Plano Biden

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Nos últimos dias a comunidade acadêmica, a mídia e os formadores de opinião estão se debatendo sobre a política apresentada pelo novo presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, suas limitações, seus desafios e seus impactos sobre os norte-americanos e para toda sociedade internacional, gerando questionamentos e reflexões sobre economia. Os bastidores dos grandes templos da economia mundial mostram a construção de um novo consenso, deixando de lado as ideias da ortodoxia e da austeridade para momentos de maior intervenção nos Estados Nacionais.

O Plano Biden está sendo comparado com as políticas intervencionistas nos anos 30, quando a Crise de 1929 alterou toda a dinâmica do sistema econômico, exigindo um novo consenso econômico, diante disso, surgiu um Estado mais interventor, com políticas mais ativas, com maior crédito e maiores investimentos em infraestrutura que auxiliou a recuperação da economia norte-americana, com impactos internacionais.

A política desenhada pelo presidente preconiza a criação de empregos para a classe média e trabalhadores com menor qualificação, apoiar as pequenas empresas, ampliação da educação pública, melhorar o acesso à saúde, prolongar o seguro desemprego, aumentar a vacinação, além de consertar rodovias, reconstruir pontes, atualizar portos, revitalizar o setor industrial com o intuito de superar a concorrência chinesa, criar empregos bem remunerados e treinar os trabalhadores para os empregos do futuro. O plano é bastante ambicioso, os gastos são estimados em mais de 4 trilhões de dólares.

A nova política econômica norte-americana está reformulando o pensamento econômico, com impactos para todas as regiões, retomando as atuações do Estado Nacional e estimulando os investimentos produtivos que tendem a alavancar a economia e atuar como um verdadeiro motor para a economia internacional. A perda de espaço dos Estados Unidos motiva esta política que, nos últimos anos foi vitimado por três fenômenos que enfraqueceram a economia: a crise de 2008, a pandemia e a ascensão da China.

Os recursos para os investimentos nos moldes do Plano Biden sairão do aumento da tributação de grandes empresas, algo em torno de 2,3 trilhões de dólares, que, no governo anterior, estes conglomerados foram agraciados com redução de impostos, ou seja, o governo Biden está apenas retomando às alíquotas de impostos adotadas anteriormente.

A reestruturação do sistema tributário é fundamental para garantir recursos para os serviços públicos, garantindo valores para os investimentos produtivos, reduzindo as desigualdades tributárias, estimulando emprego e crescimento da renda e do consumo, garantindo melhores condições de vida e perspectivas mais saudáveis para a coletividade. A sociedade internacional já se conscientizou de onde sairá os recursos para as políticas públicas que a sociedade demanda, infelizmente aqui, as políticas estão sempre em ritmo lento e seguindo por caminhos equivocados, incrementando a ortodoxia, reduzindo investimentos públicos, diminuindo repasses para a educação e limitando as pesquisas.

Internamente, estamos seguindo caminhos diferentes como os dos países desenvolvidos, reduzindo os auxílios emergenciais e limitando nossas potencialidades. No mundo desenvolvido, norte-americanos, sul-coreanos, japoneses e chineses, se digladiam na guerra da indústria de semicondutores, investindo trilhões em pesquisas e novas tecnologias, aqui, no Brasil, estamos liquidando a única empresa estatal de semicondutores e nos contentando com o papel de coadjuvante e importadores de tecnologias.

No mundo desenvolvido, a pandemia está alterando a agenda econômica, aumentando os tributos de grandes conglomerados econômicos e financeiros. Na sociedade brasileira deveríamos deixar de lado velhas ideias e pensamentos atrasados e perceber que o mundo está caminhando em outras direções, a contemporaneidade exige novos consensos, deixando de cultivar o atraso, a intolerância e a desigualdade.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 05/05/2021.

Outra Década Perdida

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Vivemos uma das maiores crises na sociedade brasileira, ao mesmo tempo, estamos no centro de várias crises sanitária, política, econômica e social. Diante deste momento de desagregação, exigimos políticas concatenadas e orquestradas entre todos os agentes econômicos e políticos, sem esta, dificilmente conseguiremos superar o maior desafio de nossa geração. O enfrentamento da situação exige maturidade da sociedade e, com isso, buscarmos compreender o que queremos para o futuro e, ao responder esta indagação, construiremos os consensos necessários para uma sociedade melhor e mais capacitada para este mundo de instabilidades e incertezas.

Sem a atuação do Estado dificilmente superaremos este momento de desagregação, necessitamos de políticas inclusivas, investimentos em ciência e tecnologia, obras públicas e combate às desigualdades, deixando de lado os interesses mesquinhos e imediatistas que se enriquecem em detrimento da maioria da sociedade. Estamos no momento de construirmos novos consensos, deixando ideias retrógradas e ultrapassadas, fortalecendo os serviços públicos e estimulando o retorno dos investimentos do Estado, tributando setores que sobrevivem com isenções elevadas e canalizando estes recursos na reativação das demandas e os consumos, sem estas medidas o país caminha para mais uma década perdida.

A adoção destas medidas de incentivo econômico, estímulo direto a demanda agregada, investimentos produtivos, incremento de recursos para a pesquisa, enfatizando saúde e educação, todas estas medidas devem criar um ambiente mais saudável para a atração dos investimentos e a reconstrução da confiança dos agentes, com impactos diretos sobre o sistema econômico. Se o governo adotar políticas de estímulo, como os países desenvolvidos estão adotando, no começo de 2022 a economia conseguirá dar sinais de crescimento consistente, mas ao observar a composição da equipe econômica, estas medidas de estímulo estão longe de ser prioridades.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia (Unesp/Araraquara), professor da Unirp, coordenador do curso de Gestão Pública, modalidade EaD/Unirp e das Faculdades de Tecnologia de Catanduva e Rio Preto.

Bobagens de Guedes sobre saúde e pobres, por Vinícius Torres.

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Ministro nada sabe sobre política pública e vive de fantasia caricata reacionária

Folha de São Paulo, 01;05/2021

“Pobre? Está doente? Dá um voucher para ele. Quer ir no Einstein? Vai no Einstein. Quer ir no SUS, pode usar seu voucher onde quiser”, disse Paulo Guedes em seu mais recente surto de ignorância e horror a pobre.

Estritamente falando, um voucher é um vale, como um vale-refeição. No desvario de Guedes, “um pobre” receberia um vale-saúde para se tratar onde quisesse, no SUS ou no Einstein, um dos grandes e excelentes hospitais privados de São Paulo. Nem Guedes deve acreditar estritamente nessa idiotice. Mas argumente-se por absurdo e a favor do ministro.

O setor público gasta por ano 3,9% do PIB de saúde (na média trienal até 2017, do IBGE, ou até 2018, da OMS).
Equivale a uns R$ 1.380 por pessoa, R$ 115 por mês. Dá para pagar um plano de saúde dos mais baratos, sem contar coparticipação, com serviço inferior ao do SUS. Daria um pouco mais por pessoa caso o dinheiro todo fosse reservado para quem ora não tem plano de saúde (71,5% da população, segundo o IBGE).

O vale-plano-de-saúde não daria para escolher o Einstein, ocioso ressaltar, nem o SUS. Não haveria mais SUS. O dinheiro da saúde pública teria sido confiscado pelo vale-guedes. Não haveria mais serviço público de vacina, de emergência (ambulância, PS), remédio, exame, nada. Se o seu plano baratinho não cobrisse certos tratamentos ou se você se arrebentasse em um local descoberto (quase todos), que você pagasse ou morresse.

Obviamente esse argumento é louco, simplificação da mais grosseira. Serve apenas para sugerir que a coisa não funciona assim, aqui ou alhures.

O gasto em saúde no Brasil já é majoritariamente privado (famílias, empresas, filantropia): 58% do total. Não é assim na Argentina (38%) ou no México (48,7%), menos ainda é o caso de França (27%), Reino Unido (21%) ou Alemanha (22%) e nem mesmo o do Chile (49,7%) e o dos EUA (49,6%). Na mão de um Guedes da vida (ou da morte) iremos na direção dos EUA, que tem um dos gastos em saúde mais ineficientes da OCDE (clube de três dúzias de países ricos).

Mas, afora para ricos, e olhe lá, o SUS é o recurso de primeira ou última instância, que banca tratamentos que muito plano não cobre, por falta de dinheiro ou competência. O SUS é uma rara preciosidade nacional, com problemas de administração, sim, mas não é conversa para o bico de Guedes.

A discussão não cabe em poucas colunas de jornal. A comparação entre sistemas nacionais de saúde, muito diversos, é complexa. Existem vários esquemas de financiamento público, com serviços quase todos prestados pelo setor privado, mas inteiramente pagos e vigiados pelo governo (Canadá), ou como o SUS original, estatal, do Reino Unido. Em geral, voucher, no sentido estrito, é alternativa parcial onde o sistema de saúde é tão precário que se dá um vale aos muito pobres de país muito pobre, na África ou na América Central.

O problema aqui é Guedes e seu mundo de caricaturas reacionárias. Não trata de assuntos de modo técnico: adora dar aulas magnas genéricas baseadas em suas fantasias liberalóides apodrecidas. Não propõe políticas públicas específicas e fundamentadas, com planos e apoio político para implementá-las.

Vive de tiradas, truques com os quais pensa engambelar o Congresso e mentiras lunáticas (trilhão de privatização, 44 milhões de testes de Covid, déficit público zero em um ano etc.). Adora velhos mitos extremistas da direita americana e tem saudade do Chile de Pinochet.

Essa barbaridade guedista, variação pedante do bolsonarismo dá mais pano para a manga. Vamos voltar a tratar disso.

O homem certo, por Sílvio Almeida

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Bolsonaro e Guedes são feitos do mesmo material

Silvio Almeida Professor da Fundação Getulio Vargas e do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama.

Folha de São Paulo, 30/04/2021

A cada entrevista ou pronunciamento fica mais evidente que Paulo Guedes é o homem certo. Suas ideias, seu comportamento, sua gestão à testa do Ministério da Economia provam a cada dia que outro homem não estaria à altura —ou à baixeza, no caso— exigida para esse cargo. Nenhum outro ministro representa de forma tão essencial as forças políticas que levaram Jair Bolsonaro à Presidência da República.

O presidente da República e o ministro da Economia são absolutamente complementares e encarnam, ainda que em corpos distintos, um só espírito. São, portanto, apenas aparentes as suas contradições.

De um lado um sujeito cuja falta de modos é lida como “autenticidade”. Manda jornalistas se calarem, desdenha do sofrimento da pandemia e agride quem dele discorda. Encarna o autoritário, que muitos pedem.

Na outra ponta, o “intelectual”, reconhecido pelo mercado como grande gestor e homem de sucesso. É o campeão da liberdade, que o mercado deseja. Mas nada como os momentos de crise para erodir as aparências e fazer emergir das profundezas a natureza gemelar dos dois personagens. Quando acossados, o ódio que nutrem a pobres, a trabalhadores, a pequenos empresários e a aposentados emerge de forma primordial e sem freios.

Mas que espírito é esse que no governo brasileiro habita dois corpos e que tem o poder de se apresentar simultaneamente como defesa intransigente da liberdade e ameaça à democracia? Há alguns anos as ciências sociais, nas mais variadas áreas, têm se esforçado para compreender o fenômeno que alguns denominam como neoliberalismo autoritário. Acho que nenhum outro termo pode explicar melhor o “bolsoguedismo”.

O uso do termo neoliberalismo autoritário é controverso. O termo se refere às condições objetivas e subjetivas surgidas com as transformações no regime de acumulação e no modo de regulação do capitalismo provocadas pelas crises do fordismo e do Estado de bem-estar social. Tais mudanças levariam à atualização das formas de regulação estatal na economia e a processos de reorientação ideológica conduzidos pelas exigências da concorrência de mercado.

O que os mais diversos autores têm apontado é que desde as suas origens o neoliberalismo esteve relacionado com o esvaziamento da democracia, já que medidas para limitar o poder econômico são consideradas interferências políticas que ameaçam à liberdade.

A liberdade, na visão dos considerados teóricos do neoliberalismo, se materializa na ordem da concorrência, e não no contrato social. Trata-se, portanto, de construir o mercado blindado das demandas democráticas e de redistribuição igualitária, “livre” de constrangimentos sobre o investimento e a lucratividade capitalista. Isso explicaria o movimento para desmantelar os sistemas de proteção social, a oferta pública, gratuita e universal de saúde e educação e a facilitar a captura do orçamento público por interesses privados.

Mas há os que considerem um absurdo a vinculação entre autoritarismo e neoliberalismo e, para tanto, fornecem exemplos de governos e países democráticos que adotaram o receituário neoliberal.

Pierre Dardot denuncia a confusão teórica daqueles que acusam essa incompatibilidade. Segundo o autor francês, é preciso distinguir: 1) autoritarismo como regime político; 2) autoritarismo político neoliberal e 3) a dimensão autoritária irredutível do neoliberalismo. O primeiro não é exclusividade de governos neoliberais. O segundo é resultado da acomodação das políticas neoliberais a distintos regimes políticos, democráticos ou autoritários, o que é determinado pelas circunstâncias históricas. Já o terceiro é o que Dardot chama de “restrição do deliberável”, o que, em outras palavras, é a decomposição das instâncias de participação popular por meio de “reformas” e uso de medidas jurídicas excepcionais, especialmente no que se refere a decisões econômicas.

Guedes e Bolsonaro personificam a versão brasileira do centauro do neoliberalismo, que é metade liberdade econômica para o andar de cima da pirâmide social e metade repressão e violência para o andar de baixo. De vez em quando somos forçados a lembrar que é um único ser, com os mesmos projetos e o mesmo negacionismo da realidade social. No fundo, quem quer a liberdade de Guedes pede por autoritarismo; quem quer o autoritarismo de Bolsonaro é porque demanda a liberdade de Guedes.

Terceira via é miopia, por Ricardo Semler

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A ideia de aproveitar caras novas num setor sórdido nunca deu certo

Ricardo Semler
Empresário, sócio da Semco Style Institute e fundador das escolas Lumiar; ex-professor visitante da Harvard Law School e de liderança no MIT (EUA)

Folha de São Paulo, 27/04/2021

Vez ou outra, eu dava um pulo no centrão de São Paulo para botar a prosa em dia com o Antônio Ermírio de Morais.

Saíamos para andar do jeitinho que ele gostava, de braços dados. Ele contava que a pior experiência da sua vida tinha sido se candidatar ao governo do estado. E dizia: “Não sei ser freira em bordel”.

A ideia de aproveitar caras novas para insuflar ar fresco num setor sórdido não é nova. E nunca deu certo. Acelera-se agora a corrida por um salvador da pátria, alguém que evite essa “escolha perversa”. Serve o Luciano Huck, mas serve também o Danilo Gentilli —em breve, o Felipe Neto.

Os governadores famintos, sejam eles paulista ou gaúcho, também se oferecem. Ocorre que preparo para a Presidência requer 15 ou 20 anos de experiência profunda com deputados, juízes, polícia, povo. Significa comer muita empadinha no morro.

Por isso, Antônio Ermírio não era opção, Olavo Setúbal foi um prefeito biônico que não deixou marca alguma e palhaços como Berlusconi e Sarkozy, ou mesmo o sério Bloomberg, maldizem o dia em que viraram terceira via.

Agora, com o sapo barbudo afiando a lâmina, a coisa entortou de vez. Ninguém imaginava mais um embate do PT com a direita.

Este país continua rodando no mesmo lugar há décadas. Somos agora o 85º no mundo em renda real per capita —com dólar a quase R$ 6— e éramos o 76º, com dólar a R$ 3, nos tempos do PT. Uma vergonha, tanto lá como cá. Parte dessa culpa é da elite, que sugou renda para si e financiou conservadores para lhes representar desde 1964. Emprestou uma bula simplória: fazer o bolo crescer para cada fatia ser mais gorda, para todos. O chamado “trickle-down economics”, que caducou desde a era “tech”.

O empresário costuma ser bom vendedor e ter uma inteligência lógica alta. Quase sempre com uma inteligência emocional e afetiva constrangedoras. Soa pitoresco achar que essa camada, de cultura rasa e visão política limitada, seja capaz de propor um candidato de terceira via.

Exemplo: 1500 representantes da elite econômico demoraram mais de um ano para escrever um portentoso manifesto que sugere máscaras e distanciamento. Ora, em vez disso poderiam ter feito uma única reunião e dedicado exatos 11 dias de lucro das empresas da Fiesp e da Febraban para comprarem 500 milhões de vacinas. Em agosto do ano passado.

Teriam gerado retorno de 20 vezes no PIB deste ano. Ou seja, falta até inteligência lógica-matemática.
Não é diferente quando empresários ovacionam o presidente, não precisando sequer do Zé Carioca da Havan como “cheerleader”.

O Brasil só tem uma solução: redistribuição de riqueza enquanto cresce e não depois. Seja por impostos sobre fortunas, seja por pisos mínimos de seguridade social. Este é um país que precisa de caminhos socializantes, no sentido europeu.

Quem ainda usa o termo comunista é um Neandertal —não existe mais um sequer no Brasil, nem no PSOL. Comunista é a China, que tem 150 cidades novas e modernas com 1 milhão de pessoas cada, pobreza em queda vertiginosa e uma economia que irá desbancar os EUA como a maior das potências.

Os mais desinformados acham que o PT inventou a corrupção e querem evitar a sua volta. Foi, sim, uma decepção imensa o PT, ou o PSDB, terem sido covardes e persistido na tentacular corrupção que já existia —mas que continuou inalterada desde então, ainda hoje com o Centrão S/A Balcão de Negócios no poder absoluto.

O governo atual vai se beneficiar da recuperação econômica que virá em 2022, polarizando com o PT. Fica a sugestão para colegas de elite: hora de repensar se o antiquado urdimento de uma terceira via ainda é uma estratégia inteligente. Afinal, tem como colocar um candidato modernizante sem se acertar com os partidos mais corruptos do país, dando ministérios em troca —onde poderão roubar à vontade? Isso é melhor do que o PT? em que sentido?

Querem morar numa Índia ou Nigéria e esquiar na Suíça ou finalmente terem orgulho de um país que avança? Proteger o seu capital é tirar pirulito dos pobres —nós, do dinheiro, fomos ironicamente muito bem durante a pandemia. Usem uns óculos de modernidade, gente: o Brasil é hoje um dos lugares mais chatos do planeta, mas colocar um animador de auditório não vai mudar nada.

O Congresso traiu a sociedade, Delfim Netto.

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Havia espaço no Orçamento, mas foram acolhidos interesses menores e paroquiais

Delfim Netto – Folha de São Paulo, 28/04/2021

A lambança produzida no Orçamento aprovado pelo Congresso é conhecida: acotovelaram-se R$ 49 bi em emendas parlamentares, mais de R$ 30 bi delas de caráter não obrigatório, em detrimento de um maior espaço às urgências da população pelos efeitos do recrudescimento da pandemia sobre a saúde e a renda, além da retirada do auxílio emergencial do teto de gastos.

Sancionado na semana passada pelo presidente, após muito ruído e diz que me diz, a peça órfã trouxe algum corte nas emendas (R$ 11,9 bi) e nas despesas do Executivo. Retiraram-se do alcance do teto os gastos diretos com a pandemia, como o programa de corte de jornadas e salários e o de acesso a crédito pelas pequenas empresas, ambos a um custo total estimado de R$ 15 bi, embora, formalmente, não tenham sido estabelecidos limites –um mau presságio.

É falso, portanto, que não havia espaço no Orçamento, mas sim que, acolhidos os interesses menores e paroquiais, não couberam as necessidades maiores. Por mais que não se discuta a urgência das despesas estritamente relacionadas à pandemia, e até a eventual necessidade de excetuá-las do teto em 2021, como convencer a sociedade de que o Orçamento não comportava dois programas cujo custo é cerca de 30% do montante destinado às emendas parlamentares?

Como convencê-la de que o Brasil precisa continuar voando às cegas em suas políticas públicas, pois não foi possível acomodar R$ 2 bi para a realização do Censo? Como dizer que era infactível melhorar a dotação do Bolsa Família para, no segundo semestre, dar conta do fim auxílio emergencial? Como explicar para os 2.700 doutores aprovados por mérito no último edital do CNPq, entre os 4.300 que pediram bolsa, que apenas 400 deles serão contemplados pois “não tinha onde cortar”? Como dizer que foi inevitável passar a tesoura em R$ 1,35 bi da agricultura familiar (Pronaf)?

Como os espectros que produziram tal acordo político no Legislativo e no Executivo irão convencer seus eleitores de que tudo foi feito na melhor tentativa de representar os seus interesses? Como (e quando) irão prestar contas dos recursos gastos em tais emendas, muitas vezes de maneira pouco transparente?

Como explicar que os recursos federais repassados a alguns estados em 2020 foram utilizados para pagar despesas de custeio e 13º salário de funcionários públicos? Como racionalizar que foi possível derrubar um veto de 2009 e gerar uma despesa de R$ 2,7 bi para a União em 2021 ao permitir uma reestruturação de carreiras na Receita Federal?
Como encarar os brasileiros que perdem familiares, amigos, renda e emprego há mais de um ano? Como?

Finanças e Desenvolvimento

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O setor financeiro é fundamental para o desenvolvimento econômico de uma nação, devendo atuar como intermediário de recursos monetários e estimulando a produção, gerando emprego e incrementando o investimento produtivo. Nas últimas décadas percebemos o aumento no setor financeiro que pouco contribuiu para o crescimento econômico e produtivo, transformando a economia em um verdadeiro cassino que garante ganhos altíssimos para um pequeno grupo de privilegiados que ganham com taxas de juros elevados que limitam o crédito do longo prazo e rentabilidade imediata, deixando de lado o planejamento econômico e a construção de uma nação.

O fortalecimento dos setores financeiros na sociedade brasileira tem um papel central na ausência das grandes discussões econômicas, assuntos relacionados a planejamento e a construção de um projeto nacional perdem espaços para assuntos imediatistas e limitantes, tais como as taxas de juros, inflação e câmbio. Embora estes assuntos sejam importantes, devem ser pensados dentro de uma estratégia maior de fortalecimento do país e da construção do desenvolvimento econômico.

No mundo contemporâneo, precisamos reconstruir os valores da civilização, trocando a competição econômica exagerada pela cooperação produtiva e o compartilhamento social. A pandemia que assola a sociedade global exige uma transformação estrutural no modelo econômico, privilegiando o conceito de nação, que foi deixado de lado devido aos interesses financeiros, materiais e imediatistas.

Os setores produtivos devem ser estimulados como agentes do progresso econômico, gerando emprego, incrementando a renda, movimentando o consumo e, posteriormente, impulsionando toda a economia e o produto interno bruto. Desde os anos 1980 a economia brasileira vem perdendo espaço na economia global, desde então o país vem se desindustrializando, perdendo a participação no mercado internacional e piorando as relações de trocas, perdendo dinamismo industrial e estamos caminhando, a passos largos, a se tornarmos uma economia agroexportadora, insuficiente para gerar o desenvolvimento de um contingente populacional de mais de duzentos milhões de pessoas.

As finanças devem retornar sua centralidade na economia brasileira, criando as bases para o financiamento, levando recursos monetários e financeiros para aumentar a capacidade produtiva, gerando emprego e renda, investindo no empreendedorismo e na inovação. Os setores financeiros devem retomar a capacidade de correr risco e estimular o crédito para movimentar o sistema econômico. No caso nacional, historicamente, o sistema financeiro nacional foge dos riscos e espera os grandes investimentos estatais, exigindo altas taxas de retornos, cobrando juros elevados que inviabilizam os investimentos produtivos. Percebendo uma grande contradição nacional, um sistema financeiro com lucros elevados e uma sociedade carente de crédito, empresários endividados e famílias sem perspectivas, inviabilizando a construção de um mercado interno de crédito e perpetuando a degradação dos setores produtivos.

O setor financeiro de um país é fundamental para a construção do desenvolvimento da nação, ativando o sistema econômico e produtivo, levando recursos em forma de créditos com juros baixos e condições condizentes, garantindo investimentos nos setores produtivos, impulsionando empregos, movimentando renda, consumo e produção. Sem o impulso dos setores financeiros dificilmente as nações desenvolvidas conseguiriam alcançar o tão almejado desenvolvimento econômico. As finanças hipertrofiadas limitam o crescimento das economias, reduzem os recursos para os setores dinâmicos da economia, fragilizando o empreendedorismo e perpetuando desigualdades sociais e limitando o “espírito animal” dos empresários e garantindo lucros abissais para seus acionistas em detrimento do empobrecimento da economia e da perpetuação das indignidades e de subserviência. Passou da hora de as finanças auxiliarem os rumos do crescimento e do desenvolvimento econômico brasileiro.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Especialista em Economia, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 28/04/2021.

A pandemia e seus efeitos na informalidade trabalhista

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Para enfrentar desemprego e pobreza, países devem manter e ampliar políticas de assistência social

LatinoAmerica21 – FSP, 23/04/2021

Mais de um ano após o início da crise sanitária, o equilíbrio em termos sociais para a região mostra um cenário complexo. De acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional, a América Latina e o Caribe é a região mais atingida pela pandemia, pois sua economia se contraiu em aproximadamente 7,4% em 2020. Esta deterioração se refletiu num aumento do desemprego, tanto formal quanto informal, o que levou a um aumento drástico da pobreza.

No mercado de trabalho, um importante retrocesso é evidente em toda a região. De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), quase 3 milhões de empresas fecharam durante a pandemia. Isto levou ao desemprego, que afetava 8 de cada 100 pessoas antes da crise sanitária, e em 2020 passaram a afetar quase 11.

Mas o desemprego não afetava apenas os trabalhadores formais. Nos meses de maior confinamento e paralisação da atividade econômica, entre abril e junho do ano passado, um importante segmento de trabalhadores informais ficou desempregado ou inativo. Os dados da Cepal mostram uma redução anual para o segundo trimestre de 2020 no emprego informal de 35% no Chile, 20% no Brasil e 31% na Costa Rica.

Esta redução do trabalho não declarado afetou principalmente o setor rural, devido à precariedade do trabalho agrícola na região. Além disso, as mulheres no trabalho informal foram mais afetadas do que os homens devido a sua maior participação em setores mais afetados, como hotéis e turismo, serviços domésticos e comércio.

Com a reativação gradual da produção, as taxas de emprego informal na região estão aumentando. No México, por exemplo, este indicador foi de 48% para 55% entre abril e agosto de 2020. E espera-se que quando a situação voltar ao normal e os latino-americanos retornarem à procura de trabalho, o caminho mais direto será a informalidade, com empregos de menor qualidade e salários em queda.

De acordo com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), aproximadamente 7,5 milhões de pessoas se juntarão ao enorme grupo de latino-americanos que trabalham sem seguridade social este ano. E, nos próximos anos, a porcentagem de pessoas trabalhando informalmente aumentará de 56% antes da pandemia para 62%.

Embora a medida da informalidade varie de país para país, este tipo de emprego é um fenômeno latente e constante nas economias da América Latina e do Caribe.

Além disso, o trabalho não declarado é distribuído desigualmente com uma presença desproporcional de mulheres, jovens, pessoas com baixos níveis de educação e moradores rurais.

O QUE É TRABALHO INFORMAL E POR QUE É INFORMAL?
De acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), este tipo de emprego é caracterizado pelo fato de não proporcionar acesso a contratos, licenças, férias, compensações, bonificações e, principalmente, acesso à seguridade social. E seu caráter estrutural na região se deve à incapacidade das economias de gerar empregos em condições adequadas e formais, fraqueza institucional, corrupção, amplas lacunas educacionais e sociais, e até mesmo discriminação, seja por etnia, gênero ou condição socioeconômica.

Portanto, a incidência deste fenômeno, tanto antes como durante a pandemia, varia drasticamente entre os países.

Enquanto no Uruguai a informalidade afeta 1 em cada 4 pessoas ou no Chile 3 em cada 10, em países como Honduras, Guatemala ou Bolívia ela afeta cerca de 8 em cada 10 trabalhadores. Em outras palavras, ter um contrato é algo para os privilegiados.

OS DESAFIOS DA RECUPERAÇÃO
Um aumento dos níveis de informalidade implica, a nível social, em um aumento da população em situação de pobreza, da desigualdade e uma deterioração geral das condições de vida. No nível macroeconômico, a consequência é uma redução na demanda e no consumo doméstico e, portanto, na atividade econômica em geral.

A fim de enfrentar o aumento da informalidade, desemprego, pobreza e a recuperação econômica, é essencial que, a curto prazo, os países mantenham e, se possível, ampliem as políticas de assistência social adotadas em 2020.
Também é necessário implementar medidas destinadas a gerar emprego formal e reativar pequenas empresas.

A médio e longo prazos, a América Latina e o Caribe enfrentam o desafio de fortalecer suas instituições, melhorar a produtividade, corrigir desigualdades estruturais, fechar brechas sociais e ampliar seus sistemas de proteção social e previdência social. Somente desta forma eles serão capazes de mitigar tanto as causas quanto as consequências da informalidade trabalhista.

Recuperação econômica esconde o perigo de um mundo dividido, por Martin Wolf.

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Nada seria mais tolo que os políticos dos países ricos se esquivarem dos desafios globais

Financial Times – FSP, 21/04/2021

Martin Wolf, Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

A grande história das últimas reuniões do FMI (Fundo Monetário Mundial) e do Banco Mundial é que a economia mundial está se recuperando substancialmente mais depressa do que se esperava apenas seis meses atrás. Mas a recuperação da economia global como um todo esconde o que está acontecendo com a população mundial. Tanto dentro dos países como entre eles, os menos favorecidos parecem sofrer recuperações mais lentas. Além disso, essa casa dividida pode não se manter de pé: o que está acontecendo –acima de tudo a lenta distribuição das vacinas– agravará as perspectivas para todos.

A característica marcante das novas previsões do FMI é que o crescimento acumulado do PIB 9Produto Interno Bruto) global per capita entre 2019 e 2022 hoje está previsto em apenas 3 pontos percentuais abaixo da previsão feita em janeiro de 2020. Isso é muito melhor que os 6,5 pontos percentuais a menos do ano passado e os 4 pontos a menos deste ano. Essa é então a imagem de uma economia mundial em uma recuperação ao mesmo tempo mais forte e melhor do que se esperava.

Ainda mais notável, porém, é a divergência. As economias avançadas têm hoje previsão de crescimento acumulado do PIB per capita entre 2019 e 2022 apenas 1 ponto percentual a menos que em janeiro de 2020. Mas os mercados emergentes e os países em desenvolvimento de baixa renda têm previsão de sofrer golpes no crescimento do PIB per capita de 4,3 (5,8 sem a China) e 6,5 pontos percentuais, respectivamente. Para os que têm, será devolvido. Mas dos que não têm será tomado até o pouco que tinham: em janeiro, o Banco Mundial relatou um aumento no número de pessoas em extrema pobreza no ano passado, em consequência da Covid-19, entre 119 milhões e 124 milhões. Diante das terríveis previsões, parece improvável que essa calamidade seja revertida em breve.

Na essência, o FMI hoje prevê que as economias avançadas e a China sairão da crise, de modo geral, ilesas economicamente, com a economia dos Estados Unidos até um pouco maior que as previsões anteriores, enquanto os países emergentes e em desenvolvimento sofrem um grande e prolongado golpe. Mas lembre-se que dois terços da humanidade vivem nestes últimos.

É o contrário do que aconteceu depois da crise financeira global de 2007-09. Isso é em parte porque ela teve origem nos países de alta renda. E também porque a recuperação da China em 2009 foi tão forte. Mas o maior motivo para a diferença hoje é que os países de alta renda possuíam e a capacidade de administrar esse choque e a empregaram de maneiras que poucos outros países puderam (sendo a China a principal exceção): os países ricos conseguiram amortecer o golpe econômico e social com respostas excepcionais de política monetária e fiscal; e puderam desenvolver, produzir e entregar vacinas em alta velocidade.

Segundo o Monitor Fiscal do FMI, “nos últimos 12 meses, os países anunciaram US$ 16 trilhões em ações fiscais”. Mas o grosso disso foi nos países avançados. O deficit fiscal das economias avançadas aumentou 8,8% do PIB entre 2019 e 2020, para 11,7%. Ainda será 10,4% em 2021. Nas economias emergentes, o deficit fiscal aumentou 5,1% do PIB entre 2019 e 2020, para 9,8%. Mas nos países de baixa renda em desenvolvimento ele aumentou só 1,6% do PIB, para 5,5%.

Além disso, salienta o Monitor, “o aumento dos deficits nas economias avançadas e várias economias de mercados emergentes resultou de aumentos aproximadamente iguais em gastos e queda de receitas, enquanto em muitas economias de mercados emergentes e países em desenvolvimento de baixa renda eles foram basicamente consequência do colapso das rendas causado pela crise econômica”.

Seria desaconselhável tomar como garantida a previsão de forte recuperação das economias avançadas. É possível que novas variantes invulneráveis às vacinas de hoje percorram o mundo. É altamente provável que seja impossível reabrir as fronteiras em breve. É possível, também, que as políticas monetárias e fiscais tenham sido fortes demais, especialmente nos EUA, como afirmou Larry Summers, gerando um forte aumento da inflação, expectativas de inflação e taxas de juros reais. Nesse caso, os formuladores de políticas seriam obrigados a pisar nos freios, o que poderia gerar crises de dívida entre mutuários vulneráveis nos EUA e no exterior.

Além disso, mesmo que os países de alta renda, a China e alguns outros tenham uma forte recuperação, muitos países emergentes e em desenvolvimento provavelmente continuarão em grande dificuldade em consequência da distribuição dolorosamente lenta das vacinas, problemas na administração da dívida, as tensões causadas pelo agravamento da pobreza e o espaço limitado para políticas. As economias que dependem de viagens e turismo terão uma recuperação especialmente lenta, sobretudo se continuarem surgindo novas variantes. Nada disso é ajudado pelo fato de que muitos governos são corruptos, ineficazes ou ambos. Isso sempre importa. Em tempos anormais como estes, importa ainda mais.

Nada seria mais tolo que os formuladores de políticas nos países ricos darem um suspiro de alívio e desviarem os olhos dos desafios globais que os confrontam. Eles devem em vez disso fazer o que é necessário para vacinar o mundo inteiro até o fim do próximo ano e apoiar o desenvolvimento de vacinas de reforço para todos, se necessário. Eles devem fazer o que é preciso para garantir que todos os países tenham os recursos necessários para enfrentar esses choques sanitários e econômicos. Eles também devem fazer o que é preciso para garantir que, se surgirem crises de dívida, eles saibam quem são os credores –oficiais e privados– e como administrar a negociação resultante.

Finalmente, mas não menos importante, eles devem aprender as lições desta pandemia. Ela matou até agora 3 milhões de pessoas e infligiu um grande choque econômico. A próxima poderá facilmente ser muito pior nesses dois tristes aspectos. Ilhas de suposta segurança não prosperarão em um mundo de doença ameaçadora.

Contradições

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Vivemos numa sociedade marcada por grandes contradições, sistemas econômicos marcados por grandes desigualdades, preservamos uma estrutura econômica marcadamente concentradora, que privilegia uma pequena classe social. Grupos privilegiados controlam as estruturam políticas e colocam seus apaniguados em setores chaves, donos de currículos vistosos e salários elevados, são prepostos da casa e da senzala. Ganham milhões transformando as estruturas sociais em verdadeiros negócios monetários e financeiros, sem se preocupar com os interesses da coletividade, sempre pensando em seus interesses imediatos e seus pomposos recursos monetários.

A pandemia está colocando em xeque pensamentos imediatistas. Estes cidadãos se especializaram nos ganhos financeiros particulares e deixaram de lado interesses mais amplos da sociedade, trabalham pelos prazeres monetários, se esquivando do planejamento econômico e da construção de um verdadeiro projeto de país. Neste momento, percebemos que este pensamento imediatista está levando o país para o caos e a ingovernabilidade, criando bolsões de miséria cercada por pequenas ilhas de progresso, luxos e artificialismo exagerados.

Recentemente foi publicado o estudo “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, pesquisa realizada pelo grupo Alimento Para Justiça, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com universidades brasileiras, que destacou que até o final do ano passado, 59,4% dos brasileiros enfrentavam algum grau de insegurança alimentar, retratando uma população que convive novamente com a fome, na verdade, essa realidade sempre existiu na sociedade nacional. Nesta pesquisa, passamos a conhecer os números escandalosos da degradação em que vivemos, onde 125,6 milhões de brasileiros não tem o que comer, outros grupos comem inadequadamente ou convivem com receio de não terem a próxima refeição. A pesquisa nos mostra a miséria da sociedade brasileira, somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo, dotados de instrumentos tecnológicos, máquinas e equipamentos de última geração e, ao mesmo tempo, convivemos com um contingente de cidadãos, ou pseudocidadãos que não tem alimentação digna, um verdadeiro escárnio.

A fome, impulsionada pela pandemia, cresce na sociedade brasileira, uma calamidade nacional que abarca grupos sociais fragilizados e, neste momento, a fome e a desigualdade são escolhas políticas. Os governos e as classes políticas se sucedem, a democracia está se fragilizando e as condições sociais de parcela significativa da população se encontram em situação de degradação. As políticas públicas precisam ser efetivas, precisam de investimentos produtivos, um combate sistemático ao desemprego e abrindo novas oportunidades, evitando a convulsão social que se avizinha, misturando incompetência e arrogância.

Na sociedade brasileira muitos teóricos estudaram e se dedicaram na construção de estratégias de combate a fome e a desigualdade social, dentre eles destacamos o trabalho pioneiro de Josué de Castro, médico, geógrafo, diplomata e político, cujas pesquisas mostravam a existência de um Brasil profundo, marcado pela desigualdade, pela pobreza e pela subnutrição, estes pensadores contribuíram para a compreensão das condições indignas existentes na sociedade.

Neste momento de pandemia e indignação, faz-se necessário refletir sobre os grandes estudiosos brasileiros, seus estudos e contribuições, cujas pesquisas levaram Jean Ziegler, relator da ONU sobre o direito à alimentação, ao referir ao se Josué de Castro, que deveríamos “ter um monumento em cada cidade do país, porque é um dos maiores pensadores do século XX”. Somos um país que não preserva as suas memórias, um país que não aprende com os equívocos do passado, estamos sempre cometendo os mesmos erros, aumentando os constrangimentos, o resultado onde tudo isso é mais atraso, mais desigualdade e mais degradação social.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Especialista em Economia, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp e professor universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 21/04/2021.