Desemprego, subemprego, informalidade e desagregação social

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A economia brasileira passa por um dos momentos mais negativos dos últimos anos, estamos completando mais de cinco anos de baixo crescimento e aumento da exclusão social, com impactos sobre as mais variadas famílias, gerando desagregação social, violência e desesperança, onde as políticas públicas são vistas como as únicas alternativas de muitos grupos sociais.

Neste período de crescimento econômico medíocre, encontramos um aumento substancial da informalidade, pessoas antes empregadas com carteira assinada e benefícios variados hoje não conseguem mais se integrar no mercado de trabalho e passam a viver de trabalhos esporádicos, sem proteção e entregues à própria sorte, se não tivéssemos ainda alguma proteção social por parte do Estado estaríamos, com certeza, na pior das barbáries.

Diante deste quadro de forte degradação no emprego, percebemos o incremento do discurso de que na sociedade contemporânea não teremos mais empregos, todos seremos livres e ficaremos desimpedidos para nos dedicarmos aos projetos que quisermos, aqueles que mais nos trouxerem retornos, um mundo de contos de fadas onde todos estarão felizes e satisfeitos, tenham paciência e se capacitem para este novo momento que está em curso e, muito brevemente, estará presente na vida de todos nós.

Interessante esta visão otimista e altamente motivadora que domina alguns dos consultores e especialistas aficionados pelo crescimento da tecnologia e das mudanças em curso no mercado de trabalho, suas pesquisas mostram como será a nova dinâmica no mercado de trabalho, novas oportunidades estão em curso e se alguns conseguem, vocês também devem se dedicar que vão conseguir, agora se não conseguirem os responsáveis pelos fracassos serão vocês mesmos, faltou esforço, faltou estudo e faltou uma visão mais consistente sobre as necessidades e as oportunidades que estão sendo inauguradas num futuro muito próximo.

Esta visão nos parece bastante fantasiosa e cheia de ideologias de prosperidade, esquecem porém, que estamos numa sociedade marcada por muitas desigualdades que perduram por séculos, uma sociedade que traz em suas entranhas heranças de séculos de escravidão e desmandos dos mais variados possíveis, onde temos um grande contingente de pessoas na informalidade e a média salarial não passa de R$ 1500,00, sendo marcados por uma educação precária para a massa e subsídios vultosos e sempre muito generosos para os grupos mais vulneráveis, o crescimento desta visão tende a consolidarmos uma sociedade cada vez mais desigual, preconceituosa e atrasada.

Acreditamos que o futuro nos reserva mais transformações, a tecnologia vem modificando a vida de todos os indivíduos, todas as regiões e países sentem os impactos destas alterações motivadas pela tecnologia, com isso, novas oportunidades chegarão e deveremos estar preparados para usufruir deste novo mundo, mas para isso precisamos ter em mente, que grande parte da população deste país não apresenta os requisitos mínimos para a competição em escalas internacionais, muitos deles nunca frequentaram uma escola e apresentam péssimas condições de sobrevivência, sendo condenados a um futuro de grandes privações, como aquelas que se fizeram presentes em suas vidas desde a mais tenra idade, quando conviveram com avós, tios e familiares em situação de miséria e de degradação.

Sem qualificação estes trabalhadores estarão condenados a indignidade, muitos deles se debruçam, todos os dias, nas fileiras da ilegalidade, se entregam aos pequenos roubos e gastam seus recursos indignos em produtos que simulam prazer e satisfação, drogas e vícios variados que os perpetuam numa situação de miserabilidade e de grande insegurança. Todos sabemos que estes indivíduos já foram condenados a dois caminhos em sua trajetória de vida: marginalidade, criminalidade e prisão ou morte em decorrência de confrontos com as forças de segurança da sociedade. Dificilmente encontraremos outro caminho ou alternativa nestas condições e estamos nos colocando em uma posição que tendemos a incrementar estas desigualdades e fomentando o ódio e o ressentimento.

Vivemos numa sociedade marcada por um dualismo absurdo, de um lado percebemos a existência de grupos sociais dotados de grandes recursos materiais, pessoas que trabalham legalmente em empregos bem remunerados, para isso estudaram e se prepararam para o futuro, muitos deles conseguiram passar por escolas altamente qualificadas e acumularam diplomas de excelência, que lhes garantiram uma sólida condição social, estes indivíduos vivem em uma situação de requintes e sem privações materiais. No mundo da ostentação, viajam todos os anos, conhecem vários países e regiões, desfrutam de um lixo jamais imaginado por grande parte da população brasileira.

De outro lado encontramos uma outra gama de pessoas, uma grande maioria, são indivíduos desprovidos dos mais simples produtos essenciais para a sobrevivência, são privados dos alimentos básicos e estão entregues a uma situação de subalternidade, sem as políticas públicas e sem a caridade dos outros dificilmente conseguiriam sobreviver.

Nesta semana encontramos o depoimento de um procurador de Minas Gerais que reclamou nas suas redes sociais de seus parcos rendimentos, míseros R$ 24 mil ao mês, a repercussão foi tanta que a mídia foi investigar seus “parcos” vencimentos e chegou a conclusão que a média salarial deste modesto funcionário público foi de quase R$ 60 mil ao mês, estes rendimentos incorporavam seus penduricalhos, que no caso mais do que dobravam seus ganhos. Com este caso podemos perceber como vivemos em uma sociedade que se degrada a olhos vistos, uma elite podre e corrompida que não quer perceber o crescimento da indignidade e da pobreza, se encastelando em condomínios de luxos e cercados de seguranças fortemente armados, infelizmente, estamos muito longe de sermos o país do futuro.

Esta sociedade se caracteriza por possuir em suas fronteiras nacionais um dos territórios mais ricos, produtivos e valorizados da economia internacional, neste território encontramos riquezas expostas em todos os locais, desde lagos, rios e vegetações variadas com clima propício e agricultura de grande rentabilidade. Neste ambiente encontramos riquezas visíveis e, mas ao mesmo tempo, estas riquezas convivem lado a lado com uma pobreza generalizada, com indivíduos vivendo e sobrevivendo em condições indignas e cujas perspectivas de melhorias são bastante limitadas.

Neste ambiente marcado por empresas pouco eficientes, que sobrevivem por um longo período de proteção estatal escancarada, onde a escolarização da população ainda não se universalizou e os problemas educacionais ainda nos constrangem em competições internacionais, como no exame de Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e cujas performances brasileiras são bastante negativas, sempre aparecendo nos últimos lugares deste ranking.

Na economia brasileira contemporânea, o país apresenta grandes dificuldades para aumentar os investimentos produtivos, sem estes investimentos a economia não consegue gerar os empregos necessários para garantir o crescimento econômico para diminuir as desigualdades que cresceram de forma acelerada nestes últimos seis anos, obrigando o Estado a incrementar as políticas públicas para reduzir os desequilíbrios estruturais da sociedade.

O grande problema do desemprego atual é que, pela primeira vez, os mais afetados por estas transformações são os profissionais liberais e a classe média, os grupos mais vulneráveis foram fortemente impactados pelas tecnologias anteriores, enquanto a classe média passa a sentir este desemprego, sem respostas imediatas e sem capacidade para empreender estas transformações, passam a bradar aos quatro ventos seus medos, frustrações e desesperanças.

Com receio de perder seu estilo de vida e seus luxos possíveis, passam a se entregar a uma carga de trabalho cada vez maior, dedicando cada vez mais seu tempo para o trabalho, para se qualificar e se capacitar, deixando de lado questões de grande relevância para todos os indivíduos, relacionamentos, famílias e saúde pessoal. Logo chegará um tempo, que não tardará, para se perceber vítima de uma grande emboscada, todo seu sucesso material não será suficiente para lhe garantir um equilíbrio e uma solidez em família, bolsos ricos convivendo com solidão e desesperanças emocionais e psicológicas.

Com o incremento do desemprego, do subemprego e da informalidade, os trabalhadores passam a perder os benefícios que possuem com a carteira assinada, sem estes benefícios pressionam os serviços públicos e passam a demandar do Estado uma atenção maior, mais recursos com assistência social e, principalmente mais gastos com a capacitação e requalificação dos trabalhadores desempregados, jogando a economia em uma equação cruel. Os governos arrecadam menos impostos e são obrigados a dispender uma maior quantidade de recursos para socorrer estas populações, levando os cofres públicos a situações dignas de penúrias, deixando de lado outros investimentos e gastos fundamentais.

No outro lado da equação encontramos empresários sacando gordos empréstimos subsidiados pelo Estado, recursos oriundos dos trabalhadores destinados a beneficiar empresas que pouco investem em qualificação e capacitação de trabalhadores, impostos reduzidos e subsídios variados para os donos do capital, isenção em aplicações financeiras e variados benefícios para os donos do poder, até quando os grupos menos favorecidos vão continuar pagando a farra com os ditos escassos recursos públicos?

Olhando pela lógica individual, o desemprego longo e acelerado acaba gerando graves constrangimentos sociais e familiares, nesta situação, muitas famílias são desfeitas e muitos relacionamentos chegam ao fim, levando filhos a deixarem as escolas e acabando com as pequenas chances de melhorias sociais e de ascensão na comunidade. A ascensão social que sempre caracterizou o sistema capitalista, uma verdadeira revolução quando este sistema passou a dominar a sociedade, na contemporaneidade esta ascensão se tornou muito difícil, para muitos jovens nascidos na periferia esta ascensão é quase impossível, a não ser que este garoto desenvolva habilidades esportivas ou artísticas, ascendendo como cantor, compositor ou como jogador de futebol.

Na situação atual da sociedade brasileira, é fundamental encontrarmos instrumentos para reduzir estes indicadores sociais negativos, algumas sugestões estão sendo colocadas pelo governo, como a liberação do FGTS e do PIS/PASEP, que teve início em setembro, mas os impactos esperados não são os mais auspiciosos, muitos acreditam em um auxílio de 0,3% no crescimento econômico, números estes insuficientes para reativar a economia e estimular os investimentos, requisito primeiro para diminuir os dramas vividos pela sociedade brasileira. Para muitos economistas, o incremento nos gastos públicos  poderiam reativar a economia, esta seria uma forma de movimentar o sistema econômico e reativar os investimentos, incrementando o mercado de trabalho, mas como estamos percebendo o governo não acredita neste caminho e aposta em propostas ditas estruturais, tais como privatizações, desregulamentações, concessões e desestatizações, que demandam mais tempo e cujos resultados futuros podem ser contestáveis se analisarmos a literatura e as experiências internacionais.

Neste ambiente e no ritmo das políticas implementadas pelo governo ainda permaneceremos durante muito tempo nesta situação, mesmo sabendo que os mais afetados estão em condições de indignidade, parece-nos claro que as prioridades do governo e das elites econômica e financeira não são os desempregados. Sem investimentos públicos e com as crises políticas recorrentes, dificilmente conseguiremos um crescimento robusto nos próximos anos e as condições sociais tendem a permanecerem em situação deplorável, marcadas por incertezas e inseguranças.

As propostas de privatização dos governos federal e estadual devem ser vistas com atenção pela sociedade, muitas empresas públicas perderam eficiência e passaram a acumular um excesso de burocracia, esta nova agenda deve nortear as decisões estratégicas dos governos, as incertezas permanecerão sempre negativas se as propostas não forem colocadas em prática e se as promessas não se concretizarem. Outro ponto de grande relevância nestas várias reformas propostas pelo governo e que devem ser implantadas para que tenhamos uma maior justiça social é a taxação de aplicações financeiras, a regulamentação das grandes fortunas, a redução das isenções fiscais e financeiras, afinal, quando percebemos a situação de degradação econômica por que passa este país, com milhares de brasileiros saindo e buscando novas oportunidades em outras regiões do mundo e tomamos contato com os bilionários lucros dos bancos em um ambiente de convulsão social, percebemos que nos encontramos em um momento único de reconstrução deste país, para transformá-lo em uma sociedade que olha para o futuro com a cabeça erguida e consciente de seu potencial e de suas necessidades.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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