Escada Tecnológica

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O desenvolvimento econômico é o anseio maior das sociedades contemporâneas, todas as economias buscam uma melhor inserção na comunidade internacional, garantindo um incremento de suas rendas com melhorias nas formas de consumo, renda e bem-estar social. Neste ambiente, os países que conseguiram angariar avanços substanciais construíram estratégias que combinavam uma efetiva ação política interna, investimentos crescentes em pesquisa, ciência e Tecnologia, planejamento econômico e consenso político entre os grupos sociais e políticos, sem estes, as nações não conseguiriam construir seu desenvolvimento. A história nos mostra que o desenvolvimento econômico é um tema político, nunca esqueçamos isso.

O avanço da escada tecnológica é um dos maiores desafios para as economias se desenvolverem, exigindo a intervenção maciça dos Estados nacionais, atuando em variadas frentes, investindo recursos em universidades, em centros de pesquisas e centros de desenvolvimentos tecnológicos, ao mesmo tempo, é fundamental que os atores estatais emprestem recursos a taxas de juros subsidiados, a proteção dos setores produtivos, compras governamentais e a construção de ambientes de credibilidade e de confiança.

Num ambiente de forte crescimento tecnológico, os países que conseguiram alçar o desenvolvimento econômico, conseguiram aumentar a escada tecnológica, transformando suas estruturas econômicas e produtivas, passando de produtores de mercadorias pouco sofisticadas e, com o passar dos tempos, conseguiram alçar novas capacidades produtivas, produzindo produtos mais sofisticados, construindo tecnologias inovadoras e elevando seus degraus produtivos. Estes países conseguiram transformar suas estruturas econômicas, enriqueceram e angariaram desenvolvimento econômico e melhoraram as condições de vida da população. Países que não conseguiram alçar a escada tecnológica ficaram para trás, sua população continua pobre, dependentes da importação de produtos de alto valor agregado e suas perspectivas econômicas são negativas e preocupantes.

Os economistas estruturalistas acreditam que os países que apresentam relevância em setores de mineração e de agricultura se encontram no começo da escada tecnológica, possuindo apenas solo fértil e reservas minerais. Com o crescimento da escada tecnológica, encontramos um processo de crescimento industrial em setores de baixo valor tecnológico, low tech, tais como vestuário, couros, alimentos processados, sabonete, bebidas, toalhas, sapato, manteiga, dentre outros, onde encontramos muitos países, com exceção dos algumas nações africanas.

Com o desenvolvimento da estrutura produtiva, os países conseguem crescer na escada tecnológica, chegando nos chamados de midian tech, suas estruturas econômicas são dominadas por setores mais elevados em tecnologia, produzindo produtos sofisticados, tais como as indústrias de autopeças, pneus, algumas maquinarias, angariando algum desenvolvimento industrial, embora modesto.

Com o passar dos tempos as estruturas produtivas são mais sofisticadas, as high tech, são grandes conglomerados, muitos setores oligopolizados ou duopólios, com a produção de máquina fina, maquinários de ponta, fármacos e mecânica de precisão, são setores que demandam capital humano sofisticado, grande inovação, alta tecnologia, pesquisa e desenvolvimento em relação as vendas e o faturamento. Neste mercado, os grandes atores são muito fortes e são dotados de grandes recursos monetários e financeiros, controlam o mercado e impõem seu poder financeiro como forma de controlar as sociedades e impedir a entrada de novos competidores, criando um ambiente de concentração de mercado e inviabilizando o surgimento de novos atores econômicos.

Neste ambiente, a atuação dos Estados Nacionais é imprescindível no desenvolvimento da escada tecnológica, como China e Coréia do Sul, que construíram setores altamente capacitados para competir no mercado global. Sem o desenvolvimento da escada tecnológica, países como o Brasil continuarão reféns de uma economia baseada em baixo valor agregado, dependentes de tecnologias e subordinados aos ditames dos mercados internacionais.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Especialista em Economia, Mestre, Doutor em Sociologia, professor universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 19/05/2021.

Pobreza estrutural, por Michael França.

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Intervenções voltadas à primeira infância ajudam a quebrar o ciclo de perpetuação da pobreza

Michael França, Doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo, foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

Folha de São Paulo, 18/05/2021.

Existe vasta literatura voltada para compreender os mecanismos que retroalimentam a pobreza. Com o intuito de enfrentar esse desafio, diversas iniciativas e políticas públicas têm sido propostas e adotadas. Na economia, epidemiologia e psicologia têm ampliado a discussão em torno dos potenciais efeitos positivos de investimentos na primeira infância e na juventude.

Durante esse período da vida, são aprendidas habilidades que influenciam os resultados alcançados na idade adulta.
Considerando o contexto americano, estudos empíricos mostraram que o ambiente em que crianças e jovens estão inseridos consegue explicar uma parcela significativa das condições de saúde, desempenho educacional, engajamentos sociais e envolvimento futuro em atividades criminais.

Além do impacto social, também existem desdobramentos econômicos relevantes. Estima-se que cerca de 50% da variabilidade dos ganhos ao longo da vida entre as pessoas poderia ser explicada pelas habilidades desenvolvidas até os 18 anos de idade (“The economics of human development and social mobility”, 2014).

No entanto, construir essas habilidades não é algo trivial. Requer considerável esforço e políticas públicas bem orientadas. Existem inúmeros fatores que atuam conjuntamente no processo de formação de uma pessoa.

Um deles é a influência da família. Sabe-se que há uma expressiva correlação entre a renda domiciliar e o desempenho de um indivíduo. Isso ocorre porque a renda está associada a várias características que influenciam diretamente o progresso individual.

A literatura mostra, por exemplo, que crianças que vivem em ambientes desfavorecidos vão entrar em contato com um vocabulário significativamente menor, e isso leva a pior rendimento escolar.

Os pais, que podem ser considerados os primeiros professores de um indivíduo, costumam apresentar baixo conhecimento formal para transmitir a seus descendentes. Além disso, famílias carentes tendem a encorajar menos as crianças no seu processo de aprendizagem.

Possivelmente, o círculo de amizades dessas crianças será formado por pessoas que apresentam baixo nível educacional. Desse modo, o potencial aprendizado derivado das interações humanas também fica comprometido.

Isso tende a fazer com que transferências irrestritas de renda apresentem fraco efeito no processo de desenvolvimento das habilidades de um indivíduo. Deve-se pontuar que as políticas de transferências de renda desempenham um importante papel na suavização das restrições derivadas da pobreza. Entretanto, também é necessário realizar intervenções que ajudem a corrigir outras distorções sociais geradas pelos locais de nascimento.

Nesse cenário, estudos empíricos têm encontrado evidências de que intervenções voltadas para a primeira infância e juventude apresentam significativo potencial de ajudar a quebrar o ciclo de perpetuação da pobreza.

No caso dos Estados Unidos, iniciativas bem-sucedidas conseguiram impactar positivamente o desenvolvimento cognitivo de crianças e melhoraram as capacidades não cognitivas de adolescentes.

Simples programas de mentoria, por exemplo, têm significativo potencial de fornecer informações valiosas para os jovens desfavorecidos, ajudando, assim, a fazer melhores escolhas.

Sem uma intervenção profunda e organizada do Estado, é difícil imaginar que conseguiremos vencer a pobreza estrutural, pois existem muitos canais pelos quais o status socioeconômico se reproduz entre as gerações.

O texto é uma homenagem à música “Não é Sério”, interpretada por Charlie Brown Jr. e Negra Li.

Países em que algumas vidas valem menos explicam recordes na pandemia, diz ganhadora do Pulitzer

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Jornalista Isabel Wilkerson defende em livro que EUA não são apenas racistas, mas organizados em castas

ANGELA BOLDRINI – FSP – 16/05/2021

BRASÍLIA
“O coronavírus não liga para nacionalidade ou cor da pele, mas são os países com maior divisão hierárquica na sociedade que estão no topo de mortes e casos”, diz a autora americana Isabel Wilkerson, citando os três líderes globais em óbitos por Covid-19: EUA, Brasil e Índia.

Essas divisões, argumenta ela, fazem com que alguns grupos sintam ter menos responsabilidade pela vida de outras pessoas. “Isso tem impacto nas nossas sociedades”, afirma a autora de “Casta: As Origens de Nosso Mal-Estar”, que chegou ao Brasil no final de abril pela editora Zahar.

No best-seller, a vencedora do Pulitzer defende a tese de que os EUA são mais do que um país racista. São, como a Índia, uma sociedade de castas, em que a raça é apenas o elemento visível da divisão social.

À Folha Wilkerson afirmou que é preciso cautela quanto à disseminação de vídeos de casos com o de George Floyd, homem negro assassinado por um policial em 2020, cuja morte gerou comoção mundial. “Esse acesso irrestrito a vídeos de morte e abuso de pessoas negras pode ter a consequência não planejada de anestesiar as pessoas, de contribuir para a desumanização das pessoas negras”, diz.

Ela defende que um caminho para combater a noção de hierarquia embutida na sociedade é conhecer a própria história e o processo que levou a essa hierarquização, e cita semelhanças com a Alemanha nazista e o caminho de reconstrução feito no país europeu e ignorado nos EUA e no Brasil pós-escravidão.

A sra. defende que a sociedade americana é mais do que racista, é uma sociedade de castas. Como começou a desenvolver essa tese?

Ela surgiu a partir do meu primeiro livro, “The Warmth of Other Suns” [o calor de outros sóis], que trata da migração de seis milhões de pessoas negras do Sul dos EUA, fugindo do regime Jim Crow [conjunto de leis segregacionistas estabelecidas no sul dos EUA após o fim da escravidão]. Passei a olhar para os antropólogos que estudaram esse tema na época, e eles usavam a palavra “casta”, porque não era só uma questão de ódio a um grupo, era a manutenção de uma estrutura divisiva em que tudo que uma pessoa podia ou não fazer estava baseado na sua posição em uma hierarquia. E essa posição era baseada apenas na sua aparência.

Então, em 2012, aconteceu o caso Trayvon Martin, em que um adolescente negro foi morto por um homem que achou que ele, por sua aparência, não pertencia àquele local. A partir daí comecei a pensar sobre como a noção de casta ainda nos afeta, como ainda é presente e não ficou apenas na época do Jim Crow.

A sra. já afirmou que a casta dominante atua mais quando se sente ameaçada. É este o caso com o Black Lives Matter e os recentes casos de abuso contra negros?

Sim. Na história americana, qualquer brecha no sistema de castas é vista como uma ameaça à ordem social. Se você olhar para o período que seguiu a Guerra Civil, há por 12 anos a chamada Reconstrução, em que ex-escravos estavam tendo acesso a educação, construindo instituições para si mesmos. Isso gerou um rebote muito grande, e o governo federal deixou de ajudar. A partir daí essas pessoas foram arremessadas de volta para a base do sistema de castas, e se instituíram as leis Jim Crow, 
que duraram quase 90 anos. Então você tem um período curto em que os negros estavam livres, e isso levou a gerações e gerações de um regime brutal. Essa ideia de que pessoas negras podem estar na sociedade é muito nova, a maior parte da história americana foi de exclusão.

A sra. acha que as redes sociais atuam de maneira positiva para a geração atual de jovens negros no combate a esse sistema?

A habilidade de gravar os abusos a pessoas pretas e pardas nos EUA e no mundo significa que coisas que aconteciam antes agora têm milhões de testemunhas. O caso George Floyd, algo que não deveria acontecer com nenhum ser humano, foi testemunhado pelo mundo todo. Quantos George Floyds não existiam antes? Por outro lado, esse acesso irrestrito a vídeos de morte e abuso contra pessoas negras pode ter a consequência não planejada de anestesiar as pessoas, de contribuir para a desumanização das pessoas negras. Nós sabemos dos linchamentos que ocorriam durante o Jim Crow porque as pessoas que os perpetravam tiravam fotos e as transformavam em cartões postais para enviar à família, tinham orgulho. Antigamente 5.000, 10 mil pessoas se reuniam para ver uma atrocidade sendo cometida. Hoje, devido às redes sociais, esse número passou a ser de dezenas de milhões. Além disso, é profundamente perturbador pensar que, quando vemos um desses vídeos, ele é precedido por anúncios, que tem alguém ganhando dinheiro com isso.

Quando a sra. decidiu fazer uma comparação entre Índia, EUA e a Alemanha nazista?

Após o caso Trayvon Martin e dos que aconteceram depois, pareceu-me claro que havia algo que valia investigar. A primeira coisa que fiz foi olhar a definição de “casta” e o sistema mais antigo em que isso foi aplicado, a Índia.

A Alemanha é menos óbvia, mas em 2017 houve o protesto de Charlottesville [EUA] contra a derrubada das estátuas de generais confederados. E os próprios manifestantes fundiram os símbolos da Confederação com os ícones nazistas, eles viram essa conexão.

A sra. reconta no livro que Martin Luther King Jr. foi à Índia e, lá, foi comparado aos intocáveis, a casta mais baixa. É marcante, considerando sua tese. A sra. já conhecia esse episódio?

Não conhecia. Pesquisando sobre sua viagem à Índia descobri a visita a uma escola de dalits. Lá, o diretor o introduziu aos alunos assim: “Quero apresentar a vocês um colega intocável dos EUA”. Ele ficou irritado de ser chamado dessa maneira, mas refletiu e pensou nos 20 milhões de negros americanos que naquela época não podiam votar e concluiu que, sim, era um intocável.

E que todos os negros americanos eram intocáveis. Quando você toca um projeto de longo prazo você tem alguns marcos de que está na direção certa, e este certamente foi um deles.

E quais similaridades encontrou entre os três sistemas?

Foi chocante ver quantas intersecções havia. Eu terminei listando oito pilares para o sistema de casta e diria que o mais profundamente embutido em todas as três sociedades é o de “pureza”. Isto é, nos três casos as castas dominantes se preocupavam muito com evitar uma contaminação da sua suposta pureza a partir do contato com aqueles que eram supostamente sujos. Na Índia, a casta inferior é chamada de intocável literalmente porque essa pureza seria comprometida pelo toque. No caso dos nazistas, judeus eram proibidos de usar as mesmas águas que os “arianos”, no caso dos EUA os negros não podiam usar as mesmas piscinas e praias.

A noção de “pureza” foi o que criou nos EUA a regra da “gota de sangue” [leis que determinavam que qualquer ancestralidade negra, ainda que remota, é suficiente para que uma pessoa seja considerada negra]? Esse princípio ainda é levado em conta?

Essa noção existe há tanto tempo que nós ainda vivemos sob sua sombra. Se a raça é uma construção social, como definir quem é ou não é de algum grupo? Se você enfileirar pessoas com base na sua cor de pele, da mais escura para a mais clara, como você cria a nota de corte? É tão arbitrário que cada estado tinha uma regra.

Nos EUA, a escravidão era muito lucrativa, e se estabeleceu que só negros eram escravizáveis. Portanto, você tinha que criar uma regra que colocasse o máximo de pessoas possível sob esse guarda-chuva.

E um dos pilares da casta é a endogamia, então você tinha que ter definições muito claras de raça para poder saber quem podia casar com quem. Isso acabou gerando famílias e linhagens, já que as pessoas se reproduziam com aqueles que eram mais parecidos com eles próprios. Dá para dizer que a população americana foi “curada” por esse tipo de lei. E, ainda hoje, se a sua família é identificada como sendo de um dos grupos, não importa a sua aparência, você também será definido dentro dele.

É possível abolir as castas? Como?

Numa peça, o elenco [em inglês, “cast”, similar a casta, “caste”] sabe suas falas, sabe exatamente o papel de cada um e, se alguém sai do roteiro, todos sabem que há algo errado. O que precisa primeiro ser feito é que as pessoas reconheçam que há um roteiro e que, se ele foi escrito por humanos, ele também pode ser reimaginado por humanos.

Para isso, é necessário conhecer nossa história, saber qual a origem do que estamos batalhando.

Como engajar a casta dominante na sua destruição? 

Na Alemanha, eles lidaram com a própria história. Eles fazem questão que as crianças aprendam o que aconteceu, não há monumentos homenageando os perpetradores dos horrores, e os espaços de terror foram transformados em espaços de aprendizado. A sociedade pode não concordar em tudo, mas concorda com um básico de história. E isso não acontece em vários países que lidam com o passado de um horror diferente, o da escravidão. Isso não é um “capítulo triste” da história dos países, é algo que se embute na sua sociedade e que tem que ser reconhecido como tal. E, por fim, acho que é preciso reconhecer que isso machuca todos. A pandemia mostra isso com clareza. O coronavírus não liga para nacionalidade ou cor da pele, mas são os países com maior divisão hierárquica na sociedade que estão no topo de mortes e casos.

Os países que vêm à mente são os EUA, que estão em primeiro lugar nas mortes, o Brasil, que está em segundo, e a Índia, em terceiro. O que eles têm em comum?

Hierarquias embutidas, quer eles admitam, quer não. Essas divisões fazem com que grupos sintam que têm menos responsabilidade pela vida de outras pessoas, que lhes disseram que não têm tanto valor. Isso tem impacto nas nossas sociedades.

ISABEL WILKERSON, 60
Jornalista americana formada pela Howard University, é autora dos livros “The Warmth of Other Suns”, sobre a migração em massa da população negra para o norte dos EUA durante a época Jim Crow, e “Casta: A Origem de Nosso Mal-Estar”, lançado no Brasil pela editora Zahar. Em 1994, como chefe da sucursal de Chicago do jornal The New York Times, tornou-se a primeira mulher negra a ganhar um Prêmio Pulitzer de jornalismo.

FHC revê trajetória em novo livro e diz que Brasil naturalizou pobreza e desigualdade

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Às vésperas de completar 90 anos, ex-presidente publica memórias sobre origens familiares e formação intelectual

Ricardo Balthazar – Folha de São Paulo, 16/05/2021.

Na Folha desde 2010, foi editor de Poder e Mercado. É repórter especial.

[resumo] Em entrevista sobre seu novo livro de memórias, Fernando Henrique Cardoso analisa o impacto da formação acadêmica em sua carreira política e afirma que Brasil se acomodou diante da pobreza e da desigualdade, que não há avanços sociais sem luta por parte dos excluídos, que as instituições seguem funcionando a despeito de eventuais turbulências e que Bolsonaro não tem o propósito de instalar uma ditadura no país.

Nas páginas iniciais de seu novo livro de memórias, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dedica algumas linhas à babá que cuidou dele na infância. Alzira era filha de uma ex-escrava de seu bisavô materno, ele conta, e viveu próxima da família por muitos anos como agregada, assim como sua mãe.

“De pequeno, e mesmo já grandote, eu não calçava meias nem sapatos: esticava as pernas e ela os punha”, escreve FHC. “Se perdi esses maus hábitos, eu devo isso à minha mãe e, mais tarde, à minha primeira mulher, Ruth. Se hoje não guardo esses costumes senhoriais, foi pela boa educação que delas recebi.”

Em “Um intelectual na Política”, que chega às livrarias nesta sexta-feira (14), o ex-presidente revisita suas origens familiares e sua formação acadêmica para discutir os efeitos que produziram em sua atuação na política e nos dois mandatos que exerceu como presidente da República, de 1995 a 2002.

Ele cita a empregada da família uma segunda vez perto do fim do volume, em um parágrafo em que também são lembrados o sociólogo Florestan Fernandes, o professor que mais o influenciou na USP, e o deputado Ulysses Guimarães, que liderou o antigo PMDB na oposição à ditadura militar (1964-1985).

“São pessoas que todos conhecem”, diz Fernando Henrique, que completará 90 anos em 18 de junho. “Mas existem aquelas que ninguém conhece que também tiveram muita importância.” Alzira entrou no livro como coadjuvante, mas saiu como símbolo dos que acompanharam à margem a trajetória do seu autor.

Professor de sociologia na USP até ser aposentado pelo regime militar, FHC dedicou seus primeiros estudos acadêmicos à escravidão e às cicatrizes que ela deixou na sociedade brasileira. Exilado e trabalhando na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), da Organização das Nações Unidas, apontou a integração com as economias mais avançadas como caminho para o desenvolvimento do Brasil e de seus vizinhos.

Nesta entrevista, em que discute os principais temas do novo livro, o ex-presidente afirma que o Brasil não soube aproveitar as chances oferecidas pela globalização tão bem quanto outras nações, como a China, e lamenta que o país tenha se acomodado diante dos elevados índices de pobreza e desigualdade que marcam a sociedade brasileira.

Revendo o seu percurso no livro, é fácil perceber como sua obra acadêmica iluminou o entendimento de alguns problemas do país e orientou sua ação política no passado. De que forma ela ainda pode contribuir para enfrentar os problemas do presente? Nunca perdi meus laços com a academia. Minha formação sempre me obrigou a ter uma certa objetividade, o que me ajudou na política, mas também atrapalhou. Na política, é preciso mergulhar de cabeça. E tenho dificuldade de mergulhar, porque fico pensando nas alternativas e no que está errado.

O mundo mudou, obviamente. Nasci em 1931, em um país que era basicamente rural. Mudei do Rio para São Paulo em 1940. Foi um choque para mim. São Paulo já era uma cidade industrial, mas você olhava em volta e as ruas não tinham calçamento. Uma coisa que eu nunca tinha visto no Rio.

O Brasil tinha crença nesses anos, e o que talvez nos falte hoje é acreditar no futuro. Somos agora um país integrado ao mundo. Temos, portanto, os problemas do mundo, além dos decorrentes do nosso atraso. Não é fácil.
Nossa política reflete um pouco essa dualidade que há no país.

Hoje temos um presidente que não parece sofisticado, mas ele capta um pouco essa vulgaridade. É uma palavra forte, mas é algo que tem peso nas coisas do Brasil. Uma pessoa com a formação intelectual como a que eu tive tem mais dificuldade de se ajustar ao mundo das pessoas.

Nunca fui uma pessoa difícil para se relacionar. Pensam que eu sou metido a besta, mas sou mais simples do que parece. Mas como é que você vai fazer a síntese do Brasil de hoje? Não é fácil.

No livro, o sr. diz que a grande obra da sua geração foi a redemocratização após o regime militar. A ditadura acabou, e o país ganhou uma nova Constituição, mas muita gente acha que esse processo de certa forma ainda não se completou. Concorda? O Brasil não é fácil de entender. Dá impressão de ser uma geleia geral. A sociedade mudou rápido, e agora parece um pouco paralisada, ou sedimentada. Nosso sistema partidário é muito pulverizado. Mas temos liberdade, e a gente só dá valor à liberdade quando ela acaba.

Não dá para imaginar que não se tenha um sistema político que corresponda às aspirações populares. Bem ou mal, na hora da eleição todos votam, mas democracia não é só isso. Tem o sistema judiciário, o Parlamento, a imprensa, os partidos. Embora às vezes haja ímpetos autoritários de um ou de outro, nosso regime não é autoritário. Você tem liberdade, tem recursos, instituições que funcionam.

O desgaste que essas instituições têm sofrido no governo Jair Bolsonaro corrói a confiança que as pessoas depositaram nelas? Pode ser. Na democracia, você tem que estar sempre com o olho na liberdade, nas instituições, naquilo que se organiza, que garante a alternância no poder. Se você não toma cuidado, vira outra coisa. O regime político nunca é dado para sempre. Bem ou mal, conseguimos construir uma base institucional razoável para a democracia. Pode se perder? Pode. Mas está perdida? Não.

O aumento da presença de militares em postos-chave do governo representa um risco? Você tem gente competente nas Forças Armadas, e eles aderiram ao sistema democrático. Isso pode mudar? Pode. Todos nós podemos mudar de uma hora para outra. Mas não acho que exista um risco de militarização.

Tem muito militar no governo porque o presidente, além da origem no Exército, tem pouco contato com o resto da sociedade. Ele conhece esse pessoal, foram seus colegas na escola militar, ele tem mais naturalidade com eles. O risco é acabar perdendo a capacidade de falar com os civis.

Mas não creio que exista no meio militar hoje uma vocação para fechar as instituições. Conheço um ou outro. São
pessoas de cabeça normal, criadas com valores democráticos. Não atribuo ao presidente Bolsonaro o propósito de fazer aqui uma ditadura militar.

Meu pai era general, meu avô era marechal. Os militares, no passado, eram um partido político. Derrubavam governos. Agora não. Eles aceitam o resultado da vontade popular, aceitam a institucionalidade. O que não quer dizer que você não tenha que cuidar o tempo todo.

O sr. revisita mais uma vez seu trabalho sobre a teoria da dependência, em especial o livro escrito com o chileno Enzo Faletto. Acha que a obra foi mal compreendida? Ela foi exageradamente compreendida. O objetivo do trabalho era fazer uma crítica às teses da Cepal sobre o desenvolvimento econômico, chamando atenção para aspectos que não eram tomados em conta, como as instituições, a democracia e as diferenças na estrutura econômica dos países.

Muitos pensavam na época que éramos todos dependentes e continuaríamos sendo, a menos que viesse o socialismo. Nunca foi a nossa visão. Não era automático que passaríamos da dependência para o socialismo. Nem haveria, como não existe hoje, uma independência completa.

Muitos leram nosso livro como se fosse um manifesto terceiro-mundista, mas ele nunca foi isso. Queríamos que os países tivessem o máximo de autonomia que pudessem, mas no contexto da globalização, que ainda não tinha esse nome e estávamos descobrindo.

Acha que o Brasil aproveitou bem as oportunidades oferecidas pelo processo de globalização, ou perdemos esse bonde enquanto outros países aproveitaram melhor as chances que tiveram? A China aproveitou melhor. Entenderam a importância da tecnologia, deram muita atenção à ciência, à educação. No Brasil, as coisas se deram como se os ganhos viessem de barato, mas não era assim. Tinha que fazer mais esforço.

O Brasil está situado em uma região do mundo em que temos um peso grande e por isso ficamos, talvez, confortáveis demais na nossa cadeira. Teria sido melhor se tivéssemos um pouco mais de necessidade de competir, nos termos do futuro.

Nós aqui aceitamos muito a marginalização de pessoas e grupos sociais. Não incluímos essa gente. Então temos ainda uma agenda mais complicada do que a dos países que conseguiram incluir. Os chineses perceberam, com mais rapidez do que outros povos, e se ajeitaram.

Ainda temos aqui problemas que não se justificam, porque a desigualdade de renda no Brasil é muito acentuada. Além do que seria razoável, mesmo para um país capitalista. E acho que tem uma coisa mais grave do que isso, ou tão grave quanto. Nós naturalizamos a pobreza.

Tivemos um grande avanço na educação primária e com a criação do Sistema Único de Saúde, mas precisamos também de empregos para quem tem só esse nível de conhecimento.

Os danos causados pela pandemia serão duradouros? Não acho que o Brasil vá ficar paralisado quando isso terminar. O país levou um susto, claro, todo o mundo leva, mas tem capacidade de recuperação. Teremos momentos difíceis. Todo o mundo está com medo agora. Medo de morrer, principalmente. Mas você não tem trabalho também, e a renda diminuiu.

Depois da pandemia, teremos uma agitação grande. As pessoas vão querer espaço. E precisaremos de governos capazes de entender a realidade, que não fechem os olhos à realidade. O Brasil tem muitas bolhas, mas não dá para governar numa bolha.

Por muito tempo, em especial a partir do seu governo, houve a crença de que reformas e uma maior integração econômica permitiriam reduzir de forma mais expressiva as nossas desigualdades. Por que isso não aconteceu? Não foi só aqui. Muitas vezes os países crescem e você deixa de olhar os que ficaram para trás. Agora, quando é que você olha os que estão para trás? Quando eles reclamam. Quando não havia liberdade, era mais difícil perceber. Quando há liberdade, eles reclamam. É assim no Brasil também.

Em São Paulo, eu morei em uma região próxima de onde estavam as fábricas da família Matarazzo. Na hora do almoço, os operários comiam na calçada, com as marmitas que traziam de casa. Quando passava um engravatado, abriam espaço para o sujeito passar. Hoje, duvido que abrissem espaço.

Porque hoje essas pessoas existem. Quem está por cima não olha para baixo. A não ser que o de baixo machuque o pé de quem está em cima. É chato isso, mas é necessário. Quando o dominado começa a se movimentar é que você percebe. Nada vem de graça na vida, na sociedade.

O sr. dedicou boa parte de sua vida acadêmica ao estudo da escravidão e recorda no novo livro a babá da sua infância, filha de uma ex-escrava de seu bisavô. O que ela representa para o sr. hoje? Na casa do meu pai, Alzira comia na mesa conosco. Isso não era comum na época. Ela era quase branca. Mas o habitual era uma coisa mais discriminatória. Nesse tempo, as famílias tradicionais tinham muitos agregados, e Alzira sentava na nossa mesa. Na minha avó, não.

Então ela simbolizou para mim tanto a escravidão como a necessidade de tomar consciência de que os negros não eram mais escravos. Eles têm liberdade, e você tem que tratá-los como iguais. É fácil falar e dificílimo fazer. Você sentir o outro como igual.

As famílias tradicionais eram assim. Quer dizer, tinha muita empregada, era fácil, era barato. Viviam mal as empregadas. Eu nem percebia, não notava. Isso mudou completamente. Nós aqui nascemos com a ideia de que ter empregada é eterno. Não é. Cada um vai ter que cuidar de si.

Como o sr. vê as formulações teóricas mais recentes sobre a questão racial no Brasil, como o conceito de racismo estrutural? A sociedade está melhorando, está avançando, está reconhecendo o outro, independentemente da posição social. Agora, isso é fácil de falar, mas quando você tem posição de mando, é complicado.

O racismo estrutural existe. Vem da escravidão e está enraizado. Os estrangeiros que vieram para cá, que não conviveram com a nossa escravidão, sentiram isso também. Mas também existe hoje um sentimento de autossuficiência da parte dos negros, a valorização da cor, da religião, do seu modo de viver.

Então acho que as coisas melhoraram, no sentido de que o mundo atual permite mais convivência. Quando não tem convivência, você vê o outro como estrangeiro. Quando você está ao lado, percebe a humanidade da pessoa, se você for minimamente aberto. Acho que isso melhorou no Brasil.

Há espaço para aprofundar políticas afirmativas como as cotas para acesso à universidade pública? Sou favorável às cotas. Acho que foram benéficas, porque levam à convivência e ao respeito ao outro e dão uma certa garantia para aqueles que eram discriminados. Você já vê, mesmo em restaurantes melhores, pessoas negras com mais frequência. Eu acho isso um sinal positivo.

Tem que melhorar mais? Tem. Pode. Mas melhoraram. E isso em parte porque houve luta para que melhorasse. Sem luta, nada acontece. Tem que haver sempre quem reclame. Eu não sou do tipo de reclamar, porque nunca precisei reclamar muito. Mas quem precisa tem de reclamar.

Como tem sido sua rotina na pandemia? Durmo oito horas por dia. Levanto, tomo café, leio jornais, venho para o computador e começo a trabalhar. Paro, almoço, durmo depois um pouquinho. Vejo os amigos que moram perto, ando pelo bairro. Mas é chato. É uma vida pobre, esse semi-isolamento em que somos obrigados a viver.

Eu não tenho medo de morrer, nem de pegar o coronavírus. Tomei a vacina e tomo cuidados, por causa dos outros, mas não fico preocupado com esse negócio. Está chato.

TRECHOS DO LIVRO

Exílio em 1964 “No avião, chorei baixinho; não entendia por que eu. Por que comigo? Estava mais interessado na tese e em ocupar uma cátedra [na USP] do que em apoiar João Goulart ou ‘as esquerdas’.”

Maio de 1968 na França “Os operários haviam sido convidados a entrar [na universidade de Nanterre] e assistiam, com certo pasmo, as discussões nas quais se falava de amor, de solidariedade, da cultura, mas nada sobre salários.”

Teoria da dependência “Critiquei, às vezes duramente, os que acreditavam na inviabilidade do crescimento do capitalismo na região latino-americana e viam, por todo lado, o aumento das populações marginais. Não que estas inexistissem, mas eu julgava que não seriam empecilhos para que alguns países da região se industrializassem.”

Assembleia Nacional Constituinte “As discussões apaixonantes sobre o sistema de governo e mesmo sobre as regras para a formação de partidos passavam longe de algumas das questões sociais, como, por exemplo, as relativas aos preconceitos de cor (supunha-se fossemos uma democracia racial), ou ao desemprego. Mesmo nas econômicas, primava o interesse nacional, camuflando as questões da desigualdade de rendas. Era como se, havendo crescimento da economia e manutenção da democracia, a sociedade e também a política mudariam sem haver necessidade de que essas questões se colocassem.”

Candidatura presidencial em 1994 “Lula estava crescendo e alguém tinha que enfrentá-lo. O PT criticava duramente o Plano Real, a eleição de Lula parecia ser um risco de retrocesso. Foi por isso que aceitei ser candidato. Não era uma aspiração minha, pelo menos consciente. Pode ser que no fundo eu quisesse, não sei.”

Tucanos e petistas “Não é apenas a extrema direita que se perde em sua própria intolerância e negacionismo. Lula e o PT cometeram o erro estratégico de considerar o PSDB como seu principal inimigo. Não éramos, nunca fomos. A principal ameaça à democracia era e é a extrema direita autoritária e regressiva.”

Bolsonaro no poder “Enganam-se os que pensam que ‘o fascismo’ venceu. Enganam-se tanto quanto os que vêm o ‘comunismo’ por todos os lados. Essa polarização não existe mais no mundo real, apenas na mente dos que acreditam nos delírios que propagam.”

Entenda o fim da escravidão no Brasil e as consequências do 13 de maio de 1888

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Há 133 anos, Lei Áurea oficializou abolição, mas não criou mecanismos de inserção dos ex-escravos na sociedade; movimento negro critica a data

Tayguara Ribeiro, Folha de São Paulo, 13/05/2021.

Em 13 de maio de 1888, há 133 anos, o Brasil oficializava o fim da escravidão no país, com a assinatura da Lei Áurea. A data, entretanto, não é celebrada pelo movimento negro. Um dos motivos alegados é que, apesar da lei, a situação dos que se tornaram ex-escravos quase nada mudou à época.

O governo brasileiro, seja o então Império, seja a República proclamada no ano seguinte, não realizou projetos de inserção dos ex-escravos na sociedade, tampouco indenizou-os após gerações permanecerem escravizadas por mais de 300 anos.

As mazelas desse período apresentam reflexos em desigualdades sociais que ocorrem até os dias de hoje, outro dos motivos pelos quais o movimento negro não celebra a data. O processo também é chamado de “abolição não concluída”.
O tráfico de negros para o país começou no século 16. Estima-se que mais de 12 milhões de africanos cruzaram o Atlântico, trazidos à força, e desembarcaram em terras do continente americano durante o período. A maior parte deles, mais de 5 milhões, foram trazidos para o Brasil.

Confira alguns aspectos do processo de abolição da escravatura brasileira.

Como foi a escravidão no Brasil? Milhões de pessoas foram escravizadas no Brasil pelos portugueses após a chegada dos europeus, em 1500.

Em um primeiro momento, os índios —nativos do território— eram usados como mão de obra para o trabalho forçado. Depois de algumas décadas, os negros começaram a ser trazidos à força para o país, vindos da África.

Entre as principais atividades que utilizavam pessoas escravizadas estavam o cultivo da cana-de-açúcar e a mineração. Além de trabalhos forçados, os africanos e seus descendentes eram comercializados e recebiam punições físicas.

Quanto tempo durou a escravidão no Brasil? Mais de três séculos. O tráfico de negros ao Brasil começou nas primeiras décadas do século 16 e a escravidão terminou somente em 1888, com a assinatura da Lei Áurea.

Os escravos eram trazidos nos porões de navios, em condições sub-humanas e com alimentação e higiene precárias. Milhares de pessoas morreram durante as viagens.

Segundo Kleber Amâncio, professor de história da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), a maioria das pessoas escravizadas chegaram ao Brasil no século 19, inclusive, no momento em que o tráfico de escravos já estava proibido.

Quantas pessoas foram trazidas da África para o Brasil à força? O Brasil recebeu a maior parte dos cerca de 12 milhões de africanos trazidos à força para as Américas. O país abrigou também o maior porto de receptação de escravos da história, no Rio de Janeiro. Ao todo, mais 5 milhões de pessoas foram traficadas da África para o Brasil, ao longo do período, sendo que mais de 600 mil morreram durante a viagem.

Quando foi oficializado pelo governo brasileiro o fim da escravidão? Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, filha do imperador dom Pedro 2º, assinou a Lei Áurea, que marcou o fim da escravidão no país.

Como foi o processo de abolição? A abolição está longe de ter sido uma consequência da benevolência da monarquia que governava o Brasil à época.

O fim da escravidão foi resultado de um processo complexo e longo que envolveu diversos fatores, como o crescimento das adesões ao movimento abolicionista, pressões políticas externas e as revoltas e fugas organizadas pela população negra.

Em 1850, o tráfico de escravos foi proibido. Apesar disso, a escravidão prosseguiu. Alguns anos depois, foi decretada a liberdade das crianças negras nascidas no Brasil, embora seus pais continuassem a ser escravos, em sua maioria.

Pouco depois, foi implantada a liberdade para os escravos sexagenários, embora a expectativa de vida de uma pessoa negra que exercia trabalho forçado fosse muito menor do que 60 anos.

Além disso, o Brasil foi pressionado pela Inglaterra, que desejava expandir o mercado consumidor de seus produtos. Esse foi um dos fatores que impulsionou o debate sobre o fim do trabalho escravo na primeira metade do século 19.

Pressionados pela expectativa de um fim total da escravidão, agricultores de várias províncias começaram a buscar alternativas, e a fuga de pessoas negras se intensificou.

Como foi a luta pela abolição? Entre as formas de resistência, estavam debates, manifestações artísticas, revoltas e fugas de escravos.

Ao longo de séculos de escravidão, ocorreram diversos momentos de luta protagonizados pelos negros como a Revolta dos Malês, a Rebelião de Santana e a Revolta de Carrancas.

Os negros também organizaram quilombos, locais nos quais os escravos fugidos recebiam abrigo e que serviam como simbolo de resistência, sendo o mais famoso deles o Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi (1655-1695).

Em 1884, quatro anos antes do governo brasileiro, a província do Ceará decretou o fim da escravidão, impulsionada por movimentos locais.

A mobilização seguiu mesmo após a libertação oficial. A luta passou a ser pela implantação de políticas de inserção, distribuição de terras para os ex-escravos e indenizações. Entretanto, nenhuma dessas medidas foi
implementada pelos governos brasileiros.

QUEM ERAM ALGUNS DOS PRINCIPAIS ABOLICIONISTAS?
Luiz Gama
Ex-escravo, virou advogado e ativista. Entrou com processos para conseguir a libertação de escravos na Justiça. A estimativa é que ele tenha conseguido libertar centenas de pessoas.

André Rebouças
Engenheiro, nascido em uma família negra livre. A partir da década de 1870, ele intensificou sua participação nas manifestações pelo fim da escravidão, se tornando um dos principais articuladores do movimento abolicionista. Ele defendia o fim da escravidão, acesso à terra e integração à sociedade.

Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar
Participou do movimento abolicionista no Ceará. Na década de 1880, ele liderou uma greve entre os jangadeiros que levavam os negros escravizados para navios que os transportavam a outras províncias.

Maria Firmina dos Reis
Maranhense, negra e livre, ela se tornou professora e publicou no ano de 1859 o romance “Úrsula”, que tratava de questões ligadas à abolição. Maria Firmina também publicava poemas e textos contrários à escravidão na imprensa do Nordeste.

A Lei Áurea foi a única lei relacionada ao fim da escravidão? O Brasil teve algumas leis antes de oficializar o fim da escravidão, entre as mais famosas estão a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários.

Em 1850, a Lei Eusébio de Queirós proibiu o tráfico de escravos no país e está relacionada às pressões britânicas sobre o governo brasileiro para o fim da escravidão.

Em 1871, foi decretada a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade a todos os negros nascidos no país a partir daquela data. Embora na prática não funcionasse muito bem, já que os pais das crianças seguiam escravizados, a lei é considerada um dos primeiros passos concretos para a oficialização do fim da escravidão no Brasil.

Em 1885, foi instituída a Lei dos Sexagenários, que concedia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Finalmente, no dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, que substituía seu pai, d. Pedro 2º, no governo, assinou a Lei Áurea.

O Brasil demorou para abolir a escravidão? O Brasil foi o último país independente das Américas a abolir completamente a escravatura.

Por que os negros não comemoram o 13 de maio? Embora a data marque oficialmente o fim da escravidão no Brasil, ela não é celebrada pelo movimento negro. Um dos motivos alegados é o tratamento dispensado aos ex-escravos.

É criticada a falta de políticas públicas para que a população negra fosse inserida na sociedade brasileira. Após mais de três séculos como escravos, essa população não recebeu nenhum tipo de indenização ou ajuda.
Historiadores apontam este como uma das origens para problemas sociais enfrentados até hoje, como a profunda desigualdade social no Brasil.

Qual a diferença entre as datas de 20 de novembro e 13 de maio? O dia 13 de maio está associado à assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel. O episódio costuma ser retratado como um ato de generosidade da elite branca da época, o que ofuscaria o papel dos próprios negros no processo de conquista da liberdade.

Por isso, o dia 20 de novembro, que faz referência à morte do líder negro Zumbi dos Palmares, foi escolhido como o Dia da Consciência Negra para simbolizar a resistência dos próprios negros contra a escravidão, com a formação de quilombos, por exemplo.

Ascensão chinesa

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Nos últimos anos percebemos grandes alterações geopolíticas internacionais, levando países coadjuvantes ao protagonismo, alterando as bases da sociedade global, mudando a estrutura de poder político e o arranjo produtivo. A globalização reestruturou as nações, alguns países estão perdendo espaço e outras nações estão ganhando força, gerando preocupações, medos e constrangimentos.

Dentre as economias que vem ganhando espaço na sociedade global, destacamos a China. De um país intermediário no cenário global, os chineses se tornaram, em curto prazo, um dos grandes jogadores internacionais. A transformação começou no final dos anos 70 com a adoção de um modelo de abertura econômica, atraindo investimentos estrangeiros em parcerias com grupos locais, onde os estrangeiros se comprometeram a transferir tecnologia em troca de um mercado consumidor de mais de 1 bilhão de pessoas. Destas parcerias, pensadas e construídas pelo governo, a China começou a se transformar no grande competidor internacional. Inicialmente nos mercados industriais de baixo valor agregado e, posteriormente, nos produtos de alta tecnologia, ganhando espaço, escala e produtividade, inundando mercados e tornando-se o maior exportador da economia global, desbancando países com tradição exportadora, como a Alemanha e os Estados Unidos.

A ascensão chinesa deve ser compreendida como a construção de um modelo que comunga forte intervenção estatal, políticas pragmáticas em comércio internacional, câmbio desvalorizado, fortíssimos investimentos em ciência e tecnologia, fortalecimentos das empresas estatais, enfoque no cenário global e a busca crescente de incremento de produtividade. Todas estas políticas foram somadas aos fartos empréstimos concedidos por instituições governamentais, com condições favoráveis, taxas de juros reduzidas e pagamentos no longo prazo.

Quarenta anos atrás a China não possuía nenhum conglomerado econômico e financeiro internacionais, atualmente os chineses contam com mais de noventa grandes conglomerados produtivos. Empresas inexpressíveis anteriormente se tornaram grandes grupos econômicos, nomes como Alibaba, Tencent, Baidu, Lenovo, Chery, Huawei, Sinopec, Xiaomi, ICBC, PetroChina, dentre outras. Muitas destas empresas o público brasileiro nunca ouviu falar, são grandes conglomerados econômicos e financeiros dotados de força política e grande capacidade produtiva, que contribuíram para que a China se tornasse o maior setor industrial mundial, com capacidade produtiva de mais de 4 trilhões de dólares. A China não é mais um país exportador de quinquilharias e produtos de baixo valor agregado, neste momento percebemos que os chineses são grandes atores econômicos e que buscam a liderança na economia internacional.

O crescimento econômico da China está transformando a geopolítica internacional, gerando medos e preocupações de países que estão amedrontados com o crescimento chinês. A ascensão chinesa está criando novas oportunidades para países como o Brasil, dono de grandes estoques de produtos primários e commodities, produtos necessários para garantir a segurança alimentar do parceiro asiático. Neste momento, cabe ao Brasil construir uma estratégia para garantir espaços privilegiados de comércio com o gigante chinês, exigindo transferência de tecnologia e fortes investimentos internos no desenvolvimento científico e tecnológico. Cabe a sociedade o fortalecimento de setores estratégicos, estimulando políticas industriais, exigindo contrapartidas viáveis e imediatas e a consolidação de instituições políticas.

Nos anos 80 os chineses vieram conhecer o modelo econômico que garantiu grande crescimento econômico para o Brasil no pós-guerra, desde então os chineses adotaram políticas parecidas com o modelo brasileiro, colhendo crescimento e espaços na geopolítica internacional. Neste ínterim o Brasil se perdeu na ortodoxia, esquecendo da produção e dos setores industriais, abrindo espaço para o crescimento das finanças especulativas, garantindo grandes lucros para os rentistas e nos transformando num paraíso dos juros altos e um inferno para os empreendedores e dos vocacionados para o desenvolvimento econômico.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno de Economia, 12/05/2021.

O Estado tem um papel na inovação? Por Ronaldo Lemos

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Faz sentido o Brasil abrir mão de fabricar chips quando esse mercado está aquecido?

Ronaldo Lemos, Folha de São Paulo, 10/05/2021.

Uma das crises mais impressionantes dos tempos atuais é a escassez de microchips para a fabricação de equipamentos eletrônicos, computadores, celulares e mais. Essa crise deriva principalmente da batalha entre Estados Unidos e China em torno do avanço tecnológico.

No ano passado, os EUA baniram a Huawei e outras empresas chinesas de terem acesso a qualquer chip fabricado com equipamento ou propriedade intelectual americana.

O resultado dessa política foi um frenesi por parte das empresas chinesas adquirindo e estocando chips agressivamente, enquanto ganham tempo para desenvolver seu próprio parque industrial capaz de fabricar de forma autônoma esses componentes.

Essa briga tem tido desdobramentos inusitados. Por exemplo, o governo de Boris Johnson decidiu há poucos dias interromper a aquisição da gigantesca empresa de chips inglesa Arm pela americana Nvidia.

A história da Arm é incrível.

A empresa surgiu na cidade de Cambridge puxada por um esforço da BBC de promover educação digital nos anos 80. Esse esforço não só formou um contingente enorme de pessoas capazes de trabalhar com tecnologia, como criou um computador doméstico estatal de enorme sucesso na época, o BBC Micro, com chips fabricados pela empresa.

Esse primeiro esforço levou a inovações maiores. Na sequência a Arm desenhou o revolucionário chip Risc. A arquitetura desse chip está hoje presente nos componentes de praticamente todos os smartphones. Vale dizer que foi desenhada por Sophie Wilson, cientista da computação transgênero —pouco lembrada— que literalmente criou as bases para o mundo contemporâneo.

A Arm é hoje a joia da coroa do mundo dos chips. Isso porque especializou-se em desenhar chips, que são então fabricados por empresas no mundo todo. O governo de Boris Johnson —eminentemente liberal— não só impediu a aquisição pela Nvidia como está considerando uma possível aquisição estatal da empresa, isto é, reestatizá-la.

Esse movimento da Inglaterra, que simboliza estados nacionais entrando pesado em investimentos em inovação, virou tendência. A China já vinha colhendo sucesso atrás de sucesso derivado dos seus planos nacionais de desenvolvimento tecnológico, visíveis no Tik Tok ou no Clubhouse.

Os EUA agora entraram pesado no mesmo jogo. O plano do presidente Joe Biden vai na mesma linha, prevendo investimentos estatais massivos em tecnologia e inovação. É como se além dos esforços do GovTech (do uso da tecnologia por governos) o mundo esteja caminhando para um TechGov, a promoção massiva de tecnologias por governos, como aconteceu nos anos 1980.

Já no Brasil a notícia é em sentido diametralmente oposto. O governo federal decidiu simplesmente liquidar a Cietec, estatal que é a única empresa de chips do país e de toda a América Latina.

Faz sentido o Brasil abrir mão totalmente de fabricar chips quando esse mercado está enormemente aquecido? Faz sentido abrirmos mão do know-how e da logística desenvolvida pela Cietec? Faz sentido abdicarmos de uma planta fabril capaz de ser embrião para saltos maiores, como outras empresas como a Arm fizeram no passado?

Espero realmente que essas perguntas tenham sido feitas antes de se decidir pela liquidação da única empresa de chips do país.

Um país de covardes, por Lygia Jobim.

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O que nos faz aceitar passivamente sermos a chacota do mundo e o gozo de um psicopata?

Lygia Jobim – Carta Maior – 09/05/2021

A julgar pelo que aconteceu no dia 06 de maio no Jacarezinho, quando uma operação da Polícia Civil, realizada apenas 12 horas após Jair Bolsonaro ter se encontrado com Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro e digno sucessor de Wilson Witzel, aquele que queria atirar na cabecinha, covardes não nos faltam, pois somos cada um de nós.

A operação deixou vinte e nove mortos, vários feridos e inúmeras crianças com traumas psicológicos que as acompanharão pelo resto da vida. O Governador defendeu a ação da polícia ao dizer que foi apenas um “fiel cumprimento de mandados”. Aqui temos a primeira dúvida: o determinado nos mandados era a execução sumária de pessoas que já não tinham capacidade de reação?

Segundo a Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro a Justiça expediu 21 mandados de prisão de pessoas acusadas de tráfico de drogas. Dos nomes que ali constavam, sempre segundo essa Secretaria, apenas três foram presos e três foram mortos. Ora, se o número de mortos, excluindo-se o policial, foi 28, como explicar as outras 25 vítimas fatais? Cabe à Polícia Civil e ao Governador do Estado nos dizer o que ocorreu. Não queremos ficar na dúvida entre uma ação desastrosa por falta de preparo, ou uma ação bem sucedida de milicianos, seguindo ordens que numa cadeia de comando, tem origem no morador da Casa de Vidro.

O General Braga Netto, que em 2018 comandou a intervenção no Rio de Janeiro, conhece na intimidade, e melhor do que ninguém, o esquema das milícias e suas ligações com a Primeira Família. Nós sabemos apenas o que é de domínio público – as condecorações a milicianos presos, a vizinhança promíscua, os elogios públicos, os empregos à custa dos cofres públicos e os depósitos em conta de familiares. Bolsonaro também sabe o que ele sabe. Talvez por isso o mantenha por perto, mesmo quando, desobediente, vai tomar vacina escondido. Mas o General fica bem perto, mesmo vendo que, o que ele sabe cada vez é mais despudoramente exibido pelo Comandante Supremo das Forças Armadas ao adotar um linguajar miliciano e falar por exemplo em CPFs cancelados.

O General Mourão, ao saber do resultado da operação, antes de terem sido revelados os nomes das vítimas declarou que eram todos bandidos. Não, General. Isso é uma inverdade. Dos 21 nomes que deveriam ter sido presos – e não mortos -, segundo o El País, 15 ainda não foram identificados e devem ter fugido. Aqui me vem mais uma dúvida. General, o senhor errou apenas por preconceito ou por lhe ser, ao que parece, difícil identificar quem é bandido?

Cada dia se faz mais necessário afastar do poder, pela via constitucional, a erva daninha que nele se instalou e que vem se alastrando, lentamente, por alguns setores do país. A omissão de Rodrigo Maia e Artur Lira em aplicar o remédio previsto em lei é também responsável não só pela Chacina do Jacarezinho como pelas 420.000 mortes causadas, até esta data, pelo Coronavírus-Covid19.

Que medo é esse que nos transformou em poltrões? De onde saiu essa paralisia que nos faz cair mortos como moscas e não fazermos nada para fugir da triste situação de vítimas de um genocida. O que nos faz aceitar que a maioria da população se desloque para o trabalho espremida em latas de sardinha, às quais nos habituamos a chamar de ônibus, respirando o vírus que mata cada vez mais? O que nos faz aceitar trabalharmos confortavelmente em home office enquanto nos queixamos de sermos interrompidos pelas nossas crianças ou por afazeres domésticos? O que nos faz aceitar passivamente sermos a chacota do mundo e o gozo de um psicopata?

Responsáveis e covardes também somos nós que não os pressionamos, ordeira e pacificamente, nas ruas e nos contentamos em emitir notas de protesto e falar bonito para quem pensa igual. Temos que romper o medo de nos infectarmos e, com as precauções sanitárias que se fazem necessárias neste momento, ocuparmos as ruas com nossa indignação, como fazem nossos irmãos latino-americanos.

Plano Biden

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Nos últimos dias a comunidade acadêmica, a mídia e os formadores de opinião estão se debatendo sobre a política apresentada pelo novo presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, suas limitações, seus desafios e seus impactos sobre os norte-americanos e para toda sociedade internacional, gerando questionamentos e reflexões sobre economia. Os bastidores dos grandes templos da economia mundial mostram a construção de um novo consenso, deixando de lado as ideias da ortodoxia e da austeridade para momentos de maior intervenção nos Estados Nacionais.

O Plano Biden está sendo comparado com as políticas intervencionistas nos anos 30, quando a Crise de 1929 alterou toda a dinâmica do sistema econômico, exigindo um novo consenso econômico, diante disso, surgiu um Estado mais interventor, com políticas mais ativas, com maior crédito e maiores investimentos em infraestrutura que auxiliou a recuperação da economia norte-americana, com impactos internacionais.

A política desenhada pelo presidente preconiza a criação de empregos para a classe média e trabalhadores com menor qualificação, apoiar as pequenas empresas, ampliação da educação pública, melhorar o acesso à saúde, prolongar o seguro desemprego, aumentar a vacinação, além de consertar rodovias, reconstruir pontes, atualizar portos, revitalizar o setor industrial com o intuito de superar a concorrência chinesa, criar empregos bem remunerados e treinar os trabalhadores para os empregos do futuro. O plano é bastante ambicioso, os gastos são estimados em mais de 4 trilhões de dólares.

A nova política econômica norte-americana está reformulando o pensamento econômico, com impactos para todas as regiões, retomando as atuações do Estado Nacional e estimulando os investimentos produtivos que tendem a alavancar a economia e atuar como um verdadeiro motor para a economia internacional. A perda de espaço dos Estados Unidos motiva esta política que, nos últimos anos foi vitimado por três fenômenos que enfraqueceram a economia: a crise de 2008, a pandemia e a ascensão da China.

Os recursos para os investimentos nos moldes do Plano Biden sairão do aumento da tributação de grandes empresas, algo em torno de 2,3 trilhões de dólares, que, no governo anterior, estes conglomerados foram agraciados com redução de impostos, ou seja, o governo Biden está apenas retomando às alíquotas de impostos adotadas anteriormente.

A reestruturação do sistema tributário é fundamental para garantir recursos para os serviços públicos, garantindo valores para os investimentos produtivos, reduzindo as desigualdades tributárias, estimulando emprego e crescimento da renda e do consumo, garantindo melhores condições de vida e perspectivas mais saudáveis para a coletividade. A sociedade internacional já se conscientizou de onde sairá os recursos para as políticas públicas que a sociedade demanda, infelizmente aqui, as políticas estão sempre em ritmo lento e seguindo por caminhos equivocados, incrementando a ortodoxia, reduzindo investimentos públicos, diminuindo repasses para a educação e limitando as pesquisas.

Internamente, estamos seguindo caminhos diferentes como os dos países desenvolvidos, reduzindo os auxílios emergenciais e limitando nossas potencialidades. No mundo desenvolvido, norte-americanos, sul-coreanos, japoneses e chineses, se digladiam na guerra da indústria de semicondutores, investindo trilhões em pesquisas e novas tecnologias, aqui, no Brasil, estamos liquidando a única empresa estatal de semicondutores e nos contentando com o papel de coadjuvante e importadores de tecnologias.

No mundo desenvolvido, a pandemia está alterando a agenda econômica, aumentando os tributos de grandes conglomerados econômicos e financeiros. Na sociedade brasileira deveríamos deixar de lado velhas ideias e pensamentos atrasados e perceber que o mundo está caminhando em outras direções, a contemporaneidade exige novos consensos, deixando de cultivar o atraso, a intolerância e a desigualdade.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 05/05/2021.

Outra Década Perdida

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Vivemos uma das maiores crises na sociedade brasileira, ao mesmo tempo, estamos no centro de várias crises sanitária, política, econômica e social. Diante deste momento de desagregação, exigimos políticas concatenadas e orquestradas entre todos os agentes econômicos e políticos, sem esta, dificilmente conseguiremos superar o maior desafio de nossa geração. O enfrentamento da situação exige maturidade da sociedade e, com isso, buscarmos compreender o que queremos para o futuro e, ao responder esta indagação, construiremos os consensos necessários para uma sociedade melhor e mais capacitada para este mundo de instabilidades e incertezas.

Sem a atuação do Estado dificilmente superaremos este momento de desagregação, necessitamos de políticas inclusivas, investimentos em ciência e tecnologia, obras públicas e combate às desigualdades, deixando de lado os interesses mesquinhos e imediatistas que se enriquecem em detrimento da maioria da sociedade. Estamos no momento de construirmos novos consensos, deixando ideias retrógradas e ultrapassadas, fortalecendo os serviços públicos e estimulando o retorno dos investimentos do Estado, tributando setores que sobrevivem com isenções elevadas e canalizando estes recursos na reativação das demandas e os consumos, sem estas medidas o país caminha para mais uma década perdida.

A adoção destas medidas de incentivo econômico, estímulo direto a demanda agregada, investimentos produtivos, incremento de recursos para a pesquisa, enfatizando saúde e educação, todas estas medidas devem criar um ambiente mais saudável para a atração dos investimentos e a reconstrução da confiança dos agentes, com impactos diretos sobre o sistema econômico. Se o governo adotar políticas de estímulo, como os países desenvolvidos estão adotando, no começo de 2022 a economia conseguirá dar sinais de crescimento consistente, mas ao observar a composição da equipe econômica, estas medidas de estímulo estão longe de ser prioridades.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia (Unesp/Araraquara), professor da Unirp, coordenador do curso de Gestão Pública, modalidade EaD/Unirp e das Faculdades de Tecnologia de Catanduva e Rio Preto.