que congrega trabalhadores rurais e urbanos – eu tenho muitas críticas ao PT, mas é inegável que ele foi uma inflexão importante nessa história da escravidão. E ele passa a representar uma demanda por igualdade nessa sociedade perversamente desigual. Quando você afirma que esse partido é uma organização criminosa – usando no fundo aquela ideia do populismo, de que tudo o que vem das classes populares é estigmatizado – você está afirmando que a igualdade não é um fim, mas um mero meio, uma estratégia de assalto ao Estado. Ora, para onde vai a raiva justa dos 80% dos excluídos se ela não pode ser expressa de modo político e racional? Vai ser expressa de modo pré-político, ou seja, violência pura. A Globo e a Lava Jato criaram Jair Bolsonaro, só o cego ou o mal intencionado não vê. Esse namoro com o autoritarismo tem a ver com o ataque midiático, esse conluio entre Rede Globo e Lava Jato, e eu espero que esse pessoal pague por isso um dia.

No limite, essa chave de leitura inaugurada por Sérgio Buarque serve para justificar golpes de Estado e a Lava Jato, por exemplo?

Sim, a Lava Jato não tem nada a ver com acabar com a roubalheira. Até porque a roubalheira aumentou, isso é visível agora que temos no governo uma turma da pesada. É claro que a corrupção dos políticos existe, mas é uma gota no oceano. Esses caras são meros lacaios do mercado, os office-boy, é o que o nosso presidente é. Se você disser que o sistema inteiro é corrupto e que ele foi montado assim para que o mercado pudesse comprá-lo, aí você estaria esclarecendo alguma coisa, mas quando se diz que apenas um partido, aquele das classes populares, rouba, isso é uma mentira e um crime.

Vê saídas para essa tendência autoritária observada na sociedade brasileira?

Não tem nenhum outro modo, os seres humanos precisam ter ideias, sem ideias não dá para ir a lugar algum. É claro que isso tudo pode ficar ainda pior, a gente pode chegar a formas fascistas, mas o que a elite quer é dinheiro, se for por uma ditadura militar, se for matando gente, não tem nenhuma importância. Fato é que nesse instante de crise estamos com as vísceras à mostra e isso é uma oportunidade de vermos a podridão desse esquema que foi montado por essa elite usando e imbecilizando não só a classe média, e retirando a possibilidade de levarmos a vida de modo reflexivo. O que esse pessoal nos tirou foi a possibilidade de aprendizado da sociedade brasileira baseado na reflexão. E isso é impagável.

 

“É preciso ampliar e demonstrar, de forma clara, a relevância do tema Educação Financeira.”

0

MARCELO BARBOSA, PRESIDENTE DA CVM por Ronnie Nogueira – RI

O advogado Marcelo Santos Barbosa foi nomeado em 25/08/2017, por decreto do presidente Michel Temer, para cumprir mandato de 5 anos à frente da presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Tendo tomado posse em 06/09/2017, seu mandato vai até 14 de julho de 2022.

Marcelo Barbosa é bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Direito (LL.M) pela Universidade Columbia, em Nova Iorque, EUA. Sócio-fundador do Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados, possui experiência relevante em operações societárias e de mercado de capitais, assessorando, desde a década de 1990, clientes em operações de private equity e fusões e aquisições.

Foi professor de Direito Comercial – Sociedades Anônimas da UERJ (2000-2001), e de Direito Societário no Programa de Educação Continuada da FGV-Rio (2007-2015). Desde 2016, também atua como professor de Casos Concretos de Direito Societário e Mercado de Capitais da FGV-Rio.

Barbosa foi presidente do Conselho Curador da Fundação Estudar e membro do Conselho Consultivo do Columbia Global Centers Latin America (Rio de Janeiro) e do Comitê de Aquisições e Fusões (CAF), bem como conselheiro Fiscal da Fundação Lemann. Também é autor de artigos sobre temas de Direito Societário e de Mercado de Capitais e palestrante em conferências no Brasil e no exterior.

Para realizar esta entrevista exclusiva com o “xerife” do mercado, solicitamos à destacados players do mercado – membros do Conselho Editorial da Revista RI e do Conselho do CODEMEC – Comitê de Divulgação do Mercado de Capitais – que formulassem perguntas, sobre suas áreas de atuação, dirigidas ao presidente da CVM. Acompanhe a entrevista.

RONNIE NOGUEIRA: Como está evoluindo a execução do Plano Estratégico da CVM – apresentado em 2013 por seu antecessor Leonardo Pereira – que listava 15 objetivos a serem perseguidos pela autarquia até 2023? Quais desses objetivos, como as simplificações de procedimentos, estímulos aos investimentos e medidas de proteção aos aplicadores já foram colocados em prática? E, quais as iniciativas que deverão sair do papel no horizonte próximo?

Marcelo Barbosa: O Plano tem sido de grande valia para a condução das atividades da CVM, na medida em que fornece uma identificação de objetivos institucionais e permite estabelecer linhas a serem seguidas pela casa. No momento, temos seis projetos estratégicos em execução e que estão relacionados a algumas temáticas importantes: desde uma revisão do próprio Planejamento Estratégico, passando por questões como atividade sancionadora, tecnologia, capacitação, arrecadação e, mais recentemente, custo de observância no âmbito do perímetro regulatório da CVM. Além disso, 12 projetos estratégicos foram executados e concluídos e já geram resultados visíveis, tais como o aperfeiçoamento da capacidade da CVM de identificar indícios de crime de uso de informação privilegiada, a criação do Centro Educacional CVM/OCDE, o aprimoramento do regime sancionador da Autarquia, a reformulação do portal institucional como ferramenta de comunicação com a sociedade, entre outros. Projetos voltados ao público interno, como o desenvolvimento de programa de capacitação e meritocracia e reavaliações das estruturas física e organizacional também foram desenvolvidos.

Thomas Tosta de Sá: Quais são suas prioridades para o desenvolvimento do mercado de capitais – um dos mandatos da CVM – aproveitando a conjuntura de redução da inflação e da taxa de juros e a escassez de recursos do BNDES para continuar emprestando com juros subsidiados?

Marcelo Barbosa: Com taxas de juros menores, melhoram as condições para a expansão do ritmo do desenvolvimento do mercado de capitais. Temos trabalhado em frentes importantes para a consecução desse objetivo, como, por exemplo, a redução dos custos de observância e a inclusão financeira. O acesso das empresas ao mercado também precisa ser constante foco de nossa atenção, não apenas por meio do aumento do número de empresas listadas, mas, igualmente, pela expansão do mercado de dívida.

Geraldo Soares: Como a CVM pode contribuir para trazer uma gama maior de empresas ao mercado bursátil? Menor regulamentação, simplificação de processos, redução de custos, etc – que hoje representam fatores inibidores do desenvolvimento do mercado?

Marcelo Barbosa: Esta é uma pauta importante que vem sendo tratada em conjunto com vários segmentos de mercado. A discussão sobre flexibilidade nas regras pode sempre ser mantida, mas sem perder de vista os limites que são colocados pela necessidade de transparência e segurança dos diversos participantes envolvidos. Projetos de criação de mercados de acesso apresentam desafios importantes que precisam ser avaliados com cautela para que possam ser efetivos.

Mário Bandeira: Ouve-se muito falar que o quadro de funcionários da CVM está muito abaixo do que seria o ideal. Isto poderá causar transtornos no futuro? Qual a razão, e o que deve ser feito para resolver essa situação?

Marcelo Barbosa: Qualquer organização sofre com a escassez de pessoal. A Autarquia realiza um acompanhamento cuidadoso dessa questão, e temos mantido um diálogo construtivo com os Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Para termos condições de lidar com nossas diversas atribuições da forma mais eficiente possível, mantemos permanente esforço de priorização de tarefas, como em toda organização.

Roberto Teixeira da Costa: Num mundo em transformação com tecnologias disruptivas, cada vez mais percebida no que convencionamos chamar de IV Revolução Industrial, como as Comissões de Valores estão se estruturando, e particularmente a CVM?

Marcelo Barbosa: A evolução tecnológica e a crescente utilização de tecnologia em benefício do mercado de capitais são acompanhadas pela CVM, inclusive por meio de grupos de trabalho internos. Nossa atuação no estímulo à adoção de novas tecnologias capazes de aperfeiçoar o mercado é conhecida. Temos em andamento o projeto estratégico CVMTech que possui, dentre seus objetivos, avaliar e, sempre que entender relevante, sugerir iniciativas que permitam reverter, para a CVM, os benefícios das novas tecnologias financeiras. Este projeto tem sido exitoso e nos propiciou um conhecimento bastante aprofundado das possibilidades do emprego da tecnologia no desempenho de nossas funções. Participamos de foros locais e internacionais e reconhecemos que a atividade de regulação não pode ser feita de forma a desconsiderar os avanços, sob pena de perder espaço para mercados mais adaptáveis. Tudo isso, obviamente, sem comprometer o princípio fundamental da segurança do investidor.

José Luiz Osório: Um fator importante para o desenvolvimento do mercado de capitais é a presença de gestoras de investimento independentes que além de competirem com as instituições financeiras atraindo poupança pública a taxas mais competitivas, são normalmente especializadas em classes de ativos ou com filosofia de investimento diferenciada o que as faz atrair um volume maior de capital estrangeiro e tendem a ser mais ativistas auxiliando a CVM no seu trabalho de controle e regulação do mercado. Neste sentido, quais medidas a CVM está tomando para reduzir os custos de constituição e manutenção de fundos, e de conformidade das gestoras independentes?

Marcelo Barbosa: Vejo que a CVM avançou quando, em 2015, editou a Instrução 558 (que regula o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários), alteradora da Instrução 306. As regras foram atualizadas, inclusive em pontos que impactavam custos. A criação de duas categorias de registro para os administradores de carteira de valores mobiliários (“administrador fiduciário” e “gestor de recursos”) permitiu maior clareza sobre os deveres de cada participante e maior proporcionalidade entre os custos de cumprimento da norma e os efetivos benefícios aos investidores. Em linha com o que abordei em respostas anteriores, a cultura de avaliação de custos de observância regulatória, que estamos internalizando na CVM, também pode gerar benefícios a este segmento. É possível prever avanços nesse campo graças às interações que temos tido com o mercado no âmbito do projeto de redução de custos de observância, o qual tem contado com ampla participação de agentes de mercado.

Caio Mesquita: Quais as medidas que a CVM estuda para, dentro do seu mandato, desenvolver o mercado de capitais no Brasil, popularizar e democratizar os investimentos para as pessoas físicas, hoje ainda tão concentradas na poupança e produtos bancários?

Marcelo Barbosa: É preciso ampliar e demonstrar, de forma clara, a relevância do tema Educação Financeira. Em nosso país, temos cerca de 660 mil investidores em renda variável. E o Brasil tem 28 milhões de CPFs. Há pessoas que poderiam investir diretamente em Bolsa, que poderiam investir por meio de fundos de investimento. E que não investem, talvez, por falta de um pouco mais de educação financeira. Em um cenário de redução de taxas de juros, estarão dadas as condições para a migração de mais investidores para a renda variável. Mas também é interessante entender o fenômeno. Esses números modestos de participação da população no mercado de capitais no Brasil possuem raízes em questões culturais, mais que econômicas. Historicamente, o brasileiro é educado a poupar, e não a investir. Ou seja, essa dimensão seria mais bem abordada por políticas públicas de orientação e de informação. Essa é uma pauta que entendo ser relevante desenvolvermos constantemente. E, bem sucedida, tende a gerar ganhos para todos os lados. A educação do investidor começa com informação, com esclarecimento. Esclarecido, o investidor entenderá melhor os riscos e poderá tomar decisões de forma consciente.

RONNIE NOGUEIRA: Considerando que hoje no Brasil, apenas um número irrisório de pessoas físicas investem na Bolsa, como o senhor avalia a necessidade e a importância de um amplo e permanente programa de educação voltado à criação de uma verdadeira Cultura de Investimento em Ações entre investidores individuais, e como a CVM vem contribuindo para isso?

Marcelo Barbosa: Reiterando a resposta anterior, especificamente com relação ao trabalho da CVM, a Autarquia possui uma série de programas diretamente voltados à educação financeira. São ações que abarcam a temática desde a infância, como palestras direcionadas a pais e filhos, eventos e concursos que buscam fomentar a participação de adolescentes, cursos para adultos nos mais variados segmentos (servidores públicos, mulheres, idosos, etc). Além disso, a CVM preside o Comitê de Investidores de Varejo (C8) da IOSCO. O C8 tem a finalidade de conduzir o trabalho da organização em educação financeira e de investidores, assessorando o Conselho da IOSCO em temas emergentes relacionados à proteção dos investidores de varejo, além de executar projetos nessa área.

RONNIE NOGUEIRA: Como a CVM tem agido para que os direitos dos acionistas minoritários sejam respeitados? Participantes do mercado têm afirmado que os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários consistem em forte empecilho ao desenvolvimento do nosso mercado de capitais…

Marcelo Barbosa: É relevante deixar claro que essa discussão não deveria se dar em torno da proteção de um tipo de investidor ou de outro, mas, sim, do equilíbrio nas relações entre os vários atores. Adicionalmente, é fundamental a CVM manter o mercado esclarecido sobre os limites das condutas permitidas. Não é à toa que se costuma dizer que a informação tempestiva, correta e completa é o melhor instrumento de proteção. Mas, além disso, é importante que haja uma percepção generalizada de que condutas irregulares serão prontamente identificadas, e que a sanção virá em prazo curto e servirá de desincentivo forte o suficiente. Temos trabalhado para, cada vez mais, refletirmos, na prática, esse objetivo.

Luiz Guilherme Dias: A CVM é percebida por muitos agentes como “xerife do mercado”. Penso que onde há “xerife” há “bandido”. Em nosso mercado existem “bandidos”, mas são poucos, em geral, apanhados quando cometem seus crimes. Não seria o caso da CVM reforçar o propósito de desenvolver o mercado, melhorando a sua comunicação aos agentes e à sociedade?

Marcelo Barbosa: A proteção do mercado de capitais se dá com regulação e supervisão eficazes e com um processo sancionador estruturado para evitar que as irregularidades passem impunes. Nosso trabalho diário é o constante desenvolvimento do segmento. E comunicar, de forma clara e transparente, é fundamental, principalmente no atual momento, em que estamos lidando com situações novas. Nos últimos anos, a CVM desenvolveu ações pontuais com o intuito de ampliar sua comunicação. A reformulação do site institucional, tornando-o mais intuitivo para o usuário, é um exemplo. Outra ação, relativamente simples, e que gerou resultado positivo, foi a disponibilização, até o dia seguinte da reunião do Colegiado da Autarquia, de um resumo das decisões tomadas. Trata-se do Informativo do Colegiado. Com isso, de maneira rápida e acessível, uma síntese das decisões fica disponível ao público, atendendo à demanda do mercado por uma comunicação ainda mais ágil. Adicionalmente, tanto os membros do Colegiado quanto representantes de áreas técnicas compreendem a relevância da representatividade e o fato de estarem próximos ao regulado e à sociedade como um todo, seja por meio de audiências públicas ou a particulares, debates, encontros com investidores, eventos e congressos do setor.

Paulo Ângelo Carvalho de Souza: A sociedade brasileira e investidores do mundo inteiro ficaram atônitos com os diversos escândalos nos últimos anos que tangenciaram o mercado de capitais brasileiro, especialmente com empresas listadas na B3, como observado, em especial, com as repercussões da Lava-Jato e da derrocada das “Empresas X”. Embora o judiciário tenha reagido, ainda com poucas decisões definitivas, muitos consideram que a CVM não agiu com o devido rigor e presteza para punir os envolvidos, principalmente face as graves omissões observadas nos Conselhos de Administração e Conselhos Fiscais. Neste sentido, porque a CVM assistiu de forma tímida a todo o desenrolar destes casos sem uma manifestação ou posicionamento a respeito? Não dispõe a CVM de legislação adequada para garantir sua atuação nesses casos de notória gravidade, sem decoro e sem respeito à seriedade e segurança dos acionistas e investidores? Não seria o caso de avaliar uma atualização na legislação para garantir a independência da CVM? Apenas citando um caso emblemático, seguirá impune a atuação nociva dos membros do Conselho de Administração da Petrobras?

Marcelo Barbosa: Não me cabe comentar casos específicos, nem muito menos fazer avaliações sobre o desempenho de qualquer área ou integrante da CVM neste ou naquele caso. O que posso afirmar é que nossa atividade sancionadora é desempenhada com bastante cuidado e atenção, desde o início de cada processo com potencial sancionador. Os relatórios de atividade sancionadora que começamos a divulgar no final do ano passado nos permitem uma visão mais completa do volume de trabalho envolvido nessa atividade. É compreensível a demanda por respostas rápidas a casos de repercussão. Mas é preciso entender que não se constrói um mercado sólido sem que esteja claro aos seus participantes que o órgão regulador e fiscalizador observa, fielmente, o devido processo em sua atividade sancionadora.

Wilson Nigri: Podemos esperar alguma ação da CVM em defesa dos acionistas da Petrobrás no Brasil, para que haja isonomia com os reparos obtidos pelos portadores de ADRs da companhia nos Estados Unidos?

Marcelo Barbosa: A Autarquia não possui mandato legal para, por exemplo, determinar a indenização, compensação ou qualquer tipo de ressarcimento às pessoas lesadas por práticas irregulares no mercado de capitais. Eventuais pedidos de indenização devem ser perquiridos junto ao Judiciário, que é o Poder competente para esse tipo de demanda. Logicamente, a CVM pode manifestar a sua opinião em juízo sob a forma de amicus curiae, o que é feito por meio de sua Procuradoria Federal Especializada – PFE oferecendo provas ou juntando pareceres que auxiliem na decisão da Justiça. De qualquer forma, tendo em vista nosso objetivo de fomentar o desenvolvimento do mercado, participamos ativamente de discussões com o propósito de rever o arcabouço legal existente de forma a avaliar possíveis aperfeiçoamentos que podem fortalecer o aparato de proteção dos investidores em valores mobiliários negociados no Brasil.

Walter Mendes: Da experiência acumulada no cargo, você entende que o escopo de atuação da CVM é adequado? Ou precisamos de novas agências para regular nichos específicos de mercado, a exemplo do que acontece no exterior. Para ilustrar, devemos ter o mesmo órgão regulando mercados abertos e fechados, visto que os desafios são tão diferentes?

Marcelo Barbosa: Diversas são as soluções encontradas em cada país para estruturar a tutela de seus mercados. Acredito que a proposta adotada no Brasil é adequada e não demandaria maiores ajustes estruturais. Evidentemente, devemos estar atentos para aperfeiçoamentos que se tornem interessantes. No entanto, acredito que hoje podemos oferecer a tutela adequada com o desenho que temos.

Carlos Augusto Junqueira: Recentemente ouviu-se dizer que a CVM quer de alguma forma abrir mão da competência para regular CEPACs, incluído aí a fiscalização e acompanhamento da Operação Consorciada da Região do Porto do Rio, isso é verdade, existe alguma decisão nesse sentido?

Marcelo Barbosa: Em linha com o que foi decidido pelo Colegiado da CVM em 2003, quando ofertados publicamente, os CEPAC são caracterizados valores mobiliários e, portanto, sujeitos à regulamentação e fiscalização da autarquia.

Eduarda La Rocque: O senhor pretende regulamentar instrumentos inovadores como Endowment Funds, Fundos Socioambientais ou títulos de impacto social?

Marcelo Barbosa: Instrumentos inovadores, desde que estejam na esfera de competência da CVM, e, claro, possam auxiliar no desenvolvimento do mercado de capitais, são bem-vindos. Os endowments, ao menos da forma como têm sido adotados em boa parte das jurisdições, são estruturados fora do mercado, embora possam atuar como investidores como quaisquer outros.

Mauro Rodrigues da Cunha: Tendo em vista casos recentes e antigos, o senhor acredita que seja necessária uma regulamentação da atividade de avaliação de empresas para efeito de OPAs e reestrutruações societárias?

Marcelo Barbosa: Não apenas com relação a avaliações de empresas para efeito de OPAs e reestruturações societárias, a prática acaba trazendo experiências que põem à prova o arcabouço existente. Idealmente, quando possível, a melhor resposta é a interpretação da regra existente. Quando essa regra começa a mostrar repetidos sinais de insuficiência, cabe a reflexão sobre a necessidade de revisão. Estamos abertos para discutir com o mercado sugestões de melhoria da regulação a respeito dos temas relevantes, mas sempre tendo em vista o princípio que expliquei.

Geraldo Soares: O presidente da SEC afirmou que governança corporativa não se faz por indexação, bem como relevantes fundos de investimentos internacionais. Qual sua avaliação da discussão atual de exclusão das empresas que tenham classes de ações com direitos desiguais?

Marcelo Barbosa: A meu ver, essa discussão tem várias componentes que precisam ser exploradas. Uma delas é o potencial desequilíbrio e a necessidade de proteção de todos os acionistas. Outra é a possibilidade de se desenhar direitos de acionistas de formas atraentes para diferentes projetos empresariais. A primeira componente deve servir como limite razoável para a segunda, mas com plena ciência de que muitas vezes a melhor proteção é a informação, o esclarecimento.

Helio Garcia Jr.: Investimento em criptomoedas é assunto constante em rodas de economistas aqui e lá fora. Importantes órgãos internacionais têm reconhecido a sua importância: a SEC já deixou claro que as mesmas leis que regulam valores mobiliários se aplicam à estas moedas e as bolsas que as negociam; Adena Friedman, CEO da Nasdaq, reconheceu ser este mercado legítimo; grandes fundos internacionais têm conseguido autorização para negociar criptomoedas; e aqui, a própria intenção da CVM de preparar um parecer de orientação aos fundos de investimento, mostra um reconhecimento institucional para as moedas virtuais. Frente a este cenário o senhor poderia antecipar, pelo menos de forma geral, o que o mercado pode esperar deste parecer? Podemos esperar controles rígidos sobre os fundos?

Marcelo Barbosa: Essa é uma temática que tem afetado os mercados em todo o mundo e a CVM não apenas tem acompanhado de perto, como já tomou medidas concretas. Nós emitimos dois avisos em 2017 e um em março desse ano descrevendo os riscos associados a investimentos em moedas virtuais e aconselhando o público a considerar, cuidadosamente, esses riscos. Tal alerta também indicou que, embora nenhuma regulamentação específica tenha sido emitida, certas atividades que envolvem tais ativos podem cair dentro do nosso escopo de supervisão e execução. Além disso, no início de 2018, por meio de Ofício Circular, emitimos orientações específicas para administradores de fundos de investimento. Essa orientação, como já foi informado, se encontra em vias de ser atualizada. O assunto continua no nosso radar e novas comunicações serão feitas sempre que necessário.

RONNIE NOGUEIRA: Para finalizar, a Lei no. 4.728/65, promulgada em 14 de julho de 1965, marcou o início da disciplina no nosso mercado de capitais. O primeiro objetivo dessa Lei foi o de facilitar o acesso do público a informações sobre os títulos e valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as sociedades que os emitirem. Outro intuito relevante foi o de proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos e valores mobiliários. Como o senhor avalia a evolução do nosso mercado ao longo desses pouco mais de 50 anos?

Marcelo Barbosa: É inegável que o Brasil de hoje é bem diferente de 50 anos atrás. E é nítido que o mercado está se preparando e se adequando à necessidade do investidor, face à atual realidade. Estamos falando de um país que vem se reconstruindo após uma crise que gerou impactou fortes na economia. Por outro lado, os atuais juros baixos, aliados ao fato de uma expectativa de vida mais longa da população – que tende a consumir mais – geram oportunidades reais de investimento. Por isso, é preciso que tanto as oportunidades quanto os produtos do mercado se apresentem de forma clara para estes investidores. Não menos importante, no decorrer desses anos, a CVM se consolidou como regulador de conduta. Temos hoje, a nosso favor e a favor dos investidores, uma área de regulação reconhecida internacionalmente, um processo sancionador que vem se apresentando cada vez mais célere e um contato bem próximo com os mais variados agentes. Há espaço para mais ações? Sempre há. E vamos continuar trabalhando para isso…

 

A pátria educadora em colapso

0

O livro relata os seis meses que o filósofo, Renato Janine Ribeiro, esteve a frente do Ministério da Educação, no segundo governo Dilma Rousseff, um momento difícil marcado por instabilidades e incertezas crescentes, um depoimento importante de um intelectual de peso no Brasil contemporâneo, uma leitura central para todos que pensam os desafios da educação brasileira.

O delator

0

Depois do livro Cocaína: A Rota Caipira, Allan de Abreu, acompanhado do jornalista Carlos Petrocilo, faz uma incursão na vida de J. Hawilla, o todo poderoso dona da Trafic Marketing Esportivo, em O Delator os autores trazem grandes revelações sobre o submundo do futebol brasileiro e mundial, destacando fatos da vida e da delação de um dos maiores empresários da região de São José do Rio Preto/SP, uma leitura imprescindível.

 

Faça Download do Artigo

Novo presidente será “síndico de uma massa falida”, diz cientista político

0

Marco Aurélio Nogueira, cientista político e professor da Unesp – Entrevista Gabriela Fujita – UOL, 14/06/2018.

O brasileiro não foi treinado para o debate democrático, o novo presidente do país será “síndico de uma massa falida” e a corrupção vai ser um tema indigesto para os presidenciáveis. Estas são opiniões do professor Marco Aurélio Nogueira, doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) e livre-docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a respeito de como ele vê a corrida eleitoral a quatro meses do primeiro turno.

Nogueira acaba de endossar um manifesto que defende a união de partidos de centro para evitar o “pior”: que o pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL) consiga chegar ao segundo turno. No começo de junho, siglas como PSDB, MDB, PPS, PV, PSD e PTB lançaram o documento, que recebeu o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O grupo de lideranças avalia o pleito de 2018 como o “mais indecifrável de todo o período da redemocratização” e defende, por exemplo, “tolerância zero com o crime organizado” e a manutenção do programa Bolsa Família.

O professor Nogueira não é filiado a nenhum partido, mas diz que o cidadão comum deve se juntar às discussões que, na sua avaliação, acontecem apartadas: por um lado, no ambiente político, e por outro, no Facebook e na mesa de bar. E não importa de qual partido seja, o próximo presidente do Brasil vai encarar “uma baita encrenca” a partir de 2019. Confira na entrevista a seguir.

UOL – O novo presidente do Brasil vai assumir que país em 2019?

Marco Aurélio Nogueira – Uma baita encrenca… Vai ser uma espécie de síndico de uma massa falida. Essa é uma expressão dramática. Acho que o Brasil não está destinado a acabar ou a cair no precipício, nós ainda temos um pouco de gordura para queimar.

O Brasil é um país muito grande, tem recursos naturais expressivos, tanto o petróleo quanto no plano da capacidade de produção de alimentos. A diversidade cultural brasileira é um recurso interessante, porque ninguém pensa do mesmo jeito no Brasil, isso é uma vantagem. A gente tem um mercado consumidor muito grande, que, se bem abordado e administrado, serve de base para um crescimento econômico expressivo. Temos algumas reservas com as quais contar para não decretar a morte do país, mas tudo isso vai passar para 2019. Não tem como reduzir o desentendimento, reduzir a complexidade, eliminar a desigualdade, o problema da educação, da saúde, de agora até janeiro do ano que vem.

O Bolsonaro, se for eleito, é candidatíssimo a um novo impeachment. Não por qualquer pedalada fiscal, mas por qualquer outro motivo. O desentendimento que ele vai gerar poderá produzir um impeachment.

Seja quem for o eleito, se ele tomar as rédeas, vai organizar um governo de reconstrução do país. Como se a gente tivesse saído de uma guerra.

O próximo presidente vai ter que arrumar as várias partes do país que estão desarrumadas. O sistema político, o sistema eleitoral, ele está precisando, no mínimo, de uma nova demão de tinta. Temos partidos demais, a fragmentação parlamentar é muito grande, o que provoca uma dificuldade de funcionamento do presidencialismo, o tal presidencialismo de coalizão. Também vai ter que mexer aí. No que diz respeito às reformas que tenham impacto direto na sociedade, todas elas são reformas que produzirão dor e exigirão sacrifício. Se mexer na Previdência, é dor e sacrifício. Não há jeito de modificar o sistema previdenciário sem desagradar uma parte ou a totalidade da população.

E se o eleito não topar enfrentar isso tudo?

Se não topar enfrentar isso, vai ter que inventar alguma outra coisa para manter o caixa do Estado suficientemente municiado para poder fazer gastos. Vamos supor que o presidente chegue à conclusão de que não vai mexer na Previdência porque não quer desagradar a população. E se for verdade que a Previdência tem um déficit brutal? Estou falando “e se for verdade” porque o tamanho do déficit é um tema controvertido. E é mais controvertido ainda em que velocidade se ajusta a Previdência. Não vai se ajustar de hoje para amanhã, é uma coisa de 20 anos. Tem que ser aos poucos, tem que ter etapas, não pode sacrificar todo mundo.

E você tem aquelas áreas clássicas de incorporação financeira no Estado. Com a privatização, você pode vender algumas empresas, mas já não temos tantas empresas assim que podem ser vendidas para encher o cofre de dinheiro. A Petrobras, quem quer que seja o eleito, dificilmente vai privatizá-la. Você pode privatizar a Eletrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Federal. Acho difícil que se mexa nisso, porque as resistências vão ser muito grandes. São ações impopulares, no sentido da população, e tem resistências porque cada uma dessas estatais tem sindicatos de trabalhadores ativos, fortes, que vão bloquear as coisas. Além do mais, algumas delas privatizadas não vão trazer tanto dinheiro assim.

Em uma eleição tão fragmentada como a de 2018, o comportamento do eleitor pode se tornar perigoso?

Vai ser muito difícil haver alguma mudança expressiva que altere a predisposição do eleitorado. Teria que acontecer alguma coisa [diferente], e eu não estou conseguindo ver isso acontecer. Um investimento político forte no plano da opinião pública para esclarecer a população, um dos motivos que me levaram a endossar o manifesto [de união dos partidos de centro]. Teria que haver um investimento forte em pedagogia cívica. O eleitorado pode derivar também para o voto nulo e o voto em branco. Se você tiver de um quarto para um terço [do total] de abstenções e votos nulos, é algo complicadíssimo.

Pode ser que, quando a campanha de fato começar, na TV, algo desse sentimento cívico possa ser feito. Que os candidatos mais equilibrados, em vez de ficarem falando mal dos outros, que eles falem com a população, façam uma conclamação a que se valorize a democracia eleitoral. Porque o ambiente está ruim, é um ambiente de mal-estar. As pessoas estão incomodadas, desinteressadas, um querendo pular no pescoço do outro, pouca tolerância e pouca paciência, e com um despreparo para o debate democrático muito grande. O brasileiro não foi treinado para o debate democrático, nós começamos há 30 anos.

Como os temas “Operação Lava Jato” e “corrupção” vão aparecer na campanha eleitoral?

A Lava Jato foi um complicador [nos últimos anos] porque, de certo modo, ela acuou os políticos e fez os políticos ficarem com muita raiva dela, todos eles. Em função disso, vai ser julgada pelos candidatos nestas eleições e também pela população. Dependendo de como forem os debates, ela poderá sair mais forte ou mais fraca, supondo que ela ainda continue, e acho que ela ainda tem gás para isso.

A Lava Jato pode ser julgada de duas maneiras na campanha: uma é dizer ‘somos contra a Lava Jato’; outra é dizer ‘nós somos a favor, mas achamos que ela precisa ser corrigida’

Os juízes facilitaram muito a identificação do político com o corrupto, como se tivessem lavado a criança e jogado a criança fora com a água suja. Acabaram criando uma animosidade entre a população e os políticos. E aí não está certo, porque não tem como tocar um país sem os políticos. É interessante a gente discutir isso. Será que é verdade que todos os políticos não valem nada?

E a “corrupção”?

Eu espero que ela entre em uma posição central, mas não acredito que entre. A rigor, a única candidata que teria disposição para fazer isso é a Marina Silva (Rede). Pode ser que ela ponha esse tema, mas os outros vão sentar em cima. Por vários motivos, sendo o principal deles que todos os outros têm o rabo preso. Talvez o Ciro Gomes (PDT) não tenha, não sei. Talvez você tenha esses dois candidatos insistindo no tema da corrupção, mas os outros abafando. Vai ser um tema indigesto para a maior parte deles. Mesmo a esquerda pura, com Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PCdoB), não vai ter tanta vontade de apresentar o assunto, porque eles consideram que a colocação da corrupção no centro da agenda tira do foco a questão da desigualdade social, que é a principal para eles.

Os anti-Bolsonaro são agora os novos anti-Lula?

Não acho que a dinâmica anti-Bolsonaro substitui a dinâmica anti-Lula. O que pode estar acontecendo na cabeça de muita gente é uma transferência da frustração ou da raiva contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Bolsonaro. Os eleitores, na falta de outras opções que apareçam como mais autênticas, vão para o Bolsonaro. “Esse aí é contra a esquerda”, por exemplo. “O Bolsonaro diz que é ficha limpa”, outro exemplo. Tem um certo tipo de sedução que as pessoas podem estar sentindo por uma figura que é o negativo do lulismo.

E em relação aos candidatos? Aqueles que antes batiam em Lula e no PT mudaram de foco após sua prisão?

Se Lula fosse candidato, Ciro Gomes não bateria nele, por exemplo, mas ele tem que bater no Bolsonaro. Assim como a Marina não faria uma campanha para desconstruir o Lula, mas ela tem agora que fazer uma campanha para desconstruir o Bolsonaro.

Não é só que o Bolsonaro ocupou o lugar do Lula, ele materializou um polo que não era muito expressivo na vida brasileira. Tirando a época da ditadura, de 1985 para cá, o Brasil nunca teve um candidato que viesse dessa forma pela direita.

Você tinha liberais, neoliberais, conservadores, mas eram todos “moços de família”, vamos dizer assim. O Bolsonaro é um “cara do boteco”, não é educado, chega chutando a mesa. E ele está chegando aos 20% [das intenções de voto], a luz vermelha de perigo está piscando. Todo mundo tem que bater nele para ver se consegue desconstruí-lo e roubar os eleitores prováveis que ele está conseguindo agregar.

(De acordo com a mais recente pesquisa Datafolha, em um cenário de disputa presidencial sem Lula, Bolsonaro mantém a liderança, com 19% da preferência de votos, sendo que 34% dos entrevistados afirmam ainda não ter candidato. Preso há dois meses, o ex-presidente petista obteve 30% das intenções de voto.)

Por que o senhor assinou o manifesto que defende a união de partidos de centro?

Porque eu acho que hoje, no Brasil, nós chegamos muito próximo daquilo que poderia se chamar de um abismo. O país está muito complicado, não é que antes estivesse melhor, mas ele piorou muito. E não é só porque faltam bons candidatos. Eu acho que o país está perto do abismo porque os problemas que nós enfrentamos em tudo, na economia, na saúde, na educação, na habitação, na Previdência, na infraestrutura do país, na cultura geral, todos os problemas aumentaram de gravidade.

De 2013 para cá, temos um ciclo de cinco anos que expressa uma espécie de ruptura da sociedade com a política. Não estou dizendo que o agora é uma consequência de 2013, mas tem um ciclo aí, uma sucessão de fatos que foram se acumulando e produzindo uma sociedade que não se sente representada pela política e que está pondo para fora a sua desconfiança, a sua animosidade com os políticos, com os partidos, com os governos. Esse ciclo tem algumas marcações: as manifestações de 2013, a Lava Jato, as eleições de 2014, o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o governo Temer (MDB) e a prisão de Lula. Todas essas coisas ajudaram a que o questionamento da política crescesse. Esses fatos foram ajudando a compor um cenário de muita polarização, algo inevitável na política, mas não ao nível a que a gente chegou.

Se você pegar o atual número de candidatos, como é que a população vai se posicionar com uma oferta de tantos concorrentes? Como é que ela vai descobrir o que o Geraldo Alckmin (PSDB) tem de diferente do Henrique Meirelles (MDB) ou do Rodrigo Maia (DEM) ou do Ciro Gomes etc.? Provavelmente ela vai acabar definindo sua posição de uma maneira passional: “ah, esse cara é mais bonito”, ou “esse cara é da igreja”, ou “esse cara é machão…”.

E por que fazer uma junção de siglas de centro?

A gravidade e a complicação da agenda não permitem que a gente ache que um candidato, por melhor que seja, vai conseguir atacar os problemas. Até porque presidente da República precisa de Congresso. Se você pegar os candidatos que estão despontando com mais fôlego, que são, até agora, Bolsonaro, Ciro Gomes e Marina, eles têm partidos muito fracos na formação do Congresso. Eles podem ser eleitos sem levar com eles uma base estruturada. Diferentemente do que o PT fez com a Dilma ou com o Lula, diferentemente do que o Fernando Henrique [Cardoso] tinha lá atrás, quando foi governante.

Nesses três últimos casos, mesmo com partidos estruturados, eles tiveram que negociar e formar maiorias circunstanciais, o que complicou o próprio governo deles: o Fernando Henrique se complicou com o problema da reeleição, o Lula teve o problema do mensalão e entregou tudo ao PMDB para conseguir formar uma maioria, e a Dilma foi mais radical ainda. Foi a extensão da base que ela formou no Congresso que acabou cortando o pescoço dela, com Michel Temer.

O Brasil tem mesmo um centro democrático?

Todo lugar tem. O que você não tem [no Brasil] é um centro democrático bem composto. Você tem o “centrão”, que é uma versão fisiológica da ideia de centro, juntando os pedaços e gente daqui e ali, que funciona mais pela barganha do que pela ideologia, não tem programa político. O programa é “eu me virar” ou “me sair bem”. Você tem filiações ideológicas na vida política de qualquer país: socialistas, comunistas, liberais, conservadores. Tem gente que se diz “liberal na economia e conservador nos costumes”. O que se pode agora no Brasil, em nome de uma redução de riscos, é aproximar essas ideologias de um denominador comum, de um ponto de equilíbrio. Por exemplo: eu sou liberal e você é socialista, mas nós concordamos que é preciso estabilizar as contas públicas, reformar a Previdência, melhorar a educação.

Seria uma forma de antecipar ou evitar aquela costumeira negociação entre partidos por apoio no final da campanha presidencial?

Seria isso, com certeza. Na verdade, a gente pode ter duas leituras. Uma é: vamos nos unir agora, vamos aumentar a convergência agora para evitar que os extremos ou os mais afoitos cheguem ao segundo turno.

Quem o senhor considera os “afoitos” na disputa eleitoral? Quem oferece esse “risco”?

O afoito, o inimigo público número 1, para mim, se chama Bolsonaro. Ele não tem preparo. Em cinco mandatos de deputado federal, o que ele fez? Ele não tem conhecimento técnico mínimo para tal. E aí alguém pode dizer que o Lula também não tinha. É verdade, o Lula também não tinha, mas não ficava falando essas loucuras que o Bolsonaro fala, de dar armas para as pessoas e tal. Eu não sou lulista, mas consigo colocar um do lado do outro e ver que um vai dar em confusão e o outro não. O Lula teve uma história no sindicalismo, era um negociador. Se, depois, meteu os pés pelas mãos, é outro departamento. Mas como liderança política ele tinha uma biografia que o qualificava. O Bolsonaro não tem.

A união entre partidos pode diminuir essa possível força de Bolsonaro?

É uma forma de reduzir o “risco Bolsonaro”, que é um dos riscos possíveis. O outro risco é o populista, que também é um objeto escorregadio. Você tem populistas de diferentes tipos, e o Bolsonaro é também populista. O populista é um político que superpõe às instituições o carisma dele, a força imagética dele, o talento que ele julga ter, o discurso que ele tem. Ele se vê como mais forte que as instituições e ele é pouco atento às questões do equilíbrio fiscal.

A esquerda brasileira poderia ou deveria seguir o modelo de unir seus partidos?

Se a esquerda tiver preocupação de constituir um polo competitivo em termos eleitorais, ela tem que se unir. Você tem Ciro, Marina, Manuela e Boulos, mas uma parte está mais perto do centro, que é a Marina, uma parte mais no extremo, que é o Boulos, um cara da luta, do enfrentamento, da mão na massa. A Manuela também, mas ela é de um partido de esquerda que é um pouco mais suave do que o PSOL, que faz política de uma outra maneira. O PCdoB vem de uma trajetória histórica que educou os comunistas a negociarem mais, a entrarem com mais facilidade na composição dos governos. O PT está sem candidato hoje, mas a gente teria que colocar um eventual candidato do PT nesse lote da esquerda. Eles todos poderão se abraçar por conveniências, mas tem diferenças ali.

Do ponto de vista de um cálculo para aumentar a competitividade da esquerda, o correto seria uma unidade, uma frente de esquerda, acho que seria mais produtivo. Mas há dificuldades ali, as mesmas que você tem para o centro democrático se juntar. O único que não enfrenta esse problema é o Bolsonaro. Ninguém vai se unir ao Bolsonaro, e ele não tem que resolver essa questão da unidade