Seria importante ter BNDES mais atuante, diz economista-chefe da Fiesp

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Para Igor Rocha, banco é positivo em projetos de infraestrutura, mas deixa de atuar em crédito a pequenas e médias

FOLHA DE SÃO PAULO, 14/05/2022 – JOANA CUNHA

SÃO PAULO

O economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha, avalia que é hora de o BNDES crescer no crédito a pequenas e médias empresas.

“No momento que tem uma taxa de juros chegando aí para 13%, e uma demanda extremamente deprimida, as condições de crédito estão muito delicadas. Seria, sim, importante ter um BNDES mais atuante”, diz.

Segundo o economista, que assumiu o posto na entidade neste ano, a Fiesp já se posicionou sobre juros e não vai ficar comentando ata de Copom.

O sr., que chegou na Fiesp há alguns meses, como pensa o caminho para a indústria resgatar protagonismo? Cheguei há três meses. De fato, a questão industrial está com o ambiente muito mais favorável para o debate.

Internacionalmente, a pauta da indústria está colocada como central para a retomada das economias, sobretudo, conectada à sustentabilidade. E o Brasil não pode ficar fora dessa agenda. A indústria tem sofrido, há décadas, com o processo de desindustrialização.

Tem que retomar a discussão sobre novas bases, modernas, conectando com a questão da sustentabilidade para a transição dos setores de média e alta tecnologia, tanto do ponto de vista da produção quanto comércio exterior. E tem questões chave, como infraestrutura, educação, aumento da produtividade, descarbonização.

Considerando os impactos de pandemia e guerra, tem algo que o governo poderia fazer, oferecer mais benefícios para impulsionar crescimento? Acaba sendo muito complicado pensar dessa forma. Qualquer coisa que a gente fizer neste momento, calcado no que pode ser feito agora, são medidas paliativas, de curto prazo. Eu acho que o fundamental, se pensarmos em recuperar o setor industrial, é refletir sobre questões estruturais, que precisam estar calcadas, e aí é o grande destaque, no planejamento, na recuperação do planejamento da economia brasileira. O Brasil deixou de planejar.

O planejamento foi muito demonizado por equívocos de interpretação. Famílias planejam, empresas planejam. Estado brasileiro também precisa planejar. E neste planejamento, o desenvolvimento do setor industrial é central, conectado, obviamente, à questão da infraestrutura, que é condição fundamental, embora não suficiente, para o crescimento. Mas sem dúvida, é fundamental aos setores produtivos e ao agronegócio também.

E o crédito? O BNDES tem sido eficiente para liberar financiamento? O BNDES tem um corpo técnico fantástico historicamente, tanto que tem atuado de forma muito positiva na elaboração de projetos de infraestrutura, que tem sido importante para o país. Mas tem, por outro lado, deixado muito de atuar no crédito para as empresas, sobretudo pequenas e médias. Embora caiba destacar, Pronampe e todo o arcabouço que o governo fez durante a crise com os
fundos garantidores. Foi muito importante para dar o amparo a essas empresas.

Mas no momento que tem uma taxa de juros chegando aí, vamos arredondar, para 13%, e uma demanda extremamente deprimida, as condições de crédito estão muito delicadas. Seria, sim, importante ter um BNDES mais atuante, não só do ponto de vista da disponibilização de crédito ou de funding. Mas sim de esse crédito chegar efetivamente na ponta para essas empresas que precisam, porque a gente tem essa dificuldade de o crédito chegar para a pequena e para a média.

E como vai a agenda de divulgação de indicadores da Fiesp e os posicionamentos? Logo depois que a nova gestão, de Josué Gomes da Silva, assumiu a Fiesp neste ano, vocês publicaram um comunicado duro sobre alta dos juros, em fevereiro, mas depois parou. Qual é a orientação? Foi uma intenção de mostrar: o posicionamento da Fiesp é este. A Fiesp não vai ficar comentando ata de Copom, no sentido de que a Fiesp vai se preocupar com questões estruturais e não conjunturais.

Hoje, a gente precisa discutir no Brasil é como recuperar investimento. O que a gente viu nos últimos anos acontecendo no Brasil, e aí eu não estou falando de instituição A, B ou C, mas no Brasil, eram analistas econômicos fazendo comentários do tipo: “olha, a dívida pública piorou, olha, melhorou, o juro subiu tanto, caiu tanto”. E aí?

O que isso, de fato, implica do ponto de vista de crescimento? A Fiesp está muito voltada agora para essa reflexão estrutural.

Por isso estamos nesse debate muito proveitoso com a Febraban [Federação Brasileira de Bancos, que abriu um grupo de trabalho com a Fiesp sobre os juros] para ver medidas que podem ser tomadas, ações, para que tenhamos, estruturalmente, um juro mais baixo na economia brasileira. E que beneficie o acesso das empresas ao crédito e, consequentemente, tenha um resultado positivo para o crescimento da economia.

As propostas da Fiesp para os candidatos da eleição deste ano estão prontas? Está em fase de elaboração. Estamos discutindo. Vai ter o processo institucional que acontece em todas as eleições. A Fiesp é um ator relevante no diálogo. Esse documento de propostas será elaborado via nossos conselhos superiores.

E quais serão os pontos de destaque? Tem a reforma tributária, com certeza, que deve figurar como central. Uma reforma ampla e isonômica. Não se trata de nenhuma benesse, mas de ser igual para todos os setores da economia.

Também deverá estar no documento a importância do investimento público, que, de fato, chegou a níveis complicados nos últimos anos.

Raio-x
Doutor pela University of Cambridge e membro do Sidney Sussex College e da Cambridge Society for Social and Economic Development, no Reino Unido. Tem mestrado em economia pela Unicamp, e graduação em ciências econômicas pela PUC-SP. Foi diretor de economia da Abdib e hoje é o economista-chefe da Fiesp

Medo que nos leva a tentar evitar golpe é parte do golpe de Bolsonaro, por Wilson Gomes

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Motim antidemocrático se garante nos porões, usando o jornalismo como pombo-correio

Wilson Gomes, Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de -Crônica de uma Tragédia Anunciada?

Folha de São Paulo, 15/05/2022

Golpe entrou no grupo, como diz o meme. Na verdade, é um frequentador intermitente de nossas conversas e pesadelos. Muitos analistas políticos, contudo, juram que desta vez a coisa é para valer, que os maus sentimentos são compartilhados por quem comanda tropas e fala em nome delas.

O fato é que enquanto dois generais bolsonaristas –mais bolsonaristas que generais–, Heleno e Ramos, oferecem uma cara pública para mais uma rodada de ameaças e intimidações a quem se atrever a contrariar o presidente, a sedição antidemocrática se garante nos porões, usando o jornalismo como pombo-correio para entregar ameaças, emitidas no conforto do off, sem que passem pelos filtros da apuração dos fatos. Sai o jornalismo de investigar fatos, entra o jornalismo de repercutir e coletar declarações.

Mesmo antes que este governo existisse, fumos golpistas exalavam das instituições militares, como no famigerado tuíte do general Villas Bôas, de abril de 2018, usando o nome do Exército brasileiro em evidente campanha para retirar o principal adversário no caminho de Bolsonaro. O jornalismo que o repercutiu e o STF como destinatário entenderam o rugido, a fera parecia estar nos portões.

Desde então, houve tantas promessas de que o golpe está vindo e já tem data e condições estipuladas (voto impresso e auditável”), seguidas de reiteradas negações de intenções golpistas, que ninguém mais tem certeza se o país ainda tem o direito de demitir o presidente nas eleições de outubro, conforme o combinado.

Mas, há golpe e golpe. O governo Bolsonaro e os generais seus acólitos jogam com os dois sentidos do termo. Ameaçam um golpe em um sentido, a tomada arbitrária do poder contra as regras do jogo democrático, enquanto aplicam um golpe em outro sentido, como tramoia, farsa, embuste, logro, fraude.

O golpe como engodo é uma obra-mestra de simulação e dissimulação. É preciso simular ser muito maior e mais ameaçador do que se é; a armação consiste em vender a possibilidade de golpe como um desejo da imensidão armada dos quartéis e não um truque de alguns militares de alta patente, que encontraram na simbiose com Bolsonaro uma maneira de enriquecer na velhice.

E, se você tem vivido dias de angústia com relação ao futuro da democracia, o golpe como fraude está funcionando. O medo que nos leva a esperar, temer ou tomar providências para evitar o golpe é parte do golpe.

Espera-se que o TSE ceda, novamente, ao temor de um golpe e coloque mais cavalos de Troia, com generais na barriga, para dentro do processo eleitoral. Pretende-se que o STF recue e pare de “esticar a corda”, quer dizer, abstenha-se de impor freios constitucionais aos apetites absolutistas do bolsonarismo.

Deseja-se que os jornalistas continuem caindo na cilada de todo dia telefonar para as suas fontes armadas para repercutir declarações provenientes do Poder Judiciário ou do Legislativo, contribuindo para a representação fraudulenta de que os militares são um dos Poderes da República. Não o são.
Por fim, espera-se que ninguém se atreva a apurar se quem ruge, afinal, é rato ou leão.

O bolsonarismo é golpista desde a sua origem, e as eleições de 2018 foram o maior 171 da nossa curta e confusa história republicana. Pois não é que conseguiram arrancar um cheque em branco da maior parte dos eleitores válidos para dá-lo a um sujeito desprovido de qualquer qualidade republicana, a um velho político medíocre e patrimonialista do baixo clero nacional?

Pois não é que o elemento logrou convencer mais de 50 milhões de adultos de que, apesar desse currículo, não só seria capaz de conduzir o Brasil para fora das crises política e econômica que destruíam o país, como, ao mesmo tempo, iria acabar com a corrupção, com a violência urbana e com a política tradicional?

Tudo isso â base de falsificação de informações absurdas em escala industrial sobre os adversários e por meio do tráfico de histórias de complôs e conspirações que assombraram os incautos e disseminaram o pânico moral.

Mas, afinal, o golpe virá, ou é só mais uma das enganações de um movimento político que não existe sem fraude ou engodo? Os Bolsonaros estão apavorados ante a possibilidade de, uma vez fora do regime de privilégios que a Presidência da República dá ao chefe do clã, terem que encarar as consequências legais dos seus atos.

Consequentemente, farão de tudo para que nem sequer as eleições tenham o poder de tirá-los de lá.

Só não haverá um golpe, como tomada violenta do poder, se não tiverem meios para tanto. Parte desses meios, contudo, é derivada das armações e truques de cena que enganam a vista e fazem com que os golpistas, nos dois sentidos, pareçam maiores do que são.

Elon Musk entrou em uma fria, por Ronaldo Lemos.

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Novela revela limites e consequências das traquinagens de um bilionário-moleque

Ronaldo Lemos, Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Folha de São Paulo, 14/05/2022

Quando o bilionário dono da Tesla anunciou que iria comprar o Twitter, muitos analistas no Brasil ficaram preocupados. Eu não. Cheguei até a dizer ao podcast Café da Manhã, da Folha, que estava moderadamente otimista.
Afinal, o Twitter é uma rede infestada por robôs, contas falsas e sockpuppets [perfis criados com identidade falsa.

Musk disse com todas as letras que iria acabar com os robôs maliciosos, bem como autenticar a identidade de cada um dos usuários da rede. Se fizesse isso, seria um experimento louvável de diminuir disparidades e reduzir enganações no campo da liberdade de expressão. Uma ideia simples e poderosa: uma pessoa, uma voz. Algo que seria interessante de acompanhar.

Corte para o dia 13 de maio de 2022. Musk anuncia que a compra do Twitter está “suspensa”. A desculpa utilizada por ele é que o Twitter não teria conseguido provar que as contas falsas seriam “menos de 5% da plataforma”, aparentemente uma condição para o negócio seguir em frente.

Para além da desculpa, a realidade é bem diferente. O fato é que o mundo mudou totalmente desde que Musk anunciou sua proposta, revelando um erro de análise brutal. Desde o início de abril, o Federal Reserve (análogo dos EUA ao Banco Central) subiu a taxa de juros naquele país. Na sequência, o mercado de ações —e, sobretudo, as empresas de tecnologia— desabou. A própria Tesla, que no início de abril tinha o valor das suas ações na casa dos US$ 1.000, estava sendo negociada perto dos US$ 700 no fim da semana passada.

A Tesla também havia comprado US$ 1,5 bilhão em bitcoins em 2021 e ainda carrega a criptomoeda em tesouraria. O bitcoin é outra vítima de depreciação, tendo recuado até 25% de valor em poucos dias.

Em outras palavras, Musk, neste momento, não deve estar dormindo bem. Prometeu comprar o Twitter por US$ 52,40 por ação (totalizando US$ 44 bilhões). Preço hoje considerado absurdo, já que nesta sexta (13) o valor da ação estava em cerca de US$ 40. Em outras palavras, a oferta de Musk é US$ 11 bilhões acima do valor de mercado da empresa.

Não por acaso, seus companheiros de negócio estão pulando fora ou relutando em seguir em frente. Se Musk recuar, é possível que haja um dilúvio de ações judiciais contra ele, inclusive por manipulação do mercado acionário. O bilionário também já havia falhado em cumprir a lei quando deixou de anunciar no tempo certo que estava interessado em adquirir a empresa.

Nesse contexto, o Twitter, como empresa, está progressivamente mergulhando em caos. Vários dos executivos que o conduzem foram demitidos ou se demitiram. O próprio Musk tem dado declarações erráticas sobre o que quer fazer com a empresa. Nas entrelinhas, já deu para perceber que ele acreditava que a gestão seria muito mais fácil do que é na realidade.

Neste momento, tudo indica que o bilionário entrou em uma fria. Pode ser que o negócio siga em frente, mesmo sendo um desastre econômico para Musk. Em todo caso, essa novela revela aos poucos os limites e as consequências que traquinagens de um bilionário-moleque podem provocar.

A paquistanização do Brasil, por Helder Ferreira do Vale.

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Interferência militar na política produziu governos autocráticos no país asiático

Helder Ferreira do Vale, Professor do Departamento de Estudos Internacionais da Xi’an Jiaotong-Liverpool University (China)

Folha de São Paulo – 11/05/2022

Os contínuos embates entre Poderes já são um padrão do governo Jair Bolsonaro (PL). No último conflito, em que o ministro Luís Roberto Barroso, do Suprema Tribunal Federal, afirmou que as Forças Armadas estão sendo orientadas a “atacar o processo eleitoral”, ficou patente a deturpada percepção da elite militar no Brasil: a de que as eleições são um tema de segurança nacional e, portanto, a democracia deve ser tutelada pelos militares.

A intromissão dos militares na política é corriqueira no Brasil. Muitos de nós já não nos chocamos quando o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, classificou a declaração de Barroso como “ofensa grave”. Ou quando o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) afirmou que “Forças Armadas não são crianças para serem orientadas”. Tais manifestações seriam inaceitáveis em qualquer democracia consolidada.

O custo da tutela militar à democracia brasileira é alto. Duas consequências são inevitáveis: Forças Armadas movidas por ideologia política e uma dinâmica política condicionada pelo uso da força militar.

Em apenas dois anos de governo, Bolsonaro dobrou o número de militares da ativa e da reserva cedidos ao governo federal, passando de 2.765 a 6.157. Em relação aos altos cargos no governo, entre 2018 e 2020, houve um salto de 2,4% a 6,5% de militares ocupando esses postos. Quanto ao número de militares no primeiro escalão da gestão, eles ultrapassam a quantidade de oficiais indicados por qualquer outro governo do regime militar (1964-1985).
México e Venezuela são exemplos notórios dos inúmeros problemas provocados pela interferência militar na política.

No México, entre 1929 e 2000, o Partido Revolucionário Institucional utilizou os militares para legitimar as fraudes nas eleições no país, o que rendeu ao México o título de “ditadura perfeita”. Na Venezuela, a erosão das instituições públicas iniciada pelo governo do presidente Hugo Chávez (1999-2013), como consequência da Revolução Bolivariana, ideologizou as Forças Armadas e minou a pluralidade política no pais.

Para além da América Latina, o país que realmente serve como mau modelo a ser seguido é o Paquistão, onde os militares sempre foram os protagonistas da política nacional. O Paquistão e a Índia se emanciparam da Grã-Bretanha em 1947 em condições similares, nas quais um partido dominante em cada país adotou o parlamentarismo e o federalismo. Mesmo com as semelhanças históricas, cada nação seguiu um caminho distinto quanto ao desenvolvimento democrático.

Na Índia, desde sua independência, todos os chefes de Estado e de governo foram civis e nunca deixaram seus cargos por algum golpe de Estado. Já no Paquistão, durante a sua história, houve quatro chefes de Estado que eram chefes do Estado-Maior do Exército, e três primeiros-ministros civis sofreram golpes.

Com a ativa participação dos militares na política, o Paquistão viveu sob governos autocráticos a maior parte da sua história. Como consequência, a política paquistanesa vem sendo marcada por assassinatos políticos, interrupções dos mandatos de chefes de governo, escândalos de grandes proporções e incapacidade institucional para legitimar o poder do Estado. Diferentemente, a Índia manteve os militares à margem da política e logrou consolidar a maior democracia do planeta em número de votantes.

No Brasil, a maior parte da população desaprova a militarização da política. Em pesquisa realizada pelo Datafolha em maio de 2021, 54% dos entrevistados eram contra a indicação de militares em cargos governamentais, e 41% a favor.

Mesmo com a desaprovação popular, as instituições públicas brasileiras seguirão influenciadas por militares, que em princípio deveriam ter como principal função garantir a nossa segurança contra ameaças externas, não participar da vida política nacional.

Reverter a paquistanização do Brasil será um trabalho árduo.

Degradação crescente

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Vivemos uma verdadeira tempestade perfeita, um momento de grandes incertezas e instabilidades econômicas, sociais e políticas. A desestruturação do tecido social é visível e seus impactos estão sendo sentidos por todos os grupos da comunidade, neste ambiente acumulamos pandemia, inflação, guerra, lockdown na China, fome, inseguranças e eleições, neste ambiente percebemos a ausência de lideranças, sem projetos nacionais e discussões desnecessárias, neste cenário estamos flertando com o caos e a desesperança.

Neste ambiente de incertezas, percebemos que somos bombardeados por notícias de fechamento de grandes empresas, demitindo milhares de funcionários, reduzindo a capacidade industrial, diminuindo a arrecadação e criando novos bolsões de miséria e de destruição, que exigem dos governos atuações imediatas e planejadas, capacitando os trabalhadores e criando as infraestruturas necessárias para estimular investimentos produtivos. Ao postergarmos as reações governamentais denota a incapacidade de pensarmos a complexidade das estruturas produtivas e de nos anteciparmos aos desafios que estão se arvorando na sociedade contemporânea.

Nos últimos anos percebemos o crescimento da degradação social, a pobreza cresce de forma acelerada, a insegurança alimentar aumenta, a violência apresenta grande incremento, os discursos de ódio crescem, as redes sociais se transformaram em um verdadeiro faroeste de linchamentos morais, de xingamentos crescentes e destruição de reputações e estimulando as incertezas e desesperanças, diante disso, as perspectivas econômicas, políticas e sociais são preocupantes, exigindo uma atuação mais imediata dos governos, com planejamento, novas estratégias e políticas públicas efetivas para reverter a situação. Neste quadro de incertezas e instabilidades, caminhamos a passos largos para conflitos generalizados, violências crescentes e desajustes institucionais, com impactos preocupantes.

O descontrole dos preços impacta sobre a comunidade, o aumento dos preços desmotiva setores inteiros, impondo a motoristas de aplicativos a repensarem suas estratégias, além de levar muitos caminhoneiros a abandonarem a boleia de seus caminhões, engrossando as fileiras de desempregados, desalentados e trabalhadores na informalidade, sem proteção social, sem aposentadorias decente e sem esperanças. Além disso e, principalmente, a inflação degrada a renda da população, corrói os salários, desestrutura os orçamentos, aumenta o endividamento e castiga os trabalhadores e os levam a condições indignas de sobrevivência, levando as famílias a degradação, aumentando as incertezas e as ansiedades que, em muitos casos culminam em depressão, suicídios e patologias sociais atreladas a uma sociedade patologicamente doente que cultiva a beleza externa e esconde a degradação mais íntima.

As guerras que crescem na sociedade nos mostram a indignidade moral cultivada pela comunidade internacional, neste momento percebemos a hipocrisia que crassa o mundo contemporâneo, nos revoltamos com as degradações criadas pelos conflitos bélicos, os bombardeios e as destruições que nos é mostrada todos os dias pelos meios de comunicação e nos esquecemos de nossas guerras íntimas, as violências mais imediatas que perpassam o cotidiano de toda a coletividade, as violências que cultivamos na exploração da mão de obra, da marginalidade que alimentamos e que degrada a remuneração dos trabalhadores e impedem a capacidade de sonhar e imaginar uma sociedade mais digna e decente para todos os nossos concidadãos.

A indignação cresce na sociedade brasileira, a degradação social aumenta e a política se transformou num espaço de acumulação e status social, indivíduos despreparados se aventuram na busca de holofotes e ganhos monetários. A indústria que já chegou a quase 30% do produto interno bruto, agora amarga apenas 10%, vivendo de migalhas das grandes economias mundiais. A nação que sempre foi vista como o país do futuro, como disse Stefan Zweig, caminha para a degradação econômica, social, política e ambiental.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Comportamental (Unyleya), Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 11/05/2022.

‘TikTok não é um Cavalo de Troia chinês’, afirma autor de ‘biografia’ da rede social.

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Renan Setti – O Globo – 09/05/2022.

Autor do recém-lançado “TikTok Boom” (Intrínseca), espécie de “biografia” do app de vídeos chinês, o jornalista britânico Chris Stokel-Walker falou com a coluna sobre o que faz dele um fenômeno e o que sua ascensão representa para a geopolítica da tecnologia.

O livro joga luz sobre uma trajetória ainda obscura para leitores ocidentais — mesmo aqueles que não conseguem parar de reproduzir as dancinhas popularizadas pelo TikTok… A obra conta como o app foi sendo construído pela gigante ByteDance a partir de diversas aquisições e se impôs por meio de algoritmos substancialmente diferentes daqueles usados por YouTube, Instagram e Facebook.

— É a primeira vez que os americanos estão sendo “obrigados” a usar uma tecnologia que não foi desenvolvida dentro de suas fronteiras. É isso que gera tanta desconfiança por lá. Mas não é assim que o resto do mundo viveu nas últimas décadas? — questiona, em conversa por Zoom de Newcastle upon Tyne (Reino Unido), onde vive.

Após mais de dez anos cobrindo esse ecossistema e de 120 entrevistas feitas especialmente para o livro, ele refuta alertas de autoridades ocidentais:

— Não encontrei provas de que o TikTok seja um Cavalo de Troia chinês. O problema é a forma como usamos redes sociais, não o TikTok em si.

Segundo Stokel-Walker, a despeito de problemas relacionados ao “vício” tecnológico, o TikTok já está mudando a forma como a gente se comunica e está moldando a chamada “economia do criador”. Mas ele acrescenta que as ambições do seu fundador — o enigmático bilionário Yiming Zhang — vão muito além: transformar a ByteDance no sucessor da Google.

Veja abaixo alguns trechos da entrevista.

O que levou ao crescimento meteórico do TikTok nos últimos três, quatro anos?
Primeiro, houve um salto de qualidade e disseminação das câmeras, dos smartphones e da conectividade. Ao mesmo tempo, nos tornamos viciados em vídeo, com a ascensão no YouTube, e isso se acelerou na pandemia. Depois de assistir tanta TV, Netflix e YouTube, as pessoas em quarentena foram atrás do TikTok, com vídeos mais curtos tomando a dianteira. Só em março de 2020, o somatório de tempo gasto pelos usuários no TikTok foi equivalente ao período entre hoje e a Idade da Pedra! E, claro, seu algoritmo conhece as pessoas melhor que elas próprias.

Mas qual a diferença entre o algoritmo do YouTube e o do TikTok?
O YouTube, assim como Instagram e Facebook, depende do chamado “gráfico social”. Ele sugere conteúdo com base no que pessoas parecidas com a gente, nossos amigos e familiares estão vendo. Já o TikTok é baseado no chamado “gráfico de conteúdo”, analisando os vídeos que nós gostamos e entendendo o que nos agrada. Em seguida, ele tenta expandir os temas gradativamente, apresentando conteúdos levemente diferentes. E seu algoritmo é mais treinado: em uma hora, você assiste alguns vídeos no YouTube; no TikTok, você vê dezenas.

Você conclui no livro que não é preciso temer o TikTok, pelo menos não da maneira como sugerem alguns líderes ocidentais. Por que?
Sempre posso estar errado e não sou o melhor jornalista do mundo. Mas também não sou o pior, cubro o assunto há dez anos e tenho boas fontes dentro e fora do TikTok. Se houvesse uma espécie de BatFone entre Xi Jinping e executivos da ByteDance, eu teria ouvido algo a respeito. Adoraria ter descoberto e publicado esse furo (risos)! Mas isso não quer dizer que não haja problemas. Eu mostro como ele enviou dados de candidatos a emprego para a China sem autorização, como tentaram minimizar a transmissão de outros dados de usuários para o país etc. Mas não encontrei provas de que o TikTok seja um Cavalo de Tróia chinês. O problema é a forma como usamos redes sociais, não o TikTok em si.

Mas o TikTok virou uma peça importante do “soft power” chinês?
Sim, ele é útil para a projeção da imagem de um país que está construindo a chamada Nova Rota da Seda, embora não seja algo tão significativo quanto a chegada do McDonald’s à Praça Vermelha, na década de 1990. Mas é a primeira vez que os americanos estão sendo “obrigados” a usar uma tecnologia que não foi desenvolvida dentro de suas fronteiras. É isso que gera tanta desconfiança por lá. Mas não é assim que o resto do mundo viveu nas últimas décadas? É interessante observar como o poder está deixando de ser concentrado no Vale do Silício e assumindo uma perspectiva mais global.

É um novo “momento Sputnik”?
Não acho que seja, mas indica que a norma que fomos forçados a aceitar, de que toda tecnologia precisa ser desenvolvida nos EUA, simplesmente é falsa. O TikTok prova que você pode ser uma empresa global de tecnologia sem estar no Vale do Silício. Isso me anima porque a tecnologia passou a refletir melhor o mundo em que vivemos. Não vivemos em um mundo que parece o Vale do Silício, branco e ocidental.

Como o TikTok está moldando o mundo?
Ele mudou a forma como nos comunicamos. O vídeo está se tornando o formato como as pessoas pensam. Ele mudou a forma como os criadores são pagos, com um fundo próprio para remunerá-los, não necessariamente publicidade. Está mudando a atitude. No YouTube ou no Twitch, os principais criadores investem em equipamentos caros. No TikTok, basta um celular. Os intermediários da cultura estão desaparecendo. E o app está mudando a própria cultura. Veja quantos músicos foram lançados através do TikTok ou mesmo quantos livros foram vendidos por causa dele…

Futuro da China depende de como Ocidente vai reagir a seu próximo capítulo, por Ian Bremmer.

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Desenvolvimento tecnológico do país asiático limitará danos causados por vulnerabilidades econômicas

Ian Bremmer, Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

Folha de São Paulo, 09/05/2022

Na próxima década, a China vai se fortalecer ou se enfraquecer? Seu peso econômico, sua influência política global e seu crescente poderio militar tornam essa pergunta crucial em todas as regiões do mundo. A resposta dependerá de se força econômica bruta ou desenvolvimento tecnológico se mostrarão mais importantes para um futuro próspero e seguro.

As perspectivas econômicas da China estão ficando mais nebulosas, mas é possível que seu status de superpotência tecnológica emergente fale mais alto. A ascensão da pobreza para potência cada vez maior criou mais oportunidades para mais pessoas —na própria China e pelo mundo afora— que qualquer outra tendência econômica na história. Criou uma classe média chinesa e uma classe média global.

Duas vantagens estiveram na base dessa conquista. Primeiro, décadas atrás, a China se beneficiou da maior reserva de mão de obra barata na história humana. Segundo, seus salários baixos persuadiram empresas manufatureiras em países ricos a transferirem suas operações para o país, para reduzir seus custos de produção e aumentar seus lucros. Essas duas vantagens já desapareceram.

Os salários chineses subiram fortemente à medida que os trabalhadores ampliaram suas qualificações, e hoje países mais pobres conseguem oferecer os salários mais baixos que deixaram de existir na China.

Além disso, a política chinesa do filho único limitou o crescimento populacional de longo prazo, reduzindo a oferta relativa de mão de obra e intensificando a pressão ascendente sobre os salários. Hoje, a economia global depende mais do comércio de serviços do que era o caso uma geração atrás, reduzindo a demanda por mão de obra fabril, e governos e empresas privadas, especialmente nos EUA, vêm sofrendo pressão política para trazer de volta os empregos manufatureiros que foram transferidos para a China.

Por todos esses motivos, é possível que a ascensão da China tenha finalmente chegado a um beco sem saída.

Economistas avisam que muitos países emergentes caem numa “armadilha da renda média” quando perdem as vantagens que os ajudaram a escapar da pobreza, sem entretanto dotar-se das ferramentas necessárias para competir com países mais ricos cujas economias são baseadas no conhecimento e operadas por forças de trabalho altamente qualificadas.

É uma posição perigosa, especialmente para um partido governista que exige reconhecimento por conquistas que criaram expectativas públicas em ascensão constante, ao mesmo tempo em que se recusa a admitir a culpa quando o crescimento estagna.

Outro problema é que os responsáveis por traçar as políticas da China se veem diante de um Everest de dívida pública. Há anos o governo chinês protege da inadimplência suas maiores empresas em muitos setores diferentes, para salvar grande número de empregos e proteger a solvência dos bancos chineses.

Essas intervenções agravaram o problema, porque convenceram tanto mutuários quanto credores que podem esperar receber proteção contra suas próprias decisões equivocadas.

Resolver esse problema requer tolerância a dor econômica, algo que está em falta num momento em que a Covid está causando estragos à economia chinesa, em que a guerra da Rússia contra a Ucrânia está encarecendo combustíveis e alimentos na China —e num momento em que Xi Jinping está preparando o Partido Comunista, ainda este ano, para abandonar sua prática passada e lhe conceder um terceiro mandato presidencial, com poder sem precedentes.

No entanto, o desenvolvimento tecnológico chinês rapidamente crescente vai limitar os danos causados por suas vulnerabilidades econômicas. Não faz muito tempo, os avanços na tecnologia de comunicações empoderavam o indivíduo às expensas do Estado. O crescente acesso global à internet permitia aos usuários encontrar informações de uma variedade inusitada de fontes e se comunicar entre eles em tempo real, entre diferentes países e em todo o mundo.

Nos últimos dez anos, porém, essa tendência vem perdendo espaço para a chamada “revolução dos dados”, que permite que governos autoritários e as maiores empresas mundiais de tecnologia coletem os volumes de dados que produzimos no mundo digital, para descobrir muito mais sobre quem somos, o que queremos e o que estamos fazendo para consegui-lo.

A China possui vantagens grandes e duradouras nessa área. Suas empresas têm dado provas de sofisticação crescente não apenas no comércio digital, mas no reconhecimento facial e de voz, algo que um país autoritário pode desenvolver com muito menos obstáculos do que seria o caso em um sistema que limita a concentração de poder político. Além disso, o simples tamanho da população chinesa possibilita um banco de dados maior que permite um avanço tecnológico mais rápido.

Mas a maior vantagem tecnológica da China consiste na capacidade do Estado de direcionar empresas de tecnologia para que criem produtos que atendam às necessidades políticas do Estado, na capacidade do Estado de direcionar montanhas de dinheiro a esses projetos de desenvolvimento, de coordenar seu trabalho e de ampliar a influência internacional da China, vendendo tecnologias de vigilância a outros países, tanto estados autoritários quanto democracias, preparados para pagar por produtos que fomentem a segurança nacional —ou pelo menos a segurança da elite governante.

O futuro da China vai depender de mais uma questão importante que é mais imponderável: como Estados Unidos, Europa e Japão vão reagir ao próximo capítulo da China? Por enquanto, a invasão russa da Ucrânia aproximou os parceiros transatlânticos mais que em qualquer momento desde que a Guerra Fria terminou, e o apoio da China à Rússia, por limitada que ainda seja, reforçou as dúvidas ocidentais bem fundamentadas quanto às intenções da política externa chinesa.

Ao mesmo tempo, deve estar claro para os dirigentes em todos os países que a importância da China para a economia globalizada significa que a debilidade do país representa uma vulnerabilidade global. Se os líderes chineses e ocidentais vão conseguir manter esse fator crucial em mente quando administram suas relações em movimento constante pode acabar se mostrando a incógnita mais importante de todas.

Por que Bolsonaro ainda pode crescer

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Eugênio Bucci

A Terra é Redonda – 06/05/2022

Com a nossa pasmaceira hesitante e paralisante, estamos pagando para ver o pior acontecer

Até pouco tempo atrás, as passeatas de esquerda encenavam uma predisposição para o embate físico. A característica se fazia presente na coreografia de todos os comícios anticapitalistas, e não apenas no Brasil. Punhos erguidos socando o espaço sinalizavam a vontade de esmurrar o oponente. As palavras de ordem jorravam carregadas de agressividade quase bélica. Com frequência, lá vinham os black blocs atirando pedras nas vitrines e coquetéis molotov nos policiais. Naqueles tempos idos, embora tão recentes, a voz e o corpo da esquerda se opunham à ordem estabelecida, e sua linguagem eram as jornadas teatrais contra o establishment, a autoridade, as regras de trânsito e as boas maneiras.

Agora é o oposto. A velha gramática dos protestos virou de ponta-cabeça. Ano passado, nos Estados Unidos, quem promoveu arruaças foi a extrema-direita trumpista, que chegou ao cúmulo de promover a invasão do Capitólio. O símbolo mais icônico do atentado foi aquele sujeito enrolado num cobertor que parecia pele de urso e coroado, usando um capacete com dois chifres hediondos. O tipo ganhou o apelido midiático de “viking” e ficou famoso (no Brasil, um imitador do tal “viking” tem animado os convescotes golpistas do bolsonarismo).

A esquerda seguiu por outra via. Nos Estados Unidos, por exemplo, andou mais preocupada em filiar eleitores na Georgia para garantir a vitória do Partido Democrata. Enquanto a extrema direita tomou para si o gestual, a coreografia e a torpeza dos vândalos, a esquerda se reagrupou na defesa da legalidade e do Estado de Direito. Em Paris, foi a mesma coisa. Agora mesmo, tão logo foi anunciada a derrota de Le Pen no segundo turno, seus cabos eleitorais (neonazistas e congêneres) saíram pelos logradouros públicos chutando portas e latas de lixo; os personagens da esquerda, de sua parte, preferiram ritualizar o congraçamento entre as classes. Num mundo em que ninguém tem mais endereço certo e sabido, a pancadaria mudou de lado, espetacularmente.

Essa inversão dá ao presidente da República, Jair Bolsonaro, uma oportunidade eleitoral explosiva. Não obstante seja o incumbente da vez, encarregado de cuidar da máquina pública, ele bombardeia a máquina pública todos os dias, sem tréguas. Seu lema é destruir a institucionalidade. Seu método é empregar o aparelho de Estado para demolir o aparelho de Estado. Com a aproximação das eleições, não rivaliza com os adversários ou com a oposição: sua guerra preferencial é contra as urnas eletrônicas e contra a Justiça Eleitoral. Ele não quer derrotar seus rivais, ele quer derrotar todo o sistema eleitoral.

Bolsonaro está em cruzada permanente. Na falta de um inimigo externo, elegeu o Supremo, a imprensa e os ecologistas, além de artistas, cientistas e intelectuais, como alvos prioritários. Ele não tem apenas uma “narrativa”, palavra mágica que seus apoiadores se comprazem em repetir: sua estratégia de comunicação consiste em convocar seus fanáticos para assumir o papel de protagonistas anônimos nas batalhas campais contra a lei e a ordem. Bolsonaro entrega às suas falanges, além das certezas feitas exclusivamente de mentiras (certezas que lhes acalentam a alma ressentida), a emoção de agir diretamente no combate discursivo, corporal e armado contra os inimigos da Pátria e de Deus. Esse combate não passa de um delírio, mas isso também não importa a mínima.

O que está vindo aí é uma onda, e essa onda pode crescer. Com sua lógica colada na dinâmica das redes sociais, o presidente aposta suas fichas na conflagração e no convulsionamento. O resultado não importa; o que lhe rende pontos é o movimento. Ele não tem nem precisa ter compromisso com a coerência ou com os fatos, pois sua fonte de energia política é a barulheira incendiária. Quanto ao mais, seus seguidores também não ligam para os fatos.

Estamos aprendendo, tarde demais, que não é por desinformação que muita gente o idolatra, mas por ódio a tudo o que seja informação. As multidões obcecadas pelo presidente abominam a verdade factual e, mais ainda, repudiam os que falam em nome da verdade factual. Para as massas ensandecidas e sedentas de tirania, a onda bolsonarista oferece uma paixão violenta e irresistível, que combina paixão e certezas irracionais, mais ou menos como se deu com o fascismo no século XX. O desastre quica na área.

“O trabalhador se sentirá autorizado a descontar no corpo de sua esposa toda a opressão vivida na cidade”, antecipa o cientista político Miguel Lago, um dos pouquíssimos que enxergam, ouvem e sentem o que está para desabar sobre a Nação. O alerta está no ensaio “Como explicar a resiliência de Bolsonaro?”, que faz parte do livro Linguagem da destruição (Companhia das Letras), que tem Heloisa Starling e Newton Bignotto como coautores. “O homofóbico se sentirá autorizado a espancar uma pessoa por sua orientação sexual”, prossegue Miguel Lago, desfiando a longa lista de “guardas da esquina”. Com a nossa pasmaceira hesitante e paralisante, nós estamos pagando para ver o pior acontecer.

*Eugênio Bucci é professor titular na Escola de Comunicações e Artes da USP. Autor, entre outros livros, de A superindústria do imaginário (Autêntica).

SUS: uma reforma revolucionária, por Paulo Capel Narvai

PAULO CAPEL NARVAI – A Terra é redonda – 01/05/2022

Apresentação do autor ao livro recém-lançado

Este livro foi escrito para quem quer saber um pouco mais sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e entender por que necessitamos de um sistema universal de saúde no Brasil. É dirigido a qualquer pessoa que se interesse pelo assunto, desde profissionais de saúde de qualquer nível de formação, conselheiros de saúde, estudantes de graduação e pós-graduação, gestores de políticas públicas, secretários de saúde, autoridades públicas e dirigentes políticos até especialistas familiarizados com as dezenas de temas relacionados com saúde, saúde pública e os problemas cotidianos derivados da ousadia de criar e manter, num país como o Brasil, um sistema público de saúde com a missão de assegurar o direito à saúde para mais de 212 milhões de pessoas.

Esta é uma obra cientificamente rigorosa quanto à fidelidade aos fatos, dados e fontes, mas não é um livro estritamente acadêmico, cujo texto só é compreensível a iniciados. Ao contrário, foi escrito com a intenção de ser acessível a leitores com diferentes formações. Almejo que cada leitor possa extrair, de cada um de seus vinte capítulos, significados e conclusões de acordo com seus próprios conhecimentos sobre os temas tratados.

Os conteúdos podem ser consultados separadamente, por capítulo, como se faz com um manual. Mas eu recomendo que a primeira leitura seja sequencial, pois há um fio condutor no livro que leva o leitor ao longo do texto e que marca a originalidade da obra. Este não é, portanto, apenas mais um livro sobre o SUS, mas contém a minha visão sobre ele.

Em vários momentos, desde que o SUS foi criado naquela terça-feira, 17 de maio de 1988, interlocutores me perguntaram sobre diferentes aspectos do SUS ou relacionados com ele. Algo como “Por que saúde tem de ser um direito assegurado pelo Estado? Não é melhor que cada um tenha um plano de saúde e deixar o Estado fora disso?” ou “De onde veio essa ideia de criar um sistema público de saúde no Brasil?” ou, ainda, “O que você pensa do SUS? Não academicamente, mas na prática? Você acredita mesmo, pra valer, que o SUS é viável?”.

Eu nunca deixei de responder a cada uma dessas pessoas, mas o que me deixava perplexo – e segue deixando – é que, por vezes, essas perguntas vinham e vêm de pessoas bem-informadas, as quais, eu supunha, compreenderiam o que o SUS significa e até poderiam dar boas respostas para as perguntas que me faziam. Porém, a cada experiência desse tipo, aumentava em mim a vontade de escrever um livro sobre o SUS. Mas escrevê-lo em linguagem coloquial, como quem conversa informalmente sobre os diferentes assuntos relacionados ao SUS. Nunca pensei, nunca quis escrever um tratado acadêmico, cheio de citações e com um linguajar hermético. É possível, eu creio, tratar de temas aparentemente áridos e próprios de especialistas de modo acessível, mas rigoroso, para que qualquer pessoa os compreenda. Por isso, deliberadamente evitei a inserção no texto de tabelas, gráficos, quadros, fotografias e ilustrações. Ficaram apenas as palavras, suficientes, a meu ver, para que se compreenda o valor do nosso sistema universal de saúde, suas conquistas, fragilidades, fortalezas e os desafios com os quais se depara todos os dias.

Foi sob esta perspectiva que escrevi este livro, atendendo ao convite da editora Autêntica, que partiu do professor Ricardo Musse, meu colega na Universidade de São Paulo (USP) que orientou, generosamente, o desenvolvimento deste trabalho. Aproveito para tornar meu público o meu profundo agradecimento a ele.

Mas eu quis atender, também, o leitor mais exigente, que encontrará aqui muitos fundamentos teóricos e aspectos conceituais que estão no jargão de profissionais da saúde pública e do SUS e que, embora muito utilizados, nem sempre são bem compreendidos por todos – inclusive por muitos que os utilizam. Apresento, também, alguns choques entre ciência e senso comum decorrentes de explicações baseadas no bom senso sobre saúde e saúde pública, mostrando ao leitor os fundamentos científicos subjacentes a muitas decisões nessa área, mas que nem sempre são aceitos pelas pessoas, pois contrariam esse senso comum.

É provável que, para muitas pessoas, não seja coerente a abordagem populacional ao invés do enfoque de alto risco para decidir onde e como investir recursos públicos. Frequentemente, o conflito entre universalizar ou focalizar intervenções de saúde pública é resolvido optando-se por focalizar as ações em indivíduos e grupos de alto risco.

Mas isto pode agravar, ao invés de resolver, a situação que se pretende solucionar. Muitas pessoas, inclusive profissionais de saúde, têm dificuldades para compreender como e por que isso acontece, pois desconhecem os fundamentos de alguns paradoxos da saúde, como os da profilaxia, da prevenção e do cuidado inverso.

Outros me perguntam, também com grande frequência, sobre qual a diferença entre atenção básica e atenção primária em saúde, ou entre saúde pública e saúde coletiva, assistência e atenção à saúde, necessidades de saúde e necessidades em saúde, isolamento e quarentena, gestão, gerência e governança da saúde, municipalização e “prefeiturização” da saúde. O que é um problema de saúde pública e como eleger prioridades em saúde pública? O que significam as siglas INAMPS, CONASP, AIS, SUDS? Há também quem considere o SUS uma experiência revolucionária e se desaponte quando ouve ou lê a expressão “reforma sanitária”. O que você diria sobre a expressão “controle social”?

Pois saiba que há, no contexto brasileiro, diferentes conotações para ela.

O que Hipócrates diria sobre uma pajelança? O que foram a Revolta da Vacina e o Massacre de Manguinhos? Como Cortés e Pizarro se valeram não apenas de pólvora e espada, mas do que hoje denominamos de guerra biológica para enfrentar e vencer astecas e incas? Entre Iaras e Sacis, Anhanguera fazia rios arderem em chamas em busca de esmeraldas, mas o que ele e Borba Gato deixaram nos sertões para os nativos além de vilas e sífilis? O que a revolução chinesa tem a ver com o programa brasileiro de agentes comunitários de saúde? O que são higienismo e campanhismo? Por que, quarenta anos depois, a Declaração de Astana-2018, da Organização Mundial da Saúde (OMS), é um retrocesso quando comparada à Declaração de Alma-Ata-1978? Por que Fidel Castro e Barack Obama não se entenderiam se fossem convidados a opinar sobre o SUS? O que o capitalismo e a democracia têm a ver com a saúde e o SUS? Por que o símbolo do SUS é ocultado nas unidades de saúde, nos hospitais e nas ambulâncias do SUS? O que você sabe sobre o símbolo do SUS? Por que os chamados “planos de saúde” não dizem respeito nem a planos nem, muito menos, à saúde?

O leitor encontrará neste livro não a “explicação correta” sobre esses, dentre outros, temas, mas a minha visão sobre eles. É por esse motivo que este não é apenas mais um livro sobre o SUS, quando há tantos e de boa qualidade em nosso meio. Convido o leitor e me acompanhar pelas páginas a seguir para conhecer essa visão – que é a minha, mas, como não estou só, é também a visão de muitos sobre o nosso SUS, essa reforma revolucionária que estamos empreendendo nesta parte do mundo em defesa da vida.

*Paulo Capel Narvai é professor titular sênior de Saúde Pública na USP.

Solidariedade Global

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O mundo contemporâneo nos traz inúmeros desafios e oportunidades, a economia carece de investimentos produtivos, o mundo do trabalho se transforma com grande dinamismo exigindo dos trabalhadores uma constante reinvenção, que pressupõem grandes investimentos na formação e na qualificação constantes, ao mesmo tempo, a pandemia nos mostra a necessidade premente de estimularmos a solidariedade, a cooperação e o compartilhamento do progresso e o desenvolvimento de sentimentos mais fraternos entre todos da comunidade.

Vivemos momentos de grandes inquietações, as guerras crescem em variadas regiões, a pandemia gerou milhões de mortos em todas as nações, a inflação acelera em todas as regiões, os preços dos alimentos e dos combustíveis estão em forte ascensão, levando os governos a aumentarem as taxas de juros que degradam a maior parte da sociedade, aumentando os custos financeiros, degradando a renda da comunidade, elevando o endividamento das famílias, das empresas e dos governos, além de postergar os investimentos produtivos e reduzindo a geração de emprego, ao mesmo tempo, que impacta na informalidade da mão de obra, precarizando o emprego e a degradação social.

Neste momento, a comunidade internacional vive momentos de grandes desafios. A pandemia levou os governos mais desenvolvidos a investirem recursos públicos e privados em pesquisas científicas com o intuito de construir novas vacinas, mostrando que neste ambiente centrado na concorrência e na competição, existem esperanças de que a solidariedade pode sobrepor os interesses imediatos do capital e da acumulação. Mas, infelizmente, a solidariedade tão sonhada nos parece tímida e limitada, a pandemia deveria elevar os padrões morais da sociedade, deixando exemplo de solidariedade entre povos, nações e comunidades.

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) nos mostra que grande parte das nações ainda não receberam as doses de vacinas que tendem a reduzir a mortalidade gerada pelo covid-19, embora existam doses disponíveis nos países desenvolvidos as vacinas não foram enviadas para muitas nações da comunidade internacional, países miseráveis cuja mortalidade da população é elevada, que não possuem pesquisa científica e, principalmente, pela ausência de solidariedade que deveria crescer na sociedade global.

Para superarmos os momentos de tensão da sociedade contemporânea, precisamos construir instrumentos coletivos para resolvermos as dificuldades que foram construídas durante décadas de descaso. Segundo a Organização das Nações Unidas quase 9% da população mundial passa fome, milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária para sobreviver. Os recursos para reverter esta situação não existem para os humildes, mas sobram para os donos do poder, com subsídios e isenções tributárias.

Outro dado alarmante é o crescimento dos preços de alimentos que tendem a colocar na marginalidade e na exclusão social milhões de indivíduos, segundo a ONU a inflação de alimentos chegou a 66%, levando os governos a aumentarem os juros e degradar mais as condições econômicas, levando nações a insolvência fiscal e ao risco de uma nova crise da dívida, piorando as perspectivas econômicas e degradando a economia global.

Numa sociedade integrada e interdependente, as crises econômicas nas nações periféricas aumentam os fluxos de imigração que impactam negativamente sobre países desenvolvidos, aumentando o caos social, as instabilidades políticas e a degradação econômica.

Os momentos atuais são tensos e preocupantes, guerras, pestes, conflitos políticos, intolerância, racismo estrutural e violências generalizadas, os desafios são elevados e os perdedores devem aumentar assustadoramente, com isso, percebemos ainda que, neste instante, estamos presenciando os ecos da contemporaneidade que caminham a passos largos para a barbárie coletiva e nos afastando rapidamente para a civilização e ainda, percebemos pessoas que acreditam que somos seres racionais….

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Comportamental (Unyleya), Mestre, Doutor em Sociologia (Unesp) e professor universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 04/05/2022.

Mais democracia para proteger o interesse público dos interesses privados

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Captura política das nossas instituições nunca foi tão grave

Josué Medeiros, É cientista politico, professor da UFRJ e da UFRRJ e integrante do Vigência, grupo de estudos e ação política com foco na captura dos foros democráticos por atores privados

Daniel Angelim, É doutorando em economia política mundial pela UFABC e integrante do Vigência

Folha de São Paulo – 03/05/2022

O aumento das desigualdades e a regressão democrática no Brasil saltam aos olhos de qualquer pessoa que caminhe pelas ruas de qualquer cidade grande do país e seja minimamente sensível e solidário às dores alheias. A crise econômica e social se manifesta, por exemplo, no crescente número de pessoas em situação de rua. A violência interpessoal explode tanto em situações cotidianas quanto na ação de agentes estatais. O funcionalismo público vive em um barril de pólvora. O retrocesso nos direitos é vertiginoso. Casos de racismo, machismo e homofobia se multiplicam. A natureza e os povos indígenas são violentados como se estivéssemos em tempos coloniais. O ar está cada vez mais irrespirável.

As soluções para esse quadro são variadas e complexas, como mostram os diversos textos já publicados neste espaço. Há, porém, uma questão que tem o potencial de amarrar tais explicações e propostas em uma grande e coletiva mobilização pela reconstrução nacional: a democracia. Mais democracia.

As eleições de 2022 serão um primeiro e fundamental momento dessa mobilização. As pesquisas mostram uma polarização crescente, e a possibilidade de resolver o pleito presidencial no primeiro turno é real. Eleger um novo mandatário comprometido com a democracia e com a justiça social é crucial para iniciarmos a redemocratização do Brasil. É preciso, porém, dar atenção especial à disputa parlamentar e aos Executivos estaduais. Eleger lideranças populares, mulheres e negros para o Congresso e para as assembleias legislativas estaduais será decisivo para enraizar a reconstrução da nossa democracia. Conquistar o governo de alguns Estados-chave vai no mesmo sentido. Como, por exemplo, ter democracia no Brasil sem repactuar o Rio de Janeiro, que, além de berço do bolsonarismo e palco do brutal assassinato de Marielle Franco, vê o controle territorial por milícias se expandir cada vez mais?

É imperativo, entretanto, que a eleição seja o ponto de partida, e não o de chegada. Ter mais democracia equivale a reduzir a desigualdade entre governantes e governados —ou seja, ampliar a igualdade política.

É esse o espírito da nossa Constituição de 1988, que precisamos recuperar, além de revogar as reformas neoliberais do golpista Temer e do genocida Bolsonaro. A Carta Magna brasileira afirma a igualdade política em múltiplas dimensões, a começar pela eleitoral, com a expansão definitiva do sufrágio no Brasil, permitindo, por exemplo, que os analfabetos passassem a ter o direito de votar. Naquele contexto de saída de duas décadas de autoritarismo militar, nossa sociedade, pulsante, exigia mais nas ruas, e os legisladores consagraram a igualdade política para além do voto: a cidadania ganhou o direito de se organizar e se manifestar, referendar ou não decisões, ocupar espaços no Estado para fiscalizar os governos e decidir sobre políticas públicas em conselhos e conferências.

Mas a dinâmica política atual vai no sentido oposto. Testemunhamos o mergulho das instituições no abismo da captura do Estado pelos poderes privados. Os exemplos são incontáveis.

No Ministério da Saúde, as necessárias e esperadas vacinas contra a Covid foram objeto de uma abjeta negociação de bastidores. Já no Ministério da Educação, dois líderes religiosos montaram um balcão de negócios sem qualquer escrúpulo; na área ambiental, madeireiros e garimpeiros em terras indígenas são autorizados por agentes estatais a pilhar florestas e rios.

No Congresso, as emendas parlamentares via orçamento secreto inviabilizam qualquer política pública democrática e recriam o coronelismo no século 21. Não é por acaso que um dos símbolos desse perverso mecanismo de transferência de renda para políticos governistas seja a compra de tratores superfaturados.

O Judiciário, de Norte a Sul, mantém pobres e pretos presos enquanto pressiona por aumento de seus salários e privilégios.

As portas giratórias estão escancaradas, a começar pelo ministro da fazenda, Paulo Guedes, cuja grande qualidade curricular é ser um especulador financeiro. E nem mesmo na ditadura militar tivemos tantos militares ocupando cargos de confiança no Governo Federal.

Em resumo, desde que os civis voltaram ao poder, nunca vivemos um quadro de tamanha distância entre governantes e governados.

Pior, as respostas das elites políticas, jurídicas e econômicas vão sempre no sentido de institucionalizar essa desigualdade política. O STF (Supremo Tribunal Federal) pactua com o orçamento secreto. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), considera a regulamentação do lobby uma agenda prioritária, sem nem mesmo se preocupar em justificar essa medida com base em legislações internacionais que, ao menos, se baseiam na necessidade de formalizar a exposição pública (transparência) e o monitoramento (accountability) da atividade, o que ajuda a minimizar o desequilíbrio na relação com o poder público.

Essa captura política reflete e reforça a distância entre governantes e governados, agravando o esgarçamento do tecido social, com violência e miséria —a experiência histórica recente mostra que é impossível diminuir as desigualdades econômicas e sociais sem diminuir a desigualdade política.

Uma reconstrução democrática do Brasil é possível. Nossa população continua dando mostras de vitalidade nas soluções que emergem da prática e da sabedoria popular e dos laços de solidariedade que ativismos dos mais variados reforçaram durante a pandemia. Mas, para que essa reconstrução se concretize, a frente ampla e democrática eleitoral precisa se constituir em um movimento por um novo pacto coletivo, mobilizador das nossas melhores energias na direção de uma institucionalidade mais aberta e transparente. É urgente que todos os setores democráticos se comprometam com uma ordem política menos desigual para que sejamos capazes de diminuir a distância entre governantes e governados.

Sem perspectivas de crescer, por Mendonça de Barros.

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O Brasil empobreceu nos últimos quatro anos, e não há populismo que seja capaz de alterar esse fato

José Roberto Mendonça de Barros, O Estado de S. Paulo – 01/05/2022

A pré-campanha eleitoral segue numa polarização cada vez mais raivosa e, tudo indica, assim vai continuar.

Lamentavelmente, do ponto de vista econômico só não se discute o principal: estamos sem crescer há muito tempo e sem perspectivas à frente.

O debate de conjuntura está focado nos próximos meses. Discute-se, furiosamente, se o crescimento deste ano será de 0,5% ou 1%, sem atentar que essas diferenças pouco significam. Considerando os anos de 2019 a 2022, o crescimento médio será de 0,55% ao ano se o PIB corrente crescer 0,5%, ou de 0,68% se crescermos 1%, como prevê o Banco Central (a projeção do Focus está em 0,65%).

Como o crescimento médio da população é de 0,74% ao ano, a evolução do PIB per capita, nos quatro anos deste governo, será negativa. O ponto central é que o País empobreceu nesses anos e não há populismo que consiga alterar esse fato.

As autoridades estão animadíssimas porque os analistas vêm revendo para mais suas projeções para 2022, resultado de desempenho algo melhor no início deste ano. Como vimos, isso significou muito pouco no desempenho desse período.

Entretanto, o oficialismo não diz que, junto com esta melhora, houve um significativo rebaixamento dos números para 2023, resultando na projeção de apenas 1% no mais recente Boletim Focus – muito abaixo da projeção de 2,5% feita em setembro.

Se o Brasil parou, o mundo continuou andando. Entre 2014 e 2021, enquanto o PIB global cresceu 20,5%, o brasileiro caiu 0,09%! Naturalmente, com este resultado, não pode surpreender que o número de desocupados e de pobres em nosso País não pare de aumentar.

Os leitores devem se lembrar que, junto com a lei que autorizou a privatização da Eletrobrás, aprovou-se um “jabuti” gigante. Um absurdo sem tamanho para beneficiar um grupo pequeno de empresários conhecidos, pois a lei obriga a contratação de algo como 8 mil MW de novas usinas a serem construídas em regiões como o Norte e o Nordeste, que não têm gás, gasodutos, nem demanda firme de energia que justifique os projetos.

Agora, a Empresa de Pesquisa Energética publicou um trabalho calculando o custo do projeto em R$ 52 bilhões até 2036, a serem transferidos aos consumidores.

Calcula-se que a energia brasileira no mercado regulado seja a segunda mais cara do mundo, apenas atrás da alemã.

Isso é fruto dos desarranjos do setor desde a edição da famigerada MP 579, que vêm sendo resolvidos pela solução simples de passar todos os custos das ineficiências para as tarifas.

O atual jabuti vai dar uma grande contribuição para a estagnação do crescimento brasileiro.

ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS

Empresa precisa entender a transformação digital para seguir competitiva

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Para professor da FGV, planejamento evita atrito na experiência online do consumidor

FLÁVIO G. PINHO

FOLHA DE SÃO PAULO – 01/05/2022

Foi na base do susto que o varejo reagiu à pandemia varejo reagiu à pandemia —diante de uma realidade inédita, apostar na tecnologia foi o caminho mais lógico para chegar aos clientes que estavam trancados em casa. E o setor ficou bem na briga no país, na avaliação de Maurício Morgado, coordenador do Centro de Excelência em Varejo da FGV-Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas).

Para ele, porém, ainda é preciso investir em planejamento para evitar atritos na experiência do consumidor nas operações digitais.

Quais mudanças a pandemia provocou no varejo? A transformação digital foi acelerada. De forma muito apressada, percorremos cinco anos em alguns meses. Empresas que já tinham operações digitais lançaram novas ferramentas, enquanto aquelas que testavam tecnologias de maneira modesta foram obrigadas a correr para acompanhar, nem que fosse implantando vendas pelo WhatsApp. Todos aproveitaram que o consumidor brasileiro, que não embarcava tanto nessas tecnologias, se acostumou a usá-las por necessidade —e duvido que volte atrás.

Até 2019, as redes brasileiras estavam atrasadas em relação à transformação digital no resto do mundo?
Estávamos ligeiramente atrás, mas acompanhando bem. Estive em janeiro na NRF 2022 [considerado o maior encontro sobre varejo do mundo], em Nova York, e notei que o Brasil está bem adiantado. Quem quiser continuar no jogo, hoje, precisa entender o consumidor e o processo de transformação digital.

A estratégia de múltiplos canais já é realidade no Brasil?
Algumas empresas já trabalham isso bem, pois reconhecem que o consumidor é único, independentemente do canal de compra. O maior desafio para ser omnichannel não é o investimento em tecnologia, que está cada vez mais barata, mas a logística da estrutura física.

O futuro é só tecnológico ou há espaço para a humanização?
Veja o exemplo da Amazon: eles não têm um 0800 para reclamações. Está tudo tão planejado que, pelos botões, você chega sozinho à solução. Aqui, as operações digitais não são tão bem desenhadas. Quando dá problema, não é tão claro como resolver, e a devolução ou a troca não são tarefas simples. Falta planejamento para evitar atritos com o consumidor.

O metaverso vai mesmo mudar o varejo? Por enquanto, essa não é uma realidade, nem no Brasil nem no mundo. Para funcionar como preveem, todo mundo precisaria ter óculos de realidade virtual. Mas já é possível fazer coisas legais de realidade aumentada, principalmente empresas que têm produtos digitalizáveis. Se essa tecnologia se estabelecer, prevejo impacto similar ao que a internet provocou lá em 1995.

Enquanto elite compra jatinhos, maioria vive tragédia sob Bolsonaro, por Itamar Vieira Júnior.

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Drama social do governo é percebido de maneira distinta por nossa sociedade, profundamente desigual

Itamar Vieira Júnior, Geógrafo e escritor, autor de “Torto Arado”

Folha de São Paulo, 29/09/2022.

A tragédia do governo Bolsonaro é percebida de maneira distinta por nossa sociedade, profundamente desigual.

Para milionários e bilionários, corre tudo bem. No momento, o único problema são as filas para a compre de jatinhos. O Brasil é o segundo país com a maior frota de aeronaves particulares do mundo, atrás apenas dos EUA. A espera por esse tipo de veículo pode adentrar o ano de 2025. Entre o início de 2021 e o início de 2022, a frota teve 8,5% de aumento.

Certamente, essa elite econômica que continua a apoiar o atual governo concorda com o ministro Paulo Guedes com a ideia de que, agora sim, o país está no eixo. Antes era “empregada doméstica viajando para a Disney” e filho de porteiro querendo estudar na universidade.

No país que não é o da fantasia do senhor ministro, há um grande contingente de desempregados, pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar, sem direito à terra e à moradia digna.

Durante os mais de três anos do atual governo, o desmonte das políticas sociais foi permanente e efetivo. Programas de habitação popular, políticas de demarcação de terras indígenas, criação de assentamentos e regularização de territórios quilombolas foram praticamente abandonados ou reduzidos a quase nada.

Basta pesquisar por informações nos órgãos responsáveis pelas políticas públicas. Segundo o Relatório de Conflitos no Campo, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra, o ano de 2021 foi marcado pelo aumento do já alarmante índice de violência no campo: foram 109 mortes decorrentes de conflitos fundiários, alta de mais de 1.000%.

Das 109 mortes, 101 foram no Território Yanomami, graças às ações de garimpeiros que contam com incentivo do governo para explorar em áreas antes proibidas. Os yanomamis pedem socorro. E nós, o que temos feito?

Sem contar a catástrofe ambiental e as denúncias de corrupção envolvendo a pasta da Educação e da Saúde. O ex-ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiros, parece nem sequer saber manusear uma arma.

Aliás, facilitar o acesso da população às armas foi política de primeira do atual governo. Glorificar a violência foi uma das motivações do cristianismo ao longo da história, e o ex-ministro parece não ter acompanhado nenhum dos avanços civilizatórios dos últimos séculos, incluindo o da educação, mas este é um assunto para outro momento.

E como não recordar os mais de dois anos de pandemia e todo o ultraje com que o presidente e sua claque trataram o mais grave evento sanitário em um século? A permanente sabotagem às medidas sanitárias e o imperdoável atraso na vacinação da população nos deixou o saldo de mais de 660 mil mortos. Fez do Brasil um dos países com a mais alta taxa de letalidade.

A vacinação, ainda que tardia, e a própria evolução do vírus, aparentemente menos letal, foram capazes de nos dar novas perspectivas, mas a devastação da pandemia é muito recente e os cemitérios continuam apinhados de corpos que eram mais que corpos, eram pessoas. Essas pessoas eram mais que números, para as evidências da má gestão caírem no mais absoluto esquecimento.

Muitos estão fatigados com tudo o que aconteceu, do luto à crise econômica, passando pelos ataques à democracia. É natural que não queiram mais ler ou falar sobre o tema. Esse esquecimento se deve em grande medida ao procurador-geral da República e sua inércia em nos dar respostas sobre os indícios levantados pela CPI da Covid.

Tudo isso reverbera na impressionante recuperação dos índices de aprovação do governo. Assusta imaginar que o presidente da República não está sozinho: cerca de 25% da população, segundo as últimas pesquisas, apoia suas decisões durante o mandato.

Independentemente da continuidade do atual governo ou não, teremos que conviver com a indiferença dos que apoiam esse projeto político de segregação e violência. As eleições na França, nos EUA e em várias partes do mundo demonstram claramente que a direita liberal foi substituída por um projeto extremista.

A insatisfação de grande parte da população não foi levada a sério por liberais e progressistas, e a extrema direita ganhou relevância ao “apontar” supostos culpados pelos dramas sociais urgentes, ainda que não tenha a capacidade de oferecer respostas.

É preciso refletir sobre as necessidades do mundo contemporâneo e propor soluções para os desafios de nosso tempo, que não são os mesmos de duas décadas atrás. Mas, antes, é necessário compreender as engrenagens que nos levaram a este estado trágico. Para uns, o céu engarrafado de jatinhos; para a maioria, restará pedra sobre pedra.

Ecossistema econômico

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Num momento marcado por grandes alterações estruturais da sociedade contemporânea, os agentes econômicos, sociais e políticos devem buscar novos espaços de acumulação e de reorganização produtiva, setores fundamentais da antiga estrutura econômica perderam espaço na nova sociedade, empregos sólidos e consistentes perderam a centralidade e, as perspectivas centradas na linearidade foram transformadas e, com isso, percebemos a necessidade da reconstrução dos paradigmas, renovando as estratégias e desenvolvendo modelos de integração e planejamento entre os atores público e privado.

Os desafios são imensos e não podemos postergar as escolhas do mundo do negócio, a sociedade está se movimentando rapidamente, os setores econômicos devem se reinventar numa sociedade marcada por grandes incertezas e instabilidades, com isso, percebemos que as comunidades estão alterando movimentos e comportamentos. Neste momento, precisamos unir esforços para compreender os desafios e auxiliarmos na construção de um verdadeiro projeto nacional para compreender o que queremos nas próximas décadas, sem entendermos os desafios da sociedade contemporânea, amargaremos a perpetuação das iniquidades sociais que caracterizam a sociedade nacional.

Neste ambiente, percebemos o crescimento de conceitos caros para o mundo dos negócios como empreendedorismo, liderança e inovação. Estes conceitos estão atrelados ao economista austríaco Joseph Schumpeter que destacou a importância das inovações como instrumento da chamada destruição criadora, retratando novas ideias e pensamentos com potencial de impulsionar o capitalismo, dinamizando os setores produtivos, criando novas formas de acumulação, novos modelos de negócio, que movimentam os mercados e compreendem as novas formas de comportamento. Neste momento, de profundas transformações, surgem conceitos como o de Economia Verde, novas formas de energias alternativas, além de conceitos ligados a economia circular e da sustentabilidade que exigem a grande capacidade de reinventar a sociedade, modificando empresas, indivíduos e os governos nacionais.

O mundo contemporâneo exige a construção de um ecossistema econômico dinâmico e empreendedor, que começa nos bancos escolares, desde as escolas fundamentais até o ensino superior, exigindo das faculdades e universidades padrões de qualidade constante, estimulando os investimentos públicos e privados, fortalecendo os centros de pesquisa e de inovação, além de ambientes centrados na cooperação e no compartilhamento de teorias, pensamentos e discussões científicas e tecnológicas.

É fundamental a construção de um ambiente macroeconômico propício para o crescimento da produção, com taxas de juros reduzidas para impulsionarem a produção e a geração de emprego e, ao mesmo tempo, desestimulando a especulação financeira que predomina na sociedade brasileira, além de reduzir a burocracia, estimulando a competição externa e construindo novos acordos comerciais com outras nações e grupos de países. Outro ponto central para a construção de um ecossistema econômico é a garantia de taxas de câmbio competitivas para fortalecer o crescimento produtivo, evitando a instabilidade cambial que garante grandes ganhos para os especuladores em detrimento da produção, do emprego e da renda da população.

O discurso dominante estimula o empreendedorismo e a inovação como forma de desenvolvimento econômico, acreditando que o processo de crescimento motivado pelo setor privado tende a melhorar as condições sociais da população. Esta visão me parece bastante limitada e inconsistente, sem uma visão global e planejada pelos agentes econômicos público e privado, como acontece nas economias mais desenvolvidas do mundo, o crescimento econômico tende a garantir grandes ganhos para uma pequena parte da comunidade, garantindo recursos financeiros ilimitados, isenções fiscais e tributárias crescentes em detrimento da perpetuação da pobreza, da indignidade e da exclusão social. A construção de um ambiente centrado num ecossistema econômico integrado e diversificado é parte central para encontrarmos o tão sonhado desenvolvimento econômico.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Criativa, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 27/04/2022.

Como o aumento dos gastos militares impacta a economia global

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Investimento excessivo em defesa pode impactar áreas fundamentais, como a educação e saúde, e comprometer crescimento econômico

The Economist, O Estado de São Paulo – 23/04/2022

Após o início da guerra na Ucrânia os orçamentos militares em todo o mundo estão prestes a aumentar. Isso é mais perceptível na Europa, onde a ameaça de um ataque russo parece maior. Alemanha, Itália e Noruega, entre outros, já decidiram gastar mais com a defesa. Estados Unidos e China, os países com as maiores despesas militares do mundo, também estão aumentando suas alocações.

A pressão sobre os países menores para fazerem o mesmo parece inevitável. Quais são as consequências econômicas desse impulso? Quando os governos gastam mais com soldados e armas, ficam com menos disponível para outras despesas. Uma suposição comum, portanto, é que os gastos extras com exércitos são prejudiciais ao crescimento e ao desenvolvimento. Mas a relação não é tão direta. Em alguns casos, maiores orçamentos para a defesa podem, na verdade, render vantagens econômicas consideráveis.

A lição de que há um conflito entre as despesas com o exército e, digamos, estradas ou hospitais é internalizada desde cedo pelos estudantes de economia. O exemplo clássico para demonstrar o conceito de custos de oportunidade é armas versus manteiga: quanto mais você produz de um, menos pode produzir do outro. Em qualquer ano, esse exemplo simples permanece verdadeiro. Os governos têm orçamentos finitos que precisam ser gastos em diferentes áreas.

Consequentemente, é fácil ver como os gastos com a defesa, levados ao extremo, podem ser corrosivos para uma economia. Se um governo repassa menos dinheiro para a educação a fim de poder comprar armas novinhas em folha, o impacto de longo prazo na produtividade e, em última análise, no crescimento, seria ameaçador. Alguns economistas acham que os EUA estão se aproximando dessa zona de perigo.

Riscos
A RAND Corporation, influente think-tank apoiado pela Força Aérea americana e que não é conhecido exatamente como um grupo pacifista, publicou um relatório em 2021 expondo dois riscos.

Primeiro, quando o governo aloca dinheiro para a defesa em detrimento da infraestrutura, isso pode prejudicar as perspectivas de crescimento de longo prazo, já que os EUA têm uma necessidade urgente de melhores estradas, portos, entre outras coisas. Em segundo lugar, as despesas com a defesa contribuem para a pressão sobre a dívida pública.

Em ambos os casos, concluem os analistas, qualquer coisa que desgaste a força da economia americana acabará por prejudicar as forças armadas.

Talvez exista algo objetivo para esses conflitos de escolhas no orçamento serem prejudiciais à economia nos níveis dos EUA. Na última década, o orçamento militar do país foi em média superior a 4% do PIB, o segundo maior do grupo de países ricos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Mas uma complicação surge ao examinar as tendências ao longo do tempo. O país da OCDE que mais gasta com a defesa, cerca de 6% do PIB, é Israel. Ele também costuma apresentar uma das economias com crescimento mais rápido no grupo.

Em contrapartida, o Japão é um dos países da entidade com menor parcela do PIB destinada a gastos militares e tem um dos crescimentos mais lentos.

Na verdade, é quase impossível identificar um padrão nos dados: também há países como a Irlanda, cujos orçamentos militares são semelhantes ao do Japão e têm registros de crescimento semelhantes ao de Israel. Uma análise retroativa básica revela que não há relação consistente entre o crescimento do PIB e as despesas militares para os
38 países da OCDE.

Um conjunto de pesquisas em expansão chegou a uma conclusão semelhante, embora com diferenças sutis. Em um artigo de revisão bibliográfica da Universidade Monash publicado em 2014, Sefa Awaworyi Churchill e Siew Ling Yew analisaram 42 estudos diferentes. Os efeitos são geralmente muito pequenos, mas eles encontraram duas categorias distintas: as despesas militares em países mais pobres costumam ser prejudiciais ao crescimento, enquanto em países mais ricos é mais provável que sejam benéficas.

Os pesquisadores sugerem que uma possível razão para isso é a governança mais fraca nos países em desenvolvimento; um grande orçamento militar é um alvo tentador para autoridades corruptas. Outra possibilidade está relacionada com o exemplo de arma versus manteiga. Os possíveis retornos dos investimentos civis, da saúde à educação, são tão grandes nos países pobres que os gastos militares têm um custo de oportunidade particularmente alto. Em países ricos com boas escolas e hospitais, os custos de oportunidade provavelmente são menores.

Uma maneira pela qual os gastos com a defesa talvez impulsionem a economia é como um programa de empregos. Se as forças armadas fossem uma empresa, seriam o maior empregador dos EUA, com 2 milhões de trabalhadores (contando profissionais na ativa e civis), superando o Walmart e a Amazon. Entretanto, seria um esquema de empregos extremamente caro, custando aproximadamente US$ 400 mil por funcionário anualmente.

Os gastos com a defesa talvez gerem melhores retornos como uma forma de política industrial não declarada. Em artigo publicado no ano passado, Enrico Moretti, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e dois colegas analisaram as verbas governamentais para pesquisa e desenvolvimento, prestando atenção nas despesas com a defesa, dos países da OCDE. Em média, eles descobriram que um aumento de 10% nas verbas do governo para pesquisa e desenvolvimento leva a um aumento de 5% do financiamento privado para pesquisa e desenvolvimento na empresa ou setor alvo.

Além disso, há efeitos indiretos para a produtividade. Se França e Alemanha aumentassem suas despesas com a defesa para quase o mesmo nível dos EUA, Moretti calcula que as taxas de crescimento de produtividade desses países seriam um pouco maiores como consequência.

Dividendos de dissuasão
Uma objeção óbvia é que o governo poderia alcançar os mesmos resultados apoiando a pesquisa e o desenvolvimento em geral, sem injetar dinheiro nas forças armadas. Do ponto de vista econômico isso talvez seja verdade. Mas há uma limitação política – isto é, como reunir apoio para pesquisas científicas que podem falhar. O financiamento público à defesa é menos suscetível a variações de humor. Sem ter que se preocupar com sua próxima solicitação de subsídio, as forças armadas dos EUA não têm hesitado em produzir inovações em série, desde a fita adesiva à Internet, sem as quais quase não seria possível de se imaginar a vida moderna.

Por mais importante que seja identificar o impacto dos gastos militares no crescimento ou na inovação, tais práticas correm o risco de ignorar o contexto mais amplo, conforme demonstrado pela invasão da Ucrânia pela Rússia.

Um elemento fundamental para qualquer economia bem-sucedida é ter paz e estabilidade, dando às empresas a confiança para investir e às pessoas o espaço para prosperar. Os livros didáticos talvez falem de armas ou manteiga. Mas em um mundo abalado por forças revanchistas, a verdade é que tanto armas como manteiga são necessárias. Uma defesa forte é, lamentavelmente, uma necessidade para uma economia forte. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Guerra dos brancos aumenta ainda mais a fome dos pretos, por Vinícius T. Freire.

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ONU quer US$ 43 bi para evitar fome e mortes; Musk quer dar US$ 46 bi no Twitter

Vinícius Torres Freire, Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Folha de São Paulo, 23/04/2022

A ONU diz que precisa de US$ 43 bilhões para dar de comer ou proteger de violências 194 milhões de pessoas, ora sob ameaça imediata de perder a vida. É “ajuda humanitária” de urgência. No total, 296 milhões estão sob risco terminal, diz a ONU. Quase 9% da humanidade passa fome braba.

Na semana passada, Elon Musk disse que teria juntado US$ 46 bilhões para comprar o Twitter.

A guerra na Ucrânia aumentou o risco de “agitação social” (“social unrest”), “especialmente preocupante” em “mercados emergentes” e “economias em desenvolvimento” com pouco dinheiro público para gastar e muito dependentes de importação de energia e alimentos, agora mais inflacionados. É o que diz um trecho pouco citado do relatório do FMI que acaba de sair, o “Perspectiva da Economia Mundial”.

“Se você acha que agora é o inferno na Terra, se prepare. Se a gente não ligar para o Norte da África, o Norte da África vai para a Europa. Se a gente não ligar para o Oriente Médio, o Oriente Médio vai para a Europa”. É o que disse David Beasley em entrevista ao site Político, em março —ele é o diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos da ONU.

Não são, claro, opiniões de esquerda, embora pessoas sob efeito de drogas ideológicas bolsonaristas achem que a ONU é “comunista”. Beasley é um político do Partido Republicano dos EUA, ex-governador da Carolina do Sul. O FMI dispensa apresentações, como diz o clichê.

A situação não deve melhorar tão cedo, prevê também o FMI. A inflação geral pode diminuir um pouco em 2023, mas não a da comida. Desde a explosão de preços que começou no trimestre final do ano passado até março deste 2022, a inflação dos alimentos foi de 66% (segundo índice da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). A carestia dos cereais foi de mais de 71%.
Não se trata apenas de fome.

Na revisão de março do seu “Panorama Humanitário Global 2022”, a ONU registrou que 296 milhões de pessoas precisavam de “assistência humanitária e proteção”, 1 de cada 27 pessoas no mundo, em 69 países. A necessidade extrema afetava 1 pessoa de cada 95 em 2015. Em torno de 1 em 56 de 2016 a 2019.
Pouco?

Eles estão falando de ajuda para gente à beira da inanição ou morte violenta em países destruídos por guerra, miséria e surtos de ebola como a República Democrática do Congo, por guerras crônicas, como a Síria ou o Iêmen, por guerras recorrentes, como na Etiópia ou no Sudão do Sul, por ruína variada e histórica, como o Haiti ou o Afeganistão —a Venezuela também está no pacote.

Claro que há muito mais gente em situação terrível. Estamos tratando aqui dos casos de pessoas sob risco iminente e que chegam ao conhecimento da ONU, graças a pedidos desesperados de ajuda.

O efeito da inflação deve bater no mundo pobre também por meio da alta de juros no mundo rico e da baixa do crescimento mundial, o que piora a situação de países pobres já prejudicados por fugas de capitais na epidemia, do desastre social da Covid, de renda menor com comércio, turismo e remessas de emigrados etc.

Segundo o FMI, “cerca de 60%” dos governos de países de renda baixa correm o risco de uma crise da dívida (“debt distress”, calote) ou já estão inadimplentes. Trata-se dos 40 países mais pobres do mundo (24 deles africanos), entre os quais a dívida mediana praticamente dobrou desde 2013.

Peste, fome, dívida impagável e tem mais, para concluir, mas longe de acabar: “O número de pessoas vivendo em zonas de conflito [guerra] quase dobrou entre 2007 e 2020”, discursou David Malpass, presidente do Banco Mundial, na semana passada.

Saidiya Hartman revela a vida de jovens negras que ousaram buscar o prazer

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‘Vidas Rebeldes, Belos Experimentos’ mergulha na intimidade de mulheres com a audácia de imaginar outro mundo

Yasmin Santos, Jornalista, é pós-graduanda em direitos humanos, responsabilidade social e cidadania global

Folha de São Paulo, 23/04/2022

Lençóis pendurados no varal, torneiras vazando, banheiros imundos e quartos apinhados. Os cortiços representavam a essência dos cinturões negros da Filadélfia e Nova York no início do século 20.
Ou ao menos era isso o que se podia apreender a partir dos registros sociológicos da época. Apenas a feiura, a promiscuidade, a podridão.

Esse reducionismo irritava Saidiya Hartman. Ela queria saber dos corredores, dos degraus da entrada, da laje, das saídas de ar, dos espaços de experimento. “Essas fotografias jamais compreenderam a bela luta pela sobrevivência, vislumbraram os modos alternativos de vida ou iluminaram a ajuda mútua e a riqueza comunal do gueto”, escreve.

Depois de lançar dois livros centrados na escravidão — “Perder a Mãe” e “Cenas de Sujeição”—, Hartman ansiava pela beleza. As pesquisas anteriores tinham sido muito dolorosas psicologicamente para ela.

Mergulha então na intimidade de jovens negras que tiveram a audácia de saírem às ruas em busca do próprio prazer sexual, afetivo, intelectual —mesmo que isso lhes custasse uma temporada na prisão ou no reformatório.

Em “Vidas Rebeldes, Belos Experimentos”, Hartman apresenta a intelectualidade radical de jovens negras que imaginaram incansavelmente outras maneiras de viver e nunca deixaram de considerar como o mundo poderia ser de outra forma.

Não conhecemos heroínas que sacrificaram a própria vida pela de outros. São personagens reais, complexas, que não cabem em definições dualistas. Não eram boas nem más. Eram dançarinas, atrizes, cantoras, prostitutas, empregadas domésticas, lésbicas, bissexuais, mães, filhas, amantes.

A autora mescla uma extensa pesquisa histórica —registros de cobradores de aluguel, estudos sociológicos, transcrições de julgamentos, fotografias, relatórios da delegacia de costumes, autos de prisão— com a fabulação crítica.

A beleza que tanto reivindicava se traduz numa prosa poética que explora as idas e vindas do amor, a (re)descoberta sexual, as relações familiares, os modos de se vestir. Tudo isso costurado a dezenas de imagens que, diferentemente dos registros sociológicos, nos permitem conhecer essas pessoas, olhar em seus olhos, imergir em seu universo.

Hartman adentra um território tão íntimo que às vezes parece que estamos lendo os diários dessas jovens, descobrindo segredos talvez inconfessáveis. Ela concede a dezenas de personagens a plena humanidade, o direito de errar e de não aprender com o erro, de agir por impulso, de trair o marido, de ser amante, de ter muitos parceiros sexuais, de se apaixonar por alguém do mesmo gênero, de sentir ódio, raiva, tristeza, de gozar.

Depois do navio negreiro e da plantation, a terceira revolução da vida íntima negra aconteceu na cidade, caracterizada pela tendência a se casar mais tarde, as dificuldades econômicas, a alta taxa de mortalidade entre os homens negros e as práticas sexuais instáveis. O cortiço mobiliou o laboratório social da classe trabalhadora negra.

O que seria do Harlem Renaissance —movimento artístico do século 20 que mudou a maneira como o negro se expressava nos Estados Unidos— sem essas jovens? Poucas pessoas percebem que a melindrosa é apenas “uma pálida imitação” da menina do gueto.

O trabalho de Hartman é monumental. Os registros da época coagiam os negros à visibilidade como uma condição de policiamento e caridade, fazendo aqueles que eram forçados a aparecer carregarem o fardo da representação.

E continuamos a ver a mesma lógica em filmes e livros que são lançados agora, um século depois. A lógica de ver o modo como negros vivem e onde moram como um problema social, de que a “promiscuidade” é inerente à raça, de que somos animais, seja na cama, seja no trabalho, relegados a atividades braçais. Hartman rebate: é a nossa relação com o mundo dos brancos que é o problema.

Nas conversas de W.E.B. Du Bois com pessoas negras do gueto, elas perguntavam: não seria melhor estudar os brancos, já que são eles que precisam mudar?

“Perguntavam-se que negro seria tão franco ou ingênuo a ponto de acreditar que a simples verdade poderia mudar as pessoas brancas. Como se elas fossem cegas para o mundo que elas mesmas tinham criado. Ou não sabiam tratar os negros de outro jeito que não feito cães?”, provoca Hartman ao buscar entender a hostilidade desses entrevistados.

“Vidas Rebeldes, Belos Experimentos” forma um caleidoscópio do que é ser uma jovem negra no gueto americano do início do século 20. Hartman vai desde personagens sem nome a encrenqueiras da estirpe de Ida B. Wells e Eleanora Fagan, vulgo Billie Holiday. Todas formam um coro que murmura de formas variadas: quero ser livre.

VIDAS REBELDES, BELOS EXPERIMENTOS – Autor Saidiya Hartman

Preço R$ 89,90 (432 págs. – Editora Fósforo – Tradução Floresta

Reação do mundo em desenvolvimento à Guerra da Ucrânia remete a Não Alinhados 2.0, por Tatiana Prazeres..

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Brutalidade do conflito não mobiliza comunidade internacional em torno da resposta de americanos e europeus

Tatiana Prazeres, Analista internacional, foi secretária de comércio exterior e trabalhou na China de 2019 a 2021

Folha de São Paulo, 23/04/2022.

Um meme geopolítico me chamou a atenção recentemente. A imagem: um mapa-múndi esquisito, mostrando tão somente EUA, Canadá, Europa, Japão, Austrália e Nova Zelândia, em suas proporções corretas. O título: “A comunidade internacional da qual você sempre escuta falar”. Toda a vasta massa territorial de África, América Latina, Rússia, China e Índia, por exemplo, simplesmente não apareciam. O resultado era um mapa composto por territórios minguadíssimos na carta do grande globo terrestre.

A provocação faz muito sentido no contexto da Guerra da Ucrânia. Em Washington e Bruxelas, fala-se que o conflito fará da Rússia um Estado pária, que Moscou sofrerá um grande isolamento internacional. Mas talvez se pense diferente em partes do mundo desconsideradas por muitos europeus, americanos e seus principais veículos de imprensa.

Dois terços da população mundial vivem em países cujas autoridades se declaram neutras ou têm uma posição simpática à Rússia no conflito. É difícil falar em isolamento internacional quando, por exemplo, China e Índia recusam-se a implementar sanções contra Moscou.

Da Indonésia à África do Sul, da Turquia à Argentina, muitos resistem a endossar as restrições. Países da África e da América Latina ressentem-se da alta de preços de alimentos e combustíveis, e muitos atribuem esse resultado antes às sanções contra a Rússia do que à agressão perpetrada contra a Ucrânia.

A brutalidade da ação russa certamente choca, mas tem sido incapaz de gerar, no mundo em desenvolvimento, o apoio desejado por europeus e americanos à sua contraofensiva.

No pano de fundo, há também uma fadiga com o que é visto como hipocrisia dos grandes. Precedentes de violação à soberania alheia —como na invasão dos EUA ao Iraque — e, mais recentemente, a distribuição desigual de vacinas contra a Covid e o tratamento mais favorável a refugiados ucranianos em comparação aos de outras origens alimentam ressentimentos. Por mais que as repercussões do conflito sejam globais e por maior que seja a solidariedade ao povo ucraniano, muitos países em desenvolvimento preferem não tomar partido.

Mesmo que por objetivos distintos —comerciais, estratégicos ou mesmo ideológicos—, a opção pela neutralidade no conflito acaba por aproximar os países do chamado Sul Global. A experiência remete ao Movimento dos Não Alinhados, criado na década de 1960, em torno do qual países em desenvolvimento articulavam-se para defender o distanciamento em relação aos blocos opostos da Guerra Fria.

Falar em Não Alinhados 2.0 é tirar a poeira de conceitos de antigamente, mas invasão territorial e guerra estão aí para lembrar que o mundo anda para trás.

Num outro sinal de que muitos querem acreditar no próprio discurso, a Guerra da Ucrânia tem sido apresentada como um confronto entre democracias e autocracias, entre o mundo livre e modelos autoritários. O argumento desconsidera, por exemplo, que a Índia, maior democracia do mundo, resiste a escolher um lado e, principalmente, a endossar sanções.

A invasão russa, vale lembrar, foi condenada pela Assembleia-Geral da ONU, foro que melhor se aproxima do que seja essa tal comunidade internacional. Mas é a resposta de americanos e europeus que não entusiasma o mundo em desenvolvimento. Sanções não tiveram o endosso das Nações Unidas; a expulsão russa de organismos internacionais encontra, acertadamente, resistências entre países que julgam importante manter abertos os canais de diálogo.

Numa guerra que é também de narrativas, o suposto apoio da comunidade internacional tem sido evocado para simplificações que apagam do mapa aquilo que não interessa.

O contrato social está no limite, por Marcos Mendes.

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Enfraquecimento do Executivo e baixo crescimento aumentam risco de crise institucional

Marcos Mendes, Pesquisador associado do Insper, é autor de ‘Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?’

Folha de São Paulo, 22/04/2022.

O contrato social desenhado após a redemocratização está se esgotando. As condições de governabilidade estão se deteriorando. Isso sinaliza problemas institucionais à frente.

Um alto grau de conflito distributivo é inerente a uma sociedade desigual, como a brasileira. No topo da pirâmide há pessoas com poder político e econômico para usar o Estado a seu favor, por meio de políticas como crédito subsidiado provido por bancos públicos, proteção contra a concorrência de produtos importados ou contratos privilegiados com a administração pública. No outro extremo, há uma grande pobreza a demandar políticas de assistência social.

Terreno fértil para o populismo redistributivista entrar em choque com a preservação de privilégios. O resultado é instabilidade política, um roteiro conhecido na história da América Latina.

O contrato social da redemocratização brasileira procurou amenizar esse conflito usando o Estado para atender a todos ao mesmo tempo. Foram preservados e ampliados privilégios da elite e se instaurou ampla política de benefícios aos mais pobres e à classe média. O Estado brasileiro distribui para todos: do Bolsa Empresário ao Bolsa Família. O que os grupos de pressão pedem ao Congresso, levam: pisos salariais, subsídios setoriais, alíquotas preferenciais.

Com todos atendidos, diminuiu a tensão social. O custo, porém, é o crescimento da carga tributária, da dívida pública e da despesa com juros. Ademais, políticas para favorecer grupos geram perda de eficiência econômica, reduzindo o potencial de crescimento. O cobertor fica curto e não dá para continuar distribuindo a todos.

As manifestações de 2013, cuja principal característica foi juntar diversos grupos que pediam mais do Estado, já foi um sinal de estresse.

Desde os anos 1990 já se percebeu a insustentabilidade desse modelo. Diferentes governos tentaram limitar o acesso aos cofres e a distorção das decisões regulatórias do Estado, por meio de reformas institucionais.

Para fazer essas reformas avançarem, e manter as finanças públicas sob controle, contava-se com uma divisão de poderes em que o Executivo era forte e tinha instrumentos para manter uma coalizão majoritária no Congresso, facilitando a aprovação de seus projetos. Instrumentos tortos, como a liberação de emendas em troca de votos, somavam-se ao poder de agenda (Medidas Provisórias) e de veto.

Porém, a força do Executivo vem sendo desidratada. A governabilidade, que sempre foi precária, está se tornando impossível.

As MPs, que podiam ser livremente editadas e reeditadas, foram limitadas pelo STF e são frequentemente alteradas ou rejeitadas pelo Congresso. Vetos presidenciais, que não eram contestados, agora caem frequentemente. Projetos de lei do Executivo encalham e as iniciativas dos parlamentares prosperam. Agências reguladoras, instituições de Estado, estão sendo loteadas entre políticos.

As emendas parlamentares se tornaram obrigatórias, perdendo poder de cooptação. Foi necessário criar outra modalidade de emenda, a de relator, para usar como instrumento de cooptação. Com isso, as emendas deixaram de consumir uma franja do orçamento e já representam 24% da despesa não obrigatória, engessando o espaço fiscal do Executivo.

A multiplicação de partidos, financiados por régias transferências públicas, pulverizou a representação política e dificultou ainda mais a formação de coalizões.

Frente às limitações fiscais, as lideranças do Congresso transformaram o modelo de distribuir para todos em distribuir prioritariamente para eles mesmos: financiamento de campanhas eleitorais, dos partidos e das emendas orçamentárias paróquias. Ao fazê-lo, desmoralizam o sistema político e alimentam o discurso de que democracia não dá certo.

Qualquer presidente que assuma em 2023 terá dificuldade em recuperar o controle do orçamento e da agenda política.

Em ambiente polarizado, não será fácil redesenhar o contrato social sem maiores turbulências.

Tive o prazer e o privilégio de trabalhar com Eduardo Guardia. Se tivesse lido esta coluna, ele me diria: “Marcos, você sempre pessimista. Vamos trabalhar e melhorar esse país!”. Edu, obrigado.