Não há enigma para o baixo crescimento econômico do país, por Silvia Mattos.

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E o mundo pós-pandemia demandará ainda mais políticas sociais

Silvia Matos, Economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).

Folha de São Paulo, 23/02/2022

A pandemia do coronavírus deixou cicatrizes profundas. Além dos milhões de vidas perdidas, o choque sobre a economia foi muito desigual, afetando muito mais os setores intensivos em trabalho e de baixa produtividade, atingindo mais os trabalhadores informais e pouco escolarizados, como destacado nos estudos divulgados pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli.

Nesse contexto, o mundo que emerge após a fase aguda da pandemia é um mundo que demanda ainda mais políticas sociais e uma atuação mais efetiva do Estado para minimizar essas cicatrizes.

No entanto, no Brasil, esse processo tem sido ineficaz. De fato, este é um dos nossos problemas estruturais: a fragilidade institucional em defesa do interesse de toda sociedade, também conhecido na literatura como interesse difuso. O Estado é muito suscetível aos diversos grupos de interesse, que capturam uma parcela significativa do orçamento público. Há diversos exemplos, como os 4% do PIB em gastos tributários, as emendas parlamentares etc.

E há inúmeras consequências negativas. Em primeiro lugar, há crises fiscais recorrentes. Quando precisamos adotar políticas públicas necessárias e justas do ponto de vista social, como não há espaço no Orçamento, a saída é alterar as regras fiscais. E quando reduzimos as restrições fiscais, sempre ampliamos o espaço das políticas públicas ruins, tornando o cenário fiscal insustentável.

E sempre é bom lembrar que crises fiscais geram uma piora do quadro macroeconômico, com efeitos deletérios sobre o crescimento econômico e o mercado de trabalho. É um círculo vicioso e muito negativo do ponto de vista social.

Em segundo lugar, há um outro efeito colateral muito negativo para a nossa economia. Os estudos mostram que essas políticas de incentivo, na grande maioria das vezes, não geram o resultado esperado e contribuem para a má alocação de recursos e a baixa produtividade da economia. As políticas de incentivo, além de custar muito do ponto de vista fiscal, contribuem para a estagnação do crescimento econômico.

Esse tema e outros relacionados à agenda de crescimento econômico foram amplamente documentados nos livros publicados pelo FGV-Ibre, com destaque para “Anatomia da Produtividade no Brasil”. O livro serviu de base para a elaboração do relatório final da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado com propostas de uma agenda microeconômica para o Brasil, durante o governo Temer.

Não há enigma para o baixo crescimento econômico. O diagnóstico já é mais do que conhecido, o receituário também.

As raízes econômicas da destruição da Amazônia, por Ilona Szabó de Carvalho.

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Desmatamento contribui tanto para a tragédia em Petrópolis (RJ) quanto para a seca que afeta o agronegócio

Ilona Szabó de Carvalho, Empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”.

Folha de São Paulo, 23/02/2022

O ritmo alarmante do desmatamento da Amazônia vem sendo alimentado por um verdadeiro ecossistema de economias ilícitas, no qual diversas atividades financiam a destruição da floresta e vice-versa. O desmatamento e a degradação da floresta amazônica comprometem o futuro e o bem-estar das próximas gerações e prejudicam o meio ambiente e a regulação do clima em escala planetária.

Entre outros aspectos, a Amazônia influencia decisivamente o regime de chuvas no país e sua cobertura verde tem relação com a intensidade e frequência delas. Em última instância, o desmatamento da floresta contribui tanto para a tragédia em Petrópolis (RJ) quanto para a seca que afeta o agronegócio, além das tempestades de areia no interior de São Paulo, que vimos no ano passado. As áreas mais vulneráveis às consequências de eventos extremos do clima são as mais pobres, no Brasil e no mundo.

Buscando compreender os motores da destruição da floresta, um novo estudo do Instituto Igarapé mostra um panorama inédito do ecossistema da criminalidade ambiental na Amazônia, onde os crimes que impulsionam a destruição da floresta estão se tornando mais complexos, interconectados e violentos, à medida que o Estado se ausenta da região e estimula atividades predatórias. Dados analisados de 369 operações da Polícia Federal (PF), entre 2016 e 2021, confirmam que o desmatamento é apenas a ponta visível por satélite de algo maior que vem ocorrendo na Amazônia.

Isso porque a destruição da floresta vem a reboque de atividades econômicas ilícitas ou contaminadas com ilicitudes. Mineração ilegal de ouro, extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas e a parcela da agropecuária com passivos ambientais se entrelaçam nos diferentes territórios amazônicos e contribuem para a escalada do desmatamento ilegal e da degradação da floresta.

Além disso, o crime ambiental não acontece sozinho. As investigações da PF apontam a existência de fraudes, crimes financeiros e tributários, tráfico de drogas, poluição e outras ilicitudes diretamente atrelados à devastação do bioma amazônico. Os crimes violentos contra a pessoa, trabalho escravo, posse de armas, munições e explosivos estão cada vez mais comuns e hoje aparecem em quase um terço das operações da PF na região. Investigações por corrupção e lavagem de dinheiro ocorreram em um quinto das ações analisadas, revelando uma criminalidade ambiental organizada.

Fica cada vez mais claro que o descaso do governo com a Amazônia não só ajuda a acelerar as mudanças climáticas como também aumenta a insegurança no país. O descontrole estatal incentiva a ampliação do crime e a entrada de novos grupos criminosos em uma das regiões mais importantes para o clima do planeta.

Portanto, o enfrentamento ao crime ambiental e crimes conexos precisa ser prioridade do governo federal e dos governos estaduais da Amazônia Legal para que o Brasil possa se tornar uma potência econômica florestal. Somente com a garantia da segurança pública e jurídica, do cumprimento das leis e dos acordos internacionais, nosso país se beneficiará do enorme potencial de serviços ambientais e das soluções baseadas na natureza que pode oferecer ao mundo.

O nexo entre segurança e clima é cada vez mais complexo. Além de superar desafios de governança, coordenação estratégica e de inteligência para inibir a prática de crimes, responsabilizando os atores envolvidos com os ilícitos, é vital priorizar o desenvolvimento e a inclusão socioeconômica da população da região, evitando a criminalização do “peixe-pequeno” e garantindo a manutenção da floresta de pé. Só assim conseguiremos arrancar esse mal pela raiz.

Riscos Externos

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O processo de globalização intensificou a integração e a interdependência entre as nações, aumentou a competição entre os atores econômicos e aumentou as incertezas e as instabilidades na sociedade global, surgiram novas oportunidades e desafios, exigindo novos comportamentos, inaugurando modelos de negócios, exigindo novas qualificações para o capital humano e aumentaram os riscos econômicos e produtivos.

A pandemia nos trouxe novos desafios e, ao mesmo tempo, abriu novas oportunidades, novas empresas surgiram, setores esquecidos ganharam relevância e a mão de obra precisou se reinventar e se tornar mais flexível, sob pena de serem alijados de um mercado altamente competitivo e centrados em novas tecnologias que, infelizmente, não dominamos, mas sabemos que é fundamental para sobrevivermos na nova sociedade global.

Neste momento, a sociedade mundial percebe conflitos militares, crises financeiras e instabilidades generalizadas, cujos impactos para a sociedade brasileira são imprecisos, mas sabemos que os desequilíbrios globais impactam sobre a economia nacional, principalmente num momento de incertezas, proximidade eleitoral, constrangimentos internos, desorganização econômica e produtiva, além de indicadores sociais sofríveis.

Um possível conflito militar pode gerar graves constrangimentos para a comunidade internacional, acirrando ressentimentos, gerando instabilidades nas cadeias produtivas, com impactos sobre custos e incrementos de preços fundamentais para a economia global, além de criar instabilidades financeiras, elevação das taxas de juros, aumento de preços internacionais e redução dos investimentos produtivos, com isso, o cenário de recuperação econômica tende a demorar, gerando graves desequilíbrios sociais.

Os movimentos econômicos, financeiros, militares e políticos internacionais, além da pandemia que ainda mostra forte resiliência, estão gerando grandes instabilidades para empresas, nações e trabalhadores. Para superarmos o ambiente adverso, percebemos a importância de construirmos consensos internos para atravessarmos as incertezas do cenário internacional, evitando conflitos desnecessários, criando falsos dilemas e mostrando os rumos que queremos trilhar para que o país alcance números mais consistentes de sucesso econômico, garantindo oportunidade para todos os cidadãos e aspirando a um espaço entre as grandes nações da comunidade internacional.

Os desequilíbrios produtivos globais levaram os preços das mercadorias as alturas, a escassez de chips retardou a recuperação das economias e os governos entraram em campo para auxiliar na oferta de chips, despejando trilhões de dólares para estimular os setores privados para aumentar a produção deste produto de grande relevância para a quarta revolução industrial. Neste momento, as nações desenvolvidas mostram suas forças, usam recursos públicos para superar esta dificuldade produtiva, estimulando a indústria de semicondutores, os chamados chips, deixando de lado os pudores da intervenção governamental em prol de políticas de planejamento estatal, auxiliando na redução dos riscos produtivos e garantindo o fornecimento de um produto central na economia da informação.

De outro lado, percebemos que o ambiente financeiro tende a passar por grandes incertezas com o incremento nos juros norte-americanos, com isso, os países dependentes destes ativos devem passar por momentos de instabilidades financeiras, com fortes impactos sobre todo o sistema econômico, com juros maiores para atrair ativos e fechar suas contas externas, garantindo uma estabilidade ilusória.

Os efeitos imediatos desta política é a contração dos investimentos produtivos, o aumento dos recursos canalizados para a especulação financeira, a redução nos níveis de emprego e a degradação social, mostrando claramente a dificuldade de construirmos um ambiente mais propício para a retomada do crescimento econômico, fundamental para superarmos o subdesenvolvimento que nos aflige.

Os desafios da sociedade brasileira contemporânea são enormes e exigem maturidade, planejamento e estratégias bem definidas, sem elas dificilmente conseguiremos sobreviver numa sociedade centrada nas instabilidades e nas incertezas generalizadas.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 23/02/2022.

Lawfare e a destruição da política, por Silvio Almeida.

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O sistema de justiça brasileiro é um parque de diversões para o uso do direito como arma de guerra

Sílvio Almeida, Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

Folha de São Paulo, 18/02/2022

Em meu último artigo para essa Folha, teci alguns breves comentários sobre o que considero contradições e fragilidades do pré-candidato Sergio Moro. Na esteira do que declarou esta semana o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes, não é compreensível que um homem que nitidamente nada sabe sobre o que o Brasil possa pleitear o posto de comando mais elevado do país.

Entretanto, no dia de hoje, mantendo as observações que fiz anteriormente, gostaria de fazer ao pré-candidato Moro algo que ele nem sempre observou em sua atuação como magistrado: justiça. No meu caso, “fazer justiça” é reconhecer que o candidato teve sim, um papel muitíssimo importante na política brasileira, mais precisamente, no processo de destruição da política institucional do país.

Foi Sergio Moro que, juntamente com os vingadores da Lava Jato, introduziu uma das grandes inovações tecnológicas da política do nosso tempo, o chamado Lawfare. Mas o que é lawfare?

Uma boa resposta pode ser encontrada no livro “Lawfare: uma introdução”, de autoria dos advogados e professores Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Zanin Matos e Rafael Valim. É importante ressaltar que Cristiano e Valeska atuaram na defesa jurídica do ex-presidente Lula, o que faz com que os aspectos teóricos revelados pelo livro sejam baseados em uma experiência direta com o fenômeno que descrevem.

No texto aprende-se que o termo lawfare é um neologismo que resulta da junção dos termos law (direito) e warfare (guerra ou estado de guerra). Isso indica que a palavra se refere à utilização do direito ou, melhor, das instituições e das técnicas jurídicas, como armas de guerra.

Como definem os autores lawfare é “o uso estratégico do direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo” (p. 26).

Destaco aqui o uso de “inimigo” e não “adversário” ou “oponente”. Inimigo porque o lawfare pressupõe um ambiente de guerra, em que o diálogo, a conciliação e a diplomacia são impossíveis. A oposição, portanto, não pode ser institucionalizada; há que ser extirpada, retirada completamente do jogo. O inimigo deve ser apresentado como uma ameaça vital contra a qual todos os meios podem ser empregados, sejam legais ou ilegais.

Como explicam os autores o lawfare é resultado de reflexões sobre diferentes estratégias e táticas possíveis em uma guerra. Do ponto de vista estratégico o lawfare requer a observação das dimensões da geografia (levar o conflito judicial para a jurisdição onde se tenha maior chance de vitória), do armamento (utilização e criação de normas que facilitem a perseguição do inimigo e o uso de medidas excepcionais contra ele) e da externalidade (o uso dos meios de comunicação para coletar, transportar ou deturpar informações produzidas fora do sistema processual).

Já dentre as inúmeras táticas de lawfare que se ligam às dimensões estratégicas, podemos destacar a violação de competência, a proposição de ações em diferentes localidades para confundir ou estressar o litigante, o uso abusivo de prisões preventivas, o vazamento seletivo de informações para contaminar o ambiente social, o excesso de acusações (e.g. o famoso “power point”) e a intimidação de críticos —especialmente jornalistas— por meio de ações judiciais.

Se a Sergio Moro e à força-tarefa da Lava Jato cabem o mérito de terem servido como suporte material para o fantasma do lawfare que encarnou no Brasil, é preciso considerar que a introdução dessa tecnologia de guerra só foi possível por que havia um ambiente propício.

Antes de colonizar as grandes estruturas econômicas e políticas nacionais, o uso do direito para extermínio e produção da exceção já estava disseminado no sistema de justiça brasileiro, como muito bem sabem os pobres e, especialmente, os negros e os indígenas.

A desigualdade social, o autoritarismo e o racismo que nos caracterizam historicamente foram centrais para que a prática do lawfare encontrasse tanta acolhida no Brasil.

Nos próximos anos o Brasil terá que repensar seu sistema a fim de impedir e responsabilizar os assediadores judiciais e aqueles que, diante da função que ocupam nas instituições jurídicas, participam ou são coniventes com a devastação do país. Lawfare não é apenas a destruição do direito. É a destruição da política.

Reformas na Espanha podem servir de inspiração para enfrentar desigualdades no Brasil, por Cida Bento

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País europeu adotou diversas medidas para mitigar desigualdades na última década

Cida Bento, Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

Folha de São Paulo, 17/02/2022

Neste início de 2022, ainda sob os pesados efeitos da pandemia, diversas instituições importantes vêm debatendo formas de enfrentar o agravamento das desigualdades no mundo do trabalho, que se expressa, dentre outros indicadores, nas taxas de desemprego ou subemprego e na ampliação da informalidade para segmentos sociais mais vulneráveis a violações de direitos, como a população feminina, jovem e negra do país.

Iniciativas pontuais mas crescentes de organizações públicas, privadas e da sociedade civil vêm acontecendo em programas de equidade e diversidade, que, no entanto, não dão conta de tamanho desafio.

De fato, como a economista e professora da Unicamp Marilane Teixeira e o pesquisador Rogério Barbosa, da USP, chamaram a atenção, já em 2020, os principais impactos da pandemia incidem sobre o trabalho de mulheres e negros.

Segundo eles, o impacto mais intenso ocorre para as mulheres por serem maioria no trabalho doméstico (o Brasil sofreu a maior perda de trabalhadores domésticos em nove anos) e por serem minoria em boa parte dos serviços essenciais. Não podemos esquecer que mulheres negras representam o maior contingente de trabalhadoras domésticas do país.

No caso da população negra, o impacto mais intenso se dá por ter maior participação na informalidade, que abriga as primeiras posições de trabalho a serem atingidas na crise. Em ambos os casos, aos efeitos da crise sanitária acrescentam-se os efeitos crônicos de uma situação histórica de discriminação no trabalho.

Nesse sentido, é alvissareiro o acordo tripartite celebrado no ano passado na Espanha entre governo, entidades sindicais e empresariais, pois a equidade para jovens e mulheres foi colocada no centro desse acordo, e a iniciativa pode servir de inspiração para o enfrentamento das desigualdades raciais e de gênero no Brasil.

Como sinaliza o sociólogo Clemente Ganz em artigo recentemente publicado no site Poder 360, a Espanha adotou nas últimas décadas diversas reformas trabalhistas que impactaram de forma dramática as desigualdades, atingindo mais duramente jovens e mulheres.

No caso brasileiro, acrescentaria que o diálogo deveria ser quadripartite para incluir os movimentos sociais que são força motriz fundamental no campo da luta pela equidade.

A pauta da concertação espanhola é extensa, tratando de trabalho remoto e teletrabalho, da igualdade salarial entre mulheres e homens, de medidas para assegurar os direitos trabalhistas no campo das plataformas digitais de aumento do salário mínimo e de políticas para a criação de emprego, entre outras tantas iniciativas fundamentais.

Clemente chama a nossa atenção para o quão relevante é essa concertação, pois focaliza um ambicioso projeto de desenvolvimento socioambiental, econômico, político e cultural que objetiva recuperar o significado do trabalho decente e a partilha de seus resultados pela sociedade. Revitaliza e confere sentido à democracia, já que o diálogo entre as diferentes partes envolvidas é a base para os compromissos que vão sendo assumidos.

Esses debates entre diferentes segmentos sociais são fundamentais para trazer uma outra maneira de negociar e estruturar as reformas necessárias e urgentes que a sociedade brasileira precisa realizar.

No reconhecimento da pluralidade de grupos que compõem a sociedade com suas necessidades, interesses e posicionamentos diversos é que se pode criar bases sólidas e seguras para que os acordos que precisamos realizar, em particular no mundo do trabalho, sejam marcados pela justiça e pela equidade.

E quem sabe em 2022 nós possamos avançar na construção de políticas públicas e privadas que incorporem as ações afirmativas com centralidade em todos os planos de trabalho, para acelerar a verdadeira democratização da sociedade brasileira, com vistas à universalização do direito ao trabalho digno, sem deixar mais de metade da população brasileira de fora de novos modelos de desenvolvimento.

Esta coluna foi escrita em coautoria com Flavio Carrança, jornalista da Cojira (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial)

Lenta recuperação

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A economia brasileira vem apresentando grandes dificuldades de estimular o crescimento econômico, os indicadores são sofríveis, os investimentos produtivos caem constantemente, os dados sobre desemprego ou subemprego são assustadores, a fome e a miséria crescem e as perspectivas econômicas são preocupantes.

A economia brasileira não cresce de forma consistente desde a estagnação de 2014, com degradação dos indicadores fiscais, aumento do desemprego, redução dos investimentos produtivos e a falta de consensos políticos internos, levando a economia a crescimentos pífios que aprofundam a degradação social e afugentam os investimentos produtivos, tanto interno quanto externamente. Numa sociedade marcada por instabilidades jurídicas e institucionais, conflitos entre os poderes constituídos, desconfiança e instabilidades crescentes, medos e riscos generalizados, quedas de renda são comuns, além da violência em ascensão e aumento assustador nos preços, deprimindo cada vez mais a renda dos setores mais fragilizados. Com isso, percebemos uma recuperação econômica cada vez mais distante, gerando mais instabilidades sociais, aumento da desesperança e piora das perspectivas econômicas

Vivemos num momento marcado por graves constrangimentos fiscais que exigem uma política mais efetiva, uma verdadeira reconfiguração das prioridades do Estado Nacional, reduzindo privilégios de alguns grupos, que se apropriam dos recursos públicos e aumentam seus lucros privados, contribuindo para a crescente desigualdade que caracteriza a sociedade brasileira, situação que, neste momento de pandemia, se mostra mais claras e evidentes.

Para estimular a discussão sobre as engrenagens que contribuem para a degradação da sociedade brasileira, o economista Fernando de Holanda Barbosa está publicando a obra “O Flagelo da Economia de Privilégios: Brasil, 1947-2020: Crescimento, Crise Fiscal e Estagnação”. Na obra, o autor reflete sobre as grandes dificuldades da economia brasileira e as fragilidades do crescimento econômico, salientando, que para sairmos da condição de baixo crescimento econômico, precisamos encarar os grandes privilégios existentes na sociedade. O autor destaca as renúncias fiscais e tributárias, trabalhadores registrados como pessoa jurídica para pagar menos Imposto de Renda, funcionários públicos com salários acima do setor privado e até anistiados com aposentadorias e pensões especiais.

Segundo o autor, as renúncias fiscais e tributárias exageradas e injustificáveis criam constrangimentos fiscais para os órgãos governamentais, obrigando-os a reduzirem os investimentos produtivos e impactando diretamente sobre os serviços públicos, degradando-os e gerando prejuízos para a comunidade, aumentando a desigualdade social, sucateando o sistema produtivo e aumentando a dependência tecnológica de outras nações.

O Estado Nacional (federal, estados e municípios) precisa rever suas políticas fiscais, reduzindo os privilégios, estimulando os investimentos produtivos estratégicos, alavancando gastos em infraestrutura, investindo em ciência, pesquisa e inovação, fortalecendo as agências de regulação, reduzindo a ingerência dos governos de plantão e reestruturando setores responsáveis pela compliance na gestão pública, além de aumentar a transparência, reduzir a burocracia e melhorar a qualificação do capital humano.

Neste momento, precisamos de um Estado planejador, reduzindo os privilégios, combatendo os desequilíbrios fiscais e financeiros, reduzindo os setores ineficientes, cobrando rentabilidade, estimulando setores estratégicos e direcionando as políticas públicas para a redução da pobreza e da indignidade, retirando recursos de setores mais aquinhoados que vivem de especulação financeira e que canalizam seus recursos para a financeirização da economia, contribuindo apenas para a melhora de seus indicadores econômicos e financeiros em detrimento da grande maioria da população.

Acreditar que o mercado será o agente do desenvolvimento econômico não encontra eco na literatura econômica, todas as nações que se desenvolveram contaram com a atuação do Estado, do Mercado e da sociedade civil, sem essa parceria não existe desenvolvimento econômico, e sem desenvolvimento não melhoramos as condições de vida da população.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 16/02/2022.

Compromisso com o atraso, por Marcos Lisboa

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Superar a nossa estagnação requer aceitar os fracassos

Marcos Lisboa, Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Folha de São Paulo, 13/02/2022

Nos últimos 30 anos, as pesquisas sobre os determinantes do crescimento econômico tiveram avanços importantes, beneficiadas pelo acesso a grandes bases de microdados. Esses resultados ajudam a entender algumas das razões da longa estagnação do Brasil.

Parte importante do aumento de produtividade nos países ricos decorre da concorrência entre empresas que resultam em inovações, empreendedores experimentando novos negócios e a falência de empresas ineficientes.

Nos Estados Unidos, que têm historicamente uma baixa taxa de desemprego em comparação com os demais países, há um fluxo relevante de destruição e criação de empresas e de empregos anualmente, com elevada mobilidade dos ativos produtivos, capital e trabalho, que são transferidos de firmas ineficientes para as suas concorrentes, mais produtivas.

Alguns estudos na década de 2000 identificaram que, em países ricos, entre 5% e 10% das empresas nasciam ou fechavam suas portas por ano, e esse processo contribuiu significativamente para o aumento da produtividade e da renda dos trabalhadores. O livro “Producer Dynamics”, organizado por Timothy Dunne, J. Bradford Jensen e Mark J. Roberts, sumariza esses, e muitos outros, resultados.

Essa agenda de pesquisa ganhou impulso com os trabalhos de Cheng-Tai Hseih e Peter Klenow. Eles observaram que havia bem mais desigualdade na produtividade das empresas nos países emergentes do que em países ricos. Políticas públicas que protegem firmas ineficientes parece ser parte do problema.

Hseih e Klenow estimaram que se capital e trabalho fluíssem de empresas ineficientes para as demais, como ocorre nos Estados Unidos, a produtividade da manufatura na China aumentaria entre 30% e 50%, e na Índia, entre 40% e 60%.
Diego Restuccia e Richard Rogerson sumarizaram os principais resultados, controvérsias e desafios dessa agenda de pesquisa no artigo “The Causes and Costs of Misallocation”, publicado no Journal of Economic Perspectives em 2017.
Crescimento econômico, aumentar a renda média de um país ao longo de muitos anos, requer ganhos de produtividade, conseguir produzir mais com os recursos disponíveis. Esse processo nada tem de trivial.

Ele requer melhoras contínuas no processo produtivo, nas técnicas de gestão ou na escolha das atividades a serem realizadas.

Karl Marx percebeu a relevância da concorrência em uma economia de mercado para esse processo. (Marx pode ter errado em muitos argumentos lógicos, mas era um notável observador da economia).

Empresas disputam mercados, e quem consegue produzir com melhor tecnologia, eficiência na gestão ou desenho de produtos tem vantagem sobre as demais. Avanço contínuo, seguidas inovações bem-sucedidas, é o nome do jogo, mas é um jogo tumultuado.

Empreendedores tentam construir soluções novas para fazer frente às firmas estabelecidas. A maioria fracassa. Empresas antigas tentam antecipar as novidades para não serem soterradas por elas. Nem sempre conseguem.

A IBM era um exemplo de modernidade nos anos 1970, mas tomou decisões que se revelaram equivocadas, como apostar nos grandes computadores e delegar a uma empresa novata a responsabilidade pelo sistema operacional dos seus microcomputadores. A novata tornou-se a Microsoft.

Josepeh Schumpeter, que havia lido Marx, cunhou o termo “destruição criativa” para esse processo descentralizado de busca por melhora contínua, que promete o lucro extraordinário em caso de sucesso, e a obsolescência em caso de fracasso.

Philippe Aghion e seus coautores sistematizam a evidência da pesquisa sobre esse tema em seu livro recente, “The Power of Creative Destruction”.

Nos EUA, a IBM encolheu frente à Microsoft. No Brasil, na mesma época, a lei de informática protegeu empresas que produziam computadores obsoletos.

O restante da economia foi condenado a utilizar tecnologias defasadas em razão de uma política pública que prometia o desenvolvimento. Ela, contudo, apenas preservou o atraso.

A agenda do nosso Legislativo revela o quanto ainda insistimos em conceder benefícios fiscais e proteger empresas pouco eficientes.

Um exemplo recente foi a prorrogação do Padis, com a lei 14.302 de 7/1/2022, que garante incentivos “à fabricação de componentes ou dispositivos eletrônicos semicondutores”, beneficiando uma quantidade impressionante de produtos, como cimento de resina; silicone, na forma elastômero —encapsulante; chapas, folhas, tiras, autoadesivas de plástico, mesmo em rolos, à base de polímeros; chapas e tiras de cobre de determinado tamanho; condutores elétricos para certa tensão; e muito, muito mais.

Líderes do Legislativo defenderam a medida em razão da “perda de competitividade” nos últimos anos das empresas que fabricam esses produtos, como sintetizado em nota do Senado Federal.

O Judiciário, na mesma toada, continua a postergar falências por meio de longos processos, usualmente beneficiando os acionistas de empresas encalacradas.

O nosso capitalismo de Estado defende subsídios para o investimento privado e a preservação do patrimônio de empresários que fracassaram. Isso ocorreu no governo autoritário do general Geisel, e na gestão Dilma que se dizia de esquerda. O oportunismo se ajusta à ideologia.

Associações empresariais, financiadas com recursos extraídos dos trabalhadores por meio de tributos, como o Sistema S, se insurgem contra as propostas de abertura ao comércio exterior em bens de capital ou de informática que são adotadas em muitos países desenvolvidos ou emergentes.

Optamos por coibir a chegada de novas tecnologias vindas do exterior enquanto continuamos a preservar o patrimonialismo que se remunera graças aos favores oficiais. O que teria sido do combate à pandemia se tivéssemos tentado desenvolver uma vacina inteiramente nacional?

Conspirando contra o futuro, por Oscar Vilhena Vieira.

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A desonestidade do Estado e de parte da sociedade brasileira com seus jovens é constrangedora

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Folha de São Paulo, 12/02/2022

A perversa e persistente estratégia de desenvolvimento nacional, fundada em altos níveis de concentração de renda, baixos padrões educacionais, desigualdade social, racismo estrutural e na violência e arbítrio como formas de ordenação social, nunca foram tão evidentes como no presente momento.

Dois relatórios publicados recentemente escancaram o quanto a sociedade brasileira, leia-se os adultos, temos descumprido nossas obrigações, plasmadas no artigo 227 da Constituição Federal, de assegurar às crianças e adolescentes “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação… à dignidade…, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

A desonestidade do Estado e de parte da sociedade brasileira com seus jovens é constrangedora, comprometendo não apenas o processo de desenvolvimento econômico e social do Brasil, mas, também, a própria aspiração de vivermos em paz, sob o estado democrático de direito.

O movimento Todos pela Educação, que vem mapeando o desempenho da educação brasileira nas últimas décadas, sinaliza em seu último relatório um preocupante crescimento de 66,3% no número de crianças, entre 6 e 7 anos, que não foram alfabetizadas.

Se é fato que uma parcela substantiva desse crescimento se deve à Covid-19 e ao fechamento das escolas públicas, onde estudam mais de 80% de nossos alunos, predominantemente pobres, o que mais preocupa, como argutamente aponta Claudia Costin, nesta Folha, é que esse crescimento se dá sobre um número já extremamente alto de crianças —cerca de 55%— que não se encontra alfabetizada no 3º. ano do ensino fundamental. Mantidos esses padrões educacionais, o Brasil jamais conseguirá ingressar numa economia cada vez mais pautada no conhecimento, ficando fadado à produção de commodities.

Nossas crianças não têm apenas uma educação deficiente, em face de políticas educacionais insuficientes. Como aponta o relatório “Tiro no Futuro”, recentemente publicado pelo Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania (CESeC), a violência, em grande medida decorrente de uma política equivocada de “guerra às drogas”, tem tido um forte impacto sobre a trajetória educacional, psíquica e social de jovens que vivem em comunidades, encontrando-se expostas ao tráfico, a operações policiais bélicas, tiroteios e balas perdidas.

Nada menos do que 1.115 escolas públicas ficaram expostas aos 4.346 episódios de trocas de tiros registrados na cidade do Rio de Janeiro, em 2019. Os alunos de 57% dessas escolas presenciaram dez tiroteios; de 11% das escolas, 30 tiroteios; já as crianças de 0,3% dessas escolas ficaram expostas a 95 casos de troca de tiros em um único ano.

Os pesquisadores apontaram as perdas educacionais coletadas junto à secretaria de educação e estimaram as perdas econômicas decorrentes da exposição à violência. Indicam, no entanto, que há inúmeras outras sequelas que acompanharão esses alunos ao longo de suas vidas.

Chamo a atenção, aqui, para a dificuldade que essas crianças, que não tiveram seus direitos mais básicos respeitados, terão em se conformar ao Estado de Direito. A insinceridade dos adultos e do Estado brasileiro no cumprimento de suas obrigações morais e legais em nada favorecerá a que esses jovens reconheçam os códigos de respeito recíproco indispensáveis numa sociedade democrática. Sem que sejamos capazes de reconfigurar nosso projeto de desenvolvimento, estaremos conspirando contra o futuro de nossos próprios filhos e netos.

No Ano do Tigre, a China pode se tornar um país de alta renda, por The Economist.

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A pergunta que especialistas se fazem agora é: será que o país realmente escapou da armadilha da renda média?

The Economist, O Estado de S. Paulo – 06/02/2022.

A China é assombrada pelo fantasma da “armadilha da renda média”, o conceito de que as economias emergentes crescem rapidamente para sair da pobreza, mas acabam presas em um nível anterior ao da riqueza. “Durante os próximos cinco anos, devemos ter um cuidado especial para evitar cair na armadilha da renda média”, disse Li Keqiang, o primeiro-ministro da China em 2016. Lou Jiwei, então ministro das Finanças do país, certa vez disse que as chances de a China ficar presa eram de 50%.

A armadilha foi identificada por Homi Kharas e Indermit Gill, dois economistas, em 2006, quando ambos trabalhavam no Banco Mundial. Ela leva a uma pergunta óbvia: o que conta como renda média e o que caracterizaria superá-la? Kharas e Gill adotaram as classificações de renda do banco onde trabalhavam, que foram determinadas em 1989, quando ele estabeleceu a separação entre os países de alta renda dos demais. A divisão tinha de acomodar todos os países que eram então considerados “economias industrializadas”.

Foi elaborada com uma renda nacional per capita de US$ 6 mil para os preços em vigor em 1987, baixos o suficiente para incluir a Irlanda e a Espanha. O valor atualmente é de US$ 12.695. Ele sobe em sintonia com uma média ponderada de preços e taxas de câmbio em cinco grandes economias: Estados Unidos, Reino Unido, China, zona do euro e Japão. Oitenta países atingiram esse patamar em 2020, três a menos do que no ano anterior. A pandemia rebaixou as Ilhas Maurício, o Panamá e a Romênia para o nível intermediário.

Apesar dos temores de seus líderes, ou talvez por causa deles, a China agora está prestes a se tornar um país de alta renda, segundo este conceito. Com base nas previsões mais recentes disponibilizadas pelo Goldman Sachs, calculamos que o país poderá mudar de classificação no próximo ano, ajudado em parte por sua forte moeda. (A transição não seria anunciada oficialmente até meados de 2024, quando o Banco Mundial atualiza suas classificações com base nos dados do ano anterior.)

Se estivermos certos, então 2022, o Ano do Tigre, poderia ser o último da China como um país de renda média. Depois disso, ela será mais poderosa e rica.

A fronteira é, sem dúvida, arbitrária. Vários países (entre eles Argentina, Rússia e até mesmo Venezuela) a ultrapassaram, mas tropeçaram e acabaram caindo nos anos seguintes. Escapar de forma duradoura da armadilha da renda média exige uma transição mais fundamental. Os países neste estágio intermediário de desenvolvimento podem esbarrar em um grande número de obstáculos. Eles talvez enfrentem diminuição de retornos para o capital, costumam sofrer com a escassez de trabalhadores para sair da agricultura. E devem investir de forma pesada na educação, além da educação básica necessária para os trabalhadores de fábrica lerem instruções. O teste mais verdadeiro de um país de alta renda é o quanto ele lida bem com tais ameaças ao seu crescimento. Como a China está se saindo com esses três pontos?

Investimentos
A China ainda está acumulando capital em um ritmo acelerado. O país investiu 43% de seu PIB nos cinco anos anteriores à pandemia. Os países de alta renda, em média, apenas metade dessa porcentagem. Mas a alta taxa de investimentos da China talvez não seja tão infrutífera como muitas vezes se supõe. Assim como seu investimento continua alto para os padrões dos países ricos, o mesmo acontece com a taxa de crescimento do PIB. De fato, a relação entre sua participação de investimentos na produção e sua taxa de crescimento (às vezes chamada de relação capital/produto incremental) ainda parece favorável em comparação com os países de alta renda.

E quanto às outras fontes de crescimento? Em sua revisão anual da economia chinesa, divulgada em 28 de janeiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) observou com preocupação que a “produtividade total dos fatores” de crescimento da China, que mede as mudanças na produção que não podem ser associadas a mais capital ou trabalho, caiu na última década, em comparação com a década anterior. O FMI atribuiu esse abrandamento a uma “paralisação” das reformas estruturais, sobretudo nas empresas estatais. “O dinamismo do mercado vem perdendo fôlego recentemente”, argumentou a instituição. Mas esse tipo de produtividade é conhecido por ser difícil de medir. E, de acordo com um indicador da Conference Board, uma associação empresarial, ela está crescendo perceptivelmente mais rápido na China que nos países de alta renda.

Os padrões de emprego da China ainda diferem de forma acentuada dos de países mais prósperos. Surpreendentemente, talvez, a parcela de seus trabalhadores no setor da construção é inferior à dos países de alta renda. A porcentagem nas fábricas é maior (19%, em comparação com uma média de 13%), e o número de trabalhadores na agricultura é muito maior – cerca de 25%, em comparação com uma média de 3% nos países de alta renda.

Sob uma perspectiva, essa força de trabalho rural residual é motivo de otimismo. Se a China pode alcançar níveis de renda elevados com um quarto de seus trabalhadores na agricultura, imagine o que o país fará quando eles migrarem para empregos mais produtivos? O receio, no entanto, é que esses trabalhadores não tenham deixado as fazendas porque não podem. Talvez eles não queiram perder seus direitos sobre as terras comunais. Ou talvez sejam muito velhos ou pouco escolarizados para aproveitar as melhores oportunidades nas cidades.

O nível de escolaridade dos trabalhadores da China é, de fato, um motivo de preocupação. De acordo com o último censo do país, sua população adulta tinha uma média de 9,9 anos de escolaridade em 2020. Isso o colocaria perto da lanterna da lista dos países de alta renda, que têm 11,5 anos em média, de acordo com Robert Barro, de Harvard, e Jong-Wha Lee, da Universidade da Coreia.

Alta renda
Esse problema só pode ser resolvido com um grupo por vez. Os cidadãos mais velhos da China cresceram em um país muito mais pobre e foram educados segundo esse contexto. Uma criança que ingressa atualmente no sistema escolar chinês pode esperar receber 13,1 anos de educação, de acordo com o Banco Mundial. A qualidade ainda não corresponde à quantidade: com base na pontuação das crianças em testes padronizados, 13 anos de escola na China equivalem a menos de dez anos em um país como Cingapura, calcula o banco. Contudo, as coisas têm melhorado.

A escolaridade de seu capital humano reflete o passado pobre da China, nesse caso, mas o “fluxo” de investimento em novo capital humano é mais condizente com um futuro de alta renda. O problema é que esse investimento de alto custo em dinheiro e tempo está desencorajando os casais a ter filhos, um impasse demográfico que é tristemente característico de muitas regiões ricas do mundo. A população da China cresceu apenas 0,03% no ano passado. A julgar pela experiência do Japão, uma população envelhecida e não renovada pode contribuir para pressão nos gastos, baixo crescimento e baixas taxas de juros. Os formuladores de políticas da China agora devem se preocupar com um tipo diferente de armadilha.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Movimentos estratégicos

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A construção de uma estratégia de desenvolvimento econômica e produtiva é fundamental para se posicionar na sociedade contemporânea, num mundo centrado na concorrência, na competição e na busca crescente por lucro e por ganhos monetários, sem construirmos uma estratégia, são grandes os riscos de um retrocesso social, político e econômico.

As nações desenvolvidas estão se movimentando rapidamente para se adaptar às grandes transformações econômicas, estimulando a participação de todos os setores produtivos, sociais e políticos para compreenderem as novas dinâmicas da sociedade contemporânea e como será o mundo na pós-pandemia, buscando fortalecer as estruturas produtivas, gerando milhões de empregos, estimulando investimentos produtivos, desestimulando investimentos especulativos de alto risco e criando instrumentos de sobrevivência para todos os setores da sociedade.

Neste momento de instabilidades internacionais e incertezas nacionais, precisamos construir uma união entre todos os setores da sociedade, criando instrumentos de participação setorial, estimulando investimentos maciços em educação, aumentando os recursos nas áreas da pesquisa científica e tecnológica, evitando a fuga de pesquisadores renomados e cientistas que poderiam impulsionar a ciência nacional, contribuindo para a construção da autonomia tecnológica, ativo fundamental na sociedade contemporânea.

Os investimentos da pesquisa científica devem ser feitos por todos os setores, não apenas pelas agências governamentais, devendo ser acompanhados pelas empresas, assumindo riscos, aguardando os tempos de maturação e contribuindo para que os frutos sejam compartilhados para toda a coletividade, melhorando os salários da sociedade, aumentando os recursos dos setores produtivos e dinamizando os setores mais fragilizados, erradicando a miséria e abrindo novas perspectivas para a sociedade.

O planejamento econômico deve vislumbrar os ganhos no longo prazo, criando os instrumentos de crescimento para todos os setores econômicos, melhorando as cadeias produtivas, estimulando compras governamentais, cobrando melhoras de produtividade, desenvolvendo soberania científicas e tecnológicas, além de reduzir a dependência de outras nações. O mercado pós-pandemia exige planejamento e novas estratégias, países dependentes de importação de produtos agrícolas buscam novas alternativas, estimulando novos mercados produtivos e angariando investimentos em outras nações para, no médio e no logo prazo, reduzir a dependência de outras nações. O mundo pós-pandemia exige profissionalismo e novos arranjos produtivos, depender de outras nações pode ser algo preocupante e pode gerar constrangimentos, custos financeiros elevados e perdas de seres humanos impossíveis de mensurar.

A economia está passando por grandes transformações na contemporaneidade, novos conceitos estão surgindo, novos desafios e oportunidades, mas não podemos esquecer conceitos antigos e comprovados cientificamente, dentre eles, de que o produto interno bruto tem o lado da produção (oferta) e o lado do consumo (demanda), mas infelizmente estamos estimulando apenas a produção e contraindo o consumo.

Como os dois precisam ser iguais, a oferta se contrai por falta de demanda, ou seja, sem investimentos produtivos não teremos emprego, sem estes não teremos renda, sem renda não teremos consumo. Sem consumo os setores produtivos não geram investimentos e, em contrapartida, o desemprego cresce, a informalidade aumenta e o desalento acelera, gerando graves constrangimentos para a sociedade, levando muitos indivíduos ao desespero, aos distúrbios emocionais, à depressão e ao suicídio, males do mundo contemporâneo.

A “ciência” econômica contemporânea se transformou num grande instrumento de crenças e de valores centrados no dinheiro, no imediatismo e nos interesses do capital financeiro nacional e internacional, perdemos a credibilidade e estamos nos entregando aos prazeres do enriquecimento fácil, defendendo ideias ultrapassadas e ainda acreditamos nos valores da meritocracia e do empreendedorismo, diante disso, percebemos que estamos, cada vez mais distante daquilo que podemos definir como uma sociedade civilizada.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 09/02/2022.