Violência, criminalidade e desgoverno no Brasil contemporâneo

0

O Brasil novamente se encontro nas proximidades de mais uma eleição presidencial, desde a campanha de 2014, marcada por inúmeros contratempos e reviravoltas, o país está novamente no momento da escolha de seu novo presidente para o período 2019-2022, uma escolha difícil e marcada por inúmeras possibilidades assustadoras e perigosas, o grande problema desta eleição é que estamos mergulhados em uma das maiores crises políticas dos últimos anos e as perspectivas de melhoras passam pela eleição de um novo governo comprometido com a resolução dos problemas nacionais e com a construção de um novo modelo de sociedade.

Desde 2015 a economia brasileira vem desidratando de uma forma jamais vista, foram dois anos de quedas contínuas no Produto Interno Bruto, redução nos investimentos, queda no emprego, diminuição nos salários e na renda dos trabalhadores, com isso, os indicadores sociais pioraram de forma pouco vista, com quase 13 milhões de desempregados e milhões de trabalhadores subempregados ou na economia informal, a situação econômica do país está em franca deterioração, com impactos generalizados para todas as classes sociais mas degradando com mais intensidade os grupos mais vulneráveis que sem emprego perdem as perspectivas de sobrevivência digna e honrada.

Os dados recentes sobre violência, divulgados pelo IBGE,  são assustadores, somente no ano passado foram assassinados no Brasil mais de 63 mil pessoas, algo em torno de sete assassinatos por hora, estes números são mais agressivos do que os números de países em guerras ou em confrontos separatistas, são números que mostram todas as facetas de uma sociedade onde o contrato social não mais consegue estruturar e equilibrar todos os anseios da sociedade, com isso, os grupos corporativistas se fortalecem para defender seus interesses imediatos em detrimento dos interesses da sociedade de uma forma geral.

Na semana passada os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se concederam um aumento salarial de 16% que será repassado a todas as categorias do judiciário, com isso, os grupos que mais faturam vão incrementar seus contra cheques e o Poder Judiciário vai, novamente, estourar o teto dos gastos dos poderes da República, onerando as contas públicas e aumentando os problemas fiscais do país, mas isso pouco importa, o que vale mesmo são mais recursos para meu bolso e mais privilégios para a minha carreira.

Neste país que se degrada de forma acelerada, vemos o crescimento do crime organizado, o Primeiro Comando da Capital (PCC) se espalha para outros estados da federação e se estrutura para se disseminar por outros países, levando um modelo moderno de gestão e de recrutamento de membros, um verdadeiro case de sucesso para o empresário e o  empreendedor brasileiro, cada membro do grupo paga uma mensalidade de quase um salário mínimo em troca de segurança, proteção e novas oportunidades dentro da organização, um plano de carreira de fazer inveja a muitas instituições nacionais consideradas de sucesso.

                Com a recessão, o aumento da violência e da criminalidade, o recrutamento dos membros do PCC se torna mais rápido e fácil, inúmeros jovens e presidiários são atraídos para o grupo todos os dias, os batismos são marcados por juras e promessas de fidelidade que, ao não ser efetivadas, os infiéis são condenados a morte e ao desaparecimento num tribunal do crime implacável e agressivo, a Lei é inexorável, pecou a pena é a morte e não se tem mais como interpor novos recursos.

O mercado de trabalho no país se encontra devastado, a crise econômica, herança de uma política econômica voluntarista, detonou as perspectivas positivas criadas pelo governo Lula e condenou o país a uma situação de indigência econômica e degradação política, o país convive com uma classe política que pouco representa a população, a sociedade civil pulsa por mudanças, novos grupos surgem para debater ideias e conceitos até então deixados ao relento, o país vive um momento de grandes transformações e da desesperança podemos construir uma nova organização social, onde os grupos mais aquinhoados possam compreender que seus benesses econômicos e suas vantagens políticas não mais se sustentam em um país quebrado e uma sociedade marcada por grandes desigualdades que, numa situação extrema, comprometem a sobrevivência da sociedade e de todos os grupos sociais e políticos.

A corrupção se espalhou pela sociedade como o fogo se espalha com o estímulo da pólvora, esta corrupção que não é obra de nenhum partido político em especial, abrange todos os grupos políticos, como caixa dois de campanha ou como verbas não contabilizadas, os desvios aumentam e crescem enormemente, quando as construtoras estavam no centro do Brasil Grande, os corruptores eram os empreiteiros, quando estes perderam força com a diminuição das obras públicas nos anos 90, os empresários das comunicações ou das telecomunicações ganharam espaço e substituíram as grandes empresas da construção civil da atualidade, com o incremento das obras públicas, os empreiteiros voltam a tona para aumentar seus benesses em detrimento dos outros setores da sociedade.

Em pesquisa recente para a construção de um livro sobre corrupção intitulado “Dinheiro, Eleições e Poder”, o economista Bruno Carazza, destaca que, em seus estudos sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Anões do Orçamento, no começo dos anos 90, inúmeros nomes de políticos listados e investigados no esquema de corrupção, foram também investigados nas investigação em curso da Lava Jato, ou seja, um esquema recorrente que pouco pune, desacredita a Justiça e os tribunais superiores e contribuem para a perpetuação da impunidade.

A violência em curso na sociedade brasileira destrói as perspectivas para os próximos anos, as mortes de adolescentes batem recordes constantemente, nas favelas e morros cariocas aqueles que conseguem sobreviver devem ser vistos, efetivamente, como sobreviventes de uma guerra não declarada oficialmente mas intensa e cotidiana, famílias choram a morte de seus filhos todos os dias, os casos se repetem de forma avassaladora, dentre os que tombam nesta guerra sangrenta e desigual, os negros e pobres são as maiores vítimas deste genocídio cometido pelo Estado diretamente ou pelos grupos de destruição criados e mantidos por ex-policiais, as chamadas milícias, e pelos traficantes que se engalfinham no morro, atirando e destruindo vidas como se fossem coisas normais e corriqueiras da paisagem urbana das grandes cidades.

Segundo pesquisas a composição do Congresso Nacional brasileira é a mais conservadora desde o golpe de 1964, dentre os grupos conservadores mais fortes destacamos as bancadas religiosas, as bancadas dos ruralistas e dos militares, a chamada bancada da bala, estes parlamentares estão divididos em uma estrutura eleitoral que abriga 35 partidos políticos, uns partidos de aluguel, criados e mantidos para angariar o fundo partidário que, neste ano, vai distribuir mais de 1,7 bilhão de reais, dinheiro este que seria suficiente para melhorar os péssimos indicadores da educação fundamental do país que, ano após ano, perde espaço na prova internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o exame de PISA.

A violência está tão crescente na sociedade brasileira, que os crimes contra as mulheres dispararam, a intolerância, os medos e os desequilíbrios estão levando os homens a crimes degradantes com requinte de violência, matam da forma mais vil e violenta possível, destroem suas vidas em decorrência do empoderamento das mulheres e da dificuldade de lidar com a separação e as frustrações do término de um relacionamento, cometem crimes e degradam toda as relações familiares e sociais num claro exemplos de como estão os relacionamentos na sociedade líquida, descrita com maestria pelo grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

O Brasil precisa, na atualidade, de inúmeras mudanças estruturais, desde as tão faladas reformas na previdência, tributária e fiscal mas também uma grande reforma política que elimine estes desperdícios crescentes que vivemos e convivemos em nosso cotidiano, precisamos reformar nossas prisões transformando os detentos em trabalhadores que pagam para o Estado, um exemplo interessante existe no país no estado de Santa Catarina e deve ser seguido por outros estados da federação, precisamos melhorar nossas escolas e transformar o conhecimento em algo encantador, chega de levarmos a pecha de país do futuro e nos mantermos na ignorância e na indigência. É importante destacar ainda que, pela primeira vez, o país coloca na cadeia pessoas que ocuparam cargos de responsabilidade na hierarquia do Estado, desde um ex-presidente da república, um ex-presidente da Câmara dos Deputados, além de senadores, deputados federais e estaduais, além de ministros e empresários, falta ainda, avançar sobre as cúpulas do Judiciário e do setor financeiro, estes setores são de suma importância para a sociedade e dificilmente estarão imunes a degradação que toma conta da sociedade brasileira.

Os grupos sociais mais aquinhoados pagam fortunas para deixar seus filhos e descendentes em escolas caríssimas, gastam verdadeiras fortunas para educar seus rebentos, mal sabem que os modelos educacionais trabalhados nestas escolas foram criados e adaptados por pesquisadores e pedagogos considerados progressistas no campo educacional, desde Paulo Freire passando por Jean Piaget e Maria Montessori, ou seja, a elite paga fortuna para que seus filhos estudem em colégios caros para desenvolver a liderança, o espírito empreendedor, criatividade, autonomia, etc.   enquanto propõem ao Estado que concentre a educação pública em modelos militarizados, rígidos e hierarquizados, onde as regras de condutas são duras e, muitas vezes, violentas, com isso, criam trabalhadores que serão sempre cordeirinhos empregados de uma elite cada vez mais imediatista e interesseira, cujos interesses superam os interesses nacionais.

O lado bom deste momento de caos e desequilíbrio é que, pela primeira vez, a sociedade está começando a se olhar no espelho, começando a encarar seus medos e preocupações, a classe média sempre tão centrada em seus próprios interesses, agora para e começa a refletir sobre esta crise de humanidade que se abate sobre o país e como fazer para reconstruir a nossa nação, este exercício de reflexão pode trazer frutos positivos e abrir novos espaços de crescimento e melhoramento social, desde que entendamos que a educação que queremos para nossos filhos deve ser a mesma que desejamos para todos os outros meninos e meninas, as perspectivas positivas devem ser para todos, só assim conseguiremos consolidar uma sociedade que está se esvaindo na degradação e encontrar novos caminhos para o progresso humano e material.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder

0

Uma obra interessante, escrita pela jornalista Andrea Dip, que investiga o projeto de poder da Bancada Evangélica no Brasil, o que afinal pensa este grupo ao tentar influenciar os rumos e os debates políticos brasileiros? Uma leitura relevante e bastante atual, vale a pena a leitura.

 

Faça Download do Artigo

O desafio de Lula

0

A obra escrita em forma de perguntas e respostas entre os jornalistas da Revista Carta Capital, Mino e Gianni Carta, retrata suas visões sobre o Brasil contemporâneo e sobre os desafios que envolvem a figura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, vale a pena dar uma lida, leitura rápida, agradável e polêmica.

 

Faça Download do Artigo

Digitalização do trabalho e a escravidão no século 21

0

ENTREVISTA | RICARDO ANTUNES

Por Marcelo Menna Barreto – EXTRACLASSE.ORG.BR

Ricardo Antunes é considerado um dos principais sociólogos do trabalho no Brasil e há dez anos leciona em um curso sobre trabalho e imigração na Universidade Ca’Foscari de Veneza, onde tem acompanhado de perto os fluxos migratórios na Itália. Titular da cátedra de Sociologia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de livros publicados nos Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Itália, Argentina, Venezuela, Colômbia e Espanha, Antunes fala nesta entrevista sobre o seu novo livro O Privilégio da Servidão – O novo proletariado de serviços na era digital, publicado pela Boitempo. De forma entusiasmada, por vezes indignada, o autor aborda as transformações das relações de trabalho no Brasil do período da redemocratização ao impeachment de Dilma Rousseff e os dois anos de Temer, que identifica como contrarrevolucionário e terceirizado. E enumera os problemas da Indústria 4.0, a era do trabalho digitalizado, que considera a nova forma de escravidão do século 21. “Na escravidão o senhor de terras comprava o escravo de um traficante. No mundo moderno, a empresa aluga de outra empresa o trabalho de homens e mulheres”, compara.

 

Extra Classe – Em uma passagem do seu livro o senhor diz que vivemos um período excepcional da nossa história. Como é a realidade desse laboratório social que o senhor descreve?

Ricardo Antunes – Estamos em um período, digamos, inusitado na história desde o século 19. Estivemos, entre 2009, 2010 e 2011, numa era de rebeliões em todo o Oriente Médio, a partir da Tunísia e Egito, e nos principais países do Ocidente, avançado pela Inglaterra, França, Portugal, Espanha, e Estados Unidos com o Occupy Wall Street. Foram muitas manifestações que mostravam que o cenário social vinha mudando. Aquele cenário anterior de representações partidárias e sindicais, dando conta da totalidade das forças sociais sinalizava uma crise profunda e até mesmo esgotamento. Mas é tão espetacular esse período que a era de rebeliões não se converteu em uma era de revoluções.

 

EC- Como assim?

Antunes – Uma era de rebeliões que não se converteu em uma era de revoluções anticapitalistas. Houve revoluções democráticas em vários países do Oriente Médio, mas o mais surpreendente e mesmo trágico deste cenário é que esta espetacular era das rebeliões se metamorfoseou numa era de contrarrevoluções. Estamos vivendo hoje um cenário abertamente contrarrevolucionário.

 

EC – Quais são as evidências?

Antunes – O sociólogo Florestan Fernandes usou o conceito da contrarrevolução preventiva, mesmo quando não há o risco das revoluções. Ele pensava na América Latina. Nós estamos vivendo um cenário mundial de contrarrevoluções preventivas mesmo quando não há o risco das revoluções socialistas ou anticapitalistas. Então, por exemplo, um sinal desse cenário, Donald Trump, nos Estados Unidos. Trump mudou todo o tabuleiro internacional, um nacionalismo de uma era financeira que fere de certo modo o interesse do grande capital e das grandes corporações que caminhavam em direção a uma Europa unificada, o Nafta, Ásia-Pacífico. Então, de repente você tem um movimento de extrema direita muito forte com base popular que quebra, que começa a mexer nesse tabuleiro. Theresa May, na Inglaterra, tem um processo similar ao Brexit. De repente se rompe com todo o esquema montado para uma Europa unificada. E você tem no cenário mais abertamente político um Emmanuel Macron, na França. E se não fosse Macron, seria Marine Le Pen! Mauricio Macri, na Argentina. Enfim, um cenário contrarrevolucionário, para não ficar só nos países da Europa, com o nazismo se expandindo significativamente na Áustria, Polônia, na Hungria. Enfim, nós estamos em um momento em que a história vive um cenário tenebroso.

 

EC – É o laboratório social ao qual o senhor se refere?

Antunes – Quando eu falava em laboratório me referia a que todas as janelas estão abertas. Da era das rebeliões à era das revoluções, assim como para a era das rebeliões à era das contrarrevoluções que nós estamos vivendo hoje. É nesse cenário, comandado pela hegemonia financeira profundamente destrutiva, que é marcada uma agressividade neoliberal ainda maior, como se a gente tivesse numa terceira fase ainda mais agressiva do neoliberalismo e onde a revolução, a reestruturação permanente do capital, ou a reestruturação produtiva do capital, se tornou permanente. Estamos na Europa hoje com o debate da Indústria 4.0. Tudo isso levou os capitais a exigirem uma devastação do trabalho em escala global. Não é por acaso que as reformas trabalhistas no Brasil – da contrarrevolução de Temer; na Argentina, de Macri; e na França, de Macron, são muito assemelhadas e tenham ocorrido quase simultaneamente, para não citar outros exemplos. É esse cenário que eu dizia que configura, no momento que eu finalizei esse meu livro, um cenário de contrarrevolução permanente, de amplitude global.

 

EC – O que vem a ser a Indústria 4.0?

Antunes – Houve a revolução industrial, depois houve a expansão do século 20 para o Taylorismo, a indústria automotiva; depois houve a produção dos anos 1970, 1980, 1990 pra cá, e agora é o momento da quarta revolução industrial, a digitalização das coisas. É a internet das coisas. É digitalizar o espaço fabril, no sentido amplo – pode ser uma fábrica de automóveis, pode ser uma fábrica hospitalar, pode haver uma fábrica da educação. Digitalizando tudo o que você pode digitalizar você vai criando uma massa limitada de empregos mais qualificados e vai criar uma massa imensa de desempregados que não têm condições de suprir esses empregos qualificados que são reduzidos. Qual é o segredo da digitalização, que os capitais não dizem, que a CNI não diz, que as Febrabans não dizem? A indústria 4.0 vai dispensar a força de trabalho e com isso tornar mais lucrativa a produção.

 

EC – Em seu livro, o senhor aborda as principais mudanças trabalhistas que ocorreram no Brasil desde a redemocratização até o impeachment. Por que a década de 1980 foi o período mais importante dessas transformações?

Antunes – Veja bem, esse período brasileiro é bastante interessante porque ele é muito complexo. Quando nós começamos a redemocratização, depois do fim da ditadura militar, tivemos um período que foi espetacular no Brasil. A década de 1980 foi a mais importante década deste último período. Talvez uma das mais importantes décadas do Brasil ao longo do século 20. Os capitais costumam dizer que a década de 1980 foi uma década perdida. Para eles, talvez tenha sido, mas no caso brasileiro, no ano de 1980 nós tivemos a criação do PT, que na sua proposta inicial era um partido independente e de classe; a criação da CUT, que era uma reivindicação histórica da classe trabalhadora brasileira, que tinha tentado inúmeras vezes formar uma central sindical e via essa proposta ser tolhida; e a criação do MST, organizando os trabalhadores do campo. Só para pegar três exemplos. Foi um período espetacular. O Brasil teve praticamente as mais importantes greves do mundo. Fizemos quatro greves gerais e chegamos à Constituição de 1988, conseguindo criar uma Constituição que, de certo modo, estabelecia um sistema de organização da relação capital e trabalho com alguns traços de civilidade.

 

EC – Por que setores da esquerda não aceitaram muito bem a Constituição de 1988 à época da promulgação?

Antunes – Aqui eu faço um parêntese. Nós que militávamos, estudávamos e vivíamos na década de 1980 já no sentido social e político achávamos a Constituição de 1988 insuficiente, porque houve um momento em que o Centrão fez um pântano que, digamos assim, comanda até hoje o parlamento brasileiro e impediu algumas medidas mais profundas. Por exemplo, aprovamos o direito de greve, que é uma grande conquista para a classe trabalhadora, mas a regulamentação da greve seria feita posteriormente. Ou seja, caiu no pântano. Mas ainda assim, em 1988 se desenhou um Estado com alguns valores públicos, coletivos e sociais que contraditavam a tendência neoliberal. Isto vigorou até 1989/1990.

 

EC – Até a era Collor?

Antunes – Sim! Em 1989 houve a eleição que dividiu o país ao meio e a partir dessa divisão, a vitória do Collor, que iniciou o que eu chamei de desertificação neoliberal no Brasil. Collor era uma aberração, como agora estamos perto de novas aberrações. As classes dominantes, quando não têm alternativas sólidas, apelam para aberrações. Nossa classe dominante tem faces fascistas em muito dos seus setores. Veja só: dirigentes da Confederação Nacional da Indústria disseram recentemente que dialogam muito bem e vêem com simpatia a candidatura do Bolsonaro. Basta isso como exemplo.

 

EC – Como o senhor avalia o período FHC?

Antunes – Se com Collor veio a primeira devastação neoliberal, que foi travada com a sua deposição, a vitória do Fernando Henrique Cardoso trouxe um quadro mais complexo. Com FHC iniciava-se uma fase neoliberal dotada de racionalidade burguesa. Se a fase do Collor foi um neoliberalismo devastador, eivado de irracionalidade da sua conduta, da sua personalidade, FHC foi claro no discurso de posse: eu vou implantar a política do Collor sem as maluquices que ele tentou, sem base nenhuma, e uma personalidade completamente fora dos padrões. A partir daí nós tivemos, de fato, o início da efetiva desertificação neoliberal. Só que para o FHC quebrar a CLT não era fácil. A CLT é uma espécie de Constituição para a classe trabalhadora. Os trabalhadores não sabem bem como é a sua Constituição, mas eles sabem que a CLT traz direitos, décimo-terceiro, descanso semanal, férias, etc, etc, que permitem um salário mínimo, que permitem esses direitos longamente conquistados. FHC não conseguiu quebrar a CLT, a espinha dorsal da legislação protetora do trabalho no Brasil, porque o movimento sindical resistia.

 

EC – E a era Lula?

Antunes – É curioso. Fernando Henrique faz um primeiro governo e sai bombando. No seu segundo governo, saiu pela porta dos fundos como um vira-latas que leva um pé na bunda, com níveis baixíssimos de popularidade. Não podia fazer aparições públicas, porque era vaiado. O inverso do Lula que fez um primeiro governo em que quase perdeu a reeleição, mas saiu, no segundo mandato, com uma aprovação altíssima. Só não perdeu a reeleição porque é quase impossível alguém perder para o Alckmin (risos).

 

EC – O que explica a popularidade de Lula naquele momento?

Antunes – O que se deu, em uma palavra, no governo Lula, que eu trato basicamente na parte três do livro é que o Lula tentou e fez uma espetacular política de conciliação de classes. O Lula é um gênio da conciliação de classes, como o Getúlio (Vargas). Pra quem gosta de conciliação de classes, ele é um mito; pra quem, como eu que não gosta, ele não é mito nenhum. Mas ele é um gênio, eu tenho que reconhecer. Ele bota deus e o diabo na terra do sol e faz virar samba. Isto é uma condição que só Getúlio tinha no passado. Não é fácil essa capacidade, mas enquanto o seu governo teve uma expansão econômica, criou 20 milhões de empregos, teve uma política de assistência social muito pífia.

 

EC – Quais são as suas críticas aos governos Lula?

Antunes – Eu vou dizer como eleitor, não como um analista: votei no Lula não pra dar um pouco a farofa aos pobres. Muitos de nós que votamos no Lula queríamos reforma agrária, controle do grande capital, controle da remessa dos lucros. A gente sabia que não era fácil, mas é muito importante lembrar que o Lula se elegeu com mais de 50 milhões de votos. Ele tinha muito capital político pra dizer: agora vai ser um governo reformista pra valer. É disso que estou falando, nada além disso. E não foi. Foi um governo de conciliação, que trabalhou com a ideia de que o capital ganha muito dinheiro, mas tem que sobrar alguma coisa aqui para os debaixo. Isso funcionou, o Lula tinha uma ideia desde os anos 1970, eu o conheço há muitos anos, que era assim: incrementando o mercado interno brasileiro você aumenta o salário da classe trabalhadora, ela consome e a economia vai se desenvolver. Foi isso que fez com que a expansão econômica do mercado interno brasileiro compensasse a retração do mercado externo.

 

EC – Onde Lula errou?

Antunes – O Lula transnacionalizou e enriqueceu uma parte importante da burguesia brasileira que agora o pôs e o quer na cadeia. Porque a política de conciliação acabou! Ele faz a sucessora, que ganha a eleição no tranco, prometendo que não ia tomar nenhuma medida destrutiva, mas a sua primeira medida foi nomear o Joaquim Levy para ministro da Fazenda. Atenção! O primeiro convidado não era o Levy, era o (Luiz Carlos) Trabuco. Imagina se a Dilma nomeia o Trabuco, o número um do Bradesco?

 

EC – O senhor é bastante crítico em relação a Dilma. Por quê?

Antunes – Eu digo no meu livro, a Dilma foi o maior erro que o Lula cometeu. E não foi por acaso. O Lula escolheu a Dilma, obviamente no meu entendimento, como candidata porque ele não poderia ter como seu sucessor uma sombra poderosa e autônoma, por exemplo, um Tarso Genro, que tem luz própria, está num espectro do lulismo, mas é um indivíduo que sabe pra onde ir e como ir. Ele não seria um nome que teria o respaldo do Lula pra ser seu sucessor, como tantos outros não teriam. Por outro lado, a Dilma tinha méritos enormes. Ela é uma executiva poderosa, uma mulher que faz a máquina funcionar.

 

EC – Mas foi golpeada…

Antunes – Foi um erro gravíssimo entregar o comando político do país a alguém sem nenhuma experiência política prévia. Quando o céu é de brigadeiro, tudo vai bem. Mas quando começam as tempestades, aí… E, claro que a Dilma – eu estou tratando aqui só no plano das subjetividades dos dois, não estou falando nos interesses em volta que isso eu deixo para o leitor buscar no livro – num dado momento diz: agora a presidente sou eu, agora quem vai dar o tom sou eu. E nesse momento, politicamente, começou o acerto neoliberal que ficou com a cara de impostura eleitoral em um momento de crise, com o PT mergulhado em processos de corrupção que marcam toda a história brasileira. O PT não foi o primeiro nem será o último nesse quadro, longe disto.

 

EC – E o impeachment?

Antunes – Uma aberração! O impeachment foi uma aberração jurídica, um golpe parlamentar. Se a gente supõe que a pessoa sofre um impeachment é porque a pessoa cometeu crime, então automaticamente seria inelegível. Na verdade, ela foi deposta porque perdeu as condições de governabilidade, como se ela fosse um primeiro-ministro. Agora, porque esse quadro complicou? Porque em 2013 a crise chega pesada aqui e também começa a era da devastação sobre o PT.

 

EC – Como o senhor avalia Temer?

Antunes – É um governo contrarrevolucionário, um governo terceirizado, que teria umas funções básicas: a PEC do fim do mundo, congelar a educação, a saúde, a Previdência; privatizar tudo o que ainda não tinha sido privatizado e devastar a legislação social protetora do trabalho. Daí aprovar a Lei da terceirização total e, por fim, arrasar de vez com a Previdência, o que foi praticamente a única coisa que não conseguiu avançar. Então nós tivemos nesses últimos dois anos a derrogação de 80%, 90% do que foi criado ao longo de lutas operárias desde a década de 1910, consubstanciado depois na CLT. A CLT, aliás, é muito ardilosa. No direito à proteção do trabalho, ela é um avanço. No que diz respeito à estrutura sindical, ela é estatizante e controladora. Carregou essa ambiguidade até hoje.

 

EC – Qual o saldo disso tudo?

Antunes – O resultado é que desde a redemocratização, quando visualizávamos um estado social e político capaz de ser reflexo das lutas dos anos 1980, chegamos em 2018 com o Brasil se aproximando muito, mas muito celeremente à tragédia social que é a Índia, um país com milhões – não milhares – de miseráveis perambulando pelas ruas, sendo tratados como animais e cuja miséria passa a ser assimilada pelas classes médias, pelos ricos, como natural. ‘Eu quero os miseráveis longe do meu portão’. Então, nós estamos nos convertendo em um país de miseráveis, com uma população cada vez mais empobrecida, com um desemprego estrutural profundo e o trabalho intermitente que é uma farsa. Esta é a “conquista” do Temer e é um tema forte no meu livro, por isso o título O privilégio da servidão. Quem tem trabalho, trabalha e ganha; quem não tem trabalho, não ganha. E como é que vai viver? Ah, é problema seu, não tem mais nem a sopa das 18h pra distribuir para os pobres. Agora é assim: quer a sopa, vai buscar no esgoto. Como eu vi na Índia.

 

EC – Nessa sua nova obra, o senhor coloca uma luz sobre o trabalho digital, on-line e intermitente. Nessa época de relativização de vários conceitos, o senhor faz questão ainda de denominar esses trabalhadores como o novo proletariado de serviços. Por quê?

Antunes – Porque esse é o elemento novo desses últimos 40 anos. Houve nos anos 1970 e 1980 a tese de que o trabalho estava acabando, que a classe trabalhadora ia desaparecer. Um completo engano. Eu conheço a China, eu conheço a Índia, nós conhecemos a América Latina e o que nós estamos vendo é uma mutação profunda no mundo do trabalho. O setor industrial sofreu retração, o setor agrícola sofreu retração e o mundo dos serviços sofreu uma monumental expansão. Só que não são mais os serviços que nós tínhamos nas décadas 50, 60, 70 do século passado. Hoje, por exemplo, praticamente todos os espaços do trabalho sofreram a invasão do mundo digital. O celular faz com que eu possa ser contratado pra trabalhar, por exemplo, na Inglaterra, onde existe um sistema que hoje já é mundial, o contrato de zero hora. Médicos, advogados, enfermeiros, cuidadoras, zeladores, limpadores, enfim, quase todas as profissões de serviços estão disponíveis por celular. Como o contrato é de zero hora, você não tem a obrigação de atender, nem o aplicativo que ganha uma porcentagem do seu trabalho de te chamar, mas em geral, as pessoas atendem ao chamado. Se não fosse o celular esse trabalho não existiria.

 

EC – Para surpresa do capital, o trabalho não acabou…

Antunes – O trabalho é visto pelo capital financeiro como um apêndice, infelizmente imprescindível. Se o capital pudesse eliminar o trabalho, teria feito isso há décadas. O problema, o pavor do capital, nesse cenário que nós temos hoje é que o trabalho não desapareceu. Ele é trabalho ultraqualificado, semiqualificado, manual, escravo, semiescravo, análogo à escravidão, infantil. Isso quem nos ensinou foi um velho filósofo, o Marx.

 

EC – Quais são os problemas das novas formas de contratação pelo ambiente digital?

Antunes – O resultado é um mundo digitalizado, informalizado, em que as plantas produtivas flexíveis exigem um mundo sob o comando financeiro. E a lógica do capital financeiro é gerar mais dinheiro e não importa como. É explorando a classe trabalhadora em todas as suas dimensões, em todos os seus momentos, em todos os seus segundos. Para isso, eu não posso ter legislação social protetora do trabalho. Então, posso ter o trabalho terceirizado – eu fui praticamente o primeiro a dizer no Brasil, que a terceirização é uma forma de escravidão. Eu fazia a seguinte metáfora: na escravidão o senhor de terras, de engenho, comprava de um outro comerciante, o traficante, um escravo ou uma escrava. No mundo moderno, a empresa aluga de outra empresa o trabalho de homens e mulheres. Na escravidão, eu compro, na terceirização, eu alugo. É claro que é uma metáfora, mas mostra a dependência. Diziam que a lei da terceirização era para legalizar a terceirização. A lei da terceirização é a burla da farsa. Querem dizer que agora é legal burlar porque a burla deixou de ser burla e passou a ser legal.

 

EC – E as questões do trabalho intermitente?

Antunes – As grandes corporações deram pulos no dia em que a reforma trabalhista passou, porque esses grandes grupos podem contratar no dia de pico, nos dias de maior movimento, sábado, domingo, à noite, e contratam os trabalhadores que ficam esperando. Tem trabalho, são chamados. Se ele vai para um almoço das 11h às 15h e depois sabe que tem que voltar das 18h às 22h ele fica direto na empresa, recebendo por trabalho intermitente. O que significa esse trabalho intermitente, esse trabalho flexível, esse trabalho, digamos, terceirizado? Ele só é possível não mais na planta rígida Taylorista e Fordista do passado, mas na planta flexível que inicia a era da acumulação flexível e aquilo que nós chamamos de Toyotismo que se ocidentalizou e ganhou novos componentes, adquirido a partir do Vale do Silício, da Califórnia. Ora, há fotografias hoje de trabalhadores do Vale do Silício que moram nas ruas ou nos carros pra trabalhar porque não têm condições de pagar um apartamento, um quarto, uma pensão nessa área que é caríssima. E em compensação ele não quer perder esse emprego. Então ele coloca o carro lá, monta um banheiro e uma cozinha improvisados. Não é possível isso, não é possível…

 

EC – Muito se fala de que os trabalhadores têm que se adaptar às novas ondas tecnológicas que cada vez mais impactam o mundo do trabalho. Parte da mão de obra que perde seu emprego por causa das novas tecnologias acaba sendo absorvida em outros campos da economia. E os que não conseguem se adaptar?


Antunes – Miséria, fome, condição abjeta e desumana. É a Índia. Seguindo a lógica do mundo financeiro e nessa reestruturação permanente do capital nós vamos ter bolsões de miseráveis; os fluxos migratórios vão aumentar, norte-sul, sul-norte, leste-oeste, oeste-leste. As massas vão ficar desesperadas e vai ter que ter estados fascistas se fechando, fechando o trabalho.

 

Transnacionais, concorrência e cadeias globais de produção: novas realidades da sociedade internacional

0

A globalização da economia mundial se intensificou com o final da segunda guerra mundial, neste momento os Estados Unidos da América se utilizam de seu poder econômico, político e militar, para construir uma nova sociedade, centrada no dólar, na democracia liberal e no aumento do comércio e da integração econômica entre as economias e as regiões do globo, este modelo de sociedade vem, nos últimos anos, perdendo espaço na economia internacional, o novo modelo ainda está centrado em definições, ansiedades e incertezas crescentes.

No pós segunda guerra, os Estados Unidos são os únicos em condição de assumir o controle da economia global, a Europa estava destruída pelo conflito, os países da Ásia também se viam envoltos em destruições, principalmente o Japão, que tinha sido vitimado por duas bombas nucleares e se encontrava em destruição avançada, fruto de uma guerra que teve vários impactos sobre a sociedade do país e a União Soviética, central na destruição dos nazistas, estava fortemente devastada pelo conflito, com mais de vinte milhões de mortos e imensa devastação de sua infraestrutura.

A reconstrução destes países é orquestrada com o Acordo de Breton Woods, onde surgiram três políticas centrais, a criação de instituições multilaterais – Banco Mundial (Bird), Fundo Monetário Internacional (FMI), Acordo Sobre Tarifas e Comércio e Organização das Nações Unidas (ONU), além do padrão Dólar Ouro e das taxas de câmbio fixas, todas estas políticas foram impostas aos países destruídos pelo conflito, deixando claro para a sociedade mundial que o poder e a hegemonia agora estavam nas mãos dos norte-americanas.

Destacamos ainda, que foi neste período que as empresas norte-americanas se expandiram para todas as regiões do mundo, a chamada internacionalização produtiva se inicia com o apoio do governo dos Estados Unidos, que patrocina investimentos internacionais em países parceiros e auxilia na expansão da estrutura produtiva baseada no modelo fordista de produção, tudo isso para consolidar o poderia econômico e político da potência americana.

O modelo fordista se baseava na forte especialização da produção, na produção em série, em grandes unidades produtivas, altos salários, grandes levas de funcionários, na queda dos custos individuais de produção e na expansão do modo norte-americano de viver, baseado no consumo, no lazer e na produtividade crescentes, gerando grandes e sólidas empresas, as chamadas empresas multinacionais (EMN), os Estados Unidos eram os donos do mundo, sua hegemonia era inconteste.

No anos 50 as maiores multinacionais eram as norte-americanas, com a reconstrução dos países europeus surgem as multinacionais europeias, depois as japonesas, posteriormente as coreanas, agora estamos assistindo as empresas chinesas e as indianas, mais uma vez percebemos, neste processo de expansão de empresas internacionais, a ausência das empresas brasileiras, que ainda carecem de forte penetração nos mercados internacionais, possuímos grandes e sólidas empresas mas estas apresentam baixa penetração nos mercados globais.

Pelo modelo que reinava na época a produção era local, as empresas se instalavam em um país, atraindo para a mesma região outras empresas fornecedoras de produtos e matérias primas, com isso, os investimentos eram imensos, a geração de empregos era bastante substancial e o incremento da renda da comunidade estimulava novos investimentos e novos empregos, dinamizando todos os setores produtivos da comunidade, neste período o sistema capitalista apresentou as maiores taxas de crescimento de sua história, período este que ficou conhecido entre os estudiosos como a Era Dourada do Capitalismo internacional, os lucros da empresas cresceram fortemente, os salários dos trabalhadores aumentaram e os governos arrecadaram uma grande quantidade de recursos, aumentando seus gastos e incrementando novas políticas sociais.

Este modelo, baseado no fordismo, foi dominante até o final dos anos setenta, quando a crise internacional do petróleo contraiu os ganhos dos setores empresariais, obrigando-os a novos investimentos em tecnologias, máquinas e equipamentos como forma de diminuir os custos de produção e, com isso, reduzir a dependência crescente dos trabalhadores e sindicatos, além de se fortalecerem diante das pressões dos Estados Nacionais.

Este modelo produtivo trouxe grandes benefícios para os trabalhadores, foi um período de ganhos crescentes para a classe operária, sua renda cresceu e sua condição de vida melhorou enormemente, seu consumo aumentou e contribuiu para novas oportunidades de empregos e políticas de empreendedorismo, que trouxeram investimentos em setores dinâmicos da sociedade, dinamizando a economia e gerando desenvolvimento econômico.

Para evitar as quedas nos lucros, os setores empresariais se mobilizaram para a redução dos custos, os investimentos crescentes em tecnologia abriram espaço para novos setores econômicos e produtivos, a informática e as telecomunicações cresceram e ganharam força dentro das economias, gerando novos investimentos, mobilizando recursos e incrementando os mercados, surgia assim a chamada Terceira Revolução Industrial, um momento de mudanças em inúmeros setores, entre eles destacamos um crescimento central dos setores de serviços, que passaram a ganhar espaço dos setores industriais, atraindo novos trabalhadores e ganhando relevância dentre de todas as economias.

Esta nova Revolução Industrial apresentava características diferentes das anteriores, o emprego passa a exigir dos trabalhadores uma formação mais generalista, a qualificação, antes pouco exigida, passa a se tornar uma exigência constante, o novo modelo prescinde de um trabalhador que execute várias atividades dentro de uma organização, os salários crescem de acordo com as qualificações dos trabalhadores, a produção não mais se concentra em um único local, mas se divide entre vários países onde, cada país se especializa em uma das etapas da produção, com isso, o novo modelo não mais se torna dependente de um único Estado e de seus trabalhadores, são vários países integrados na produção, dando as empresas um poder maior e uma influência central na escolha dos melhores mercados disponíveis.

Este modelo recebeu a denominação de cadeias globais de produção, as grandes empresas multinacionais ou transnacionais, que operavam nestes mercados, eram dotadas de grandes recursos, possuíam grande influência na economia global, possuíam ainda uma grande gama de empresas associadas, desde bancos, seguradores, financeiras, autopeças, universidades, centros de pesquisas, laboratórios, etc, formando grandes conglomerados internacionais.

As cadeias globais de produção se concentravam em vinte ou trinta países, se muito, sua produção era bastante flexível e dinâmica, as burocracias estatais eram evitadas e os países marcados por instabilidades ou conflitos de outras naturezas eram substituídos por outros, a exclusão destas cadeias geravam grandes prejuízos para os países e para sua estrutura tecnológica, com isso, os grupos inseridos se curvavam aos interesses dos donos do dinheiro.

Foi justamente a expansão deste modelo para outras regiões que abriu espaço para a disseminação do modelo produtivo para os países asiáticos, inicialmente, Coréia, Indonésia, Malásia, Cingapura e China, entre outros. Com esta expansão, estes países passaram por enormes transformações econômicas, políticas e sociais, impulsionando o capitalismo para toda a região, estes países possuíam ampla mão de obra barata e aceitavam ganhos menores para se integrarem ao modelo produtivo dominante.

Com o aumento dos custos produtivos nos países ocidentais, onde o custo da mão de obra aumentou enormemente, a opção pelos países asiáticos se mostrou um grande negócio, nestes países a população era muito carente, os indicadores de pobreza eram altos e a busca por sobrevivência levava estes trabalhadores a aceitar empregos com baixa remuneração, com isso, as empresas multinacionais aumentaram seus investimentos na região e reduziram sua expansão em seus países de origem, gerando fortes tensões internas e grandes investimentos nos mercados asiáticos com fortes lucros e grandes expectativas de negócios.

Uma das características imediatas nos países desenvolvidos do ocidente foi a migração de empresas para os países asiáticos, gerando um incremento no desemprego nos setores industriais, obrigando os setores de classe média a busca de novos empregos, muitos deles com remuneração mais baixa e com condições mais desfavoráveis, o resultado deste fenômeno foi uma degradação das condições de vida desta classe média.

Este fenômeno contribuiu para o aumento da desindustrialização dos países capitalistas avançados, suas empresas migraram para regiões onde a mão de obra era mais barata, Ásia e América Latina e, posteriormente, a Europa do Leste, o interessante desta equação é que a produção industrial produzida na Ásia era exportada para os países de origem destas empresas, contribuindo para o incremento dos déficits externos e, com isso, aumentando suas dívidas públicas internas e com a redução da renda agregada destes trabalhadores, piorando os indicadores sociais dos países avançados.

O incremento de investimentos em novas tecnologias no começo do século XXI se apresentou como uma grande necessidade destas empresas, uma questão clara de sobrevivência, afinal, com o capitalismo globalizado, os investimentos em tecnologia e capital humano eram as formas mais seguras de se manter nos mercados internacionais. Surgem novos setores e empresas, tais como Facebook, Google, Amazon, Airbnb, Uber, entre outras, com novas exigências, demandas, necessidades e oportunidades, exigindo de todos os trabalhadores e empresas uma constante reinvenção, flexibilidade e agilidade.

De uma época para outra surgem novas empresas e setores com grande potencial de crescimento, empresas como o WhatsApp, responsável por pouquíssimos empregos diretos são negociadas por valores astronômicos, US$ 24 bilhões, valores estes muito maiores que empresas tradicionais que geram milhares de empregos e estão alicerçadas na economia e na sociedade destes países a muitos e muitos anos, uma verdadeira revolução.

Um outro exemplo impactante, a Netflix, empresa provedora de uma plataforma de streaming, possui atualmente mais de 125 milhões de assinantes no mundo todo e apresenta valores de mercado de mais de US$ 170 bilhões, valores estes superiores a empresas tradicionais como a Petrobrás ou a Vale que, juntas, geram milhares de empregos na estrutura econômica.

De um modelo baseado na especialização passamos para um modelo mais generalista, de um trabalho mais conservador e inflexível passando para um modelo mais dinâmico e flexível, de uma economia mais manual e analógica passamos para uma economia digital e robotizada, nestes novos modelos encontramos muitas incertezas, instabilidades e apreensões que culminaram em novas doenças e desajustes emocionais, espirituais e psicológicos com incremento no estresse, nas patologias e, nos casos mais graves, suicídios.

Estas empresas transnacionais concentram grande poder nas economias e mercados do mundo contemporâneo, sua capacidade financeira e seu poder tecnológico garantem uma grande força nas negociações com governos locais e blocos regionais, em acordos de investimentos estas empresas ganham subvenções fiscais e isenções tributárias crescentes além de infraestrutura material, cabendo a elas apenas o recrutamento dos trabalhadores e a efetivação dos investimentos, seus oligopólios globais enfraquecem a concorrência internacional e garante a elas forte capacidade de influência nos mercados.

Recentemente percebemos novos movimentos nestes mercados, as novas tecnologias baseadas na inteligência artificial, na internet das coisas, nas biotecnologias,  na internet das nuvens, na computação quântica, na impressão 3D, entre outras, estão gerando novas transformações neste modelo econômico produtivo, obrigando os países e as empresas a se adaptar ou correm o risco de serem expurgadas do mercado, com prejuízos devastadores.

Neste novo modelo nascente, percebemos a possibilidade de empresas saírem de países periféricos e retornarem a seus países de origem, este movimento pode se viabilizar porque estas empresas transnacionais globais geram poucos empregos e com estas novas tecnologias estão gerando menos empregos ainda, seu retorno aos países centrais pode ser estimulados pelas redução de impostos em curso, medida iniciada pelo atual presidente norte-americano Donald Trump, além de serem seduzidas pelos sentimentos nacionalistas e protecionistas que crescem e ganham força e relevância na economia internacional.

O novo modelo em curso na sociedade global é fortemente centrado em automação e tecnologias digitais, os avanços na produtividades são visíveis, os custos de produção estão se reduzindo, os desafios deste modelo são inúmeros, alguns internos e outros externos, que dependem de uma nova macroestrutura internacional, tais como a degradação do Meio Ambiente, os avanços das imigrações, o crescimento da concentração de renda, dentre outros.

O modelo que está sendo construído na economia contemporâneo é baseado e intensivo em tecnologia, em máquinas e equipamentos fortemente robotizados, a inteligência artificial que antes era apenas uma distante possibilidade, na atualidade já está se materializando em todas as regiões e países, seus impactos são bastante interessantes, geram um incremento da produtividade global, aumentam a produção e incrementa os ganhos das grandes empresas e conglomerados mas, ao mesmo tempo, tem um forte impacto concentrador de renda, aumentando as desigualdades e a concentração de renda da sociedade mundial, os dados revelados recentemente nos mostram que, em 2017, 82% de toda a riqueza internacional criada ficou concentrada nas mãos de apenas 1% da população global, com isso, percebemos que apenas 18% desta riqueza ficou com 99% da população de todo o globo terrestre, estes dados nos mostram quão caótico esta o mundo contemporâneo, criamos riqueza e as concentramos nas mãos de poucos em detrimento de uma grande maioria que vive, ou melhor, sobrevive, na indigência, pobreza e indignidade, um verdadeiro caos generalizado.

 

 

 

Algumas anotações relevantes de “Memórias de um suicida”

1

A Literatura Espírita sempre nos brinda com obras de grande conteúdo doutrinário, filosófico e reflexivo, dentre as várias obras Espíritas, uma nos marca de forma especial, o livro “Memórias de um suicida”, do espírito Camilo Cândido Botelho e psicografia de Yvonne do Amaral Pereira é uma destas obras marcantes e especiais que todos as pessoas deveriam ler, reler, discutir e indicar.

A Doutrina Espírita surge para o mundo em meados do século XIX através de Allan Kardec, pseudônimo do pedagogo francês Hippolyte Leon Denizard Rivail, nesta obra, Kardec nos traz informações sobre o mundo espiritual, o verdadeiro local da vida, local de onde viemos e para onde retornaremos no momento oportuno, somos todos espíritos que habitamos corpos materiais, nossa verdadeira vida se dá no mundo espiritual, conceitos novos surgem e se difundem para a Europa e depois para todo o mundo ocidental, a reencarnação, a obsessão, o mundo espiritual, as colônias, a morte, etc…

A obra Memórias de um suicida nos conta a história de cinco pessoas esclarecidas que vivem em Portugal no momento da codificação, mesmo sendo pessoas cultas, inteligentes e muito bem informadas, nenhum deles se interessou por saber um pouco mais sobre a nova Doutrina, mesmo conhecendo muito do conhecimento humano da época, mesmo estudando e convivendo com pessoas bem formadas e atualizadas, nenhum deles se interessou pela chamada terceira revelação, isto nos lembra uma frase de grande sabedoria: “quem sabe pode muito, quem ama sabe mais”.

Todos os personagens do livro vivem envoltos em seus mundos, alguns vivendo para as letras, outros para os negócios, outros mais para seus amores e interesses sentimentais, quanto tempo perdemos nas vivências cotidianas, nos interesses materiais e nos prazeres imediatos e, nestes mundos menores nos esquecemos da verdadeira razão da vida e os objetivos do progresso espiritual da humanidade.

Nos momentos de desesperanças, desajustes emocionais e medos, os conhecimentos do mundo material, a acuidade reflexiva e os pensamentos lógicos foram insuficientes e incapazes de confortar seus corações e impedir que, cada um de sua forma, cometesse o maior de todos os crimes, o suicídio.

Depois das andanças pelo Vale dos suicidas, todos passam a enxergar a vida de uma forma diferente, todos sabem que erraram, o remorso machuca suas mentes e massacra suas consciências, nestes momentos de dores e aflições que, cada um deles percebe, intimamente, que todo o drama vivido lhes é algo inexplicável, sem respostas a busca por Deus ou uma força superior começa a se destacar em suas mentes e, com isso, a oração e o pedido de ajuda se materializa em seus corações, a oração tem o condão de ligar os indivíduos a uma força superior, mas serve ainda como uma forma de nos conscientizarmos de nossas fragilidades e inferioridades.

O socorro existente no mundo espiritual e nas colônias é algo desconhecido por quase todos, a existência de colônias e cidades organizadas, estruturadas e bem administradas também passa distante das inteligências mais astutas do mundo material, tudo isto nos mostra como somos tão pequenos e pouco curiosos sobre os conceitos maiores da vida e da existência humana, muitas vezes nos afiliamos a seitas e grupos pseudo-religiosos, assumimos suas crenças e pouco refletimos sobre seu significado, somos todos, ou a grande maioria, verdadeiros fantoches de nossas limitações.

A chegada no Instituto Maria de Nazaré, localizada no plano espiritual, sua organização, trabalhadores, departamentos e suas tecnologias nos encantam enormemente, aparelhos que só chegariam no mundo material décadas posteriores já eram realidade nas colônias no final do século XIX, diante disso, percebemos o quanto de nossas descobertas ou criações são, na verdade, inspirações que recebemos e registramos dos cientistas e pensadores do mundo espiritual, nestas descobertas logo colocamos nossos nomes, registramos o produto e logo estamos cobrando por sua utilização, pobres seres que desconhecemos as origens e a missão que Deus nos concedeu.

Os cursos, as palestras, as missões, os estudos, as conversas e a troca de experiência, são instrumentos de engrandecimento de todos que se dedicam a descobertas íntimas e pessoais, o tempo passa e todos se sentem úteis e necessários, conhecer suas trajetórias, suas experiências e a certeza constante de que todos são espíritos em evolução, todos são deveras devedores e não existe nenhuma vítima de forças externas, se somos vítimas os algozes somos nós mesmos.

Camilo, grande escritor português, inteligência de destaque na Europa e no mundo da época nos conta os pormenores de sua trajetória nos Instituto, suas conversas com os doutores de Canalejas, suas palestras com os diretores e instrutores, suas andanças por departamentos e suas mais íntimas memórias, tudo isto para nos mostrar que, neste mundo, não podemos esconder nada de nós mesmos, o conhecer-se a si mesmo se faz necessário, é urgente e fundamental.

As conversas de Camilo com o doutor Carlos de Canalejas, onde este último destaca suas dúvidas mais íntimas, seus medos, seus amores e suas dificuldades nos levam a compreender que todos, indistintamente, trazemos em nossa alma segredos e desajustes dos mais severos possíveis, fruto de nossas andanças pelo mundo material e pelos desequilíbrios que nos caracterizam e corrói nossos mais íntimos sentimentos.

As excursões feitas ao mundo material nos mostra como estão próximos os mundos físico e espiritual, como nos interessamos pelo mundo do conhecimento, das riquezas físicas e dos prazeres imediatos e nos esquecemos de buscar a compreensão da verdadeira razão da vida e da existência dos seres humanos, o livro nos mostra, nas entrelinhas, que existem mais coisas entre o Céu e a Terra do que nossa vã filosofia pode imaginar.

O mergulho em suas histórias de vidas anteriores, o momento exato de relembrar suas vidas pregressas, momento em que Camilo revê seu passado e suas vidas anteriores, sua existência no momento do apedrejamento de Jesus Cristo, sua vida mesquinha, suas fofocas, suas armações, seus atos reprováveis, seu prazer inveterado na maldade e na difusão de calúnias e difamações, tudo isto se aclara na mente e na visão do grande escritor português do século XIX.

Mas, o que mais nos chama a atenção na história de Camilo Cândido Botelho é suas vivências no século XVII, quando a obra nos leva a conhecer todas as atitudes insanas para se casar com sua prima Maria Magda, nesta encarnação percebemos como a insanidade do ser humano pode lhe causar graves constrangimentos em momentos posteriores, a busca por um amor distante de seu coração o leva a crimes terríveis e a dores que o acompanharão durante muitos milênios.

Humilhações, surras, agressões, violências, torturas, calúnias, difamações e quando acreditávamos que a insanidade já tinha chegado ao fim, Camilo leva seu rival à cegueira, tudo isso leva o Marido de Maria Magda ao suicídio, ao se sentir um verdadeiro estorvo para sua esposa e para os seus filhos recorre ao autocídio, Camilo, num determinado momento de suas vidas futuras teria que responder por todos os crimes e humilhações cometidas contra Maria Magda, seu esposo Jacinto de Ornélas Ruiz e seus filhos.

O suicídio é um crime terrível contra as leis de Deus e gera dramas dos mais severos para aquele que o comete, seus impactos não se restringem apenas ao espírito suicida, os filhos e toda a família do suicida são atingidos e afetados por seus crimes, suas trajetórias se cruzam e, numa próxima vida, estes espíritos se reencontrarão para o acerto das contas, o reequilíbrio de suas energias e a compreensão das verdadeiras leis que regem a sociedade e a humanidade como um todo.

A oração é um verdadeiro bálsamo para todos os indivíduos, ela nos ajuda a compreender a nossa limitação e a grandeza de Deus, orar para os espíritos suicidas é uma forma de caridade constante, a oração os auxilia na compreensão de seus crimes e o fortalece para conseguir continuar em sua caminhada, entendendo que, mesmo tendo cometido um grave crime, que para algumas religiões são imperdoáveis, todos somos dignos de uma segunda chance e oportunidade, como nos foi dito por Jesus Cristo: “Das ovelhas que meu pai me confiou nenhuma se perderá”.

O livro acima descrito se caracteriza como uma das maiores obras da literatura espírita, seus ensinamentos nos ajudam a compreender um pouco mais da vida, nos descortina com todas as forças a realidade do mundo e as fraquezas dos indivíduos, todos somos devedores, todos nascemos com dívidas enormes, mas todos somos assessorados por espíritos e instrutores de alta evolução, suas inspirações são fundamentais para seguirmos nas trilhas do bem, do amor e do progresso, cabe a cada um de nós, enquanto seres humanos, nos abrirmos para sentir esta inspiração, sempre com fé, reflexão e confiança de que Deus está dentro de cada um de nós, as dificuldades existem para todos e sempre existirá, mas como nos diz um velho ditado: “Se Deus é por nós, quem será contra nós”.

O livro Memórias de um suicida foi publicado pela primeira vez em 1958, Camilo Candido Botelho se suicidou em 1890, permaneceu no mundo dos espíritos mais de cinquenta anos, reencarnou no final dos anos quarenta, segundo nos foi revelado pela obra, em sua nova encarnação teria que conviver com a cegueira desde os quarenta anos, sua morte do corpo físico se daria depois dos sessenta anos, diante disso, percebemos que Camilo deveria conviver com a cegueira durante mais de vinte anos, se na vida anterior sua cegueira ocorreu depois de seus sessenta anos e seu tempo de vida com esta doença se restringiria a apenas poucos anos, nesta nova vivência no corpo físico sua doença se faria presente por mais de duas décadas, ou seja, suas dores seriam aumentadas para poder compreender que as leis de Deus são imutáveis e todos nós devemos respeitá-las, mesmo nos momentos de maior desequilíbrio e desesperança, devemos confiar que o auxílio sempre chega, exercer a paciência é sinal de sabedoria e humildade.

 

 

Avanços e retrocessos da sociedade brasileira no século XXI

0

Depois de um período de forte recessão, redução dos investimentos, aumento do desemprego, queda na renda agregada e grandes dificuldades nos setores produtivos, a economia brasileira apresenta grandes dificuldades para trilhar uma taxa de crescimento econômico mais sólido e consistente, com isso, as perspectivas para o próximo ano ainda são bastante instáveis, incertezas e preocupações reinam em todos os setores.

O século XXI trouxe inúmeras novidades para a economia brasileira, depois de uma estabilização monetária marcada por graves problemas cambiais, o país inicia o século com novas perspectivas, em 2003 assume a presidência o torneiro mecânico Luís Inácio Lula da Silva, o programa defendido nas eleições do ano anterior pregava, inicialmente, o rompimento de políticas do governo anterior mas, quando as perspectivas de vitória cresceram, inúmeras medidas foram tomadas para agradar ao mercado e os setores produtivos, culminando na eleição de um partido político com um discurso de esquerda, intervencionista e fortemente centrado no forte papel do Estado na economia.

O primeiro mandato foi marcado por arrocho econômico, queda do investimento produtivo e uma política restritiva, o objetivo declarado na época era criar as condições para um salto mais sólido no crescimento econômico, isto se fazia necessário porque o governo anterior foi responsável pelo desmonte da economia e aumentado o passivo do governo, exigindo uma política de reequilíbrio dos setores econômicos, a isso o novo governo chamou de herança maldita, ganhando assim na narrativa e colocando os adeptos do governo anterior na defensiva.

Para angariar o apoio das classes economicamente mais elevadas, o governo petista implementou as políticas que vinham sendo adotadas pelo governo FHC, o chamado tripé macroeconômico: cambio flutuante, superávit primário e metas de inflação, é importante destacar que os petistas eram ferrenhos críticos destas políticas quando se encontravam na oposição, usando argumentos fortes e eleitoreiros para inviabilizá-las.

As metas de inflação eram descritas como um instrumento que dava ao Banco Central uma autonomia para levar os índices inflacionários a valores previamente acertados pelas autoridades monetárias, com isso, o governo passava a impressão ao mercado e para toda a sociedade que possuía instrumentos sólidos para controlar a inflação e orientar a sociedade.

O superávit primário foi elevado para 4,2%, levando o governo a promover um forte arrocho nos gastos com o intuito de mostrar para o mercado que suas políticas eram sustentáveis e que o país não mergulharia no caos econômico, como muitos setores do empresariado e da academia, tanto nacional como estrangeira acreditavam e divulgavam abertamente.

O câmbio flutuante seria a manutenção de uma política que já vinha sendo adotada desde 1999 e que trouxe benefícios para o setor produtivo, por esta política as variações cambiais eram aceitas enquanto as mudanças não fossem muito severas e gerasse desequilíbrios macroeconômicos, esta política é adotado desde o final do século anterior e sobreviveu a quatro governos diferentes e ideologias diversas.

Com as denúncias referentes ao chamado mensalão, o governo se vê em uma trajetória defensiva, as discussões relevantes são deixadas de lado e o país se concentra em discussões secundárias, levando a economia a andar em marcha lenta, com as eleições e posterior vitória eleitoral, o segundo governo Lula se volta para a adoção das políticas mais afeitas ao Partido dos Trabalhadores, os gastos públicos são incrementados e o Estado despeja inúmeros recursos em políticas centradas nos gastos governamentais.

Com a Crise de 2008, a chamada Crise Imobiliária ou Crise do Sub-prime, o governo implementa novas políticas públicas, desonerações de variados setores, linha branca e automobilístico, lideram as políticas de incentivo, todas objetivando o incremento dos indicadores e evitando que o país sentisse os impactos da crise originária dos Estados Unidos que afetava toda a economia mundial. Para dinamizar tais medidas, o governo Lula destaca as instituições financeiras ligadas ao governo federal para aumentar os empréstimos e financiamentos, todos com o intuito de evitar que o país entrasse em recessão.

Estas políticas intervencionistas geraram crescimento econômico e elevaram o capital político do governo, os índices de popularidade aumentavam e o país vivia um dos seus melhores momentos, crescimento da renda, inflação sob controle, empregos em alta, inclusão de grupos sociais até então marginalizados e perspectivas políticas e econômicas bastante favoráveis, todo este cenário fez com que a revista inglesa The Economist, um dos maiores berços do conservadorismo ocidentais, retratasse em sua capa uma imagem que gerou grandes aplausos para a sociedade brasileira, uma imagem do Cristo Redentor decolando, o mundo se curvava ao carisma do presidente Lula.

No ambiente político, o cenário era bastante confuso para os oposicionistas, o ambiente favorável fez com que os petistas conseguissem eleger novos nomes para cargos públicos e se fortalecerem politicamente mas, ao mesmo tempo, consolidavam uma forte dependência do presidente Lula, criando uma situação sui generis, onde o Lulismo era maior e mais consistente que o próprio petismo.

Na eleição de 2010, o petismo consegue eleger Dilma Rousseff, um nome pouco conhecido pelo público em geral, ex-ministra da Casa Civil e das Minas e Energias, seu nome bancado pelo presidente Lula derrota um dos políticos mais tradicionais destes últimos 30 anos, o tucano José Serra, que deixa o governo paulista para se candidatar e perde para a candidata do presidente, para muitos críticos, mais um poste do presidente Lula.

O novo governo herda uma economia em franco crescimento econômico, inflação sob controle, renda em ascensão, desemprego em queda, o país alcançou 7,5% de crescimento do produto interno bruto em 2010, uma marca que o país não alcançava desde os anos de crescimento do Milagre Econômico, no período 1968-1972, todos estes números eram motivos de comemoração mas, ao mesmo tempo, geravam grandes expectativas sobre a sustentabilidade deste momento de expectativas positivas.

O governo Dilma se caracterizou por políticas de desoneração fiscal, controle dos preços dos combustíveis e intervenção constante nos mercados, dentre eles destacamos as políticas adotadas no setor de energia, criando expectativas bastante negativas para o sistema econômico e produtivo, em uma delas o governo força uma queda nas taxas de juros para estimular o crescimento dos investimentos produtivos, esta política vista na época como uma forma de estimular os gastos e a geração de novos empregos, teve como consequências, graves impactos fiscais que culminaram, posteriormente, em um grave rombo fiscal para a economia brasileira, cujos impactos sentimos até os dias atuais.

Novas políticas públicas foram implementadas para aumentar os investimentos do Estado, desde o incremento nas obras até as políticas do setor educacional, que visavam uma maior capacidade de produção e desenvolvimento tecnológico, dentre elas destacamos o Pronatec, o Fies e o Ciências sem Fronteiras, todas políticas que tiveram muita receptividade na sociedade, destacamos ainda os aumentos nos gastos do setor educacional, onde o governo mantém as políticas iniciadas no governo anterior de expansão das universidades federais e o incremento dos Institutos Federais, cujos impactos foram bastante positivos mas os custos fiscais aumentaram imensamente, calcula-se que, apenas em pessoal o MEC aumentou de 189.637 funcionários para 299.244, um incremento de quase 110 mil postos de trabalho.

Apesar dos fortes investimentos na área, não percebemos mudanças substanciais na educação brasileira, isto se deve a um erro estrutural dos gastos do Estado na educação, cuja grande maioria se concentra no ensino superior em detrimento dos investimentos na educação básica, apenas para ilustrar, em 2017, o gasto primário da União com educação superior somou R$ 75,4 bilhões enquanto com a educação básica, R$ 34,6 bilhões.

O governo Dilma Rousseff se caracterizou pelas falhas constantes na interlocução com o Congresso Nacional, as dificuldades da presidente de negociar com o Legislativo abriu espaço para que muitos grupos descontentes com o governo se transformasse em adversários críticos e atuantes, dentre eles destacamos aqueles liderados pelo Presidente da Câmara, o deputado carioca Eduardo Cunha que deu início ao impeachment da presidente, iniciando um período de fortes nebulosidades para o país, onde vivenciamos uma verdadeira escuridão, as discussões eram todas enviesadas, as políticas públicas ficaram, em sua maioria, paradas ou tocadas em ritmo lento, os investimentos estatais minguaram e a economia entrou em um ritmo lento, as expectativas econômicas eram negativas e os investimentos minguaram.

Os grupos se digladiavam nas ruas, de um lado os defensores da presidente Dilma, defendiam seu legado acusando os outros de golpistas, do lado contrário, víamos um crescimento nos grupos conservadores que surgiam e cresciam , ganhavam musculatura, faziam barulho e ganhavam adeptos, a reflexão crítica inexistia em ambos os grupos, o debate respeitoso não existia, os conflitos eram constantes e o reacionarismo levava a desagregação, amigos que anteriormente se respeitavam agora se antagonizam abertamente, o Brasil virou palco de fortes conflitos que, felizmente, não se transformaram em guerra civil.

Para piorar todo o cenário, o debate sobre a corrupção crescia e ganhava força, a operação Lava Jato descobria grandes conchavos entre os grupos empresariais mais poderosos e políticos inescrupulosos, as investigações perpassavam todos os partidos e grupos políticos, todos se defendiam dizendo que as sobras eram recursos não contabilizados de campanhas e não poderia ser caracterizados como corrupção, neste momento estávamos descobrindo características nossas, enquanto sociedade, que até então poucos imaginavam existir, para os otimistas um momento maravilhoso, onde a depuração levaria ao nascimento de um país melhor e de uma sociedade mais consciente agora, para os pessimistas, mais um capítulo da história suja de corrupção e degradação dos valores morais e republicanos da sociedade brasileira, depois dos anões do orçamento o mensalão, o petrolão e quanto mais viriam até o Brasil se libertar desta pilhagem?

O Impeachment leva Michel Temer ao poder, o Brasil tem outro presidente, a formação do ministério deixa claro os interesses que passam a governar a sociedade da época, Romero Jucá, Gilberto Kassab, Moreira Franco, Eliseu Padilha…. nomes próximos ao presidente assumem os ministérios e trazem para o poder suas fichas corridas, inquéritos e investigações policiais os envolvem diretamente e faz do “novo” governo um exemplo de degradação moral das mais severas, para os que se empenharam na retirada de Dilma Rousseff, a ascensão de Michel Temer representou mais do mesmo, corrupção, patrimonialismo, ineficiência e degradação da coisa pública.

Depois de dois anos do governo Michel Temer os resultados são ínfimos, de um começo bastante contraditório no campo político, algumas medidas econômicas geraram expectativas positivas, dentre elas destacamos a aprovação do Teto dos Gastos, política que definia que os gastos públicos não poderiam crescer além do crescimento do produto interno bruto do ano anterior, esta medida foi muito comemorada pelo mercado e trouxe bons dividendos para o governo, destacamos ainda as políticas criadas para reverter as desonerações do governo anterior, as discussões sobre a Reforma de Previdência, as concessões públicas e as medidas criadas para a privatização das empresas estatais, todas muito comemoradas pelos grupos empresariais que viam na ausência das privatizações como um dos grandes equívocos do governo anterior.

As medidas defendidas pelo governo Temer geraram grandes expectativas nos setores financeiro e produtivo, que viam novas oportunidades de negócio e aumento nas taxas de lucros, as privatizações deveriam ser estimuladas, o Estado não administrava da melhor forma seus ativos, o déficit público crescia e exigia medidas urgentes e emergenciais, obrigando o governo a alienação de ativos públicos para cumprir com seus compromissos, evitando calotes e renegociações de dívidas, medidas estas vistas como um forma de descumprimento dos acordos com os agentes econômicos e produtivos.

A Reforma da Previdência era vista como uma medida central e necessária, o crescimento da longevidade da população e as novas formas de trabalho que surgiam com a quarta revolução industrial, elevavam os gastos previdenciários e colocava todo o sistema em xeque, a falência do modelo anterior de distribuição era evidente e a adoção de novas políticas era uma das mais urgentes medidas de política econômica, para angariar apoio para estas medidas o governo precisava de uma forte base parlamentar, eram necessários 308 votos, uma maioria que poucos governos conseguiriam construir, ainda mais um governo que ascendeu ao poder de uma forma tão controversa, não advogo a tese de que o governo Michel Temer não seja legítimo, embora acredite que este governo carece de uma maior sustentação política e eleitoral para propor e levar a cabo estas medidas, isto porque são medidas que impactam sobre a vida de todos os trabalhadores e, por isso, carecem de uma maior discussão social e política, exigindo um governo legitimado pelas urnas e não um governo que apresenta números tão ruins de avaliação popular.

A Reforma da Previdência é um instrumento fundamental de governabilidade para o próximo presidente, somente com uma reforma equilibrada que o país conseguira reverter esta crise fiscal que tantos constrangimentos causam a sociedade brasileira agora, não teremos nenhuma mudança no campo fiscal se, nesta reforma, não forem contempladas alterações substanciais nas aposentadorias de altos servidores federais, enquanto a média de aposentados do INSS está na casa dos R$ 1,6 mil, os servidores federais apresentam valores mais de dez vezes maiores, o que inviabiliza uma sociedade cujos trabalhadores estão vivendo mais, o que é bastante positivo, e os modelos de contribuição estão sendo colocados em xeque, isto porque a solidariedade intergeracional se reduz de forma acentuada com o passar dos anos e com as transformações na estrutura do emprego, do trabalho e da empregabilidade.

Para muitos setores da sociedade, o combate a corrupção deve ser o mais urgente dos instrumentos de políticas públicas na atualidade, segundo estes setores, o país chegou a tanto desajustes nesta área que, toda e qualquer política pública séria deveria priorizar este combate, somente assim conseguiríamos melhorar a eficiência do Estado e abrir espaço para novos investimentos sociais que auxiliaram na melhoria dos indicadores sociais.

A corrupção é, dentre os problemas brasileiros, um dos mais significativos, seu combate é fundamental e deve ser uma exigência de todos os grupos sociais e até uma das formas mais importantes para que a classe política reconquiste seu espaço perante o eleitor e, principalmente, se consolide diante de uma sociedade que vê a classe política como um dos setores mais retrógrados e ineficientes do país, contribuindo para demonizar a política, o que preocupa completamente pois a política é um instrumento central dentro da sociedade democrática, embora tenhamos variados distúrbios não podemos esquecer que a não política interessa apenas aqueles que se locupletem com a demonização das práticas políticas reinantes.

Neste ambiente de letargia, a economia brasileira pouco cresce, depois de mais de 9% de queda no produto interno bruto, no período 2015/2017, a recuperação é lenta e insuficiente, os grupos mais necessitados aumentam de forma exponencial, com isso, percebemos uma piora na distribuição da renda, aumento no desemprego, degradação nas formas de trabalho, queda considerável no investimento e um crescimento da pobreza e da desigualdade social, com isso, todas as conquistas dos últimos vinte anos se perdem e passam a comprometer a sustentabilidade social do país, que vê um crescimento na violência, incremento na mortes e assassinatos e piora considerável nos indicadores relacionados à segurança pública.

Ao mesmo tempo, percebemos que alguns setores da sociedade permanecem acumulando benefícios e vantagens consideráveis, o lucro do setor bancário cresce de forma exponencial, os benefícios da classe política continuam crescendo e a riqueza gerada no sistema se concentra, cada vez mais, nas mãos dos mesmos grupos de privilegiados, com tudo isso, percebemos que o discurso de austeridade continua e deve continuar por mais algum tempo, o interessante disso tudo é que a austeridade exigida pelo sistema afeta apenas os cidadãos do andar de baixo, os de cima se locupletam com as benesses de um Estado falido e de uma sociedade marcada e dominada por corporativismos.

O governo petista foi exitoso nas políticas sociais, as condições da sociedade melhoraram e o governo se utilizou desta melhora para alavancar investimentos sociais que contribuíram para inserir os grupos e setores, historicamente, excluídos da sociedade na sociedade de consumo, esta política se esgotou, o Estado perdeu a condição de sinalizar as melhores políticas para a sociedade, a crise fiscal e os conflitos políticos fragilizaram os agentes públicos e, com isso, faz-se necessário novos elementos para a construção de um novo ciclo de desenvolvimento econômico, enquanto os recursos eram vastos e abundantes, o governo conciliava os interesses dos vários grupos econômicos e sociais, os setores financeiramente mais sólidos ganhavam e os menos dotados financeiramente também conseguiam acumular recursos, com os desajustes fiscais o governo se viu numa encruzilhada, evitando fazer escolhas mais consistentes preferiu trilhar um caminho perigos, aumentou o endividamento público e, com isso, acabou aumentando o déficit público e gerando temores de calote na dívida pública.

O governo Michel Temer herdou uma situação fiscal insustentável, como o governo anterior se esquivava de um ajuste fiscal mais sólido para evitar críticas de seus apoiadores mais ferrenhos, o impeachment serviu claramente como uma nova bandeira da esquerda para continuar sua defesa incondicional do papel central do Estado na sociedade, com isso, o ajuste se faz necessário e central, os custos deste ajuste são severos e serão sentidos por todos os grupos sociais, principalmente os setores de baixa renda, com a redução dos gastos públicos os mais pobres verão sua situação piora de forma sensível e inevitável.

O Brasil vem passando por grandes ajustes nos anos recentes, de um período de forte crescimento econômico para os padrões nacionais até uma das maiores recessões, cujos impactos afetaram a todos os grupos sociais, o país se encontra em um momento crucial, uma verdadeira encruzilhada, os desafios são imensos e exigem medidas cruciais, austeridade de um lado e investimentos em outros, é chegada a hora de uma escolha que a classe política posterga a muitas décadas, a construção de um projeto para o país e a resposta para uma pergunta que muito nos incomoda: qual o país que queremos?

Todos queremos um país desenvolvido, com serviços públicos decentes, mão de obra qualificada e novas oportunidades de progresso e ascensão social, na primeira década do século XXI passamos a acreditar que um futuro melhor estava próximo, o crescimento econômico nos trazia grandes esperanças, um futuro melhor estava sendo construído, depois da forte recessão posterior a 2014, onde a economia regrediu mais  de 9% e a população se viu mais pobre e desesperançada,  as preocupações quanto ao futuro retornam de forma cada vez mais intensa, os resultados vindouros devem ser definidos agora, reflitamos sobre nossos problemas para que possamos compreender nossas dificuldades e construir um futuro melhor, mais sólido e consistente para todos e não apenas para uma pequena parcela da população.

 

 

Memórias de um suicida

0

Uma das mais importantes obras da literatura espírita, o livro Memórias de um Suicida psicografado por Yvonne do Amaral Pereira e ditado pelo espírito do grande escritor português Camilo Castelo Branco, se destaca como um dos mais importantes do século XX, uma leitura fundamental.

 

Faça Download do Artigo

O fim de Eddy

0

Um depoimento chocante sobre as dificuldades de um jovem homossexual de uma pequena cidade francesa, vítima de bullying, humilhado e maltratado na escola e perante sua própria família, uma leitura fundamental para compreendermos um pouco das dificuldades que as minorias passam numa sociedade doente e patologicamente comprometida.

 

Faça Download do Artigo

Curso de Ciências Econômicas – Unirp

0

Novo curso da Unirp, Ciências Econômicas, sejam todos bem vindos!!

Pós Graduação Senac

0

Excelente turma do Senac de pós graduação em Controladoria e Finanças.

Jessé Souza: É preciso explicar o Brasil desde o ano zero

0

Entrevista para Amanda Massuela – Revista CULT – 19 de outubro de 2017.

O sociólogo Jessé Souza, autor de ‘A elite do atraso’, lançado pela editora Leya (Divulgação)

Em A elite do atraso – Da escravidão à Lava Jato, Jessé Souza quer fazer o que, em sua opinião, nenhum intelectual da esquerda jamais fez: explicar o Brasil desde o ano zero. Isso porque se ideias antigas nos legaram o tema da corrupção como grande problema nacional – conforme defende no livro -, só mesmo novas concepções sobre o país e seu povo poderiam explicar, de uma vez por todas, que as raízes da desigualdade brasileira não estão na herança de um Estado corrupto, mas na escravidão.

Para tanto, o sociólogo confronta uma das principais obras do pensamento social brasileiro, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda – responsável por utilizar pela primeira vez a ideia de patrimonialismo para definir a política nacional. Jessé compreende que o conceito – segundo o qual o Estado brasileiro seria uma extensão do “homem cordial” que não vê distinções entre público e privado – serve para legitimar interesses econômicos de uma elite que manda no mercado, este sim a real fonte de corrupção e poder.

Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e professor da UFABC, Jessé Souza é autor de 27 livros, incluindo A ralé brasileira: quem é e como vive(2009), A tolice da inteligência brasileira (2015) e A radiografia do golpe (2016). Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2015 e 2016, coordenou pesquisas de amplitude nacional sobre classes e desigualdade social. Em entrevista à CULT, o sociólogo critica a existência de uma interpretação dominante sobre o Brasil e aponta os motivos pelos quais a sociedade brasileira em 2017 não passa de uma continuidade da sociedade escravocrata de 500 anos atrás.

No livro você afirma que Sérgio Buarque de Holanda inaugurou uma forma de pensar o brasileiro como negatividade que se estende ao Estado, visão que teria influenciado de Raymundo Faoro a Sergio Moro. Por que essa chave de leitura tem tanta força?

Essa ideia foi montada para defender interesses econômicos. Às vezes me espanto como não se percebeu isso antes. Quando a elite paulistana perde o poder político para Vargas em 1930 – e perde para um movimento de classe média, que estava se formando no país naquela época -, ela começa a organizar um poder ideológico para condicionar o poder político a atuar conforme as suas regras. Isso foi dito, articulado, pensado. Esse pessoal já tinha fazendas de café, as grandes indústrias em São Paulo, já tinha controle sobre a produção material e aí constroem as bases para o poder simbólico – e a sociedade moderna vive desse poder simbólico. Essa elite cria a Universidade de São Paulo, que vai formar professores de outras universidades e que vai produzir conceitos importantes para que essa elite, tirando onda de que está fazendo o bem, faça efetivamente todo mundo de imbecil para que seus interesses materiais e políticos sejam preservados.

Que conceitos são esses?

São duas ideias que nos fazem de imbecis. Uma delas é a do patrimonialismo, em que há uma distorção da fonte do poder social real,  como se o Estado fosse montado para roubar, vampirizar e fazer o mal – e como se nada acontecesse no mercado. Embora seja uma instância de poder importante, no capitalismo quem comanda o poder é o mercado. Há uma tradição inteira, 99 de 100 intelectuais até hoje professam esse tipo de coisa. Sérgio Buarque inaugura [esse pensamento no Brasil], depois Raymundo Faoro dá uma profundidade histórica e Fernando Henrique Cardoso transforma isso em teoria; o programa político do PSDB é todo retirado de Raízes do Brasil. Mas também influenciou a esquerda. Sérgio Buarque foi um dos fundadores do PT, fez todo mundo de imbecil, da direita à esquerda. E como a esquerda não tem uma concepção autônoma de como a sociedade funciona, de como o Estado funciona, ela chega ao poder com um plano econômico alternativo, mais inclusivo, e acha que as pessoas por alguma mágica vão perceber que aquilo é bom pra elas. A esquerda nunca fez o que a direita e a elite fizeram.

Por que a esquerda nunca articulou uma narrativa contrária a essa?

Porque foi incapaz. Porque não foi inteligente, porque se deixou imbecilizar. Porque o tema do patrimonialismo é tratado como crítica social: “Olha, estamos descobrindo quais são as mazelas brasileiras, um gene da corrupção de 800 anos que nos toma a todos”. Isso significa que o Estado [teoricamente] vampiriza e não deixa as forças “emancipadoras” do mercado agirem – como se o mercado, em algum lugar do mundo tivesse sido emancipador por si próprio. Os países campeões do liberalismo como Inglaterra e Estados Unidos têm uma estrutura de Estado extremamente forte, foram protecionistas – e depois dizem a outros países serem o que eles mesmos nunca foram. Isso deu esse charme – o “charminho crítico”, como eu chamo – a esse tipo de ideia como o patrimonialismo, que muitas vezes a esquerda comprou.

O segundo conceito chave, também inventado na Usp, foi o populismo, que torna suspeito e criminaliza tudo aquilo que vem das classes populares – inclusive qualquer liderança associada a elas, que são também estigmatizadas e suspeitas de estarem manipulando a tolice “inata” dessas classes. Eu estudei por décadas os muito pobres e eles são muito mais inteligentes do que a classe média. Eles veem a política como o jogo dos ricos em que todo mundo rouba enquanto a classe média se deixa engambelar por esse tipo de coisa. A classe média foi montada para ser idiotizada, é uma espécie de capataz da elite entre nós.

Na história do pensamento social brasileiro nenhum intelectual chegou perto de romper com essas duas ideias, na sua opinião?

Florestan Fernandes saiu um pouco disso porque estudou dilemas e conflitos de classe; Celso Furtado foi outro genial que percebeu coisas importantes que não têm nada a ver com esses esquemas. Mas esses caras não reconstruíram a história do Brasil como um todo. Foi essa a ambição que eu tive nesse livro porque eu percebi que, para atacar esse negócio e dar nele um nocaute, é preciso fazer o que eles [a elite] fizeram: explicar o Brasil desde o ano zero. O que foi, como foi, por que somos hoje o que somos e o que isso implica para o nosso futuro. Eu tentei fazer o que esses caras não fizeram, apesar de termos tido críticos que discutiram aspectos parciais de modo extremamente importante. Mas se não reconstruirmos o todo, as lacunas do que construímos apenas parcialmente serão invadidas pela teoria dominante, daí Florestan usar o patrimonialismo e essa bobagem toda.

Esse pessoal diz que nosso berço é Portugal e que de lá vem a nossa corrupção – uma coisa que me dá raiva de tão frágil, já que corrupção é um conceito moderno que implica a noção de soberania popular que é coisa de 200 anos. O nosso berço é a escravidão, que não existia em Portugal a não ser para os muito ricos. Não era fundante, era marginal, nunca foi mais de 5%, enquanto nós fomos montados nela. Essa teoria sobre o Brasil, que se põe como científica, no fundo não vale um centavo furado. É montada a partir de ilusões do senso comum, como se a tradição cultural fosse transmitida pelo sangue. São instituições concretas que nos moldam, é a forma da família, da escola que faz com que sejamos o que somos.

No livro você comenta que um dos principais problemas do Brasil é que aqui não houve nenhum tipo de reflexão acerca da escravidão. Quais são os efeitos práticos disso na sociedade brasileira, hoje?  

Literalmente tudo. Primeiro há a naturalização da miséria e do sofrimento alheio. Todas as sociedades já foram um dia escravocratas, apenas a Europa, no Ocidente, quebrou com a herança escravista do mundo antigo. Isso significa que embora a pessoa seja socialmente inferior a você, ela não será tratada como uma coisa, mas como um ser humano. E com as lutas sociais por igualdade, são produzidos processos coletivos de aprendizado na qual a dor e o sofrimento do outro podem ser revividos em cada um. Nós, por outro lado, mantivemos essa subhumanidade. Nós não nos importamos com a dor e com o sofrimento dos pobres, as evidências empíricas são claríssimas como a luz do sol, inegáveis para qualquer pessoa de boa vontade. A polícia mata pobres indiscriminadamente – e faz isso porque a classe média e a elite aplaudem. Houve recentemente essa coisa completamente absurda e bárbara das matanças nos presídios, e a classe média aplaudiu. São provas de que temos, como sociedade, ódio aos pobres. Isso veio da escravidão, em que havia uma distinção muito clara entre quem é gente e quem não é. Por isso, não nos importamos com o tipo de escola e de hospital que essa classe vai ter, por exemplo, o que é uma enorme burrice porque estamos criando inimigos, ressentimento. A Alemanha fez um esforço extraordinário para incorporar os 17 milhões que viviam na Alemanha Oriental, tornando seu mercado mais forte, mas aqui a gente simplesmente joga no lixo esse tipo de coisa porque nunca criticamos a nossa herança escravocrata, porque acreditamos nessa baboseira de herança portuguesa da corrupção. Raymundo Faoro tratava a existência de senhores de escravos como algo banal, quando na verdade o senhor de escravo deve estar no centro [da análise], já que todas as outras instituições vão se montar a partir daí. É uma continuidade absurda de 500 anos e nós somos cegos a isso.

Como essa continuidade aparece?

A família dos muito pobres repete há 500 anos a família dos escravos e eles ainda fazem o mesmo tipo de serviço que faziam antes, são escravos domésticos. Fazem parte de famílias desestruturadas, uma vez que na escravidão não se estimulava que o escravo tivesse família porque era preciso humilhá-lo, abatê-lo. Exatamente como acontece hoje. A escravidão só prospera com o ódio ao escravo e o Brasil de hoje é marcado por uma coisa central que só um cego não vê, o ódio ao pobre. A humilhação do pobre. O PT caiu não por causa da corrupção – que pode ter existido, é bom ver as provas -, mas porque tocou no grande pecado de ter diminuído um pouquinho a distância entre as classes. A distância desses 20% para os 80% é a pedra de toque para esse acordo de classes absurdo no Brasil.

O único país que se assemelha a nós no planeta é a África do Sul. Vivemos um apartheid aqui. Governos de esquerda caem, acontecem golpes de Estado toda vez que tentam diminuir essa distância entre as classes. Com isso você constrói dois planetas dentro de um mesmo país, é isso o que temos hoje. Como a classe média não pode transformar esse seu ódio ao pobre em mensagem política – porque isso seria canalhice e temos essa influência cristã -, ela utiliza o pretexto da corrupção já dado pelos nossos intelectuais no tema do patrimonialismo. Todas as elites estudaram em todas as universidades essa mesma bobagem, todo jornal repetiu e repete em pílulas essa mesma imbecilidade, fazendo com que as pessoas internalizem isso como uma verdade absoluta.

Você afirma no livro que a crise atual do Brasil é “também e principalmente uma crise de ideias”. Partindo disso, quanto dessa crise a gente pode colocar na conta da própria esquerda, já que ela nunca se mobilizou para produzir outra interpretação do Brasil?

Ela nunca se mobilizou, isso é uma fraqueza e eu acho que temos que mudar isso. Eu decidi transformar a minha vida nisso, por exemplo. Tem que começar em algum momento. Eu tive sorte porque morei muito tempo fora do Brasil e de algum modo peguei um olhar externo. Tem um grande filósofo que diz que o que propicia o conhecimento é o fato de você conhecer aquele lugar, mas estranhá-lo, ou todas as coisas viram naturais. E se tudo é natural você não interroga, não há dúvida.

Um estudo recente do Instituto Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Datafolha mostra que, numa escala de 0 a 10, a sociedade brasileira chega num índice de 8,1 na predileção por posições autoritárias, principalmente entre jovens de 16 a 24 anos. Como interpreta esse dado?

É de fácil explicação. A partir de 1980 há um partido que nasce de baixo para cima. Nunca havia existido isso entre nós, um partido que congrega trabalhadores rurais e urbanos – eu tenho muitas críticas ao PT, mas é inegável que ele foi uma inflexão importante nessa história da escravidão. E ele passa a representar uma demanda por igualdade nessa sociedade perversamente desigual. Quando você afirma que esse partido é uma organização criminosa – usando no fundo aquela ideia do populismo, de que tudo o que vem das classes populares é estigmatizado – você está afirmando que a igualdade não é um fim, mas um mero meio, uma estratégia de assalto ao Estado. Ora, para onde vai a raiva justa dos 80% dos excluídos se ela não pode ser expressa de modo político e racional? Vai ser expressa de modo pré-político, ou seja, violência pura. A Globo e a Lava Jato criaram Jair Bolsonaro, só o cego ou o mal intencionado não vê. Esse namoro com o autoritarismo tem a ver com o ataque midiático, esse conluio entre Rede Globo e Lava Jato, e eu espero que esse pessoal pague por isso um dia.

No limite, essa chave de leitura inaugurada por Sérgio Buarque serve para justificar golpes de Estado e a Lava Jato, por exemplo?

Sim, a Lava Jato não tem nada a ver com acabar com a roubalheira. Até porque a roubalheira aumentou, isso é visível agora que temos no governo uma turma da pesada. É claro que a corrupção dos políticos existe, mas é uma gota no oceano. Esses caras são meros lacaios do mercado, os office-boy, é o que o nosso presidente é. Se você disser que o sistema inteiro é corrupto e que ele foi montado assim para que o mercado pudesse comprá-lo, aí você estaria esclarecendo alguma coisa, mas quando se diz que apenas um partido, aquele das classes populares, rouba, isso é uma mentira e um crime.

Vê saídas para essa tendência autoritária observada na sociedade brasileira?

Não tem nenhum outro modo, os seres humanos precisam ter ideias, sem ideias não dá para ir a lugar algum. É claro que isso tudo pode ficar ainda pior, a gente pode chegar a formas fascistas, mas o que a elite quer é dinheiro, se for por uma ditadura militar, se for matando gente, não tem nenhuma importância. Fato é que nesse instante de crise estamos com as vísceras à mostra e isso é uma oportunidade de vermos a podridão desse esquema que foi montado por essa elite usando e imbecilizando não só a classe média, e retirando a possibilidade de levarmos a vida de modo reflexivo. O que esse pessoal nos tirou foi a possibilidade de aprendizado da sociedade brasileira baseado na reflexão. E isso é impagável.

 

“É preciso ampliar e demonstrar, de forma clara, a relevância do tema Educação Financeira.”

0

MARCELO BARBOSA, PRESIDENTE DA CVM por Ronnie Nogueira – RI

O advogado Marcelo Santos Barbosa foi nomeado em 25/08/2017, por decreto do presidente Michel Temer, para cumprir mandato de 5 anos à frente da presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Tendo tomado posse em 06/09/2017, seu mandato vai até 14 de julho de 2022.

Marcelo Barbosa é bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Direito (LL.M) pela Universidade Columbia, em Nova Iorque, EUA. Sócio-fundador do Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados, possui experiência relevante em operações societárias e de mercado de capitais, assessorando, desde a década de 1990, clientes em operações de private equity e fusões e aquisições.

Foi professor de Direito Comercial – Sociedades Anônimas da UERJ (2000-2001), e de Direito Societário no Programa de Educação Continuada da FGV-Rio (2007-2015). Desde 2016, também atua como professor de Casos Concretos de Direito Societário e Mercado de Capitais da FGV-Rio.

Barbosa foi presidente do Conselho Curador da Fundação Estudar e membro do Conselho Consultivo do Columbia Global Centers Latin America (Rio de Janeiro) e do Comitê de Aquisições e Fusões (CAF), bem como conselheiro Fiscal da Fundação Lemann. Também é autor de artigos sobre temas de Direito Societário e de Mercado de Capitais e palestrante em conferências no Brasil e no exterior.

Para realizar esta entrevista exclusiva com o “xerife” do mercado, solicitamos à destacados players do mercado – membros do Conselho Editorial da Revista RI e do Conselho do CODEMEC – Comitê de Divulgação do Mercado de Capitais – que formulassem perguntas, sobre suas áreas de atuação, dirigidas ao presidente da CVM. Acompanhe a entrevista.

RONNIE NOGUEIRA: Como está evoluindo a execução do Plano Estratégico da CVM – apresentado em 2013 por seu antecessor Leonardo Pereira – que listava 15 objetivos a serem perseguidos pela autarquia até 2023? Quais desses objetivos, como as simplificações de procedimentos, estímulos aos investimentos e medidas de proteção aos aplicadores já foram colocados em prática? E, quais as iniciativas que deverão sair do papel no horizonte próximo?

Marcelo Barbosa: O Plano tem sido de grande valia para a condução das atividades da CVM, na medida em que fornece uma identificação de objetivos institucionais e permite estabelecer linhas a serem seguidas pela casa. No momento, temos seis projetos estratégicos em execução e que estão relacionados a algumas temáticas importantes: desde uma revisão do próprio Planejamento Estratégico, passando por questões como atividade sancionadora, tecnologia, capacitação, arrecadação e, mais recentemente, custo de observância no âmbito do perímetro regulatório da CVM. Além disso, 12 projetos estratégicos foram executados e concluídos e já geram resultados visíveis, tais como o aperfeiçoamento da capacidade da CVM de identificar indícios de crime de uso de informação privilegiada, a criação do Centro Educacional CVM/OCDE, o aprimoramento do regime sancionador da Autarquia, a reformulação do portal institucional como ferramenta de comunicação com a sociedade, entre outros. Projetos voltados ao público interno, como o desenvolvimento de programa de capacitação e meritocracia e reavaliações das estruturas física e organizacional também foram desenvolvidos.

Thomas Tosta de Sá: Quais são suas prioridades para o desenvolvimento do mercado de capitais – um dos mandatos da CVM – aproveitando a conjuntura de redução da inflação e da taxa de juros e a escassez de recursos do BNDES para continuar emprestando com juros subsidiados?

Marcelo Barbosa: Com taxas de juros menores, melhoram as condições para a expansão do ritmo do desenvolvimento do mercado de capitais. Temos trabalhado em frentes importantes para a consecução desse objetivo, como, por exemplo, a redução dos custos de observância e a inclusão financeira. O acesso das empresas ao mercado também precisa ser constante foco de nossa atenção, não apenas por meio do aumento do número de empresas listadas, mas, igualmente, pela expansão do mercado de dívida.

Geraldo Soares: Como a CVM pode contribuir para trazer uma gama maior de empresas ao mercado bursátil? Menor regulamentação, simplificação de processos, redução de custos, etc – que hoje representam fatores inibidores do desenvolvimento do mercado?

Marcelo Barbosa: Esta é uma pauta importante que vem sendo tratada em conjunto com vários segmentos de mercado. A discussão sobre flexibilidade nas regras pode sempre ser mantida, mas sem perder de vista os limites que são colocados pela necessidade de transparência e segurança dos diversos participantes envolvidos. Projetos de criação de mercados de acesso apresentam desafios importantes que precisam ser avaliados com cautela para que possam ser efetivos.

Mário Bandeira: Ouve-se muito falar que o quadro de funcionários da CVM está muito abaixo do que seria o ideal. Isto poderá causar transtornos no futuro? Qual a razão, e o que deve ser feito para resolver essa situação?

Marcelo Barbosa: Qualquer organização sofre com a escassez de pessoal. A Autarquia realiza um acompanhamento cuidadoso dessa questão, e temos mantido um diálogo construtivo com os Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Para termos condições de lidar com nossas diversas atribuições da forma mais eficiente possível, mantemos permanente esforço de priorização de tarefas, como em toda organização.

Roberto Teixeira da Costa: Num mundo em transformação com tecnologias disruptivas, cada vez mais percebida no que convencionamos chamar de IV Revolução Industrial, como as Comissões de Valores estão se estruturando, e particularmente a CVM?

Marcelo Barbosa: A evolução tecnológica e a crescente utilização de tecnologia em benefício do mercado de capitais são acompanhadas pela CVM, inclusive por meio de grupos de trabalho internos. Nossa atuação no estímulo à adoção de novas tecnologias capazes de aperfeiçoar o mercado é conhecida. Temos em andamento o projeto estratégico CVMTech que possui, dentre seus objetivos, avaliar e, sempre que entender relevante, sugerir iniciativas que permitam reverter, para a CVM, os benefícios das novas tecnologias financeiras. Este projeto tem sido exitoso e nos propiciou um conhecimento bastante aprofundado das possibilidades do emprego da tecnologia no desempenho de nossas funções. Participamos de foros locais e internacionais e reconhecemos que a atividade de regulação não pode ser feita de forma a desconsiderar os avanços, sob pena de perder espaço para mercados mais adaptáveis. Tudo isso, obviamente, sem comprometer o princípio fundamental da segurança do investidor.

José Luiz Osório: Um fator importante para o desenvolvimento do mercado de capitais é a presença de gestoras de investimento independentes que além de competirem com as instituições financeiras atraindo poupança pública a taxas mais competitivas, são normalmente especializadas em classes de ativos ou com filosofia de investimento diferenciada o que as faz atrair um volume maior de capital estrangeiro e tendem a ser mais ativistas auxiliando a CVM no seu trabalho de controle e regulação do mercado. Neste sentido, quais medidas a CVM está tomando para reduzir os custos de constituição e manutenção de fundos, e de conformidade das gestoras independentes?

Marcelo Barbosa: Vejo que a CVM avançou quando, em 2015, editou a Instrução 558 (que regula o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários), alteradora da Instrução 306. As regras foram atualizadas, inclusive em pontos que impactavam custos. A criação de duas categorias de registro para os administradores de carteira de valores mobiliários (“administrador fiduciário” e “gestor de recursos”) permitiu maior clareza sobre os deveres de cada participante e maior proporcionalidade entre os custos de cumprimento da norma e os efetivos benefícios aos investidores. Em linha com o que abordei em respostas anteriores, a cultura de avaliação de custos de observância regulatória, que estamos internalizando na CVM, também pode gerar benefícios a este segmento. É possível prever avanços nesse campo graças às interações que temos tido com o mercado no âmbito do projeto de redução de custos de observância, o qual tem contado com ampla participação de agentes de mercado.

Caio Mesquita: Quais as medidas que a CVM estuda para, dentro do seu mandato, desenvolver o mercado de capitais no Brasil, popularizar e democratizar os investimentos para as pessoas físicas, hoje ainda tão concentradas na poupança e produtos bancários?

Marcelo Barbosa: É preciso ampliar e demonstrar, de forma clara, a relevância do tema Educação Financeira. Em nosso país, temos cerca de 660 mil investidores em renda variável. E o Brasil tem 28 milhões de CPFs. Há pessoas que poderiam investir diretamente em Bolsa, que poderiam investir por meio de fundos de investimento. E que não investem, talvez, por falta de um pouco mais de educação financeira. Em um cenário de redução de taxas de juros, estarão dadas as condições para a migração de mais investidores para a renda variável. Mas também é interessante entender o fenômeno. Esses números modestos de participação da população no mercado de capitais no Brasil possuem raízes em questões culturais, mais que econômicas. Historicamente, o brasileiro é educado a poupar, e não a investir. Ou seja, essa dimensão seria mais bem abordada por políticas públicas de orientação e de informação. Essa é uma pauta que entendo ser relevante desenvolvermos constantemente. E, bem sucedida, tende a gerar ganhos para todos os lados. A educação do investidor começa com informação, com esclarecimento. Esclarecido, o investidor entenderá melhor os riscos e poderá tomar decisões de forma consciente.

RONNIE NOGUEIRA: Considerando que hoje no Brasil, apenas um número irrisório de pessoas físicas investem na Bolsa, como o senhor avalia a necessidade e a importância de um amplo e permanente programa de educação voltado à criação de uma verdadeira Cultura de Investimento em Ações entre investidores individuais, e como a CVM vem contribuindo para isso?

Marcelo Barbosa: Reiterando a resposta anterior, especificamente com relação ao trabalho da CVM, a Autarquia possui uma série de programas diretamente voltados à educação financeira. São ações que abarcam a temática desde a infância, como palestras direcionadas a pais e filhos, eventos e concursos que buscam fomentar a participação de adolescentes, cursos para adultos nos mais variados segmentos (servidores públicos, mulheres, idosos, etc). Além disso, a CVM preside o Comitê de Investidores de Varejo (C8) da IOSCO. O C8 tem a finalidade de conduzir o trabalho da organização em educação financeira e de investidores, assessorando o Conselho da IOSCO em temas emergentes relacionados à proteção dos investidores de varejo, além de executar projetos nessa área.

RONNIE NOGUEIRA: Como a CVM tem agido para que os direitos dos acionistas minoritários sejam respeitados? Participantes do mercado têm afirmado que os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários consistem em forte empecilho ao desenvolvimento do nosso mercado de capitais…

Marcelo Barbosa: É relevante deixar claro que essa discussão não deveria se dar em torno da proteção de um tipo de investidor ou de outro, mas, sim, do equilíbrio nas relações entre os vários atores. Adicionalmente, é fundamental a CVM manter o mercado esclarecido sobre os limites das condutas permitidas. Não é à toa que se costuma dizer que a informação tempestiva, correta e completa é o melhor instrumento de proteção. Mas, além disso, é importante que haja uma percepção generalizada de que condutas irregulares serão prontamente identificadas, e que a sanção virá em prazo curto e servirá de desincentivo forte o suficiente. Temos trabalhado para, cada vez mais, refletirmos, na prática, esse objetivo.

Luiz Guilherme Dias: A CVM é percebida por muitos agentes como “xerife do mercado”. Penso que onde há “xerife” há “bandido”. Em nosso mercado existem “bandidos”, mas são poucos, em geral, apanhados quando cometem seus crimes. Não seria o caso da CVM reforçar o propósito de desenvolver o mercado, melhorando a sua comunicação aos agentes e à sociedade?

Marcelo Barbosa: A proteção do mercado de capitais se dá com regulação e supervisão eficazes e com um processo sancionador estruturado para evitar que as irregularidades passem impunes. Nosso trabalho diário é o constante desenvolvimento do segmento. E comunicar, de forma clara e transparente, é fundamental, principalmente no atual momento, em que estamos lidando com situações novas. Nos últimos anos, a CVM desenvolveu ações pontuais com o intuito de ampliar sua comunicação. A reformulação do site institucional, tornando-o mais intuitivo para o usuário, é um exemplo. Outra ação, relativamente simples, e que gerou resultado positivo, foi a disponibilização, até o dia seguinte da reunião do Colegiado da Autarquia, de um resumo das decisões tomadas. Trata-se do Informativo do Colegiado. Com isso, de maneira rápida e acessível, uma síntese das decisões fica disponível ao público, atendendo à demanda do mercado por uma comunicação ainda mais ágil. Adicionalmente, tanto os membros do Colegiado quanto representantes de áreas técnicas compreendem a relevância da representatividade e o fato de estarem próximos ao regulado e à sociedade como um todo, seja por meio de audiências públicas ou a particulares, debates, encontros com investidores, eventos e congressos do setor.

Paulo Ângelo Carvalho de Souza: A sociedade brasileira e investidores do mundo inteiro ficaram atônitos com os diversos escândalos nos últimos anos que tangenciaram o mercado de capitais brasileiro, especialmente com empresas listadas na B3, como observado, em especial, com as repercussões da Lava-Jato e da derrocada das “Empresas X”. Embora o judiciário tenha reagido, ainda com poucas decisões definitivas, muitos consideram que a CVM não agiu com o devido rigor e presteza para punir os envolvidos, principalmente face as graves omissões observadas nos Conselhos de Administração e Conselhos Fiscais. Neste sentido, porque a CVM assistiu de forma tímida a todo o desenrolar destes casos sem uma manifestação ou posicionamento a respeito? Não dispõe a CVM de legislação adequada para garantir sua atuação nesses casos de notória gravidade, sem decoro e sem respeito à seriedade e segurança dos acionistas e investidores? Não seria o caso de avaliar uma atualização na legislação para garantir a independência da CVM? Apenas citando um caso emblemático, seguirá impune a atuação nociva dos membros do Conselho de Administração da Petrobras?

Marcelo Barbosa: Não me cabe comentar casos específicos, nem muito menos fazer avaliações sobre o desempenho de qualquer área ou integrante da CVM neste ou naquele caso. O que posso afirmar é que nossa atividade sancionadora é desempenhada com bastante cuidado e atenção, desde o início de cada processo com potencial sancionador. Os relatórios de atividade sancionadora que começamos a divulgar no final do ano passado nos permitem uma visão mais completa do volume de trabalho envolvido nessa atividade. É compreensível a demanda por respostas rápidas a casos de repercussão. Mas é preciso entender que não se constrói um mercado sólido sem que esteja claro aos seus participantes que o órgão regulador e fiscalizador observa, fielmente, o devido processo em sua atividade sancionadora.

Wilson Nigri: Podemos esperar alguma ação da CVM em defesa dos acionistas da Petrobrás no Brasil, para que haja isonomia com os reparos obtidos pelos portadores de ADRs da companhia nos Estados Unidos?

Marcelo Barbosa: A Autarquia não possui mandato legal para, por exemplo, determinar a indenização, compensação ou qualquer tipo de ressarcimento às pessoas lesadas por práticas irregulares no mercado de capitais. Eventuais pedidos de indenização devem ser perquiridos junto ao Judiciário, que é o Poder competente para esse tipo de demanda. Logicamente, a CVM pode manifestar a sua opinião em juízo sob a forma de amicus curiae, o que é feito por meio de sua Procuradoria Federal Especializada – PFE oferecendo provas ou juntando pareceres que auxiliem na decisão da Justiça. De qualquer forma, tendo em vista nosso objetivo de fomentar o desenvolvimento do mercado, participamos ativamente de discussões com o propósito de rever o arcabouço legal existente de forma a avaliar possíveis aperfeiçoamentos que podem fortalecer o aparato de proteção dos investidores em valores mobiliários negociados no Brasil.

Walter Mendes: Da experiência acumulada no cargo, você entende que o escopo de atuação da CVM é adequado? Ou precisamos de novas agências para regular nichos específicos de mercado, a exemplo do que acontece no exterior. Para ilustrar, devemos ter o mesmo órgão regulando mercados abertos e fechados, visto que os desafios são tão diferentes?

Marcelo Barbosa: Diversas são as soluções encontradas em cada país para estruturar a tutela de seus mercados. Acredito que a proposta adotada no Brasil é adequada e não demandaria maiores ajustes estruturais. Evidentemente, devemos estar atentos para aperfeiçoamentos que se tornem interessantes. No entanto, acredito que hoje podemos oferecer a tutela adequada com o desenho que temos.

Carlos Augusto Junqueira: Recentemente ouviu-se dizer que a CVM quer de alguma forma abrir mão da competência para regular CEPACs, incluído aí a fiscalização e acompanhamento da Operação Consorciada da Região do Porto do Rio, isso é verdade, existe alguma decisão nesse sentido?

Marcelo Barbosa: Em linha com o que foi decidido pelo Colegiado da CVM em 2003, quando ofertados publicamente, os CEPAC são caracterizados valores mobiliários e, portanto, sujeitos à regulamentação e fiscalização da autarquia.

Eduarda La Rocque: O senhor pretende regulamentar instrumentos inovadores como Endowment Funds, Fundos Socioambientais ou títulos de impacto social?

Marcelo Barbosa: Instrumentos inovadores, desde que estejam na esfera de competência da CVM, e, claro, possam auxiliar no desenvolvimento do mercado de capitais, são bem-vindos. Os endowments, ao menos da forma como têm sido adotados em boa parte das jurisdições, são estruturados fora do mercado, embora possam atuar como investidores como quaisquer outros.

Mauro Rodrigues da Cunha: Tendo em vista casos recentes e antigos, o senhor acredita que seja necessária uma regulamentação da atividade de avaliação de empresas para efeito de OPAs e reestrutruações societárias?

Marcelo Barbosa: Não apenas com relação a avaliações de empresas para efeito de OPAs e reestruturações societárias, a prática acaba trazendo experiências que põem à prova o arcabouço existente. Idealmente, quando possível, a melhor resposta é a interpretação da regra existente. Quando essa regra começa a mostrar repetidos sinais de insuficiência, cabe a reflexão sobre a necessidade de revisão. Estamos abertos para discutir com o mercado sugestões de melhoria da regulação a respeito dos temas relevantes, mas sempre tendo em vista o princípio que expliquei.

Geraldo Soares: O presidente da SEC afirmou que governança corporativa não se faz por indexação, bem como relevantes fundos de investimentos internacionais. Qual sua avaliação da discussão atual de exclusão das empresas que tenham classes de ações com direitos desiguais?

Marcelo Barbosa: A meu ver, essa discussão tem várias componentes que precisam ser exploradas. Uma delas é o potencial desequilíbrio e a necessidade de proteção de todos os acionistas. Outra é a possibilidade de se desenhar direitos de acionistas de formas atraentes para diferentes projetos empresariais. A primeira componente deve servir como limite razoável para a segunda, mas com plena ciência de que muitas vezes a melhor proteção é a informação, o esclarecimento.

Helio Garcia Jr.: Investimento em criptomoedas é assunto constante em rodas de economistas aqui e lá fora. Importantes órgãos internacionais têm reconhecido a sua importância: a SEC já deixou claro que as mesmas leis que regulam valores mobiliários se aplicam à estas moedas e as bolsas que as negociam; Adena Friedman, CEO da Nasdaq, reconheceu ser este mercado legítimo; grandes fundos internacionais têm conseguido autorização para negociar criptomoedas; e aqui, a própria intenção da CVM de preparar um parecer de orientação aos fundos de investimento, mostra um reconhecimento institucional para as moedas virtuais. Frente a este cenário o senhor poderia antecipar, pelo menos de forma geral, o que o mercado pode esperar deste parecer? Podemos esperar controles rígidos sobre os fundos?

Marcelo Barbosa: Essa é uma temática que tem afetado os mercados em todo o mundo e a CVM não apenas tem acompanhado de perto, como já tomou medidas concretas. Nós emitimos dois avisos em 2017 e um em março desse ano descrevendo os riscos associados a investimentos em moedas virtuais e aconselhando o público a considerar, cuidadosamente, esses riscos. Tal alerta também indicou que, embora nenhuma regulamentação específica tenha sido emitida, certas atividades que envolvem tais ativos podem cair dentro do nosso escopo de supervisão e execução. Além disso, no início de 2018, por meio de Ofício Circular, emitimos orientações específicas para administradores de fundos de investimento. Essa orientação, como já foi informado, se encontra em vias de ser atualizada. O assunto continua no nosso radar e novas comunicações serão feitas sempre que necessário.

RONNIE NOGUEIRA: Para finalizar, a Lei no. 4.728/65, promulgada em 14 de julho de 1965, marcou o início da disciplina no nosso mercado de capitais. O primeiro objetivo dessa Lei foi o de facilitar o acesso do público a informações sobre os títulos e valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as sociedades que os emitirem. Outro intuito relevante foi o de proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos e valores mobiliários. Como o senhor avalia a evolução do nosso mercado ao longo desses pouco mais de 50 anos?

Marcelo Barbosa: É inegável que o Brasil de hoje é bem diferente de 50 anos atrás. E é nítido que o mercado está se preparando e se adequando à necessidade do investidor, face à atual realidade. Estamos falando de um país que vem se reconstruindo após uma crise que gerou impactou fortes na economia. Por outro lado, os atuais juros baixos, aliados ao fato de uma expectativa de vida mais longa da população – que tende a consumir mais – geram oportunidades reais de investimento. Por isso, é preciso que tanto as oportunidades quanto os produtos do mercado se apresentem de forma clara para estes investidores. Não menos importante, no decorrer desses anos, a CVM se consolidou como regulador de conduta. Temos hoje, a nosso favor e a favor dos investidores, uma área de regulação reconhecida internacionalmente, um processo sancionador que vem se apresentando cada vez mais célere e um contato bem próximo com os mais variados agentes. Há espaço para mais ações? Sempre há. E vamos continuar trabalhando para isso…

 

A pátria educadora em colapso

0

O livro relata os seis meses que o filósofo, Renato Janine Ribeiro, esteve a frente do Ministério da Educação, no segundo governo Dilma Rousseff, um momento difícil marcado por instabilidades e incertezas crescentes, um depoimento importante de um intelectual de peso no Brasil contemporâneo, uma leitura central para todos que pensam os desafios da educação brasileira.

O delator

0

Depois do livro Cocaína: A Rota Caipira, Allan de Abreu, acompanhado do jornalista Carlos Petrocilo, faz uma incursão na vida de J. Hawilla, o todo poderoso dona da Trafic Marketing Esportivo, em O Delator os autores trazem grandes revelações sobre o submundo do futebol brasileiro e mundial, destacando fatos da vida e da delação de um dos maiores empresários da região de São José do Rio Preto/SP, uma leitura imprescindível.

 

Faça Download do Artigo

Novo presidente será “síndico de uma massa falida”, diz cientista político

0

Marco Aurélio Nogueira, cientista político e professor da Unesp – Entrevista Gabriela Fujita – UOL, 14/06/2018.

O brasileiro não foi treinado para o debate democrático, o novo presidente do país será “síndico de uma massa falida” e a corrupção vai ser um tema indigesto para os presidenciáveis. Estas são opiniões do professor Marco Aurélio Nogueira, doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) e livre-docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a respeito de como ele vê a corrida eleitoral a quatro meses do primeiro turno.

Nogueira acaba de endossar um manifesto que defende a união de partidos de centro para evitar o “pior”: que o pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL) consiga chegar ao segundo turno. No começo de junho, siglas como PSDB, MDB, PPS, PV, PSD e PTB lançaram o documento, que recebeu o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O grupo de lideranças avalia o pleito de 2018 como o “mais indecifrável de todo o período da redemocratização” e defende, por exemplo, “tolerância zero com o crime organizado” e a manutenção do programa Bolsa Família.

O professor Nogueira não é filiado a nenhum partido, mas diz que o cidadão comum deve se juntar às discussões que, na sua avaliação, acontecem apartadas: por um lado, no ambiente político, e por outro, no Facebook e na mesa de bar. E não importa de qual partido seja, o próximo presidente do Brasil vai encarar “uma baita encrenca” a partir de 2019. Confira na entrevista a seguir.

UOL – O novo presidente do Brasil vai assumir que país em 2019?

Marco Aurélio Nogueira – Uma baita encrenca… Vai ser uma espécie de síndico de uma massa falida. Essa é uma expressão dramática. Acho que o Brasil não está destinado a acabar ou a cair no precipício, nós ainda temos um pouco de gordura para queimar.

O Brasil é um país muito grande, tem recursos naturais expressivos, tanto o petróleo quanto no plano da capacidade de produção de alimentos. A diversidade cultural brasileira é um recurso interessante, porque ninguém pensa do mesmo jeito no Brasil, isso é uma vantagem. A gente tem um mercado consumidor muito grande, que, se bem abordado e administrado, serve de base para um crescimento econômico expressivo. Temos algumas reservas com as quais contar para não decretar a morte do país, mas tudo isso vai passar para 2019. Não tem como reduzir o desentendimento, reduzir a complexidade, eliminar a desigualdade, o problema da educação, da saúde, de agora até janeiro do ano que vem.

O Bolsonaro, se for eleito, é candidatíssimo a um novo impeachment. Não por qualquer pedalada fiscal, mas por qualquer outro motivo. O desentendimento que ele vai gerar poderá produzir um impeachment.

Seja quem for o eleito, se ele tomar as rédeas, vai organizar um governo de reconstrução do país. Como se a gente tivesse saído de uma guerra.

O próximo presidente vai ter que arrumar as várias partes do país que estão desarrumadas. O sistema político, o sistema eleitoral, ele está precisando, no mínimo, de uma nova demão de tinta. Temos partidos demais, a fragmentação parlamentar é muito grande, o que provoca uma dificuldade de funcionamento do presidencialismo, o tal presidencialismo de coalizão. Também vai ter que mexer aí. No que diz respeito às reformas que tenham impacto direto na sociedade, todas elas são reformas que produzirão dor e exigirão sacrifício. Se mexer na Previdência, é dor e sacrifício. Não há jeito de modificar o sistema previdenciário sem desagradar uma parte ou a totalidade da população.

E se o eleito não topar enfrentar isso tudo?

Se não topar enfrentar isso, vai ter que inventar alguma outra coisa para manter o caixa do Estado suficientemente municiado para poder fazer gastos. Vamos supor que o presidente chegue à conclusão de que não vai mexer na Previdência porque não quer desagradar a população. E se for verdade que a Previdência tem um déficit brutal? Estou falando “e se for verdade” porque o tamanho do déficit é um tema controvertido. E é mais controvertido ainda em que velocidade se ajusta a Previdência. Não vai se ajustar de hoje para amanhã, é uma coisa de 20 anos. Tem que ser aos poucos, tem que ter etapas, não pode sacrificar todo mundo.

E você tem aquelas áreas clássicas de incorporação financeira no Estado. Com a privatização, você pode vender algumas empresas, mas já não temos tantas empresas assim que podem ser vendidas para encher o cofre de dinheiro. A Petrobras, quem quer que seja o eleito, dificilmente vai privatizá-la. Você pode privatizar a Eletrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Federal. Acho difícil que se mexa nisso, porque as resistências vão ser muito grandes. São ações impopulares, no sentido da população, e tem resistências porque cada uma dessas estatais tem sindicatos de trabalhadores ativos, fortes, que vão bloquear as coisas. Além do mais, algumas delas privatizadas não vão trazer tanto dinheiro assim.

Em uma eleição tão fragmentada como a de 2018, o comportamento do eleitor pode se tornar perigoso?

Vai ser muito difícil haver alguma mudança expressiva que altere a predisposição do eleitorado. Teria que acontecer alguma coisa [diferente], e eu não estou conseguindo ver isso acontecer. Um investimento político forte no plano da opinião pública para esclarecer a população, um dos motivos que me levaram a endossar o manifesto [de união dos partidos de centro]. Teria que haver um investimento forte em pedagogia cívica. O eleitorado pode derivar também para o voto nulo e o voto em branco. Se você tiver de um quarto para um terço [do total] de abstenções e votos nulos, é algo complicadíssimo.

Pode ser que, quando a campanha de fato começar, na TV, algo desse sentimento cívico possa ser feito. Que os candidatos mais equilibrados, em vez de ficarem falando mal dos outros, que eles falem com a população, façam uma conclamação a que se valorize a democracia eleitoral. Porque o ambiente está ruim, é um ambiente de mal-estar. As pessoas estão incomodadas, desinteressadas, um querendo pular no pescoço do outro, pouca tolerância e pouca paciência, e com um despreparo para o debate democrático muito grande. O brasileiro não foi treinado para o debate democrático, nós começamos há 30 anos.

Como os temas “Operação Lava Jato” e “corrupção” vão aparecer na campanha eleitoral?

A Lava Jato foi um complicador [nos últimos anos] porque, de certo modo, ela acuou os políticos e fez os políticos ficarem com muita raiva dela, todos eles. Em função disso, vai ser julgada pelos candidatos nestas eleições e também pela população. Dependendo de como forem os debates, ela poderá sair mais forte ou mais fraca, supondo que ela ainda continue, e acho que ela ainda tem gás para isso.

A Lava Jato pode ser julgada de duas maneiras na campanha: uma é dizer ‘somos contra a Lava Jato’; outra é dizer ‘nós somos a favor, mas achamos que ela precisa ser corrigida’

Os juízes facilitaram muito a identificação do político com o corrupto, como se tivessem lavado a criança e jogado a criança fora com a água suja. Acabaram criando uma animosidade entre a população e os políticos. E aí não está certo, porque não tem como tocar um país sem os políticos. É interessante a gente discutir isso. Será que é verdade que todos os políticos não valem nada?

E a “corrupção”?

Eu espero que ela entre em uma posição central, mas não acredito que entre. A rigor, a única candidata que teria disposição para fazer isso é a Marina Silva (Rede). Pode ser que ela ponha esse tema, mas os outros vão sentar em cima. Por vários motivos, sendo o principal deles que todos os outros têm o rabo preso. Talvez o Ciro Gomes (PDT) não tenha, não sei. Talvez você tenha esses dois candidatos insistindo no tema da corrupção, mas os outros abafando. Vai ser um tema indigesto para a maior parte deles. Mesmo a esquerda pura, com Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PCdoB), não vai ter tanta vontade de apresentar o assunto, porque eles consideram que a colocação da corrupção no centro da agenda tira do foco a questão da desigualdade social, que é a principal para eles.

Os anti-Bolsonaro são agora os novos anti-Lula?

Não acho que a dinâmica anti-Bolsonaro substitui a dinâmica anti-Lula. O que pode estar acontecendo na cabeça de muita gente é uma transferência da frustração ou da raiva contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Bolsonaro. Os eleitores, na falta de outras opções que apareçam como mais autênticas, vão para o Bolsonaro. “Esse aí é contra a esquerda”, por exemplo. “O Bolsonaro diz que é ficha limpa”, outro exemplo. Tem um certo tipo de sedução que as pessoas podem estar sentindo por uma figura que é o negativo do lulismo.

E em relação aos candidatos? Aqueles que antes batiam em Lula e no PT mudaram de foco após sua prisão?

Se Lula fosse candidato, Ciro Gomes não bateria nele, por exemplo, mas ele tem que bater no Bolsonaro. Assim como a Marina não faria uma campanha para desconstruir o Lula, mas ela tem agora que fazer uma campanha para desconstruir o Bolsonaro.

Não é só que o Bolsonaro ocupou o lugar do Lula, ele materializou um polo que não era muito expressivo na vida brasileira. Tirando a época da ditadura, de 1985 para cá, o Brasil nunca teve um candidato que viesse dessa forma pela direita.

Você tinha liberais, neoliberais, conservadores, mas eram todos “moços de família”, vamos dizer assim. O Bolsonaro é um “cara do boteco”, não é educado, chega chutando a mesa. E ele está chegando aos 20% [das intenções de voto], a luz vermelha de perigo está piscando. Todo mundo tem que bater nele para ver se consegue desconstruí-lo e roubar os eleitores prováveis que ele está conseguindo agregar.

(De acordo com a mais recente pesquisa Datafolha, em um cenário de disputa presidencial sem Lula, Bolsonaro mantém a liderança, com 19% da preferência de votos, sendo que 34% dos entrevistados afirmam ainda não ter candidato. Preso há dois meses, o ex-presidente petista obteve 30% das intenções de voto.)

Por que o senhor assinou o manifesto que defende a união de partidos de centro?

Porque eu acho que hoje, no Brasil, nós chegamos muito próximo daquilo que poderia se chamar de um abismo. O país está muito complicado, não é que antes estivesse melhor, mas ele piorou muito. E não é só porque faltam bons candidatos. Eu acho que o país está perto do abismo porque os problemas que nós enfrentamos em tudo, na economia, na saúde, na educação, na habitação, na Previdência, na infraestrutura do país, na cultura geral, todos os problemas aumentaram de gravidade.

De 2013 para cá, temos um ciclo de cinco anos que expressa uma espécie de ruptura da sociedade com a política. Não estou dizendo que o agora é uma consequência de 2013, mas tem um ciclo aí, uma sucessão de fatos que foram se acumulando e produzindo uma sociedade que não se sente representada pela política e que está pondo para fora a sua desconfiança, a sua animosidade com os políticos, com os partidos, com os governos. Esse ciclo tem algumas marcações: as manifestações de 2013, a Lava Jato, as eleições de 2014, o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o governo Temer (MDB) e a prisão de Lula. Todas essas coisas ajudaram a que o questionamento da política crescesse. Esses fatos foram ajudando a compor um cenário de muita polarização, algo inevitável na política, mas não ao nível a que a gente chegou.

Se você pegar o atual número de candidatos, como é que a população vai se posicionar com uma oferta de tantos concorrentes? Como é que ela vai descobrir o que o Geraldo Alckmin (PSDB) tem de diferente do Henrique Meirelles (MDB) ou do Rodrigo Maia (DEM) ou do Ciro Gomes etc.? Provavelmente ela vai acabar definindo sua posição de uma maneira passional: “ah, esse cara é mais bonito”, ou “esse cara é da igreja”, ou “esse cara é machão…”.

E por que fazer uma junção de siglas de centro?

A gravidade e a complicação da agenda não permitem que a gente ache que um candidato, por melhor que seja, vai conseguir atacar os problemas. Até porque presidente da República precisa de Congresso. Se você pegar os candidatos que estão despontando com mais fôlego, que são, até agora, Bolsonaro, Ciro Gomes e Marina, eles têm partidos muito fracos na formação do Congresso. Eles podem ser eleitos sem levar com eles uma base estruturada. Diferentemente do que o PT fez com a Dilma ou com o Lula, diferentemente do que o Fernando Henrique [Cardoso] tinha lá atrás, quando foi governante.

Nesses três últimos casos, mesmo com partidos estruturados, eles tiveram que negociar e formar maiorias circunstanciais, o que complicou o próprio governo deles: o Fernando Henrique se complicou com o problema da reeleição, o Lula teve o problema do mensalão e entregou tudo ao PMDB para conseguir formar uma maioria, e a Dilma foi mais radical ainda. Foi a extensão da base que ela formou no Congresso que acabou cortando o pescoço dela, com Michel Temer.

O Brasil tem mesmo um centro democrático?

Todo lugar tem. O que você não tem [no Brasil] é um centro democrático bem composto. Você tem o “centrão”, que é uma versão fisiológica da ideia de centro, juntando os pedaços e gente daqui e ali, que funciona mais pela barganha do que pela ideologia, não tem programa político. O programa é “eu me virar” ou “me sair bem”. Você tem filiações ideológicas na vida política de qualquer país: socialistas, comunistas, liberais, conservadores. Tem gente que se diz “liberal na economia e conservador nos costumes”. O que se pode agora no Brasil, em nome de uma redução de riscos, é aproximar essas ideologias de um denominador comum, de um ponto de equilíbrio. Por exemplo: eu sou liberal e você é socialista, mas nós concordamos que é preciso estabilizar as contas públicas, reformar a Previdência, melhorar a educação.

Seria uma forma de antecipar ou evitar aquela costumeira negociação entre partidos por apoio no final da campanha presidencial?

Seria isso, com certeza. Na verdade, a gente pode ter duas leituras. Uma é: vamos nos unir agora, vamos aumentar a convergência agora para evitar que os extremos ou os mais afoitos cheguem ao segundo turno.

Quem o senhor considera os “afoitos” na disputa eleitoral? Quem oferece esse “risco”?

O afoito, o inimigo público número 1, para mim, se chama Bolsonaro. Ele não tem preparo. Em cinco mandatos de deputado federal, o que ele fez? Ele não tem conhecimento técnico mínimo para tal. E aí alguém pode dizer que o Lula também não tinha. É verdade, o Lula também não tinha, mas não ficava falando essas loucuras que o Bolsonaro fala, de dar armas para as pessoas e tal. Eu não sou lulista, mas consigo colocar um do lado do outro e ver que um vai dar em confusão e o outro não. O Lula teve uma história no sindicalismo, era um negociador. Se, depois, meteu os pés pelas mãos, é outro departamento. Mas como liderança política ele tinha uma biografia que o qualificava. O Bolsonaro não tem.

A união entre partidos pode diminuir essa possível força de Bolsonaro?

É uma forma de reduzir o “risco Bolsonaro”, que é um dos riscos possíveis. O outro risco é o populista, que também é um objeto escorregadio. Você tem populistas de diferentes tipos, e o Bolsonaro é também populista. O populista é um político que superpõe às instituições o carisma dele, a força imagética dele, o talento que ele julga ter, o discurso que ele tem. Ele se vê como mais forte que as instituições e ele é pouco atento às questões do equilíbrio fiscal.

A esquerda brasileira poderia ou deveria seguir o modelo de unir seus partidos?

Se a esquerda tiver preocupação de constituir um polo competitivo em termos eleitorais, ela tem que se unir. Você tem Ciro, Marina, Manuela e Boulos, mas uma parte está mais perto do centro, que é a Marina, uma parte mais no extremo, que é o Boulos, um cara da luta, do enfrentamento, da mão na massa. A Manuela também, mas ela é de um partido de esquerda que é um pouco mais suave do que o PSOL, que faz política de uma outra maneira. O PCdoB vem de uma trajetória histórica que educou os comunistas a negociarem mais, a entrarem com mais facilidade na composição dos governos. O PT está sem candidato hoje, mas a gente teria que colocar um eventual candidato do PT nesse lote da esquerda. Eles todos poderão se abraçar por conveniências, mas tem diferenças ali.

Do ponto de vista de um cálculo para aumentar a competitividade da esquerda, o correto seria uma unidade, uma frente de esquerda, acho que seria mais produtivo. Mas há dificuldades ali, as mesmas que você tem para o centro democrático se juntar. O único que não enfrenta esse problema é o Bolsonaro. Ninguém vai se unir ao Bolsonaro, e ele não tem que resolver essa questão da unidade

 

A Quarta Revolução Industrial: oportunidades e desafios para o Brasil

0

 

A sociedade mundial passa por momentos de excitação e grande apreensão em decorrências das inúmeras transformações que a estrutura produtiva e as cadeias globais de produção estão passando nas últimas décadas, gerando novas oportunidades de negócios e de emprego, além de muitas incertezas e instabilidades, levando o indivíduo a patologias físicas, sociais e emocionais, neste ambiente a depressão se tornou uma realidade para quase 5% da população mundial, a ansiedade, os transtornos, a obesidade e as síndromes se espalham por todas as regiões e colocam os profissionais da saúde desafios imensos e imediatos.

Inúmeras são as transformações em curso na sociedade, desde comportamentos sociais, medos urbanos, mudanças nos relacionamentos, questões de gêneros, lutas por poder e dominação, ou seja, são muitos e variados, muitos deles existem na sociedade desde os primórdios da humanidade e outros são novos e desafiadores, sentidos fortemente pelos indivíduos, mas pouco compreendidos em sua totalidade, dentre os desafios, gostaríamos de destacar alguns deles gerados pela Quarta Revolução Industrial em curso, seus impactos sobre as empresas, sobre os empregos, sobre os indivíduos e sobre toda a coletividade nacional e internacional, isto porque é importante que destaquemos que estes desafios são de toda a civilização mundial.

Nesta nova sociedade global, alguns dados nos impressionam e nos geram grandes preocupações, segundo a Lei de Moore, a cada dezoitos meses a capacidade de armazenamento dos chips dobram, um tablet tem a capacidade de processamento equivalente a 5 mil computadores de trinta anos atrás, o custo anual de armazenamento de 1GB de dados a 20 anos era de US$ 10 mil, hoje, de menos de US$ 0,03; um floco de grafeno de 1 µm custava em 2014 US$ 1.000, hoje os valores se reduziram imensamente, abrindo novos espaços para negócios e novas oportunidades de investimentos, com potencial revolucionário, semelhante ao do plástico e do silício.

Outro dado que nos chama muito a atenção neste novo momento da estrutura produtiva internacional é que, as grandes indústrias do mundo que dominaram a sociedade mundial desde o início do século XX, perderam espaço para as empresas de tecnologia, que hoje são as grandes responsáveis por grande parte destas mudanças. Em 1990, na cidade de Detroit, nos Estados Unidos, as três grandes montadoras apresentavam valor de mercado de US$ 36 bilhões, vendas de US$250 bilhões e 1,2 milhão de empregados; na atualidade, o grande polo de desenvolvimento norte americano é o Vale do Silício, onde as três maiores empresas possuem US$1,03 trilhão de valor de mercado, vendas de US$247 bilhões e 137 mil empregados, ou seja, estas mudanças estão alterando imensamente toda a estrutura de poder das empresas internacionais, destacando ainda que, de todas as grandes empresas de tecnologia do mundo, a grande maioria são as norte-americanas.

Neste percurso de grandes transformações econômicas, percebemos que as grandes transformações do mundo foram impulsionadas pelos desenvolvimentos tecnológicos, que trouxeram grandes ganhos para a comunidade internacional, mas suscitaram também grandes desafios de adaptação dos indivíduos, exigindo flexibilidades e agilidades que, na atualidade, são fenômenos normais e fundamentais, obrigando-nos a sairmos da zona de conforto e nos habilitarmos à busca pelo conhecimento, ao incremento do estudo e por habilidades que muitas vezes desconhecíamos que as possuíamos. A Primeira Revolução Industrial ocorre na Europa no século XVIII, onde a máquina a vapor, a tecelagem, a siderurgia, as ferrovias, os navios a vapor, além dos setores de bens de capitais, tudo isso impulsionou o processo de urbanização, o trabalho assalariado e contribuiu para o crescimento do mercado mundial.

A segunda grande transformação industrial ocorreu, também na Europa, no período entre 1870 e 1970, neste período, os setores mais dinâmicos deste processo foram: eletricidade, motores de explosão interna, telégrafo, telefonia, linha de montagem, surgem os embriões do que seria mais tarde o modelo Fordista de produção, baseado no consumo de massa, na especialização, no grande contingente de funcionários, na produção em série, etc.

O século XIX trouxe grandes mudanças nas estruturas produtivas, a especialização do trabalhador e os vultosos investimentos em Ciência, pesquisa e inovação, foram fundamentais para que o século ficassem na história da humanidade como um dos momentos mais dinâmicos e progressivos, não apenas no campo do desenvolvimento científico, mas também no campo das ideias, da filosofia e com isso, contribuíram para o surgimento de novas Ciências, tais como a Sociologia, que passa a investigar a relação entre os seres humanos, dos grupos sociais e da sociedade.

Nos anos 1970 surge uma nova estrutura científica e tecnológica que passa a impulsionar novas formas de organização social e política, este período ficou conhecido como Terceira Revolução Industrial, motivada pelo avanço das tecnologias ligadas à informática e as comunicações, surgindo desta união a rede mundial dos computadores, a internet, destacando ainda, semicondutores, mainframes, PCs, automatização da linha de montagem, Globalização, padronização de padrões de consumo, cadeias produtivas globais, etc.

Estas transformações impactaram imensamente sobre os indivíduos, o desenvolvimento da internet aproximou muito as pessoas, intensificou os relacionamentos, criando nichos e grupos específicos com comportamentos, hábitos e costumes diferenciados, gerando alterações nas estruturas sociais, famílias, escolas, religião e, com isso, trazendo novos desafios para as pessoas, comunidades e grupos sociais.

Se observarmos atentamente estas mudanças em curso na sociedade desde a primeira revolução industrial, vamos perceber que, de uma para outra, as mudanças são cada vez mais rápidas, intensas e aceleradas, com isso, os indivíduos não conseguem acompanhar tais mudanças e passam a se assustar com a velocidade e as instabilidades e incertezas das transformações, gerando patologias sociais e emocionais nos trabalhadores, principalmente naqueles dotados apenas de força física e material, com baixa qualificação, sem estudo e sem perspectivas maiores.

O século XXI está nos trazendo novas mudanças na estrutura produtiva, as cadeias globais de produção se espalham por todas as regiões do mundo, o comércio internacional movimenta mais de R$ 25 trilhões por ano, as economias estão cada vez mais integradas e interdependentes, a tecnologia desta nova revolução para muitos conhecida como Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0, esta está alicerçada na onipresença da internet, na articulação de sistemas físicos e digitais, na computação quântica, na biotecnologia, na inteligência artificial, na internet das coisas, na internet nas nuvens, o resultado destas transformações ainda estão por ser estudados, mas as preocupações com seus impactos são intensos e preocupantes.

Esta Quarta Revolução Industrial é a responsável pelo surgimento de empresas e negócios revolucionários, onde destacamos Uber, AirBnB, WhatsApp, Wase, Netflix, todos estes empreendimentos seriam impossíveis de imaginar a uns 20 anos estão gerando grandes mudanças na sociedade, tudo isso só foi possível graças ao crescimento da internet e da facilidade das conexões, possível devido ao crescimento do mercados de smartphones, praticamente encontramos mais telefones celulares disponíveis do que pessoas no mundo contemporâneo.

Empresas como a Netflix estão alterando por completo um negócio que até então estava bastante acomodado, hoje as plataformas de streaming movimentam bilhões de dólares e exigem que seus concorrentes se transformem, ou melhor, que se reinventem completamente, não o fazendo serão engolidos pela tecnologia avassaladora que movimenta o mercado.

O Uber, aplicativos que liga carros particulares a pessoas que buscam se movimentar nos centros urbanos, vem criando graves constrangimentos para os motoristas de táxi e com governos e prefeituras, uns porque estão perdendo seu monopólio de transporte de pedestre e o outro porque, por esta nova plataforma, os governos perdem controle dos impostos e perdem arrecadação de tributos, inviabilizando muitos agentes públicos.

Devemos salientar ainda, que não se trata apenas de  mudar o “o quê“ e o “como” fazemos as coisas, mas também de definir “quem” somos, ou seja, o mundo digital que estamos mergulhados ou melhor, que estamos mergulhando, exige que os negócios, as empresas, as pessoas e a sociedade de uma forma geral, passe a perceber quem cada um é efetivamente na sociedade, isto passa a ser fundamental para o êxito de todo e qualquer negócio e empreendimento.

Quando analisamos detalhadamente estas transformações, destacamos que elas se sustentam em três grandes vetores por trás da Quarta Revolução Industrial: tecnologias físicas (veículos autônomos, impressão em 3D, robótica avançada, novos materiais e nanotecnologias), tecnologias digitais (inteligência artificial, internet das coisas, Blockchain, Bitcoin, Big Data, economia sob demanda e ampliação da capacidade de armazenamento de dados) e biotecnologias (sequenciamento genético, biomimetismo, ciência do cérebro, Biologia sintética por meio de manipulação do DNA, combinação de edição de genes e impressoras 3D).

A junção de todas estas tecnologia juntas está transformando a sociedade internacional, a pesquisa científica está transformando o século XXI no século da Biologia, inúmeras são as mudanças e os avanços que estão sendo liderados por esta área do conhecimento, desde o sequenciamento genético que, num futuro não muito distante, irá prever doenças e indicar tratamentos específicos individuais, as novas tecnologias de impressão 3D está dando, ao homem, a esperança de impressão de órgãos humanos, ou seja, com isso, o corpo humano poderá ser consertado como se faz na atualidade com os automóveis que, quando apresentam problemas, suas peças são substituídas por outras novas, uma transformação que os mais otimistas e adeptos da tecnologia jamais imaginou que seria possível.

No mundo dos negócios os impactos são variados, muitos mercados até então deveras protegido, estão se abrindo a uma competição global, onde empresas estrangeiras estão entrando, trazendo sua experiência e obrigando as locais a se adaptarem, melhorando a produtividade, reduzindo custos e otimizando processos, além disso, estão investindo cada vez mais em pesquisas nas áreas de marketing para descobrir e se antecipar as demandas e gostos dos consumidores que passam a exigir cada vez mais das empresas, obrigando os gestores a constantes treinamentos e qualificação e os trabalhadores a constantes mudanças, agilidades e flexibilidades.

Neste ambiente de constantes transformações, faz-se necessário, que os trabalhadores se qualifiquem cada vez mais, os diplomas, cursos, extensões, treinamentos estão em moda na sociedade, a qualificação é a mola para se adaptar aos novos modelos de organização dos mercados, aprender e desaprender são habilidades exigidas, proatividade, trabalho em grupo, resiliência, flexibilidade, equilíbrio emocional e uma constante capacidade de se reinventar são centrais nesta sociedade, além de uma alta dose de liderança e empreendedorismo.

Faz-se importante destacar, do ponto de vista político, que o Estado Nacional perde força constantemente, sua capacidade de tributação e controle interno se reduzem e, com isso, a contemporaneidade coloca em xeque a perpetuação deste agente central para a organização social, política e institucional, exigindo que a própria sociedade construa novos instrumentos de organização e estruturação dos agentes econômicos e sociais, este nos parece um dos maiores desafios do Estado nesta nova sociedade.

Dentro deste ambiente citado e analisado acima, como se encontra a sociedade brasileira, diante de tantas transformações? Será que estamos preparados para o mundo do trabalho que se está desenhando?  São inúmeras as perguntas que nos levam a reflexão e nos levam também ao medo, a insegurança e a instabilidades crescentes e ameaçadoras.

No caso brasileiro, percebemos que não mais contamos com o chamado bônus demográfico, estamos nos tornando um país de idosos, assim como os países desenvolvidos, o grande problema é que, enquanto os países europeus enriqueceram antes de  envelhecer o Brasil está envelhecendo sem ficar sem se desenvolver, ou seja, estamos ainda sendo chamado de países em desenvolvimento, uma nomenclatura que se alterou constantemente nos últimos cinquenta anos e, neste período, ainda continuamos subdesenvolvidos.

Com relação a mão de obra brasileira, encontramos aí um outro grande gargalo, nossa força de trabalho apresenta baixíssima produtividade, isto acontece e se perpetua porque ainda não resolvemos problemas centrais na nossa sociedade, temos uma estrutura tributária arcaica e regressiva, que pune os empreendedores e glorificam aqueles que sobrevivem através das benesses do Estado Nacional, sem reverter esta inconsistência, dificilmente vamos atingir o local que a população brasileira espera, um país digno, decente, sem pobreza e com grandes perspectivas de sucesso para as próximas gerações.

O mundo da Quarta Revolução Industrial nos impõe grandes desafios, o jeitinho brasileiro se mostrou ineficiente e limitado, o mundo não mais vai esperar o país acordar de berço esplêndido, estamos nos momentos de acordar para as duras realidades da vida, ou as encaramos de perto ou nos condenamos a ser o eterno país do futuro, um futuro cada vez mais distante e inalcançável.

Não conseguiremos alcançar os padrões dos países desenvolvidos enquanto não investirmos maciçamente na construção de cidadãos conscientes e responsáveis, se continuarmos produzindo em escala consumidores com baixos salários e sem visão política crítica e imediatista, o país continuará condenado a ser governado por governantes míopes dos  interesses coletivos e imensamente concentrado em seus interesses imediatos, estimulando o individualismo e se locupletando dos recursos amoedados da população.

O desenvolvimento tecnológico deve ser visto como um grande instrumento de diminuição das desigualdades sociais e políticas, depois de dominar a natureza e se utilizar dela para sua sobrevivência, o homem contemporâneo precisa desenvolver novas habilidades para construir uma sociedade global cada vez mais consistente, onde os frutos da riqueza social sejam distribuídos por todos e não fiquem concentrados nas mãos de uma pequena classe de privilegiados que, nos dias atuais, nem olham pela janela de suas casas e residências porque estas estão cercadas de grades, muros e câmeras por todos os lados e, principalmente, porque quando olham pelas janelas se deparam com a pobreza, a miséria e a indigência de seres humanos que estão reduzidos a uma condição de inferioridade e exclusão social.

Como destacou Franklin D. Roosevelt: “O teste de nosso progresso não é se agregamos mais à abundância daqueles que têm muito, mas se fornecemos o suficiente para aqueles que têm pouco”. Se analisarmos bem as palavras acima, vamos perceber que estamos muito distantes desta realidade, estamos acrescentando mais e mais aos que tem muito e deixando de lado aqueles que pouco possuem, a tecnologia deve contribuir para o incremento da felicidade humana e não tornar os seres humanos escravos da tecnologia e do lucro desenfreado, só assim vamos construir uma felicidade verdadeira alicerçado na solidez dos valores universais de ética, moral e prosperidade.

Grupo de Estudo – Sociedade em transformação: os impactos da     Tecnologia sobre o trabalhador, o emprego e o mundo do trabalho. Faculdade de Tecnologia de Catanduva – FatCat.

Coordenação Professor Dr. Ary Ramos da Silva Júnior

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

‘O País é refém do cenário externo e dos especuladores internacionais’.

0

Entrevista | Pedro Rossi

por Carlos Drummond — publicado 09/06/2018 09h46 – Revista Carta Capital.

O BC usa instrumentos “amigáveis ao mercado” limitados e não tem força para barrar uma fuga de capitais mais forte, alerta economista

A volatilidade da moeda brasileira tende a se agravar no período eleitoral, analisa Pedro Rossi

O real parou de desvalorizar após a ação do Banco Central na quinta feira 7, mas ninguém sabe como serão as próximas semanas, pois a adoção de uma política cambial mais passiva desde 2015 reforçou a vulnerabilidade do País, dispara o economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp e autor do livro Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil (Editora FGV).

Os instrumentos usuais de atuação no mercado de câmbio, diz, como as intervenções e os swaps, apesar de importantes, não são suficientes para mitigar a volatilidade e as tendências cambiais geradas pelo setor financeiro.

“Não é razoável o grau de volatilidade da moeda brasileira que tende a se agravar no período eleitoral, quando a fuga de capitais é instrumento de coação do mercado financeiro. Foi assim em 2002 e um pouco em 2014, deve ser assim em 2018. E o pior é que essa prática antidemocrática funciona: os candidatos favoritos se dobram às demandas do mercado com medo da instabilidade que ele pode gerar.” Rossi concedeu aCartaCapital a entrevista a seguir.

CartaCapital: É possível distinguir, no caso do Brasil, a responsabilidade específica da política cambial do Banco Central na desvalorização do real, semelhante à das moedas de outros emergentes como Argentina, Turquia e África do Sul e que tem a ver também com uma conjuntura de mudança na política monetária dos EUA e guerra comercial mundial iminente?
Pedro Rossi: O que dá a tendência do movimento cambial é principalmente o cenário externo. O Brasil é, entretanto, extremamente vulnerável e sensível aos humores dos investidores internacionais. O BC, ao adotar uma postura de política cambial mais passiva desde 2015, reforça essa vulnerabilidade. A leitura do mercado é que o BC não vai impor perdas para ele. Um dos motivos para a vulnerabilidade é um mercado de derivativos de câmbio muito líquido. Em maio o fluxo cambial foi positivo em 1,7 bilhão de reais, mas a desvalorização veio da pressão dos especuladores no mercado de derivativos.

CC: Como analisa a decisão do BC tomada na quinta-feira 8 de aumentar em 20 bilhões de dólares o volume de operações de swap e quais as consequências da medida para a população e a economia?
PR: É uma medida market friendly ou “amigável ao mercado”, pois oferece liquidez em dólar no mercado futuro. Ou seja, o governo vende dólar futuro para quem quer se proteger da desvalorização do dólar, mas também para quem especula contra o real. Essa operação tem um custo fiscal se o real continuar desvalorizando, mas se a moeda brasileira se valorizar há ganho fiscal que aparece na conta de juros, fora das limitações do superávit primário.

CC: Aparentemente funcionou, ao menos num primeiro momento, pois o dólar caiu. Qual a durabilidade e o custo disso?
PR: Funciona, o resultado de curto prazo é visível inclusive na taxa de câmbio hoje, mas nada garante que isso possa ser sustentado ao longo das próximas semanas. Porque no fundo o Banco Central usa mecanismos que são “amigáveis ao mercado”, mas ele não tem mecanismos estruturais para impedir especulação contra a moeda brasileira. Usa instrumentos, mas não tem força para barrar uma eventual fuga de capitais mais forte. Esse mecanismo de venda de swaps tem efeito limitado.

CC: Por que não tem força?
PR: Porque o mercado brasileiro é muito aberto, muito desregulamentado, principalmente o de derivativos e há uma quantidade muito grande de passivos de curto prazo e de participantes estrangeiros no mercado de derivativos. Quando o mercado atua contra a taxa de câmbio o BC não tem instrumentos estruturais para travar isso.

É diferente de 2012, quando o governo Dilma começou a aplicar uma série de medidas a partir de 2011, entre elas o controle de capitais sobre os fluxos, a administração do mercado interbancário de câmbio com oneração de posições dos bancos e também com o IOF sobre derivativos. Quando o governo fez isso, ele fechou uma estrutura e o mercado perdeu a força para atuar contra o governo. Isso até aumentou a eficiência dos swaps das intervenções, porque o mercado sabia que ele não tinha como enfrentá-lo pois estava mais amarrado, mais regulado. Hoje não tem mais esse controle, retirado ao longo de 2012 e 2013. Aí o mercado ganhou um protagonismo maior na determinação da taxa de câmbio.

CC: Os controles começaram a ser retirados portanto antes do golpe que removeu Dilma do governo.
PR: Sim. Foram substituídos por um programa de swap diário, mais “amigável ao mercado”, a partir de 2013 e 2014, e que deu lugar em 2015 a uma política mais passiva de intervenção no mercado de câmbio.

CC: Ainda mais amigável.
PR: Mais amigável ainda. Swaps e reservas são instrumentos que você oferece ao mercado, se ele quiser compra, se não quiser não compra. São diferentes do IOF, em que se joga o custo no mercado. Então se alguém quiser especular vai ter que incorrer naquele custo. Se quiser por exemplo entrar no País para permanecer por dois meses, terá um custo, pois é um capital de curto prazo que será taxado. Essas medidas não são amigáveis. São justamente as medidas que eu defendo para tornar o mercado de câmbio brasileiro mais resiliente a especulação e fuga de capitais.

CC: Qual a sua explicação para esse recuo ainda no governo anterior?
PR: Ocorre que foi criada toda uma regulação para a apreciação cambial. O câmbio estava valorizando demais, chegou a 1,50 real por dólar em meados de 2011 e aí se montou uma estrutura para conter a valorização. Depois o mercado internacional mudou de sentido e as pressões passaram a ser para desvalorização, mas o governo não montou uma estrutura no sentido inverso, ou seja, para impedir uma volatilidade excessiva do real no rumo oposto.

Substituiu o que existia pelo mecanismo do swap. Depois, em 2015, passa a predominar uma mentalidade que fez parte do governo como um todo, uma guinada completa na política econômica incluindo uma política de crédito mais liberal, redução do papel dos bancos públicos e das estatais, política monetária e fiscal contracionistas e uma política cambial mais liberal no sentido de que o mercado determina a taxa de câmbio e o governo intervém pouco. Uma política passiva portanto, a partir da dupla Joaquim Levy no ministério da Fazenda e Alexandre Tombini no Banco Central.

CC: Há encaminhamento alternativo? Qual seria?

PR: Sim. Os instrumentos usuais de atuação no mercado de câmbio, como as intervenções e os swaps, apesar de importantes, não são suficientes para mitigar a volatilidade e as tendências cambiais geradas pelo setor financeiro. O desafio da política cambial é mais complexo e exige um olhar transformador sobre a atual institucionalidade do mercado de câmbio. A política cambial tem a importante função de neutralizar distorções provocadas pelo setor financeiro, reduzir a volatilidade da taxa de câmbio e fazer com que esse preço estratégico acompanhe as necessidades da economia brasileira. Não é razoável o grau de volatilidade da moeda brasileira, e é preciso atuar em três frentes de política cambial: a regulação de fluxos de capital, do mercado interbancário e do mercado de derivativos.

CC: Segundo relatam os jornais, alguns participantes do mercado receiam uma alta dos juros de supetão, do mesmo modo como fez o BC da Turquia, embora o BC brasileiro negue sistematicamente mexer nas taxas. É mesmo inevitável esse aumento dos juros? Por quê?PR: O aumento de juros seria uma tentativa desesperada de conter a especulação contra o real às custas de mais recessão no Brasil. Essa discussão só mostra o quanto não temos autonomia de política econômica e o País é refém do cenário externo e dos especuladores internacionais.

CC: O Brasil está no primeiro pelotão dos países com moedas mais desvalorizadas o que seria uma decorrência, segundo vários economistas, de se aceitar nas últimas décadas déficits em transações correntes para viabilizar uma política econômica que visasse o controle da inflação e a atração de capital externo, em tese para financiar investimentos produtivos, mas na prática encaminhado em sua maior parte para a especulação. Concorda com essa visão? Por quê?

PR: Acho que essa explicação pode ser melhorada. O que fez o real valorizar demais tempos atrás, hoje faz o real depreciar demais. Desde 1999, quando adotamos o câmbio flutuante, o real tem sido uma das moedas mais voláteis do sistema internacional e sujeita a ciclos de forte valorização e desvalorização.

Essa volatilidade é decorrente de dois fatores (1) do alto patamar da taxa de juros que torna a moeda brasileira um alvo preferencial das operações especulativas e  (2) de um ambiente institucional atraente para fluxos de capitais de curto prazo e para apostas nos mercados de derivativos de câmbio, onde se forma a taxa de câmbio dada a sua maior liquidez.

Por isso somos muito vulneráveis ao ciclo de liquidez internacional: por um lado, quando o cenário internacional está positivo, recebemos muito passivos de curto prazo e entrada de estrangeiros nos mercados de derivativos e por outro lado, sofremos mais pressão vendedora quando o cenário se deteriora.

Essa volatilidade tende a se agravar no período eleitoral quando a fuga de capitais é instrumento de coação do mercado financeiro, foi assim em 2002 e um pouco em 2014, deve ser assim em 2018. E o pior é que essa prática antidemocrática funciona; os candidatos favoritos se dobram às demandas do mercado com medo da instabilidade que ele pode gerar. Mas, por enquanto, ainda é cedo para associar diretamente essa forte desvalorização ao processo eleitoral.

 

Chico Xavier E foi assim…

0

Uma obra bastante polêmica de Carlos A. Baccelli, em muitos momentos me parece mais um grande desabafo, sua leitura é de suma importância para todos que buscam a compreensão de como funciona o Movimento Espírita, seus desafios e necessidades.

 

Faça Download do Artigo

Transição Planetária: um novo homem para um mundo novo

1

A sociedade mundial se encontra em um momento de grande apreensão e instabilidade, momentos de medo e inseguranças gerados por grandes transformações em curso que ninguém sabe informar para onde vamos e quais os impactos destas mudanças para os seres humanos e para a sociedade em geral, mas todos sabemos que estas transformações são irreversíveis e inadiáveis.

A imprensa, os sites, a mídia e os jornais publicam informações variadas sobre as catástrofes que ocorrem no mundo contemporâneo, as fomes generalizadas, a violência crescente e descontrolada, o xenofobismo constante, as guerras fratricidas, os confrontos assustadores e os medos interiores, gerados pela depressão, pela ansiedade, pelos complexos, pela obesidade e, em último caso pelo suicídio crescente que atingem milhares de pessoas no mundo todo.

Diante desta realidade, muitos nos abordam para perguntar o que está acontecendo com o mundo em que vivemos, para onde vai toda esta sociedade e quais as perspectivas para as relações entre os seres humanos em um mundo marcado por tantos medos e inseguranças generalizadas.

A Doutrina Espírita nos traz grandes informações sobre o momento atual, seu estudo e reflexão críticas nos mostra que vivemos um momento único e especial na história da humanidade, um momento de mudanças e transformações, tudo isso geram medos e incertezas em todos os indivíduos e estes medos levam a população a se enveredar por caminhos pouco conhecidos, buscando soluções mágicas e respostas imediatas e encontram charlatanismo e explorações constantes, abrindo espaço para inescrupulosos e explorados que se apropriam dos medos para enriquecimentos ilícitos e comportamentos reprováveis.

A chamada transição planetária pode ser descrita como um momento novo da sociedade em que os Espíritos superiores estão impulsionando o progresso da humanidade, acreditamos que este impulso se dará com o expurgo de todos aqueles espíritos que não estão em condições de contribuir, no momento, com o progresso da humanidade e serão levado para outros planetas até que consigam uma evolução que os permita aqui regressar e participarem ativamente deste novo momento da humanidade terrestre. Esta experiência de expurgos não é nova na história do planeta Terra, Edgar Armond em Os exilados de Capela, nos detalha um momento em que um grupo de espíritos renitentes no mal foram retirados compulsoriamente da constelação de Castela e foram trazidos para o planeta Terra e, com isso, contribuíram decisivamente para o progresso terrestre, isto porque apesar de serem espíritos ainda atrasados nos valores morais eram bastante adiantados no conhecimento científico e tecnológico, sendo responsáveis por avanços e impulsos em regiões como o Egito e a Grécia antigos, países que os receberam e cresceram muito nos períodos onde estes capelinos ali estiveram e, com o retorno destes a seu planeta de origem, se viram mais atrasados e perderam o eixo do progresso, se transformando na atualidade em povos dotados de uma herança cultural e científica imensas e um atraso social considerável.

A Transição Planetária que vivemos na atualidade é um período parecido com o descrito por Armond, o mundo contemporâneo precisa progredir, a espiritualidade maior já deu ordens expressas de que precisamos sair da letargia e crescer de forma organizada e generalizada, para que isso aconteça, faz-se necessário, que todos aqueles espíritos que retardam o progresso sejam transferidos para outras paragens mais atrasadas que o Planeta Terra e fiquem aqui apenas aqueles que estão em consonância com os novos rumos que Jesus, o governador do Planeta Terra, quer implementar para nosso planeta. Faz-se necessário ainda, destacar, que muitos espíritos estão chegando ao planeta Terra compulsoriamente, irmãos renitentes no mal que lutaram com toda sua força para não voltar ao mundo da matéria e foram obrigados pela espiritualidade maior a regressar, estes irmãos estão muito vinculados ao mal, sentem prazer em ver o atraso da humanidade, se sintonizam com os sentimentos mais negativos e mesquinhos que conhecemos e, mesmo assim, foram convidados a reencarnar, como não quiseram e lutavam contra isso, pois sabiam que seus débitos eram imensos e não poderiam comandar seu processo reencarnatório, fugiram durante muitos séculos até que foram obrigados a voltar ao corpo material e estão ao nosso lado no planeta Terra, a grande maioria destes espíritos são altamente inteligentes e capacitados, mas se comprazem com os malfeitos e tentam impingir ao mundo contemporâneo seus valores e sentimentos negativos, é por isso que percebemos, no mundo contemporâneo, uma grande desordem e instabilidade, tudo isso em decorrência das energias emanadas por estes irmãos que estão tendo sua última chance na Terra, se não se utilizarem desta chance para sua melhoria íntima serão compulsoriamente expurgados para outras regiões do espaço que mais se afinizam com seus sentimentos e energias.

O século XXI é o momento exato destas grandes mudanças, percebemos todos os momentos que vivemos em um mundo diferente dos anteriores, de um lado encontramos muitas energias deletérias e negativas, marcadas por atrasos de espíritos que ainda se comprazem ao mal e, ao mesmo tempo, percebemos inúmeros avanços científicos e tecnológicos, doenças que até pouco tempo condenavam os indivíduos a morte ou a condições indignas de sobrevivência, na atualidade são curáveis e possuem tratamentos acessíveis a grande maioria da humanidade, trabalhos que anteriormente degradavam o corpo dos trabalhadores condenando-os a morte precocemente ou até gerando graves distúrbios emocionais e psicológicos na atualidade são realizados por máquinas e equipamentos baseados em tecnologia de ponta, tudo isso mostra que vivemos no mundo uma grande contradição, um período onde o bem e o mal se mostra cada vez mais intensamente dentro dos corações e espíritos de cada um dos indivíduos numa luta constante, preocupante e, muitas vezes, fratricida.

Segundo os relatos dos espíritos superiores, este momento demandará grandes esforços da humanidade, neste período muitos irmãos que ainda se comprazem com os malfeitos estarão “soltos” no mundo e suas energias e sentimentos deletérios podem gerar constrangimentos para aqueles que não se precaverem e se fortalecerem energeticamente, conseguindo, com isso, forças e antídotos para se livrarem da influência deste mal gerado por estes irmãos.

Entendemos como antídotos para nos proteger deste ambiente de medos e energias menores, os passes, as boas vibrações, a caridade e os trabalhos assistenciais, tudo isso contribui para que os indivíduos se fortaleçam neste mundo estranho e cheio de situações embaraçosas que nos afligem e causam preocupações, o trabalho no bem, a transformação íntima e a caridade, somados ao cultivo de bons pensamentos nos fortalecem de forma generalizada, nos auxilia na construção de uma grande redoma do bem que nos protege e nos abriga, abrindo-nos espaços sempre para mais trabalhos assistenciais e auxílios, pois sabemos que é muito melhor, para cada um de nós, auxiliar os irmão com dificuldades do que sermos auxiliados por outros irmãos.

A Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec nos mostra inúmeros caminhos para vivermos este momento de instabilidade e incertezas, nos mostram como devemos trilhar nosso caminho, superar as dificuldades e improvisos e construir uma trajetória de sucesso e progresso, com isso, seremos impulsionados para frente e conduzidos para um mundo melhor, mais solidário e construtivo, devemos com esta doutrina nos preparar para este mundo novo que está se abrindo para todos nós, um mundo onde o mal, ou a ausência do bem, se reduzirá e as oportunidades serão cada vez maiores para todos mas, tenhamos calma, e confiemos em Deus, trabalhando, orando e buscando nossa melhoria íntima e pessoal, só assim perceberemos a importância de caminhar ao lado do bem em todos os momentos de nossa caminhada.

A mídia nos mostra muitas violências no cotidiano, muitas mortes, injustiças e medos, ao vermos tudo isso nos perguntamos o que está acontecendo com nosso planeta e qual será seu futuro imediato, suas chances de sobrevivência e suas oportunidades de progresso, nos esquecemos claramente que neste mesmo mundo, o governador espiritual é o nosso querido mestre Jesus, que está no leme desta embarcação e tem planos claros e ambiciosos para este planeta, chega de maldade e inverdades, o mundo em que vivemos é um mundo que se preparar para ser cada vez melhor para todos ou, pelo menos, para a grande maioria, desde que sigamos as pegadas do mestre Jesus.

Os crimes e as violências que percebemos na sociedade contemporânea está diretamente ligada aos sentimentos inferiores que ainda vivem e repousam dentro de cada um de nós, se cada um refletir sobre suas inclinações seremos bombardeados por sentimentos variados, somos seres em evolução, ainda imperfeitos, temos muitas negatividades dentro dos nossos corações, cultivamos o egoísmo e o orgulho, queremos crescer, nos melhorar e contribuir para a criação de um mundo melhor, mas para isso devemos nos utilizar desta reflexão para progredirmos e cultivar sentimentos melhores e mais saudáveis e não como forma de ficar reclamando e colocando a culpa de nossas dificuldades naqueles que estão ao nosso lado ou naqueles que nem conhecemos, mas já elegemos como os responsáveis por nossas desditas intimas.

A Transição Planetária escancará nossos males, mostra para todos nós que o mal do mundo é o mal dos seres humanos, os irmãos que comprazem com o mal são espíritos como nós, precisam ser amados e respeitados por todos, muitas vezes os vemos como seres abjetos e monstruosos, com isso, nos colocamos como superiores e esquecemos de que são nossos irmãos, merecem e precisam de nosso carinho e respeito, se não emitirmos sentimentos, pensamentos e energias salutares a estes irmãos estaremos os condenando a viverem no mal por muitos e muitos anos, migrando por inúmeros planetas e se posicionando em escalas inferiores durante muitos séculos.

O mundo material que vivemos está imerso em imediatismo, nossa sociedade se compraz com os prazeres da matéria, o mundo do sexo mostra claramente suas facilidades, o poder do dinheiro nos desnuda muitas oportunidades e possibilidades de acumulação, nossa ética e nossa consciência moral estão cada vez mais elástica, nos comportamos de acordo com nossos desejos imediatos e nos esquecemos de que a morte não existe da forma como acreditamos, muitos fazem desta vida um verdadeiro parque de diversão, acumulam e gozam a vida de forma desvairada e quando chegam no mundo espiritual se encontram em condições lamentáveis de indigências e deturpações emocionais e espirituais, neste instante percebem que a morte não existe, apenas saímos do mundo material e migramos para o mundo dos espíritos e nesta migração seremos cobrados por nossas ações, nossos pensamentos e realizações, não cabendo mais espaços para subterfúgios, é neste momento que percebemos que muitos figurões do mundo contemporâneo, que dedicaram seus dias para os acúmulos monetários e financeiros, chorarem e se debaterem feitos crianças de colo que choram desesperadamente implorando um pouco de leite para saciar sua fome e suas carências alimentares e, ao mesmo tempo, encontramos mendigos e pessoas humildes que passaram pela vida sem recursos e, mesmo assim, conseguiram, dividir o pouco que possuíam com os mais desvalidas e desprovidos, estes serão exaltados na hora da passagem e serão recompensados por suas atitudes e gestos caridosos e edificantes, cabe a nós escolhermos aonde queremos e vamos nos posicionar nesta equação que a todos envolve na vivência do cotidiano.